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Os Mitos da Criação no Antigo Egito

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Por Ícaro Aron Soares.

Os antigos mitos de criação egípcios são os antigos relatos egípcios da criação do mundo. Os Textos das Pirâmides, as decorações das paredes das tumbas e os escritos, que datam do Império Antigo (c. 2.700–2.200 AEC), forneceram a maioria das informações sobre os antigos mitos da criação egípcia. Esses mitos também constituem as primeiras compilações religiosas do mundo. Os antigos egípcios tinham muitos deuses criadores e lendas associadas. Assim, o mundo, ou mais especificamente o Egito, foi criado de diversas maneiras, de acordo com as diferentes partes do Antigo Egito. Algumas versões do mito indicam o cuspir, outras a masturbação, como ato de criação. O deus mais antigo, Rá e/ou Atum (ambos deuses criadores/solares), emergiu de um estado caótico do mundo e deu origem a Shu (ar) e a Tefnut (umidade), de cuja união vieram Geb (terra) e Nut (céu), que por sua vez criaram Osíris, Ísis, Set e Néftis. Uma extensão desta estrutura básica era o mito de Osíris envolvendo Osíris, sua consorte Ísis e seu filho Hórus. O assassinato de Osíris por Set e a resultante luta pelo poder, vencida por Hórus, forneceram uma narrativa poderosa que ligava a antiga ideologia egípcia da realeza à criação do cosmos.

Em todos estes mitos, dizia-se que o mundo emergiu de um mar infinito e sem vida quando o sol nasceu pela primeira vez, num período distante conhecido como Zep Tepi, “a Primeira Ocasião”. Diferentes mitos atribuíram a criação a diferentes deuses: o conjunto de oito divindades primordiais chamadas coletivamente de Ogdóada, a divindade contemplativa Ptah e o misterioso e transcendente deus Amon. Embora estas diferentes cosmogonias competissem até certo ponto, noutros aspectos eram complementares, como diferentes aspectos da compreensão egípcia da criação.

ELEMENTOS COMUNS DOS MITOS DA CRIAÇÃO:

Os diferentes mitos têm alguns elementos em comum. Todos eles sustentavam que o mundo surgiu das águas sem vida do caos, chamadas de Nu. Incluíam também um monte em forma de pirâmide, chamado Benben, que foi a primeira coisa a emergir das águas. Esses elementos provavelmente foram inspirados pelas enchentes do rio Nilo todos os anos; o recuo das águas da enchente deixava um rastro de solo fértil, e os egípcios podem ter equiparado isso ao surgimento da vida a partir do caos primitivo. A imagem do monte piramidal deriva dos montes mais altos de terra emergindo à medida que o rio recua.

O sol também estava intimamente associado à criação, e dizia-se que ele  foi a primeira coisa a surgir, como o deus-sol geral Rá ou como o deus Khepri, que representava o sol recém-nascido. Havia muitas versões do surgimento do sol, e dizia-se que ele emergiu diretamente do monte ou de uma flor de lótus que crescia no monte, na forma de uma garça, de um falcão, de um escaravelho ou de uma criança humana.

Outro elemento comum das cosmogonias egípcias é a figura familiar do ovo cósmico, um substituto das águas primitivas ou do monte primitivo. Uma variante da versão do ovo cósmico ensina que o deus sol, como poder primordial, emergiu do monte primitivo, que existia no caos do mar primitivo.

AS COSMOGONIAS EGÍPCIAS:

Cada um dos diferentes relatos da criação era associado ao culto de um deus específico em uma das principais cidades do Egito: Hermópolis, Heliópolis, Mênfis e Tebas. Até certo ponto, estes mitos representam teologias concorrentes, mas também representam diferentes aspectos do processo de criação.

Este artigo abordará as principais cosmogonias do Antigo Egito.

A OGDÓADA – A COSMOGONIA DE HERMÓPOLIS:

O mito da criação promulgado na cidade de Hermópolis enfocava a natureza do universo antes da criação do mundo. As qualidades inerentes às águas primitivas eram representadas por um conjunto de oito deuses, chamado de Ogdóada. A deusa Naunet e sua contraparte masculina Nu representavam a própria água estagnada e primitiva; Huh e sua homóloga Hauhet representaram a extensão infinita da água; Kek e Kauket personificavam a escuridão presente nela; e Amon e Amaunet representavam a sua natureza oculta e incognoscível, em contraste com o mundo tangível dos vivos. As águas primitivas faziam parte do processo da criação, portanto, as divindades que as representavam podiam ser vistas como deuses criadores. Segundo o mito, os oito deuses foram originalmente divididos em grupos masculinos e femininos. Eles eram simbolicamente representados como criaturas aquáticas porque viviam na água: os machos eram representados como sapos e as fêmeas como serpentes. Esses dois grupos eventualmente convergiram, resultando em uma grande convulsão, que produziu o monte piramidal. Dele surgiu o sol, que ascendeu ao céu para iluminar o mundo.

A GRANDE ENÉADA – A COSMOGONIA DE HELIÓPOLIS:

Em Heliópolis, a criação foi atribuída a Atum, uma divindade intimamente associada a Rá, que teria existido nas águas de Nu como um ser potencial inerte. Atum era um deus autogerado, a fonte de todos os elementos e forças do mundo, e o mito de Heliópolis descrevia o processo pelo qual ele “evoluiu” de um único ser para esta multiplicidade de elementos. O processo começou quando Atum apareceu no monte e deu origem ao deus do ar Shu e sua irmã Tefnut, cuja existência representava o surgimento do espaço em meio às águas. Para explicar como Atum fez isso, o mito usa a metáfora da masturbação, com a mão que ele usou nesse ato representando o princípio feminino inerente a ele. Diz-se também que ele “espirrou” e “cuspiu” para produzir Shu e Tefnut, uma metáfora que surgiu dos trocadilhos com seus nomes. Em seguida, Shu e Tefnut se uniram para produzir o deus da terra Geb e a deusa do céu Nut, que definiram os limites do mundo. Geb e Nut, por sua vez, deram origem a quatro filhos, que representavam as forças da vida: Osíris, o deus da fertilidade e da regeneração; Ísis, a deusa da maternidade; Set, o deus do caos; e Néftis, a deusa da proteção. O mito representava assim o processo pelo qual a vida se tornou possível. Esses nove deuses foram agrupados teologicamente como a Enéada, mas os oito deuses menores e todas as outras coisas do mundo eram vistos, em última análise, como extensões de Atum.

PTAH, O CRIADOR DO UNIVERSO – A COSMOGONIA DE MÊNFIS:

A versão da criação de Mênfis centrava-se em Ptah, que era o deus padroeiro dos artesãos. Como tal, ele representava a capacidade do artesão de imaginar um produto acabado e moldar as matérias-primas para criar esse produto. A teologia de Mênfis dizia que Ptah criou o mundo de forma semelhante. Esta, ao contrário das outras criações egípcias, não foi uma criação física, mas intelectual da Palavra e da Mente de Deus. As ideias desenvolvidas no coração (considerado pelos egípcios como a sede do pensamento humano) de Ptah ganharam forma quando ele as nomeou com a língua. Ao pronunciar esses nomes, Ptah produziu os deuses e todas as outras coisas.

O mito da criação de Mênfis coexistiu com o de Heliópolis, já que se acreditava que o pensamento criativo e a fala de Ptah causaram a formação de Atum e da Enéada. Ptah também foi associado a Tatjenen, o deus que personificava o monte piramidal.

AMON, MUT E KHONSU – A COSMOGONIA DE TEBAS:

A teologia de Tebas afirmava que Amon não era apenas um membro da Ogdóada, mas a força oculta por trás de todas as coisas. Há uma fusão de todas as noções de criação na personalidade de Amon, uma síntese que enfatiza como Amon transcende todas as outras divindades em seu ser “além do céu e mais profundo que o submundo”. Um mito tebano comparou o ato da criação de Amon ao chamado de um ganso, que quebrou a quietude das águas primitivas e causou a formação da Ogdóada e da Enéada. Amon estava separado do mundo, sua verdadeira natureza estava escondida até mesmo dos outros deuses. Ao mesmo tempo, porém, porque ele era a fonte última da criação, todos os deuses, incluindo os outros criadores, eram apenas aspectos de Amon. Amon acabou se tornando o deus supremo do panteão egípcio por causa dessa crença.

Amon é sinônimo do crescimento de Tebas como uma importante capital religiosa. Mas são nos salões com colunas, nos obeliscos, nas estátuas colossais, nos relevos das paredes e nas inscrições hieroglíficas dos templos tebanos que procuramos obter a verdadeira impressão da superioridade de Amon. Tebas era considerada o local do surgimento do monte primitivo no início dos tempos.


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