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Lenda Urbana: Xuxa Bruxa

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Shirlei Massapust

Desde o fim da oitava década do século XX até a início do século XXI eu cansei de ouvir narrativas de religiosos fundamentalistas, membros de denominações cristãs, as quais afirmavam que a modelo e atriz brasileira Maria da Graça “Xuxa” Menenguel teria feito um pacto com o Diabo. Em torno dessa invencionice surgiram lendas urbanas, inclusive aquela onde todas as bonecas da Mimo estriam sujeitas a possessão diabólica.

Xuxa tornou-se um alvo favorito da crítica fundamentalista por várias razões: Ela é mulher, sexo favorito das mitológicas investidas do diabo desde a tentação de Eva. É uma profissional bem-sucedida do invejado meio artístico. Alcançou fama e fortuna por mérito, mas de forma tão súbita quanto o Fausto da ficção de Goethe. Xuxa ditava moda e influenciava a educação das crianças. Dizem – não sei se é verdade – que ela hospedava o amigo Michael Jackson (1958-2009) quando ele vinha ao Brasil a passeio e ele retribuía o favor recebendo-a no rancho Neverland, em Santa Ynez, nos EUA.

Xuxa teve a má sorte de vincular sua imagem como garota propaganda da loteria Papatudo, um empreendimento da Interrunion que faliu sem quitar alguns prêmios. Seu primeiro programa, assim como o restante da programação da rede Globo de televisão, conforme exibida à época, foi severamente criticado no documentário Beyond Citizen Kane (1993), dirigido por Simon Hartog para o Channel Four da Inglaterra.[1]

Todas as narrativas sobre pactos diabólicos estão amparadas por evidências forjadas e fatos distorcidos. Por exemplo, após conversar com o músico e compositor estadunidense Steven Edward Duren, da banda W.A.S.P., o vocalista e baixista israelita Genne Simmons (Chaim Witz) deixou-se fotografar fantasiado de Satã, fazendo o ideograma “eu te amo” da linguagem de sinais (ASL). Com a diferença da posição do dedão, este é quase o mesmo ideograma para “chifes” popular entre roqueiros, que consiste em fechar as mãos levantando os dedos indicador e mindinho. Daí a paródia na foto que apareceu na capa do álbum Love Gun (1977), da banda Kiss.

A intenção de Genne Simmons foi usar sua imagem para denunciar os horrores da guerra. Porém pessoas ignorantes entenderam aquilo como um sinal identificador de cultistas do diabo. Daí em diante lendas urbanas rotulariam indiscriminadamente a todos os demais artistas que fizessem o mesmo sinal sem possuir deficiência auditiva. E Xuxa exibia tal sinal à plateia, com frequência, na intenção de incentivar o interesse do público infanto-juvenil por métodos de acessibilidade. No programa Xou da Xuxa (30/06/1986-31/12/1992), até o surfista Moderninho – marionete criada por Reinaldo Waisman – usava o “eu te amo”, em LIBRAS, como variante do hang loose, dizendo “Yeah Yeah”.

Lições de resistência à influência da melancolia

A coisa mais parecida com um pacto diabólico que os fãs da dita “Rainha dos Baixinhos” a viram fazer foi uma cena do filme Super Xuxa Contra o Baixo Astral (1988) onde o vilão Baixo Astral, interpretado por Guilherme Karan, anuncia que o cãozinho Xuxo morreu por falta de cuidado. Xuxa fica tão deprimida que se deixa convencer que também ela é “uma pessoa má”, assume um visual sombrio com maquilagem carregada, unhas pretas e dentes deformados. Então eles dançam trocando promessas de um eterno pesadelo até que, no fim, a farsa é revelada e tudo volta ao normal.

Xuxa quase aceitando a aliança proposta pelo Baixo Astral.

(Cena capturada do VHS e tratada no Photoshop com o efeito watercolor).

O roteiro de Super Xuxa Contra o Baixo Astral (1988) foi notoriamente inspirado a um nível antropofágico no filme Legend (1985), onde a Princesa Lili (Mia Sara) muda de aparência sob o encanto do antagonista Darkness (Tim Curry). Outro tema icônico de dança em filmes de Jim Henson é a cena de Sarah (Jennifer Connelly) na festa a fantasia, com Jareth (David Bowie), o rei dos goblins, em Labyrinth (1986).

Tudo isso é fantasia e a mera ficção não deveria ser misturada com realidade. Mas o que os narradores de teorias estapafúrdias fazem? Eles recortam cenas do filme onde Tim Curry parece interpretar um diabo vermelho com cornos enormes e montam vídeos de batalha espiritual como se o personagem cinematográfico fosse o verdadeiro Diabo. Quem faz a imitação diabólica, claro, nesta lógica, deve se pactuante confesso.

O que a Xuxa fala sobre passes e magia?

Pessoas ingênuas tendem a confundir Xuxa (apelido) com Xuxa (personagem), assim como confundem José Mojica (ator) com Zé do Caixão (personagem). Nós não podemos cometer esse erro. Durante a coreografia da música Tindolelê, composta por Cid Guerreiro em parceria com Dito, a apresentadora Maria da Graça Menenguel, interpretando sua personagem Xuxa, inequivocamente solicitava que a plateia do auditório simulasse um passe, gritando: “Levante a mão passando energia!”

O objetivo da personagem era transmitir o alto astral, pois a Xuxa contém duas personas. Sem jamais repetir uma roupa, a Xuxa feliz alterna as cores vívidas do arco-íris de energia, cujo significado holístico é revelado na melodia “Arco-íris”, escrita por Sullivan, Massadas e Ana Penido, para o álbum Xou da Xuxa 3 (1998).

Com o azul eu vou sentir tranquilidade
O laranja tem sabor de amizade
Com o verde eu tenho a esperança
Que existe em qualquer criança
E enfeitar o céu nas cores do amor
No amarelo um sorriso
Pra iluminar feito o sol tem o seu lugar
Brilha dentro da gente
Violeta mais uma cor que já vai chegar
O vermelho pra completar meu arco-íris no ar
Toda cor têm em si
Uma luz, uma certa magia
Toda cor têm em si
Emoções em forma de poesia

Francamente penso que tanta gente insiste em diferenciar “esoterismo” com “s” da palavra inexistente “exoterismo” com “x” por causa do jargão sui generis da Xuxa.

Quando está de alto astral a personagem tem medo das assombrações do Trem Fantasma (1990); mas a Xuxa de baixo astral é punk gótica, veste preto, controla os fantasmas e caveiras mirins que saem das tumbas em Tumbalacatumba (2008), ordenando que façam várias coisas, inclusive pintar as unhas de preto, igual a ela.

No fim das contas nem o maligno é tão malvado ou, se for, nunca logra êxito no que faz. O temível trem fantasma “parou”, as caveiras voltaram para a tumba, os maus conselhos sempre se voltavam contra a Bruxa Keka no programa Xuxa no Mundo da Imaginação (2002-2004). A energia positiva prevalece no clima esotérico de Xuxa e os Duendes (2001). Os detalhes sombrios se dispersam com o poder da alegria juvenil.

Xuxa beijou a cruz invertida?

Na campanha Criança Esperança 2005 a Xuxa apareceu vestindo figurino completamente preto para destacar a brancura da roupa da filha Sasha durante a primeira apresentação da nova atriz mirim na TV. Além da roupa, Xuxa estava usando uma joia com motivo abstrato composto por um aglomerado de contas pretas. No vídeo de alta qualidade captado pelas câmeras da Globo dava para ver que eram contas, mas em cenas capturadas por terceiros e transformadas em fotos com resolução reduzida o pingente ficou idêntico à Cruz de Pedro da simbologia católica e gnóstica.

Os teóricos do pacto foram à farra com esta ilusão óptica[2] porque, além do Papa, os góticos, os punks e outras tribos urbanas às vezes usam a legitima cruz invertida por razões religiosas ou meramente estéticas. Isso foi noticiado em vários lugares. Criaram até uma comunidade no Orkut chamada “Xuxa faz cruz Invertida na TV”.

Posteriormente, na comemoração dos vinte e cinco anos da TV Xuxa, a apresentadora estava usando um rosário comum com uma cruz latina e, quando pegou o pingente para beijar, de novo, a coisa ficou parecendo uma Cruz de Pedro.[3]

Então suponhamos que alguém resolvesse sair por aí usando e beijando uma Cruz de Pedro. Vamos falar desta cruz? Atualmente numerosos impressos de batalha espiritual sustentam que a cruz invertida representa ideologia adversa à doutrina cristã. Bandas de black metal costumam distorcer seu significado, a exemplo do que vemos na capa do álbum Profana la Cruz del Nazareno (2008) da banda Morbosidad. Entretanto, a própria igreja católica utiliza a Cruz de Pedro em seus padrões iconográficos.

Segundo Orígenes (256 d.C.) a inversão da cruz foi uma ideia de São Pedro que pediu aos captores romanos que pudesse ser martirizado desta forma, de cabeça para baixo (EUSEBIO. História Eclesiástica, III, 1.).[4] Um texto apócrifo reproduz seu discurso:

Eu vos suplico, carrascos, que me crucifiqueis assim, com a cabeça para baixo e não de outra maneira (…) porque o primeiro homem, da raça de quem eu tenho a semelhança, caiu com a cabeça para a frente, mostrando assim uma maneira de nascimento que não existia até então. (…) Assim, tendo ele sido puxado para baixo (…) estabeleceu toda esta disposição para todas as coisas, tendo dependurado para cima uma imagem da criação, pela qual fazia as coisas da mão esquerda serem tomadas pela mão direita e as da mão direita pela mão esquerda, mudando todas as marcas de sua natureza, de modo que ele pensou que as coisas que não eram justas fossem justas, e as coisas que na verdade eram más, fossem boas… E a figura que estais vendo de mim aqui dependurado é a representação daquele homem que foi o primeiro a nascer. (Os Atos de Pedro 37).[5]

Segundo a lenda, a intenção de Pedro era não ser confundido com Jesus e, uma vez condenado à morte, desejou imitar o nascimento dos bebês. No ano 1750 a igreja católica proibiu os atos de devoção extremados duma seita de flagelantes parisiense. As lesões corporais com consentimento das vítimas incluíam a crucificação comum e a crucificação invertida que “devia ter lugar com os pés para cima e a cabeça para baixo”.[6] A polícia pôs fim à seita quando foram reportados óbitos e incapacitações. A maioria dos flagelados eram mulheres (freiras e devotas) e os flagelantes homens (padres).

A lenda urbana do pacto da Xuxa

Dizer que inúmeros famosos e pessoas proeminentes na sociedade venceram na vida frequentando giras de Exu, fazendo despacho, etc., é um método da propagada pró e contra religiões de matrizes africanas no Brasil, desde a época em que a liberdade de culto ainda não era um direito constitucional. O jornalista João do Rio (1881-1921) ouviu narrativas de negros babalorixás acostumados a fazer feitiço de amarração com panos de seda, fios de cabelo louro e cartas escritas em inglês cursivo, fornecidas pela nata da sociedade carioca. Parece que todo mundo batucava escondido.

A polícia visita essas casas como consulente (…). Eu vi senhoras de alta posição saltando, às escondidas, de carros de praça, como nos folhetins de romances, para correr, tapando a cara com véus espessos, a essas casas; eu vi sessões em que mãos enluvadas tiravam das carteiras ricas notas (…). Um babaloxá da costa da Guiné guardou-me dois dias as suas ordens para acompanhá-lo aos lugares onde havia serviço, e eu o vi entrar misteriosamente em casas de Botafogo e da Tijuca, onde, durante o inverno, há recepções e conversationes às 5 da tarde como em Paris e nos palácios da Itália (…). Noutro dia, tílburis paravam à porta, cavalheiros saltavam, pelo corredor estreito desfilava um resumo da nossa sociedade, desde os homens de posição às prostitutas derrancadas, com escala pelas criadas particulares[7].

É uma lástima que tudo que dizem sobre os frequentadores de terreiros não seja sempre verdade, pois seria ótimo se todas as personalidades formadoras de opinião convocassem gente de todas as etnias e classes sociais a uma reunião onde impera a empatia, a igualdade e o respeito; onde a felicidade é encontrada num passe de mágica.

Desgraçadamente, ao invés de servir ao melhor propósito, tanto a propaganda quanto a crítica – da forma como é feita hoje – objetivam emprestar prestígio merecido ou forjado a um templo particular; ou ainda depreciar templos e religiões em conjunto.

Um dos primeiros “paquitos” que dançavam e cantavam na equipe da Xuxa foi o “Xand”, hoje Pastor Alexandre Canhodre, que estudou teologia na Igreja Renascer em Cristo. Em 2010 ele deu entrevista afirmando ter sido escolhido para aquela vaga de emprego não por mérito e boa aparência, mas pela graça do Diabo:

Aos 17 anos me surgiu a oportunidade de fazer o teste para o Xou da Xuxa (…). Fiquei quatro anos aproximadamente no programa (…). Eu (…) frequentava todos os centros de Umbanda, Candomblé, magia negra, missa negra e vodu. Fui convidado por uma comunidade da Ku Klux Kan, maçonaria; via óvnis e discos voadores (…). Tinha em casa imagens de todo o tipo: Desde Aparecida até do Tranca Ruas (…). Eu tinha mais de sessenta imagens e sempre andava com uma estátua do Tranca Ruas em minha bolsa, um Exu Caveira e Maria Padilha. Também vendi minha alma ao diabo, oferecendo comida e bebida aos santos e fazendo pactos com eles para conseguir minha projeção artística (…). Em 1992 (…) pedi minha rescisão de contrato (…). Quando me rendi a Jesus, queimei todas as lembranças da época que eu era paquito da Xuxa (…). Reneguei meu passado e renunciei.[8]

Será que o paquito diz a verdade quando afirma ter construído um congá com seis dezenas de imagens em sua própria casa? Será que ele convidava os colegas de trabalho para assistir festas de Exu, tomar passes e receber axé? Será que conseguiu convencer os colegas da necessidade de rogar a Exu para abrir caminhos, trazer saúde, dinheiro, prosperidade, etc.? Será que Cid Guerreiro, Dito e Ceinha fizeram a música Ilariê, gravada pela Xuxa em 1987, na intenção de remeter por cacofonia à saudação “laroiê” do idioma jeje-nagô? Nada disso foi confirmado por outros testemunhos.

Existe um método na loucura fundamentalista. Primeiro os narradores de lendas urbanas compilam e interpretam fatos conhecidos. Cada singularidade adere ao rótulo pré-concebido do “artista herege” e passa a servir para atacar a coletividade. O parecido se torna igual quando, por exemplo, o sinal de amor da linguagem dos surdos mudos vira a mano cornuta. Não existem limites para a interpolação.

Após identificar as marcas do diabo, os guerreiros de deus se inserem como protagonistas da estória. É por isso que existe a mulher chamada Xuxa, a personagem chamada Xuxa e uma entidade abstrata chamada Xuxa, tão mitológica quanto o Saci, a Mula Sem Cabeça e a Loira do Banheiro. Essa última é a Xuxa Bruxa, satânica, que fabrica bonecas assassinas e faz crianças sofrerem de epilepsia subliminar.

Xand afirmou ter levado CDs gravados por ele mesmo para um terreiro onde “consagrava ao diabo” antes de vender. Igualmente, antes dele, o Pastor evangélico Francisco José Vieira Guedes (1960-2018), alcunhado “Tio Chico”, já costumava pregar aos fiéis congregados na Igreja Evangélica Ministério Solar, em Belo Horizonte.

Em seu testemunho de fé, alegava ter sido o pai de santo de confiança do empresário e jornalista Roberto Pisani Marinho (1904-2003), proprietário do Grupo Globo de 1925 a 2003, e que toda programação gravada no Projac, no Rio de Janeiro, era enviada para um terreiro de Umbanda situado no subsolo duma rua paulista onde recebia a aprovação dos Orixás. Numa gravação de uma de suas pregações, ele fala do suposto pacto feito pela Xuxa:

Eu conheci a Xuxa através do primeiro pai de santo dela, de nome Tadeu de Oxosi (…). Ela era simplesmente modelo: Trabalhava na Rede Manchete (…). Ela disse: “Tio Chico, eu sou filha de santo do Tadeu. Quero ser rica e famosa e quero trabalhar na melhor emissora de televisão do mundo, a Rede Globo” (…). Orientei a Maria das Graças sobre o que teria que fazer (…). Ela fez dois pactos. O primeiro ela fez com Exu Mirim: Uma entidade que vem como menino, como criança (…). Ela não podia dizer o nome de Jesus. Senão seria quebrado o pacto. (Transcrição de um vídeo do YouTube).[9]

A missionária Elizabete Marinho repete e continua:

A palavra Xuxa significa Xuxieli, que significa “Rainha de pequenos demônios”. Xuxa fez pacto com Exu Mirim e Caboclo Ilariê. Quando ela canta essa música é um louvor a esse caboclo. Xuxa não pode falar de Jesus, senão quebra o pacto com Lúcifer, e ela vai perdendo os bens materiais. Ela pode falar Deus, pois existem vários deuses. Por isso, na música Lua de Cristal, ela diz: “Tudo que eu quiser o Cara Lá de Cima vai me dar…” (…) O pacto da Xuxa foi feito em sua própria casa. A boneca Xuxa pertence à bruxaria. Há alguns anos atrás uma dessas bonecas estrangulou uma criança. (…) O filme Xuxa e os Duendes (…) baseado em lendas e na crença de Xuxa Meneguel em tais contos, vem agradando o seu público alvo: Crianças em idade pré-escolar, promovendo a simpatia de todos por criaturas monstruosas e diabólicas. (…) A grande jogada de marketing talvez tenha ficado por conta das declarações de Maria da Graça: “Eu já vi duendes”, disse ela à imprensa durante a coletiva de lançamento do filme.[10]

Na verdade, Xuxieli é o nome fantasia de uma indústria de calçados de Novo Hamburgo. Não existe Caboclo Ilariê em Umbanda. A censura prévia da programação da Globo prezava pela garantia constitucional às liberdades lacas; por isso não enaltecia nenhuma crença em particular. Boneca da Xuxa estrangulando crianças?! É risível, mas Renata Gonçalves Pereira explica que a lenda nasceu em 1989, na cidade de Sorocaba, São Paulo, quando a mídia noticiou a captura duma boneca homicida que teria acabado acorrentada no Museu Sacro da Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Ponte.

Na verdade, existem duas versões da lenda, a primeira dizia que uma menina dormia com uma boneca da Xuxa na noite do dia das crianças. Então, o brinquedo teria assumido a forma de uma pessoa com garras, seios fartos e olhos demoníacos e matado a criança esganada.

No entanto, a segunda versão da lenda é mais elaborada, onde dizia que uma menina humilde via os anúncios da boneca na TV e insistia que queria ganhar uma. Porém, sua mãe estava desempregada e era pedinte na praça principal da cidade. Então, cansada de ouvir a insistência da menina, a mãe fala ironicamente que só compraria a boneca caso “o diabo mandasse o dinheiro”. E, assim, no outro dia, apareceu um montante com a quantia exata para comprar a boneca.

Dessa forma, a mãe cumpriu sua promessa e comprou o brinquedo, dando de presente para a filha no dia das crianças daquele ano. Mas, enquanto a menina dormia com a boneca, ela assumiu uma forma assustadora e acabou matando a menina. Por fim, a mãe levou a boneca até a igreja para que fosse exorcizada e destruída.

Na época, o caso foi noticiado com destaque em vários jornais, como o Cruzeiro do Sul, Diário de Sorocaba e O Estado de São Paulo. (…). Uma multidão foi até a igreja em novembro de 1989 para encontrar a tal boneca assassina. Pois, acreditavam que a boneca estivesse acorrentada no Museu Diocesano de Arte Sacra, nas galerias da igreja Catedral. (…) O monsenhor Mauro Vallini que era o pároco da matriz, precisou fechar as portas da igreja para minimizar o tumulto. Logo depois, procurou a imprensa e a polícia para avisar que toda aquela história era apenas um boato. Mas, as histórias não cessaram, pelo contrário, se espalhou pelo país e em Minas Gerais, uma criança teria achado uma faca dentro da boneca Xuxa. Então, atendendo uma ordem do brinquedo, ela pegou a faca e matou sua mãe.

Atualmente, o pároco da Catedral, Tadeus Rocha Moraes, disse (…) que não há nenhuma boneca guardada nas dependências da matriz. (…) Recentemente, a Netflix divulgou um vídeo em seu canal no Youtube, onde a boneca da Xuxa era uma enviada do Mundo Invertido dos anos 80. Em suma, a brincadeira recria um quarto de criança da época com outras referências ao período, onde o brinquedo está em um canto escuro do quarto. (…) Os olhos da boneca se acendem diabolicamente e com uma voz assustadora ela invoca o temível Demogorgon. (…) Inclusive, a própria Xuxa participa do vídeo da Netflix, fazendo uma rápida narração avisando sobre os novos episódios da série Stranger Things que já estavam disponíveis.[11]

A lenda urbana não morreu com o tempo e o brinquedo vintage continuou a fazer vítimas. Por exemplo, em 2007 uma crédula Vanessa escreveu numa rede social:

Eu amo bonecas, mas tem uma que eu odeio. A Xuxa é assassina! Quando eu nasci minha irmã tinha essa maldita e ela caiu na minha cabeça. Ela tentou me matar e olha que eu estava no colo da minha mãe… Fui parar no pronto socorro com a cabeça amassada graças a essa maldita! Fiquei internada em observação. Até hoje acho que minha cabeça é amassada! Mas não ficou nenhuma sequela grave.[12]

Outra versão sobre o pacto da Xuxa me foi narrada por volta de 2005 pelo Pastor Guilherme, da IURD, que afirmou sem provas que a pactuante teria se comprometido a mudar de orientação sexual perante Exu, incorporado no médium Renato Aragão. Ele insistiu com tremenda convicção, gesticulando como se tivesse um papel em suas mãos vazias, que havia obtido a escritura em nome da Xuxa da compra dum “barracão velho e imundo” onde Didi (Renato Aragão) atuaria como Pai de Santo.

Pesquisando descobri que, de fato, existe um Pai de Santo Didi atuando no Axê Opó Afonja – Ilê fundado por Eugênia Anna dos Santos em 1910, – mas este se chama Deoscoredes M. dos Santos e não possui nenhuma relação com o ator Renato Aragão.

Seu irmão, José Ribeiro de Souza, narrou sobre eventos intermediados pelo guia Tranca Ruas das Almas, baixado no Terreiro de Yansã Egun Nitá. Segundo afirma, o cantor Roberto Carlos e o Cabeleireiro Silvinho[13] visitaram aquele local para pedir axé, a atriz global Wilza Carla e a cantora Emilinha Borba foram curadas de doenças participando de giras, o detetive policial Fernando Gargaglione prendeu um fugitivo localizado por meios mediúnicos, etc.[14] A Xuxa, contudo, nunca esteve lá.

O que a atriz faz que a personagem não faz?

No início da sua vida profissional Maria da Graça Menenguel trabalhava como modelo ostentando todo tipo de figurinos ousados conforme os usos e costumes da indústria da moda. Algumas vezes os contratantes solicitavam que ela descobrisse os seios ou glúteos nas fotos publicadas em revistas femininas de alta tiragem. Isto não era e nem deveria ser motivo de vergonha ou reprovação social, pois o nu artístico é um trabalho perfeitamente digno para modelos profissionais.

De acordo com o Ricardo Setti, na Veja online, a Xuxa posou nua em cinco oportunidades na extinta revista Ele & Ela, da Bloch Editores. Depois, em 1982 tanto ela Xuxa quanto sua irmã Maruska posaram para a revista Playboy:

Não era tanto material como muita gente poderia imaginar. Xuxa, na verdade, protagonizou apenas um único ensaio para Playboy, publicado na edição de 7º aniversário, em agosto de 1982, e ao lado da irmã Maruska. As chamadas de capa falavam em “Segredo de família” e “As fotos que Pelé quase proibiu”. Fotos desse ensaio, algumas inéditas, seriam depois republicadas, em diferentes edições. A última de todas seria um pôster na edição de 10º aniversário, concessão que Mário obteve de Pelé no finzinho da reunião.[15]

Paralelamente ocorreu a estreia nos cinemas do filme Amor Estranho Amor (1982), dirigido pelo respeitado cineasta Walter Hugo Khouri, onde Xuxa atuou no papel da personagem coadjuvante Tamara, uma jovem apaixonada por um menino, mas que teve sua virgindade leiloada no início da vida como garota de programa. A fúria da critica se deve ao fato de a atriz ter coberto o ator mirim Marcelo Ribeiro de beijos técnicos.

Em 1986 ela assinou contrato de exclusividade com a Rede Globo e mudou completamente de vida. A celebridade só voltou a posar com os seios à mostra no ano 2000, durante o desfile do 9º Morumbi Fashion Brasil, onde alternou diversas peças da coleção de Lino Villaventura.

Poucos dias antes um fã arrematou uma revista com um nu artístico por R$ 2000,00, num leilão promovido pelo Raul Barbosa, e levou juntamente com outras peças pedindo-a que renegasse seu passado queimando tudo. Isso saiu nos jornais e a Xuxa reagiu com a corajosa atitude de desfilar novamente quatorze anos depois do seu último desfile, provando assim que não se envergonhava do seu primeiro emprego.

Detalhe: Nem a TV Globo se incomoda com provocações. Do contrário não teriam permitido a criação da personagem Cacilda, da Escolinha do Professor Raimundo, em 1990. Cacilda (Cláudia Jimenez) era uma versão ninfomaníaca da Xuxa que dizia “Comigo é assim: Beijinho-Beijinho, Pau-Pau”, parodiando o bordão da outra atriz “Beijinho-Beijinho, Tchau-Tchau”.

Falsos indícios de lesbianismo

A missionária Elizabete Marinho é uma das muitas pessoas que afirmam que a Xuxa não pode ter relação sexual com o sexo oposto por causa duma exigência do diabo: “Ela pode namorar, casar, mas não pode ter relação com o seu parceiro”[16].

Os pastores que apregoam a lenda urbana concordam unanimemente que o pacto da Xuxa foi assinado em 1986. Vejam a magnitude da falta de lógica de tal argumento: Suponhamos que esta vítima da propaganda fundamentalista fizesse tudo que eles dizem da forma depravada e exagerada como eles narram. Para que o diabo mitológico, o rei da luxúria, o maior apreciador de todos os pecados, tiraria uma joia da sacanagem do seu inverificável ofício de musa de filmes pornô?[17] Que interesse o diabo teria em impedir uma bela dama de atiçar a imaginação masculina posando nua? Por que mandaria observar o celibato e educar crianças? Isso não faz sentido. Parece até que o tinhoso quiz perder para o céu uma alma cujo lugar no inferno já estaria garantido.

Na Umbanda o Filho de Ogum não precisa mudar de sexo só porque este orixá é associado a São Jorge, que combate um Dragão, e o rótulo “Drag Queen” é aplicado aos travestis. Porém a Umbanda é uma religião livre de preconceitos contra gêneros diversos e preferências estéticas divergentes. Logo, um travesti ou homossexual que se interesse sinceramente pelo culto de Ogum poderá ser eventualmente reconhecido como um legítimo Filho de Ogum. Isso laça um nó na cabeça dos conservadores que inventam estórias mirabolantes sobre umbandistas obrigados a mudar de sexo.

A matéria prima para construção de novos boatos surgiu depois que a Xuxa rompeu o namoro com o ainda jovem, bonito e rico futebolista Edson Arantes do Nascimento, mais conhecido como Pelé.

Quem em sã consciência faria uma coisa dessas? Só uma mulher de princípios inabaláveis que prefere trabalhar por conta própria a viver na dependência do marido. Ou então uma lésbica! Criaturas invejosas que nunca perderiam a oportunidade de dar o golpe da barriga num futebolista rico e famoso se apressaram em procurar indícios de lesbianismo, deduzindo que a empresária Marlene Matos era o novo homem da atriz.

Ato contínuo, pessoas inescrupulosas inventaram que a música Sorvetão foi feita por quem achava a paquita Andréa Faria gostosa de lamber[18]. A narrativa do Tio Chico, gravada em junho do ano 2002, continua afirmando que a Xuxa fez sexo lésbico com a missionária Lanna Holder, com a nadadora Joanna Maranhão, mais as cantoras Simony e Ivete Sangalo[19]. Esta última se defendeu numa entrevista à revista Playboy:

Como é que vou dizer: “Minha gente, nunca transei com a Xuxa?” Eu tenho vergonha de ter de falar isso. Por mais que eu desminta, não vai ser suficiente para suprimir essa necessidade do boato que vende. São vários problemas que uma fofoca dessas traz. Primeiro porque ela é minha amiga. Segundo porque eu não sou lésbica. Mas se eu fosse isso teria de ser respeitado.[20]

A missionária Lanna Holder também respondeu na sua antiga página oficial:

É chegado ao meu conhecimento por meio de e-mails, como de telefonemas, o falso testemunho que o Pastor Francisco (ex-tio Chico), tem dado ao meu respeito pelos púlpitos do Brasil. (…) Assim venho por meio desta nota, desmentir o testemunho do Pastor Francisco (…) ao qual foi por mim procurado há cerca de três meses atrás para esclarecimentos, porém o mesmo negou com veemência que tenha feito tal afirmativa. Minha tristeza é saber que ele esteja usando de acontecimentos do passado (meados de 1999 a 2000), quando esteve na época pregando na igreja do meu ex-sogro e hospedado por um dia no meu apartamento em Guarulhos, para abusar com maldade do ocorrido, alegando que na ocasião eu tenha lhe dito que tive um envolvimento com a Xuxa!

É estarrecedor o fato de que se houverem verdades em suas palavras e testemunho, das quais eu passei a duvidar após este ocorrido, seja acrescentada esta mentira ao meu respeito. (…) Assim aos que me procurarem questionando o testemunho deste pastor, fique assim esclarecido: Eu nunca tive um caso com a Xuxa. (…) “A pessoa que diz mentiras a respeito dos outros é tão perigosa quanto uma espada, um porrete ou uma flecha afiada” (Pv 25:18).[21]

Os fundamentalistas procuraram menções esparsas de rituais para lésbicas e inventaram a participação de toda essa gente nessa bazofia. Quando Ayrton Senna morreu tragicamente disseram que o acidente aconteceu por causa do ciúme do demônio, pois a Xuxa o estava namorando. Quando ela teve uma filha biológica com Luciano Zsafir disseram que a Sasha nasceu por inseminação artificial e que o bebezinho morreria caçado pelo demônio ciumento.[22]  Mesmo com inúmeras provas em contrário os fundamentalistas são extremamente cruéis e inventivos quando defendem suas crenças difamantes e injuriosas.

Mensagens subliminares inexistentes

Na época dos discos de vinil tinha muita gente que brincava de produzir sons disformes girando discos em sentido anti-horário com o dedo na vitrola. A garotada rodava qualquer disco ao revés para imitar vozes de demônios nas festas de Dia das Bruxas, etc. O problema é que certas pessoas começaram a acreditar que realmente existiam mensagens satânicas escondidas nos ruídos da rotação irregular.

Os teóricos do pacto inventaram que muitos artistas escondiam mensagens de adoração ao diabo nos discos de vinil para que as crianças e jovens dependentes do sustento familiar conseguissem pedir objetos de culto idólatra para pais cristãos. Ou seja, os filhos dos temerosos nunca ganhariam de presente um álbum dos Menudos chamado explicitamente Los Fantasmas (1977), mas poderiam lograr êxito na obtenção dum exemplar de nome venturoso, a exemplo de Los Últimos Héroes (1989) cuja música Não se Reprima conteria a frase oculta “Satanás Vive” em seu reverso.

Alguns músicos reagiram à demanda gerada pela curiosidade de verificar a lenda urbana. Eles inseriram mensagens verdadeiras na rotação inversa de discos de vinil para os consumidores procurarem. Por exemplo, na música Ilusão de Ótica da banda Engenheiros do Hawaii existem perguntas: “Por que você está ouvindo isto ao contrário? O que você está procurando, hein?” Em Empty Spaces da banda Pink Floyd a voz de Roger Waters felicita o descobridor do efeito especial: “Congratulations! You have just discovered the secret message”. Na rotação normal de My Darling Nikki, do Prince, uma letra deprimente fala sobre um rapaz usado como brinquedo sexual duma rapariga rica. Já na rotação invertida um coral entoa um louvor gospel: “Hello! How are you? I’m fine, because I know the Lord is comming!” Tal foi o cúmulo do deboche da superstição alheia.

Xuxa afirma que nunca inseriu gravações ao contrário nos seus vinis e isto deve ser verdade. Contudo, as inversões funcionam como os desenhos do teste psicológico dos borrões de Rorschach onde os pacientes são convidados a procurar significados plurais em manchas pretas.[23] Dizem que o álbum 4º Xou da Xuxa (1989) foi recolhido, queimado e relançado porque encontraram uma mensagem subliminar no reverso de Tindolelê. Por sorte minha irmã comprou aquele álbum lendário produzido por Michael Sulivan e Paulo Massadas no primeiro dia de lançamento e nós ouvimos um minúsculo pedaço que parecia defeituoso na rotação normal. Dava para ouvir crianças gritando algo extremamente parecido com a palavra “Liberdade” no reverso, por coincidência.

Não escutei nada inteligível ouvindo as várias outras músicas que foram tocadas de traz para frente, gravadas e legendadas pelos fundamentalistas, exceto na versão de Meu Cãozinho Xuxo invertida e editada por Rafael Hezadoff.[24] Não sei como ele fez isto, mas fez. Outros inverteram a mesma música sem sucesso.

Os produtores de vídeos de batalha espiritual que denunciam músicas invertidas legendadas muitas vezes editam impiedosamente as imagens do incêndio no estúdio F do Projac, ocorrido em 11/01/2001 durante gravações do programa Xuxa Park, inserindo alegações estapafúrdias de que o Diabo foi evocado para receber sacrifícios humanos.

Vivificação de brinquedos consagrados ao diabo

Conforme exposto, a lenda do brinquedo assassino é subproduto do dogma da consagração ao diabo de todos os objetos relacionados aos programas televisivos. Tudo que fosse consagrado teria algum vicio redibitório de natureza preternatural: Discos de vinil tocariam louvores à Satã e mensagens subliminares. Os bonecos da indústria Mimo, dos personagens Xuxa e Fofão, trariam uma peça perigosa no pescoço que se transforma em punhal para ferir ou ser usado como arma por crianças consumidoras.

Os fatos por traz da lenda eram muito diferentes. Crianças poderiam aprender o mínimo sobre fantasia e motivos ufológicos assistindo ao Xou da Xuxa. Não há produto mais digno duma menção honrosa do que a Xuxa africana, única boneca de etnia negra distribuída em larga escala no Brasil naquele ano!

Detalhe duma ilustração na caixa da boneca.

Uma curiosidade saiu no jornal EXTRA, da franquia O GLOBO, numa ocasião especialíssima. No dia 21/05/2014, durante uma sessão plenária em que a CCJ discutia o projeto de Lei 7672/2010, proibindo o tratamento cruel ou degradante de crianças pelos pais e responsáveis, o deputado e radialista Francisco Eurico da Silva (PSB-PE), pastor da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, levantou gritando e usou linguagem abusiva para acusar a convidada Maria da Graça Menenguel de violentar o ator mirim Marcelo Ribeiro durante a gravação do filme Amor Estranho Amor (1982).

Xuxa não pôde se defender da injúria porque convidados não são autorizados a falar. Quatro dias depois João Arruda e Renato Machado publicaram que “uma das lendas urbanas famosas nos anos 80 dava conta de que a boneca da Xuxa atacava crianças a facadas”. Isto os motivou a criar uma charge onde um personagem inspirado no músico Psirico, tocando Lepo Lepo, revela uma mensagem subliminar escondida na rotação invertida dum disco enquanto o Pastor Eurico é sacrificado: “O deputado que ofendeu Xuxa não perde por esperar! A boneca da Xuxa vai dar várias facadas nele!”[25]

1) Deputado Pastor Eurico fugindo duma boneca assassina numa charge de João Arruda e Renato Machado. 2) Uma boneca da coleção “XUXA: Volta ao Mundo”, produzida pela indústria brasileira MIMO. Esta boneca morena de cabelos pretos, da primeira série baseada na apresentadora branca e loira, teve cor e vestuário definido na intenção de homenagear os povos e costumes africanos.

Quando a Xuxa se defendeu aconteceram coincidências assustadoras

Se um piloto não houvesse usado a máquina que caiu na Baía de Guanabara dia 12 de agosto de 2010 antes do previsto, a Xuxa provavelmente teria morrido numa sexta feira 13, vítima da queda do jatinho táxi aéreo, de prefixo PT-LXO, da OceanAir, que havia fretado para ir ao Recife participar de um desfile.

Curiosamente, naquela época ela estava aguardando o julgamento duma ação movida contra a Editora Gráfica Universal, cobrando danos morais e materiais causados pela publicação dum artigo escrito pelo missionário Josué Yrion, com título “Pacto com o Mal?”, matéria de capa do jornal Folha Universal, edição 855, de 2008.[26]

E se a estória do pacto fosse verdadeira?

O Brasil é um Estado laico onde existe garantia constitucional à liberdade de culto. Comete ato ilícito quem injuria, difama ou calunia toda e qualquer pessoa que adquire figuras sincréticas de diabos vermelhos em lojas de artigos religiosos. Também não há lei que proíba brasileiros de serem homossexuais. Pelo contrário, homofobia é crime. É imputável quem injuria o homossexual ou difama quem não é homossexual afirmando falsamente que seja (assim como fizeram com a Xuxa).

Conclusão: Ainda que a Xuxa fosse bissexual ou lésbica (não é) e houvesse feito (não fez) um pacto às escondidas com intermédio do Tio Chico, ou do Alexandre Canhodre, ou do Didi, ou frequentasse terreiros, ou fizesse macumba por conta própria, se o público não a viu realizando estas atividades é como se chovesse canivete no deserto. E mesmo se ela tivesse feito tudo isso não teria cometido nenhum ato ilícito.

Quanto as bonecas da Mimo, eu tive quatro na minha coleção particular. Nunca as vi mexer e nunca sonhei com nenhuma elas, apesar de minha neuro-divergência. Como ouço vozes e tenho outras alucinações, sou sujeita a alterações espontâneas de consciência que apresentam uma perspectiva onde coisas podem dialogar e bonecos interagem. Porém, mesmo assim, as xuxinhas sempre se comportaram como objetos inanimados normais, não despertando em mim nenhum gatilho.

 

Notas

[1] Este filme foi banido do Brasil, graças a um processo judicial cuja causa foi ganha pela Globo, mas até hoje cópias caseiras são assistidas e debatidas nos meios universitário e acadêmico. Também acabou ovacionado pelo partido dos trabalhadores e sua base aliada (são eles os heróis do filme).

[2] Quando a Leilah Moreno ganhou o concurso de calouros do programa Raul Gil, em 2002, ela cantou pela última vez usando um enorme pingente de estrela de cinco pontas invertida (com duas pontas para cima). A escolha foi incomum, pois naquela ocasião ela ganhou o direito de gravar um álbum gospel (não era tema livre). A Record nada fez para impedir a exibição da bijuteria, nem os patrocinadores que arquivaram imagens da futura protagonista da série global Antônia (2006-2007) com isto, cantando uma música da banda Guns N’ Roses.

[3] XUXA DA UM BEIJO NA CRUZ INVERTIDA? Em: Unidos na Fé. Publicado em 07/12/2011 às 06:56h. URL: <http://www.unidosnafe.com.br/joomla1.5/latest/xuxa-da-um-beijo-na-cruz-invertida-um-descuido-ou-proposital>.

[4] O’GRADY, Joan. Satã. Trad. José Antonio Ceschim. São Paulo, Mercuryo, 1989, p 30.

[5] O’GRADY, Joan. Satã. Trad. José Antonio Ceschim. São Paulo, Mercuryo, 1989, p 28-29.

[6] DUMAS, François Ribadeau. Arquivos Secretos da Feitiçaria e da Magia Negra. Trad. M. Rodrigues Martins. Lisboa, Edições 70, 1971, p 174.

[7] BARRETO, Paulo. As Religiões do Rio. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1976, p 39-40.

[8] EPOCAESTADO BRASIL URL: <http://epocaestadobrasil.wordpress.com/2008/11/26/processo-xuxa-quer-r5-milhoes-da-band-e-r-3-milhoes-de-jornal-caso-venca-o-processo/>. Acessado em: 16/05/2013 às 15:49h.

[9] Nesta gravação Tio Chico continua afirmando que o primeiro pacto foi quebrado quando a cantora evangélica Aline Barros cantou a música Consagração no Xou da Xuxa. Então foi necessário realizar um “pacto de sangue” mais forte, “feio e escandaloso” que usou como ingrediente a menstruação da pactuante. Tal rito de sexo oral não pertence à Umbanda, mas existe um precedente no opúsculo De Arte Magica (1914) onde Edward Alexander Crowley acusa a atriz Mina Bergson (1865-1928) de praticar vampirismo bebendo e/ou dando de beber sangue uterino. Isto é amplamente citado nas obras norte-americanas de batalha espiritual, sobretudo na autobiografia do pastor Willian Schnoebelen, Lucifer Dethroned (1993), porque Kenneth Grant dedicou um capítulo de The Magical Revival (1972) àquele rito antes de se tornar chefe internacional da Ordo Templi Orientis (O.T.O.).

[10] MARINHO, Elizabete Venceslau. A Bela Face do Mal. Paraná, Deus é Fiel, p 38-39.

[11] PEREIRA, Renata Gonçalves. Boneca da Xuxa – Conheça a lenda urbana assustadora de 1989. Em: SEGREDOS DO MUNDO. Acessado em 16/05/2022, 18h37. URL: <https://segredosdomundo.r7.com/boneca-da-xuxa/>.

[12] Mensagens de Vanessa publicada na comunidade “Bonecas, objetos do mal?”, na rede social Orkut (atualmente desativada), publicada em 13/05/2007 e 14/05/2007.

[13] De acordo com José Ribeiro de Souza o cabeleireiro Silvinho participava do júri do programa do Chacrinha e precisava de sorte ou axé para ter seu próprio salão de beleza.

[14] SOUZA, José Ribeiro de & ROSA, Celso. Tranca Ruas das Almas. Rio de Janeiro, ECO, 1974, p 53-55.

[15] SETTI, Ricardo. Histórias Secretas de Playboy (4): O dia em que Pelé foi, pessoalmente, recolher todas as fotos de Xuxa nua. Em: VEJA. Acessado em: 16/05/2013 às 15:08h. URL: <http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/bytes-de-memoria/historias-secretas-de-playboy-5-o-dia-em-que-pele-foipessoalmente-recolher-todas-as-fotos-de-xuxa-nua/>.

[16] MARINHO, Elizabete Venceslau. A Bela Face do Mal. Paraná, Deus é Fiel, p 38.

[17] Os teóricos do pacto tentam forçar a confusão entre o Projac carioca e a Boca do Lixo paulista. Existem lendas restritas aos círculos de cinéfilos sobre fitas VHS de “clássicos pornôs” produzidos na Boca do Lixo onde a Xuxa seria vista praticando sexo anal, etc., com homens adultos e seu nome apareceria nos créditos finais. Dentre os que juram ter assistido os tais filmes “pesados”, ninguém divulga os títulos, certamente porque essas películas nunca existiram. Os mesmos cinéfilos costumam dizer que o anão Chumbinho – um ator de filmes pornô cujo nome real é desconhecido – fazia o papel do personagem Praga no Xou da Xuxa, apresentando como prova somente a baixa estatura do ator.

[18] A verdade é que a Andréa Faria foi ameaçada de demissão por causa do limite de peso estabelecido em contrato, mas nem assim parou de comer sorvetes.

[19] Na minha experiência percebi que as pessoas dão mais valor aos boatos e ínferas excentricidades do que aos fatos concretos. Durante do Festival de Verão de Salvador, em 2007, a produção da Ivete Sangalo escolheu um vestido branco muito curto para a cantora usar e ela fingiu estar possuída por uma entidade chamada “Piriguete Sangalo” no início do show. Os sensacionalistas se apressaram em editar o vídeo excluindo a parte onde a cantora explicou a brincadeira, deixando só a encenação dos movimentos frenéticos e voz alterada. Lembraram que a Ivete é “amiga da Xuxa” e colaram este vídeo com outros… Mas o que a Xuxa tinha a ver com isso? Ela nem estava presente naquele show da Ivete Sangalo.

[20] IVETE SANGALO NEGA TER FEITO SEXO COM XUXA. Em: Ego Notícias. Publicado em 06/11/2012. URL: <http://ego.globo.com/famosos/noticia/2012/11/revista-ivete-sangalo-nega-ter-feito-sexo-com-xuxa-nao-sou-lesbica.html>.

[21] LANNA HOLDER DESMENTE PASTOR FRANCISCO (EX-BRUXO TIO CHICO). Cópia em: O Verbo. Acessado em 16/05/2013 às 18:10h. URL: <http://www.overbo.com.br/lanna-holder-desmente-pastor-francisco-ex-bruxo-tio-chico/>.

[22] Anos atrás Tio Chico reagiu à comoção publica causada pela matéria de capa da Revista Contigo (nº 486, edição 1386, editada em 02/04/2002) intitulada “Sacha ameaçada de Sequestro: A agonia de Xuxa”. A gravação da pregação proferida em junho do ano 2002 afirma que as igrejas estavam fazendo de tudo pela conversão da Xuxa. Ele disse: “Pode esperar que ela vai se converter. Estou pedindo nas igrejas para interceder pela Maria das Graças Meneghel. Eu vou explicar por que. A Maria das Graças está numa situação muito difícil. Eu estive no Rio e falei com o Steve e com o pastor Marco lá em São João de Meriti. A Maria das Graças está indo, uma vez, na igreja Internacional da Graça de Deus do nosso amado irmão R. R. Soares. Ela vai, fica escondida no gabinete, não fica no salão junto com as pessoas. A segurança dela fica ali; porque o Diabo está ameaçando de matar a sua filha. (…) Então vamos orar pela Xuxa. (…) No segundo pacto que a Maria da Graça fez (…) não podia realizar o desejo de ser feliz e seu sonho: Casar. A Maria das Graças não pode coabitar. Não pode ter contato com homem. Aquela criança nasceu de inseminação artificial”.

[23] Também não é verdade que a cifra da tablatura de Tumbalacatumba copia o ritmo da bateria do início da musica I Don’t Wanna Stop de Ozzy Osbourne. Isso é pura lenda urbana.

[24] Na versão de Meu Cãozinho Xuxo invertida, distorcida e editada por Rafael Hezadoff a Xuxa parece choramingar as frases “Te levarei no mato”, “Isso é uma delícia” e “Meu anjo é o Diabo”.

[25] ARRUDA, João & MACHADO, Renato. Semana da Tia Lúcia: Fatos e Humor politicamente incorreto. Em: Jornal EXTRA. Domingo, 25 de maio de 2014, p 12.

[26] XUXA, IGREJA UNIVERSAL, DIABO E US$ 100 MILHÕES. Em: Espaço Vital – notícias jurídicas. Acessado em 16/05/2022, 17h53. URL: <https://www.espacovital.com.br/imprimir?id=26768&tipo=noticia>.

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