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Paracelso
CAPITULO I
(Conceito sobre a entidade espiritual)
Definiremos a entidade espiritual dizendo que ela é uma potência perfeita cujo fim consiste em maltratar o corpo inteiro (ad corpus universum violandum) com todas as espécies de doenças.
Já sei que não faltarão aqueles que vão fazer objeções a este critério tão absoluto nos insultando por causa dele. Mas serei um surdo para todos eles. Essas objeções não me impressionarão e certamente serão diluídas e aniquiladas por si mesmas. No entanto sei que os argumentos desta polêmica devem ser suficientemente sólidos, de maneira bem diferente daquela usada pelos que nos fazem objeções.
Ao explicar o que é a entidade espiritual será bom que antes de mais nada eliminem o chamado estilo teológico, pois nem todo aquele que se intitula teólogo é santo, nem piedosos os seus argumentos, nem verdadeiras as deduções tiradas da teologia por aqueles que não a entendem.
É certo que esta entidade foi descrita pelos teólogos com maior cuidado e atenção do que as outras entidades. Mas de qualquer forma todos os seus nomes e textos são completamente diferentes do nosso Quarto Livro Pagão, cujas demonstrações são sistematicamente negadas por eles.
Podemos dizer que nenhuma palavra será capaz de resolver nada onde faltem os nervos ou a medula. Com efeito, essas palavras sempre saem de bocas ignorantes. Certamente, se fosse Deus o autor de tais escritos, nada mais poderíamos fazer senão segui-los ao pé da letra, abandonando todo outro trabalho.
Sem dúvida coincidimos num ponto: ao afirmar que o conhecimento desta entidade não vem absolutamente da fé cristã. Sustentamos que tal entidade é de natureza pagã e que, além disso, não vai contra a fé cristã, na qual todos temos que morrer.
Por isso digo que não devem considerar esta entidade como uma entidade qualquer entre os espíritos, pois isso seria como aceitar a ideia de que os maus demônios (cacodoemones) pudessem se constituir em entidade. Quando falam assim é porque lhes falta a razão e como se suas palavras estivessem inspiradas pelo diabo. Observem assim que o diabo não se encontra na entidade espiritual, nem nenhuma de suas obras, efeitos ou conspirações. E isto é assim porque nem o diabo nem o anjo são espíritos.
O espírito é aquilo que geramos em nossas sensações e meditações, sem matéria dentro do corpo vivo, sendo também diferente da alma que nasce em nós no momento de morrer (Quod ab obitu nostro nascitur id anima est).
CAPÍTULO II
(Anatomia dos espíritos)
Depois de termos dado no capítulo anterior os conselhos necessários para que não levem em conta as fantasias e as desprezáveis opiniões dos que se dizem teólogos, vamos ensinar agora o modo como devem compreender o espírito. Inicialmente não faremos menção aos anjos nem aos demônios porque o conhecimento dele pertence à filosofia e não à nossa entidade. Devemos entender o que seja espírito da seguinte maneira:
O espírito é o que provoca as doenças sem nenhum empecilho, em grau e forma semelhantes como agem as entidades. Recordemos que existem duas classes de “terrenos” capazes de abrigar as doenças e de conservar nelas marcas profundas e duradouras. Um desses terrenos é a matéria, ou melhor, corpo. O outro, imaterial, é o espírito do corpo, de natureza invisível e impalpável.
O espírito pode sofrer, tolerar e suportar por si mesmo as mesmas doenças que o corpo. Esta é a razão pela qual foi denominado entidade espiritual (ens spirituale).
As três entidades que estudamos até agora — astral, natural c a dos venenos — pertencem fundamentalmente ao corpo. Ao espírito correspondem as outras duas restantes: a do espírito, que estudamos agora, e a de Deus, que trataremos em seguida.
Apesar desta divisão aparente, devem pensar que ali onde o espírito sofre o corpo também sofre e pode mostrar as mesmas perturbações do espírito. Isto se explica pela existência no universo de duas classes de enfermidades: as materiais, que se caracterizam pela posse ou modificação da cor (tinguntur), se nutrindo das três primeiras entidades, e as espirituais, emanadas da entidade espiritual e da entidade divina, não possuindo cor material. Continuaremos então falando sobre as doenças espirituais e a sua razão de ser.
CAPÍTULO III
(Fisiologia dos espíritos)
Tendo feito referência à dualidade dos “terrenos” do ser vivo, vamos estudar agora alguma coisa sobre isto.
Partindo do princípio de que o espírito existe positivamente em cada corpo, pensem em que ou corno a sua função pode se manifestar utilmente.
A sua finalidade é conservar o corpo da mesma maneira como o ar protege as criaturas contra a sufocação. Além disso o espírito de cada corpo é substancial, visível, tangível e sensível para os outros espíritos. E em sua mútua aproximação, podem inclusive se tornar parentes assim como fazem os corpos.
Nosso próprio espírito, por exemplo, pode estabelecer conhecimento com o espírito de um outro homem qualquer da mesma forma como fazemos corporalmente. Os espíritos utilizam entre si uma linguagem especial com a qual conversam livremente, sem nenhuma relação com os discursos humanos.
Compreendam assim que dois espíritos podem manter entre si afinidades, inimizades ou ódios, e que um consiga até ferir o outro como acontece com os homens. Com isto queremos dizer que podem existir lesões espirituais, já que o espírito mora no corpo e se manifesta através dele. Por isso o corpo pode sofrer e ficar doente, não em sua matéria, porque não se trata de uma entidade material, mas em seu espírito.
Quando dois seres se buscam e se unem num amor ardente e aparentemente insólito, temos que pensar o seguinte: seu afeto não nasce nem reside no corpo, mas provém dos espíritos de ambos os corpos, unidos por laços e afinidades superiores, ou então por tremendos ódios recíprocos que também podem mantê-los estranhamente unidos. Estes são aqueles que nós chamamos de espíritos gêmeos.
Para esclarecer ainda mais essa dissertação devo dizer que os espíritos não são gerados pela razão, mas pela vontade. Todos os que vivem de acordo com-a sua vontade vivem no espírito, assim como todos os que vivem de acordo com a razão o fazem contra o espírito.
Da razão nasce a alma e não o espírito, que é uma obra exclusiva da vontade, ou melhor, do “querer”. Vamos então continuar falando sobre o espírito deixando a alma para depois.
CAPÍTULO IV
(Sobre a aparição dos espíritos no corpo, e a maneira pela qual se manifestam)
A propósito do nascimento dos espíritos observem que estes não existem nas crianças porque elas não possuem ainda uma vontade perfeita.
Somente aqueles que têm uma vontade perfeita e ágem de acordo com ela são capazes de gerar um espírito substancial e construtivo que nunca é um enviado ou uma graça do céu. Mas um produto que o homem tira de si mesmo (fabricat).
Da mesma forma como a pedra (padernal) produz o fogo o espírito é gerado pela vontade, podendo-se ainda afirmar que ele será do mesmo grau que a vontade tenha alcançado.
Tenham isto como certo: todos os que viverem na vontade possuirão um espírito que poderá registrar (examinar) todas as doenças que atormentem o corpo onde ele mora.
Conhecendo este mecanismo do nascimento dos espíritos devemos ainda levar em conta que existem dois mundos substanciais: um para os corpos e outro para os espíritos, apesar de se encontrarem unidos na vida.
No mundo onde esses espíritos residem, perpétua e substancialmente, assim como nós sobre a terra, também existem os desejos, os ódios, as discórdias e toda uma série de sentimentos semelhantes que atuam e se manifestam sem o consentimento ou conhecimento do corpo.
Se nós concluímos que o homem pode viver segundo seu livre arbítrio, devemos pensar da mesma maneira sobre os espíritos, pois, quando os corpos se ferem mutuamente, nada acontece oom eles (espíritos). Mas o mesmo não acontece quando os espíritos brigam entre si. Neste caso os corpos ficam afetados, aparentemente por sua própria culpa, ainda que não possam traduzir (perceber) a injúria íntima que seus espíritos sofreram.
CAPÍTULO V
(Sobre os meios empregados pelos espíritos para influenciar)
Os espíritos podem infligir enfermidades aos corpos por dois caminhos ou mecanismos diferentes. Um deles acontece quando dois espíritos lutam e se ferem reciprocamente sem a vontade ou o conhecimento dos homens, estimulados por sua inimizade mútua ou pela influência de outras doenças. E isto deve ser levado a sério pelos médicos.
O outro mecanismo acontece quando, como consequência de nossos pensamentos e meditações obrigamos a nossa vontade a consentir, desejar e querer um transtorno ou uma pena qualquer para um outro indivíduo. Neste caso, essa vontade fixa, firme e intensa é que é a “mãe” geradora do espírito.
Como a coisa pensada (sententia) produz a palavra e se torna mãe do discurso, da mesma forma, onde não há pensamento, nem a palavra nem o discurso podem ser produzidos. E este conceito é aplicado exatamente aos espíritos. Por isso o espírito estará em nós à medida que a nossa vontade seja plena e perfeita.
CAPÍTULO VI
(Sobre a ação da “má vontade”)
Vamos conhecer agora a maneira como os espíritos podem nos prejudicar. Se desejamos com toda a nossa vontade (plena voluntas) o mal de outra pessoa, esta vontade que está em nós acaba conseguindo uma verdadeira criação no espírito, impelindo-o a lutar contra o da pessoa que queremos ferir. Então, se este espírito é perverso — mesmo que o corpo correspondente não o seja — acaba deixando nele (no corpo) uma marca de pena ou sofrimento, de natureza espiritual em sua origem, ainda que seja corporal em algumas de suas manifestações.
Quando os espíritos travam essas lutas, acaba vencendo aquele que pôs mais ardor e veemência no combate. Segundo esta teoria, devem compreender que em tais contendas se produzirão feridas e outras doenças não-corporais. Por conseguinte, toda uma série de padecimentos do coipo pode começar desta maneira, desenvolvendo-se em seguida conforme a substância espiritual. Estudaremos isto no livro da “Origem das Enfermidades”.
CAPÍTULO VII
(Sobre os poderes da nigromancia)
Vamos neste parêntesis dar alguns exemplos para a melhor compreensão do que seja a entidade espiritual.
Quando modelamos uma imagem de cera, a enterramos e a cobrimos de pedras, projetando’ sobre ela a vontade do espírito contra a pessoa representada (pela tal imagem), essa pessoa será atacada pela ansiedade, principalmente no local onde foram acumuladas as pedras. E só se livrará da angústia quando sua imagem for desenterrada. Da mesma forma, quando durante essas provas uma das pernas da imagem se quebra, a pessoa representada sofrerá a mesma lesão. Assim também acontecerá se quisermos provocar feridas, picadas, e outras coisas semelhantes.
£ preciso procurar a razão disto no poder da nigromancia, da qual provém todas as coisas em força e origem. A nigromancia pode criar figuras e imagens inexistentes, ainda que dotadas de todos os atributos da realidade. Mas, ao contrário, não é capaz de ferir o corpo de um homem a não ser que o espírito desse homem tenha causado algum dano em um outro espírito qualquer. Quando um nigromante planta uma árvore, consegue o poder de castigar e ferir todo aquele que castigue ou ofenda essa árvore. A causa disto está no fato de que a pessoa é atacada pelo espírito superior da árvore. Quando isto acontece, e ainda que o dano seja perceptível no corpo dessa pessoa, na verdade o seu espírito é que foi atacado.
Em tais casos não adianta empregar a medicina, mas sim o medicamento do espírito. Aí sim, verão como o corpo será curado imediatamente. Porque conforme já dissemos, o espírito é que está ferido e não o corpo.
CAPÍTULO VIII
(Teoria do malefício)
Se minha vontade se encher de ódio contra alguém, precisará expressar este sentimento de alguma maneira. E isto será feito justamente através do corpo. Sem dúvida, se minha vontade for demasiadamente violenta ou ardente, pode acontecer que meu desejo chegue a perfurar e ferir o espírito da pessoa odiada. E também posso encerrá-lo à força (compellam) numa imagem que eu consiga fazer dele, deformando-a e distorcendo-a a meu gosto, atingindo assim também a intenção de atormentar meu inimigo.
É certo que possam alegar muitas outras razões ou causas para estes resultados e que nem sempre a entidade intervém neles, segundo demonstram os estudos filosóficos. Mas seja de uma maneira ou de outra, devemos entender e observar sempre uma verdade: a ação da vontade e a sua enorme força tem grande importância para a medicina.
Por outro lado, todo aquele que permanece impregnado de ódio, nunca querendo o bem, pode atrair para si todo o mal desejado aos outros. Porque existindo o feitiço maléfico somente com a permissão do espírito, pode acontecer que as imagens do malefício se transformem em doenças, tais como as febres, epilepsias, apoplexias e outras. Por isso é bom não zombar dessas coisas.
Não se esqueçam da força da vontade, que é capaz de gerar semelhantes espíritos malignos com os quais o espírito da razão (mens) nada tem em comum.
Esse é o motivo pelo qual essas ações se realizam com muito mais facilidade nas bestas do que nos homens, já que o espírito dos humanos vale muito mais que o dos animais. Sobre este assunto encontrarão referências mais claras no ‘”Livro dos Espíritos e da Geração dos Espíritos”.
CAPÍTULO IX
(Como agir sobre os espíritos culpados)
Uma coisa semelhante acontece com os caracteres. Assim, quando a imagem de um ladrão for golpeada, este será forçado a voltar ao lugar onde roubou por mais longe que tenha ido. O fundamento da entidade espiritual está encerrado na causa deste fato.
Quando alguém modela uma figura parecida com a do homem que se quer castigar, ou a desenha numa parede, golpeando-a com picadas ou pancadas, tudo isso acontece na realidade. A vontade do espírito transfere assim o sofrimento simbólico da figura para a pessoa real que ela representa. Por isso concluímos que os espíritos combatem entre si da mesma forma que os homens
Isto não pode acontecer aos homens justos e honestos pelo simples motivo de que seus espíritos se defendem e se protegem energicamente. O mesmo não acontece com o espírito do ladrão, que é completamente perturbado e agitado pelo medo. Finalmente, no caso de não se saber qual é a imagem do ladrão, pode-se todavia conseguir alguma influência sobre ele através de outro espírito intermediário: o médium.
Quando todo este trabalho da vontade estiver consumado pelo espírito influenciador sobre o sujeito onde mora o espírito influenciado, ou em sua figura ou imagem, o segundo terá se tornado prisioneiro do primeiro, sendo obrigado a executar o que lhe seja ordenado.
CAPÍTULO X
(Como os espíritos atuam nos sonhos)
Depois de tudo o que acabamos de explicar, deduz-se que os espíritos dominam os criminosos e são capazes de expressar e influenciar os sentimentos do desejo e do ódio.
Isso forçosamente nos faz compreender que a entidade espiritual é capaz de manifestar sua força. Supostamente isto também pode aplicar-se a todas as doenças que afligem o homem.
Em tais casos não devemos administrar medicamentos exigidos pelas doenças naturais, mas os que correspondem ao espírito, que na verdade é o verdadeiro doente.
Devemos saber que existem algumas pessoas que sofrem do espírito pela simples ação de uma vontade mais forte, sem que sirvam para nada os maus tratos infligidos às suas imagens, o que pode acontecer a pessoas que ignoram esses meios. Em tais casos a influência da vontade pode ser transmitida através dos sonhos, de acordo com o seguinte mecanismo: enquanto duas pessoas dormem, os sonhos de uma completam os da outra, sendo assim possível ao espírito de uma conduzir os sonhos da outra, causando-lhe ferimentos ainda que ambas estejam inconscientes.
Os sonhos de dois homens de vontade forte podem se complementar se for possível colocá-los em contato enquanto dormem, seja pela imposição das mãos do médium ou através da palavra. Pois, na verdade, o que o espírito produz em tais circunstâncias não é sonho.
Assim, a mão consegue ferir o homem mesmo sem tocá-lo, e a boca realiza o que quer por meio da palavra. Tudo isso só pode ser feito através de um intermediário que não é outra coisa senão o poder do espírito.
E justamente pela ação da vontade e não da fé, que nada tem a ver com o caso. Seria uma grande besteira (stultitia) fazer qualquer alusão a isto.
Vimos então que dois homens só podem se matar pela ação e não pela fé ou crença.
Os espíritos de grande vontade nascem da incandescência de suas forças e não da credulidade, sendo capazes de lutar e de se consumirem, conforme foi dito repetidas vezes nos nossos “Livros da Fé e da Vontade”, e como antes de nós foi demonstrado pelas pitonisas com os seus encantamentos.
Alimente sua alma com mais:
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