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Sendo a demonologia uma ciência esquecida é natural que os espíritos mais atuantes dos dias de hoje, sejam simplesmente ignorados pelos estudiosos. Estudam a atuação do rei das pragas que acabam com a colheita, mas esquecem de se perguntar sobre a taxa crescente de abortos e os acidentes aéreos. Lady Cocaine é um caso típico, e a descrição a seguir de Antonio Augusto Fagundes Filho não nos deixa mais ignorá-la.
Outros nomes: Senõrita Coca, Sepent Blanc, Madre Coca
Talvez por ser uma das mais novas criaturas do Inferno, desde que irrompeu no Mundo, ao tornar-se moda nos Anos 20, vem expandindo seu poder de uma maneira nunca vista. Não imaginada, aliás, nem pelos próprios demônios, que a elevaram a um grau de verdadeira “superstar” do Mundo Subterrâneo. Embora outras drogas como o álcool, o ópio, a morfina ou os barbitúricos também sejam demônios perfeitamente análogos a ela, a Rainha Branca do Mal reina soberana sobre todos os vícios. Basta lembrar que o simples uso das folhas de coca já foi condenado pelo Segundo Concílio de Lima, em 1567.
Assim como o uso do ópio expressava a indolência onírica típica do século passado, a Cocaína condensa em si a vibração mental e a proposta característica de toda a nossa época: a Competição do Individualismo mais exarcebado. Por entorpecer a sensibilidade, distorcer o juízo crítico e acirrar o plano mental em detrimento da emoção, é a droga que perfeitamente retrata a face oculta da modernidade. Em função disso provoca súbitas explosões emocionais, tormentosas e sinceras, em geral apenas para logo recair em uma paranóia ainda mais feroz.
Suas vítimas todas conhecem os labirintos da Culpa e os porões do Remorso, assim como os Mistérios implacáveis do Tempo e da Solidão Fundamental da Condição Humana. Só a podem conhecer verdadeiramente aqueles que perderam em suas garras alguém muito importante, como um amor ou ente querido, ou os que sentiram que estavam morrendo e clamaram a Deus por mais um dia. Para ela, cada “overdose” é um triunfo e cada tragédia um orgasmo. Por isso mesmo, trata-se do maior apetite de destruição de todo o Inferno, sendo o mais insaciável dos Seres das Trevas. Outra particularidade sua é que jamais abandona as suas presas, permanecendo sempre à espreita da menor oportunidade para retomar seu império despótico.
Relato
Surgiu para mim como uma mulher de beleza estranha e sorriso fixo, doentio. Muito magra, apresentava todos os sinais físicos dos viciados, inclusive às vezes sangrava o seu nariz, o que a fazia rir como se fosse muito divertido. Seu cabelo era enorme, preto e branco, e seus olhos saltados, arregalados, sublinhavam cada movimento de seus gestos rápidos, muito nervosos. Falava sem parar de olhar para todos os lados, em contagiante paranóia, como a esperar algum desastre. Mudava de humor rápida e inexplicavelmente, passando de ameaçadora a comovida em questão de segundos, completamente absorvida num frenesi mental que a fazia imprevisível, irracional, quase demente. Enquanto falava, fazia lânguidos gestos com as mãos, jorrando dos dedos grossas fileiras de pó cristalino com as quais brincava, distraidamente, o tempo todo.
– O Livro dos Demônios – Antonio Augusto Fagundes Filho
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