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Desde a mais alta Antigüidade, sempre houve deuses relacionados com a Sombra, como o Set egípcio e o Shiva hindu. Com o advento do Satan bíblico, nunca houve nenhuma organização satânica plenamente estabelecida pelo simples fato de que seria imediatamente exterminada pelo Cristianismo.
As seitas “satanistas” eram, na realidade, pagãs e hereges, sendo as primeiras as que cultuavam um deus anterior ao advento do Cristianismo, como Dionísio, e as segundas as que traziam uma versão diferente dos dogmas cristãos, como duvidar da virgindade da mãe de Jesus.
No passado, houve apenas um caso documentado de Missa Negra. A Missa Negra seria uma paródia da cristã, praticada por um padre herege, em que Satan se converteria numa caricatura de Cristo. Nada tinha de Satanismo, e sim de anticristismo. Catherine Deshayes, mais conhecida como Madame Voisin, além de receitar poções de veneno para as damas da corte que queriam se livrar dos seus maridos, também realizava vários rituais macabros para pura diversão dos nobres decadentes da corte do rei Luís XVI, com a participação do abade Guibourg e vários outros padres, recebendo rios de dinheiro. A coisa se tornou tão escandalosa, que Madame foi arrolada num processo e, por fim, queimada na praça de Grève em 22 de fevereiro de 1680.
O consenso histórico moderno acerca do Satanismo revela que, malgrado alguns grupos acreditassem estar adorando Satan, na verdade se tratavam de grupos anti-sociais locais. Durante todo o período do Cristianismo, qualquer grupo era considerado satânico, conforme a mente das autoridades. É risível o fato de que os grandes bruxos estavam muito bem acobertados pela instituição que viria em seu encalço, caso se dessem a conhecer. Nunca houve mais feitiçaria do que nos anais da própria Igreja Católica, haja vista a existência de papas, como Benedito IX, João XX, os Gregórios VI e VII e Honório, o Grande[1], todos conhecidos como magos.
O Satanismo deu seus primeiros sinais de vida com o advento dos Hell Fire Clubs, no século XVIII, o mais importante liderado por Sir Francis Dashwood, que “orientou a condução de rituais repletos de diversão bem suja, e certamente o proveu de um colorido e inofensivo psicodrama para muitos guias espirituais do período”, menciona LaVey. Na verdade, era a proto-existência do Satanismo, ainda bem distante de sua realidade atual. Dele participaram muitas pessoas influentes da coroa britânica, como John Montagu (Lord Sandwich), e até mesmo o americano Benjamin Flanklin, conforme relato de Cecil B. Currey. Há, ainda, a referência ao partido político Whig, onde jovens lordes formariam parte do grupo de Sir Francis. Os repórteres, ao denunciarem “a maneira herege e profana” como se davam as reuniões, levou o Rei George I a exigir a total extinção da ordem.
No final do século XIX e início do XX, começaram a surgir instituições de cunho thelemico, como a Ordem dos Templários do Oriente e Ordem da Estrela de Prata, que, contraditoriamente, buscaram eliminar qualquer conotação com o Satanismo, ao mesmo tempo em que Crowley usava o moto de To Mega Therion, A Grande Besta. É compreensível que Crowley, sendo rebento de uma era vitoriana extremamente rígida, tivesse de obrar com determinada cautela, caso contrário não haveria nada demais em aceitar a referida associação. Ou, ainda, que tentasse dissociar Thelema de idéias relativas ao satanismo gótico, na verdade inexistente, fruto da histeria cristã.
Em 1904, houve a recepção do Liber Al Vel Legis[2], transmitido por Aiwaz[3] a Crowley, que mais tarde admitiu: “Aiwaz não é uma simples fórmula, como muitos nomes angélicos, mas ele é o verdadeiro, o mais antigo nome do Deus dos Iezides e, assim, remonta à mais alta antigüidade. Nosso trabalho é, portanto, autêntico; a redescoberta da Tradição Sumeriana.” Ora, o deus dos Iezides era Shaitan, que se originara de Set. Atualmente, há ordens assumidamente satânicas no exterior que usam o Liber Al Vel Legis em seus estudos, entendendo os seus três capítulos como as três manifestações de Satan.
Neste momento, torna-se importante um adendo. Apesar de não existirem organizações satânicas no passado remoto, não significa que não houve satanistas. Pelo contrário, são inúmeros os indícios da presença de satanistas na história, mas não de conformidade com a literatura cristã, e sim pelo fato de o satanista ser, acima de tudo, uma pessoa totalmente emancipada. Alguns nomes, como Rasputin, Cagliostro, Giosue Carducci, Fernando DePlancy, Nietzsche, John Milton, Al Capone e muitos outros são provas de que o satanista nasce em qualquer meio social. Eles foram de facto satanistas.
Qualquer pessoa que seja, ou tenha sido no passado, emancipada de quaisquer grilhões escravizantes da religião, da política, da economia, da cultura ou do que for, é satanista. Tal pessoa possui o amor-próprio plenamente desenvolvido, a primar pela liberdade como sua única lei, sem se impor a nenhuma regra de conduta arbitrada por terceiros, que, evidentemente, tergiversará sua expressão e vontade individuais sob a tirania dissimulada (ou não) de um vampirismo psíquico.
[1] O grimório deste papa é famoso.
[2] Conhecido como o Livro da Lei.
[3] Aiwaz ou Aiwass é uma inteligência preter-humana que ditou o Livro da Lei a Crowley, nos dias 8, 9 e 10 de abril de 1904, entre 12 e 13h.
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