Categorias
Yoga Fire

A obra-prima de Yogananda

Leia em 4 minutos.

Este texto foi lambido por 80 almas essa semana.

por Raph Arrais

No primeiro dia de 2023 entrou em domínio público em praticamente todo o planeta toda a obra de Paramahansa Yogananda, o yogui, ou iogue, responsável por uma das maiores obras da espiritualidade do século XX, Autobiografia de um iogue.

Após um trabalho de tradução longo, profundo e incrivelmente prazeroso, consegui lançar a obra pelo meu selo, as Edições Textos para Reflexão. Hoje o único e-book disponível na Amazon, Google Play e outras lojas é justamente esta tradução.

O grande mérito aparente do livro é se tratar da autobiografia de um legítimo iogue da Índia, ou seja, escrita por ele mesmo, e não por algum jornalista ou pesquisador. Mas esta obra é muito maior que isso: em suas dezenas de capítulos, Yogananda teceu um intrincado passo a passo de conexão com o divino, de modo que não seria exagero dizer que a mera leitura atenciosa de suas centenas de páginas já é, ao menos de alguma forma, uma prática de yoga em si mesma.

E, para que ninguém duvide disso, trago abaixo um poema que consta no capítulo 14, onde o autor relata sua experiência com a Consciência Cósmica. O próprio título, Samadhi, remete a um estado de “meditação perfeita”, uma iluminação que, embora passageira no tempo, transforma a vida de quem a experimentou, para sempre.

Com vocês, Paramahansa Yogananda:

Desvanecidos os véus de luz e sombra,

Evaporada toda bruma de tristeza,

Naveguei além de todas as manhãs de alegria fugaz,

Até que a miragem dos sentidos ficou para trás.

Amor e ódio, saúde e doença, vida e morte:

Todas estas sombras falsas pereceram na tela da dualidade.

Ondas de riso e sarcasmo, redemoinhos de melancolia,

Tudo se dissolveu na vastidão oceânica do êxtase.

 

A tempestade de maya [ilusão] aplainou

Pela varinha mágica da intuição profunda.

O universo e os sonhos esquecidos espreitavam no subconsciente,

Prontos para invadir minha memória divina, recém-desperta.

Então eu vi: eu vivo sem a sombra cósmica,

Mas ela não vive sem mim;

Tal qual o mar perdura mesmo sem ondas,

Embora elas precisem dele para existir.

 

Sonhos e despertares, estados de sono profundo,

Presente, passado e futuro nada mais significam para mim;

Eu estou em cada momento, sempre a fluir, sempre em tudo:

Nos planetas, nas estrelas, na poeira que cintila na terra,

Nas erupções vulcânicas dos grandes cataclismas,

Nos fornos que moldam a matéria, nas geleiras silenciosas

De raios-x, nas inundações de elétrons ardentes,

No pensamento de todos os homens, de antes, agora e depois,

Em cada lâmina verde do prado, eu e a humanidade inteira

Somos cada átomo da poeira sideral;

Desejo e raiva, bem e mal, salvação e luxúria:

Eu engoli a todos, e os transmutei num vasto oceano

Que forma o sangue de meu próprio Ser!

 

A labareda do êxtase, tantas vezes acalentada pela meditação,

Cegou meus olhos úmidos, cresceu em fogaréu,

Tornou-se um baile imortal de fogo e contentamento,

Até consumir minhas lágrimas, minha forma, tudo o que eu era.

 

Você sou Eu, Eu sou Você;

O Conhecer, O Conhecido e Aquele Que Conhece: somos Um!

Sereno, inabalável, eternamente vivo, numa paz que sempre se renova!

Aqui experimentamos tal regozijo:

Uma alegria além de qualquer possibilidade imaginada, o êxtase do samadhi!

Todavia, não um estado sem consciência,

Tampouco um clorofórmio mental anestesiando a vontade.

O samadhi tão somente expande as fronteiras do reino consciente

Além dos limites mundanos,

Até as distâncias mais longínquas da eternidade,

Onde Eu, o Oceano Cósmico,

Contemplo o ego, pequenino, a flutuar.

 

A queda de um pardal, cada grão de areia soprado pelo vento,

Nada acontece que esteja além da minha visão.

Eu sou o espaço colossal que abarca tudo o que é, foi e será.

E através da meditação profunda, dedicada, que anseia por Mim,

Chega um dia este samadhi celestial.

 

O murmúrio do baile atômico pode ser ouvido;

E, veja: as montanhas e os vales dançando com a lava,

Esculpindo novas paisagens e territórios!

Mares fluem pelo cosmo, agora são vapores de nebulosas!

AUM [Palavra Criadora] os sopra, rompendo seus véus;

E, veja: eles se espalham pelas galáxias, que maravilha!

Elétrons cintilam em tudo, como pérolas no mar,

E tudo está em paz…

Até que, ao toque do tambor cósmico,

Desvanecem os aglomerados em radiação eterna;

Um êxtase além das palavras, além dos limites,

Preenche tudo que há.

 

Do êxtase eu vim, pelo êxtase eu vivo, no sagrado êxtase eu sou diluído.

Como uma mente oceânica, eu bebo as ondas da criação.

Quatro véus se estendem pelo cosmo:

Sólido, líquido, gasoso e luminífero.

Eu, estando em tudo, adentro o Grande Eu.

Sombras vacilantes e tênues da memória mortal

Parecem ter se aniquilado para sempre.

No grande céu mental, já não estou aqui ou acolá,

Nem muito acima nem abaixo, nem perto nem distante:

Eu e a eternidade, um único facho singrando o vazio…

 

Então, uma pequena bolha de riso se forma,

E eu me torno o próprio Oceano da Alegria.

 

(tradução por Rafael Arrais)


Saiba mais sobre o autor em www.raph.com.br

Obs.: Texto destinado ao site Morte Súbita inc.

Deixe um comentário

Traducir »