Leia em 7 minutos.
Este texto foi lambido por 265 almas esse mês
Por Victor Bianchin e Marina Motomura.
Macumba é uma espécie de árvore africana e também um instrumento musical utilizado em cerimônias de religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda. O termo, porém, acabou se tornando uma forma pejorativa de se referir a essas religiões – e, sobretudo, aos despachos feitos por alguns seguidores. Na árvore genealógica das religiões africanas, macumba é uma forma variante do Candomblé que existe só no Rio de Janeiro. O preconceito foi gerado porque, na primeira metade do século 20, igrejas neopentecostais e alguns outros grupos cristãos consideravam profana a prática dessas religiões. Com o tempo, quaisquer manifestações dessas religiões passaram a ser tratadas como “macumba”. Entenda nas próximas páginas as diferenças entre os cultos de origem africana.
GIRA NO CONGÁ:
Cerimônia da Umbanda começa com defumação e termina com desincorporação dos médiuns
1. Para entrar no congá – onde rolam as cerimônias da Umbanda -, o público deve tirar os sapatos em respeito ao solo, que é sagrado. A cerimônia, chamada de gira, começa à noite, por volta das 20 h, e, quando os fiéis chegam, os médiuns já estão lá, incluindo o sacerdote
2. A preparação do congá, local onde ocorrem as incorporações das entidades, começa com a defumação: ervas como alecrim são queimadas num braseiro. O ritual, que purifica e passa energia, é acompanhado de ponto cantado – todas as cantigas são chamadas de pontos na Umbanda.
3. Em seguida, o sacerdote ministra um tema de reflexão para o dia, como faz o padre em uma missa católica. Também ocorrem a oração de abertura, os pontos de abertura (que saúdam a Umbanda), cânticos ao orixá regente (cada orixá tem seu dia da semana) e a apresentação da linha de trabalho do dia.
4. O passo seguinte é a saudação aos guardiões (Exu) e guardiãs (sua versão feminina). Nesse momento, todos viram-se em direção à tronqueira, o “altar” de Exu, do lado de fora do congá. Os fiéis saúdam, reverenciam e pedem proteção aos guardiões que protegem o templo.
5. Começa a batida dos atabaques e são entoados os pontos de chamada, cânticos que invocam a linha de trabalho do dia. O sacerdote é o primeiro a incorporar o orixá e, depois que tiver recebido sua entidade, comandará os trabalhos, conduzindo a incorporação dos médiuns.
6. Cada médium incorpora só uma entidade (entre orixás e humanos, como o Preto Velho e o Caboclo), mas a mesma entidade pode se repetir – é possível ter dezenas de Pretos Velhos num mesmo terreiro. Após todos incorporarem, ocorre o atendimento ao público.
7. Ao final do atendimento, é entoado o ponto de subida, canto que embala a desincorporação dos médiuns. Em seguida, é feita uma prece final de encerramento, e a gira termina por aquela noite.
DESPACHO NA ENCRUZILHADA:
Nem sempre oferenda é indício de magia negra.
Os despachos nos cruzamentos ganharam fama de “macumba” porque são uma das expressões mais visíveis dessas religiões fora dos templos. Mas, na verdade, eles são oferendas para o orixá Exu, geralmente pedindo proteção. São colocados em encruzilhadas porque esses lugares representam a passagem entre dois mundos. Existem, sim, despachos feitos para fazer mal aos outros (mais no Candomblé, onde não existe distinção entre o bem e o mal, diferentemente da Umbanda), mas nenhuma das religiões incentiva essa prática
APRENDIZ DE UMBANDA:
Entenda como uma pessoa comum pode se tornar médium e incorporar entidades.
1. Quem tem interesse em ser mais que um observador da Umbanda pode ir às giras e esperar que a entidade incorporada o identifique. A entidade aponta a “vocação” da pessoa: médium de incorporação, ogã (quem toca os instrumentos) ou um cambone (auxiliares dos médiuns).
2. Os que serão médiuns frequentam as giras de desenvolvimento mediúnico, sessões de iniciação fechadas ao público, nas quais os ogãs entoam cânticos chamando a entidade espiritual. O iniciante medita sobre as vibrações do dia e realiza banhos de ervas e oferendas para o orixá.
3. Quando o iniciante começa a incorporar, ele entra na “fase de firmeza”, em que, incorporado, risca símbolos no chão, acende velas e conversa com o sacerdote sobre sua forma de trabalho.
4. Agora o iniciante já pode aplicar “passes energéticos” em roupas e objetos e imantar água. Em seguida, ele passa a poder aplicar os passes em crianças e, enfim, é inserido na linha de atendimento das giras públicas. Em geral, a iniciação termina depois de alguns meses.
FESTA NO ILÊ:
Cerimônia do Candomblé tem sacrifício de animais, farofa e até cachaça.
1. Os procedimentos começam à tarde, com o despacho de Exu, fechado ao público. São sacrificados dois animais (uma ave ou um animal de quatro patas, como bode, para Exu e outro para o orixá homenageado do dia). O sangue dos bichos é derramado sobre o assentamento (ou seja, o “altar”) do orixá, em oferenda.
2. Os membros se reúnem em círculo no barracão, conhecido como ilê, onde também há uma vasilha com farofa com dendê, feijão ou inhame e um copo com água ou cachaça. São feitos cânticos e orações e um filho de santo leva parte da comida para fora do barracão, em oferenda. A porta é batizada com bebida, já que Exu é o deus dos cruzamentos.
3. No fim da tarde, começa o toque, a cerimônia pública. Ao som de atabaques, são entoadas as cantigas de xirê, que homenageiam os orixás. Os filhos de santo entram na roda, um a um, em ordem – o filho de Ogum é sempre o primeiro. Começam as incorporações. Os filhos de santo estremecem, sinal de que a entidade foi incorporada.
4. O primeiro a incorporar é sempre o orixá homenageado. O filho ou filha que incorporou o orixá assume o comando da festa, dançando e curando doentes. São auxiliados pelas equedes (ajudantes). Aos poucos, os outros orixás incorporam também.
5. A um sinal do babalorixá (pai de santo), os filhos se retiram para uma sala onde se vestem com os trajes dos respectivos orixás. Cada orixá tem uma roupa que difere nas cores e nos acessórios, como a espada de Ogum. Quando voltam, já como divindades, todos ficam em pé para recebê-los.
6. Os orixás também voltam em ordem, com exceção do homenageado da noite, que entra primeiro. Quando todos já entraram, cada orixá incorporado dança sozinho para uma música tocada só para ele, utilizando toda a área do barracão. Um por vez, todos os orixás fazem sua dança.
7. Ao som dos instrumentos, o orixá senta e começa o atendimento, abençoando e tocando os presentes, além de dar passes. Por volta da meia-noite, os atabaques tocam as cantigas de Oxalá, encerrando a festa. Feito isso, partes dos animais sacrificados são servidas em um jantar feito no barracão.
A GRANDE FAMÍLIA:
Conheça os Orixás mais cultuados nos terreiros:
Oxalá:
É o orixá da criação e “chefe” de todos os orixás no Candomblé.
Ogum:
Orixá que manipula e forja metais para fazer suas armas.
Obaluaiê:
Associado à morte e à passagem para o plano espiritual.
Oxumaré:
É o orixá dos ciclos, dos movimentos e do arco-íris.
Oxum:
Orixá feminino, é a patrona das águas doces – rios, lagos e cachoeiras.
Nanã:
A mais velha dos orixás protege os pântanos e as chuvas.
Exu:
Protetor dos caminhos entre o mundo material e o espiritual.
Oxóssi:
Orixá da caça, da fartura e da riqueza, é o senhor da floresta.
Ossaim:
Orixá das folhas sagradas e das ervas medicinais.
Xangô:
Representa o fogo, o trovão e a justiça. Tem um aspecto viril.
Iansã:
Orixá dos ventos e das tempestades, é uma entidade passional.
Iemanjá:
A orixá dos mares e oceanos. É mãe de alguns orixás.
APRENDIZ DE CANDOMBLÉ:
Entenda como uma pessoa comum pode se tornar filho de santo
1. Durante uma festa, a pessoa “bola no santo”, tendo tremores que indicam que deve ser iniciada no Candomblé. O abiã (iniciante) geralmente veste branco
2. O bori é a cerimônia em que o iniciante faz oferendas para o orixá. Ele também sacrifica aves, como pombos, e depois é marcado com o sangue dos animais
3. Durante 21 dias, o iniciante se recolhe a um quarto chamado roncó. Lá, ele aprende danças, orações, mitos e detalhes sobre seu orixá. Ele não bebe álcool e não conversa
4. O recolhimento é encerrado com o sacrifício de um animal quadrúpede. Ao final, ocorre uma festa chamada orô, em que os abiãs saúdam os presentes, depois dançam e finalmente incorporam seu orixá em público
A ORQUESTRA DO ORIXÁ:
Divindades são chamadas com instrumentos de percussão.
Os instrumentos tocados pelos ogãs são, principalmente, atabaques, espécies de tambores que ditam o ritmo da dança. Outros instrumentos bastante usados são o agogô, que traz dois funis metálicos, tocados com uma vareta de ferro, e o xequerê, que é uma semente de cabaça cercada por uma rede de malha com contas, tocada como se fosse um chocalho. O instrumento macumba, que deu nome ao culto, hoje pouco utilizado, é parecido com um reco-reco
Consultoria – Babalorixá Antonio Carlos Jagun, autor do livro Beabá dos Orixás; Rodrigo Queiroz, sacerdote do Templo Escola Umbanda Sagrada, e Marina de Mello e Souza, professora de História da África da USP
Revista Superinteressante.
Fonte: Blog sementesdaumbanda.blogspot.com
***
Revisão final: Ícaro Aron Soares.
Alimente sua alma com mais:
Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.