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1 Desde a criação deste mundo pelo Demiurgo, não com as mãos, mas pela palavra, concebeu-o como presente e sempre existente e tendo tudo feito e sendo Um-Único, tendo formado os seres pela sua própria. Pois eis seu verdadeiro corpo, que não se pode tocar, nem ver, nem medir, que não possui dimensão, que não é semelhante a nenhum outro corpo. Pois não é fogo, nem água, nem ar, nem sopro, mas as coisas provém de si. Ora, como ele é bom, não quis dedicar essa oferenda a si somente, nem para si unicamente ornar a terra, mas enviou para cá, como ornamento desse corpo divino, o ser humano, vivente mortal, ornamento do vivente imortal. E se o mundo o situou sobre os vivos pela eternidade da vida, o ser humano situou-o acima do mundo pela razão e pelo intelecto.
O homem, com efeito, tornou-se o contemplador da obra de Deus e prostou-se maravilhado, aprendendo a conhecer o Criador.
3 A razão então, oh! Tat, Deus distribuiu-a em partilha a todos os humanos, mas não fez o mesmo quanto ao intelecto.
Não que ele tenha provado alguns pela inveja, pois a mesma não deriva do alto, mas é aqui embaixo que ela se forma nas almas dos humanos que não possuem intelecto. – Por que então, pai, Deus não estendeu a todos o intelecto? – É que ele pretendeu, meu filho, que o intelecto fosse dado às almas como um prêmio que quisessem conquistar.
4 E onde ele o colocou? – Encheu uma grande cratera que havia enviado à terra e ordenou a um arauto que proclamasse ao coração dos homens estas palavras: “Mergulha-te, tu que o podes, nesta cratera, tu que crês que subirás para Aquele que enviou à terra a cratera, tu que sabes porque vieste a ser.”
Todos aqueles que atentaram à proclamação e que foram batizados neste batismo de intelecto, tomaram parte no conhecimento e tornaram-se seres humanos perfeitos porque receberam o intelecto. Aqueles que negligenciaram a escuta da proclamação, aqueles são os “logikoi” porque não adquiriram o intelecto e ignoram porque nasceram e quais os autores disto.
5 As sensações desses homens são todas vizinhas daquelas dos animais sem razão e, como seu temperamento permanece num estado de paixão e de cólera não admiram as coisas dignas de contemplação, fixam-se apenas nas volúpias e apetites corporais e crêem que é para estas coisas que o ser humano veio a ser. Contrariamente todos aqueles que tiveram parte no dom vindo de Deus, aqueles, oh! Tat, quando se comparam as suas obras com as da outra classe, são imortais e não mais mortais, pois atingiram a todas as coisas pelo seu próprio intelecto, as da terra, as do céu e o que se pode encontrar ainda acima do céu. Tendo-se elevado a uma tal altura, viram o Bem e tendo-o visto, consideraram a permanência cá embaixo como uma infelicidade. Então, tendo desprezado todos os seres corporais e incorpóreos, desejam o UM-Único.
6 Tal é, oh! Tat, a ciência do intelecto, possessão em abundância das coisas divinas e a compreensão de Deus, pois a cratera é divina. – Eu também quero ser batizado, ó pai. – Se não desprezas o teu corpo, meu filho, não podes amar a ti mesmo. Mas se amas a ti mesmo possuirás o intelecto, e possuindo o intelecto terás também parte na ciência. – Como dizes isto, ó pai? – impossível, meu filho, prender-se ao mesmo tempo a essas duas coisas, às coisas mortais e às coisas divinas. Pois como há duas espécies de seres, o corpóreo e o incorpóreo, e que essas duas categorias dividem o mortal e o divino, resta apenas escolher uma ou outra, caso se queira escolher: pois não é possível tomar ao mesmo tempo a uma e a outra; e quando só resta escolher, o defeito de uma mostra a potência ativa da outra.
7 Portanto, a escolha do melhor não somente mostra sua existência para aquele que a fez, a mais gloriosa, mas ela diviniza o ser humano, e manifesta ainda a piedade para Deus. Ao contrário a escolha do pior acarretou a perda do ser humano e por outro lado, se não foi, de resto, uma ofensa a Deus, recaiu pelo menos nisto: como as procissões avançam no meio da turbamulta sem serem capazes de produzir coisa alguma por si mesmas, mas não sem oprimir a marcha dos outros, estes seres humanos verossimilhantemente a elas nada mais fazem que procissionar no mundo, arrastados que são pelas volúpias corporais.
8 Já que é assim, ó Tat, nós tivemos e teremos sempre à nossa disposição o que vem de Deus: mas que aquilo que vem de nós lhe corresponda e não seja falto, pois Deus, não é responsável, nós é que somos responsáveis pelos nossos males naquilo em que os preferimos aos bens. Vês, meu filho, quantos corpos nos é necessário atravessar, quantos coros demoníacos, e que sucessão contínua e quais cursos de astros para nos lançarmos ao Um-Único? Pois o Bem é intransponível, sem limite e sem fim e relativamente a si próprio, sem princípio também, ainda que para nós pareça ter um quando o conhecemos. Apossemo-nos portanto desse começo e percorramo-lo. com todo desejo: pois é uma via tortuosa abandonar os objetos familiares e presentes para arrepiar caminho para as coisas antigas e primordiais. Com efeito, isto que aparece aos olhos faz nossas delícias enquanto que o inaparente desperta a nossa dúvida. Ora, as coisas más são mais aparentes aos olhos, o Bem, contrariamente, é invisível aos olhos visíveis. Não possui efetivamente nem forma, nem figura. É por isso que é semelhante a si mesmo e é dissemelhante de tudo o mais, pois é impossível que um incorporal torne-se aparente a um corpo.
10 Tal é a diferença entre o semelhante e o dissemelhante e a deficiência que afeta o dissemelhante considera particularmente o semelhante. Ora, a mônada, sendo princípio de todas coisas, existe em todas as coisas, enquanto raiz e princípio. Ora nada existe sem princípio. Quanto ao próprio princípio, não sai de nada, a não ser de si mesmo, pois é com efeito o princípio de tudo o mais. Sendo então princípio, a mônada compreende todo número, sem ser compreendida em nenhum deles. E engendra todo número sem ser engendrada por nenhum outro número.
11 Efetivamente tudo o que é engendrado é imperfeito e divisível, extensível e redutível, ora, nada disso afeta o perfeito. E se o que é extensível deriva sua extensão da mônada, sucumbe por outro lado à sua própria fraqueza quando não é mais capaz de conter a mônada.
Tal é portanto, ó Tat, a imagem de Deus, que desenhei para ti com o melhor de minhas forças: se a contemplas como é, e a representas com os olhos do coração, creia-me, criança, encontrarás o caminho que leva às coisas do alto. Ou, antes, é a própria imagem que te mostrará a rota. Pois a contemplação possui uma virtude própria: àqueles que uma vez já a contemplaram, toma em sua posse e os atrai a si como, diz-se, o ímã atrai o ferro.
Corpus Hermeticum
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