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Alquimia

Uma análise estatística dos tratados alquímicos

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Thiago Tamosauskas

Em uma época em que há tutoriais em vídeo para praticamente qualquer coisa é natural que aos olhos modernos a Alquimia pareça uma exaustiva bagunça. Estes olhos não estão errados. Crescendo no estranho canteiro que separa a Ciência da Religião, os antigos alquimistas carecem tanto do rigor científico atual como da firmeza de uma dogmática religiosa.

A mistificação é generalizada: diferentes autores usam diferentes nomes para falar das mesmas coisas, ao passo que um mesmo autor pode falar de uma mesma coisa usando nomes diferentes e ocasiões distintas. Não há padronização de peso ou medida, os termos são criados no meio do caminho e aparentemente abandonados sem nenhuma razão. A malícia se soma ao medo de ser pego e os livros se tornaram mais quebra-cabeças do que manuais didáticos.

Tudo isso ocorre por diferentes razões: O medo da ortodoxia, a vaidade da heterodoxia, a malícia dos estelionatários,  a ingenuidade dos sopradores, entre outras. Mas a principal razão dos textos parecerem alquímicos serem tão confusos é que a Alquimia é acima de tudo uma arte de experimentação individual. O que os antigos falavam eram de suas experiencias pessoais, as vezes bastante íntimas, e cada um tinha seus próprios métodos e suas próprias terminologias. Além disso, alquimistas nunca tiveram papas ou autoridades centrais que pudessem fazer um grande concílio de alquimistas para definir o que realmente esta arte ensina.

Diante deste caos é realmente muito bem vinda a análise estatística proposta pelo matemático e alquimista austríaco Aleksander Almásy. Em um estudo de 500 páginas publicado em 2014 intitulado ‘Alchemy Deciphered: Statistically Significant Evidence“, Almasy buscou encontrar os padrões de repetição dentro das obras dos principais alquimistas da história. Seu objetivo era ver no meio de tantas experiencias pessoais, o que todos, ou pelo menos a maioria, falavam em comum.

Descrição da Pesquisa

Para isso, em primeiro lugar, ele fez uma análise rigorosa de centenas de manuscritos disponíveis em museus, bibliotecas e coleções particulares para selecionar o maior número possível de fontes confiáveis. Para participar do estudo a obra deveria ser uma fonte primária, ou seja, não um trabalho das perspectivas de terceiros não praticantes. A obra também deveria ser declaradamente um tratado alquímico e não um livro sobre muitos assuntos com notas sobre algum experimento. Além disso, a fonte deveria ter sido escrita antes do século XIX, para evitar interpretações modernas e os manuscritos originais deveriam estar disponíveis. Com isso foram eleitos 58 tratados alquímicos confiáveis, incluindo nomes de peso como Paracelso, Basílio Valentim, Roger Bacon, Francis Bacon e  Nicholas Flamel.

O próximo passo foi separar as obras em citações e categorizar cada citação pelo assunto em um banco de dados. Com resultado ele chegou a 205 afirmações feitas em comum entre os autores. Para determinar o valor estatístico desta afirmações ele definiu quatro variáveis:

  • O número de fontes de suporte (𝑦)
  • O número de fontes contraditórias (𝑥)
  • O número total de fontes (𝑛) 
  • A probabilidade de concordância por acaso ou coincidência (𝑝).

O rigor da formula foi bem alto, para evitar falsos-positivos o valor de 𝑝 foi colocado em 25% (0,25), um número bastante exagerado. Seja como for, usando o nível alfa padrão de 5% obteve então uma tabela de probabilidade que pode ser ordenada por significância estatística.

Premissas relevantes encontradas

O trabalho final encontrou 205 premissas, destas selecionamos para este artigo as 15 com maior alpha, sendo que as 11 primeiras cravaram em 1.000000, ou seja, são verdadeiras unanimidades entre os alquimistas do passado. 

Premissa Relevância
Os alquimistas falam em metáforas  1.00000000
Seja gentil com o calor  1.00000000
Existem duas coisas 1.00000000
O corpo e o espírito devem ser combinados  1.00000000
Os alquimistas foram deliberadamente obscuros para esconder o segredo  1.00000000
A Pedra Filosofal é feita de uma só coisa 1.00000000
Deve putrefazer  1.00000000
A alquimia é um segredo  1.00000000
Depois do branco vem o vermelho  1.00000000
O recipiente deve ser hermeticamente fechado 1.00000000
A Pedra Filosofal é um remédio universal  1.00000000
Imite a Natureza 0,9999999
Existem 3 cores: preto, branco, vermelho  0,9999999
Tenha Paciência  0,9999999
As duas coisas podem ser chamadas de masculino e feminino  0,9999999

Os alquimistas falam em metáforas 

Essa é a premissa com o maior suporte de todas: 71 citações de 32 fontes diferentes. Se há alguma coisa da qual não se pode ter duvida é que o que quer que os alquimistas estivessem falando, eles estavam falando metaforicamente.

Os alquimistas foram deliberadamente obscuros para esconder o segredo 

Os alquimistas não escreveram para ser compreendidos. Não se trata de uma inabilidade de comunicação, mas de um proposito. Cada tratado alquímico é um teste apenas para o leitor se mostrasse digno, seja por ter sido iniciado em uma guilda, seja por ter decifrado com sua própria inteligência, seja por inspiração e revelação celestial.

Seja gentil com o calor 

A natureza não trabalha com o excesso de calor ao desenvolver plantas ou animais. Calor moderado faz a vida brotar, mas calor demais mata, portanto o calor usado para produzir a Pedra Filosofal é moderado mas constante. 

A Pedra é feita de uma só coisa

A Pedra Filosofal parece usar vários ingredientes mas na verdade é feita de uma única substância. 

Existem duas coisas

A Pedra Filosofal é feita de duas coisas que foram separadas de nosso único ingrediente primordial visto acima.

O corpo e o espírito devem ser combinados 

O corpo e o espírito devem ser combinados, para se tornarem um novamente.

Deve putrefazer 

A putrefação é uma etapa imprescindível na criação da Pedra Filosofal.

A alquimia é um segredo 

A alquimia é um segredo desde que há registros dela. Mesmo os que parecem falar mais claramente são acusados pelos outros de estar escondendo algo. A desculpa que os alquimistas usam para justificar seu próprio sigilo tende a ser que todo a sociedade desmoronaria se o segredo fosse conhecido.

Depois do branco vem o vermelho 

O sinal de cor do trabalho final completo é o vermelho, que vem depois do branco… muito tempo depois.

O recipiente deve ser hermeticamente fechado

O termo ‘hermeticamente selado’ surgiu na alquimia. É preciso se desidentificar-se das coisas externas para explorar as coisas internas. Se o recipiente não fosse isolado e protegido do exterior a substância evaporaria. 

A Pedra é um remédio universal 

Diz-se que a Pedra Filosofal cura tudo e fornece a energia para qualquer coisa que entre em contato com ela se torne o que quer que aquela coisa queira ser. O propósito do Azoth é permitir que qualquer coisa um se torne o que quer queira ser.

Imite a natureza

Na alquimia os processos naturais são acelerados e otimizados, mas nunca forçados. Cada ação tem seu momento apropriado. O alquimista não força nada, mas faz com que a substância se desenvolva onde ela naturalmente quer ir, removendo qualquer impedimento e assegurando as melhores condições para que as transmutações ocorram.

Existem 3 cores: preto, branco, vermelho

Os alquimistas concordam com quais são e em que ordem aparecem as três cores principais da substância durante o trabalho, a saber: preto, branco e vermelho. Existem outras cores mas estas não são tão importantes.

Tenha Paciência

Paciência é uma virtude sem a qual não haverá sucesso diante das falhas e da demora do processo. A Pedra Filosofal pode demorar anos para ser conquistada e o trabalho pode ser arruinado por um momento de impaciência.

As duas coisas podem ser chamadas de masculino e feminino

A substância sólida é um principio masculino e a substância líquida um princípio feminino.

* Thiago Tamosauskas autor do Principia Alchimica, um manual simples e direto dos principais conceitos e práticas da alquimia.

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