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O Som e o Verbo – A Árvore da Vida (11 de 19)

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Há vários aspectos do procedimento mágico no trabalho cerimonial que é preciso considerar. Que o som, por exemplo, detém um poder criativo ou formativo, isto é há muito reconhecido e conhecido pela maior parte da humanidade. O mantra dos hindus e seus efeitos sobre o cérebro bem como sobre as ramificações nervosas do corpo têm sido o assunto reiterado de considerável quantidade de experimentos científicos e leigos. Uma teoria racional referente ao mantra sagrado sustenta que sua ação no cérebro pode ser comparada à de uma roda que gira celeremente e por cujos raios nenhum objeto pode passar. Afirma-se que quando o mantra é firmemente estabelecido e o cérebro tenha absorvido automaticamente sua tonalidade fluida, todos os pensamentos, até mesmo o do mantra, são projetados para fora, e na mente esvaziada de todo conteúdo a experiência mística pode acontecer. Há uma outra teoria sustentada por outras escolas de ocultismo que afirma que a vibração estabelecida por um mantra possui um efeito purificador sobre toda a constituição humana; que por meio de sua ação vibratória os elementos mais grosseiros do corpo são gradativamente expelidos, um processo de purificação que ocorre e afeta não apenas o corpo de carne, sangue, cérebro e terminais nervosos como também tanto o corpo de luz quanto a completa estrutura mental dentro da esfera de sua ação. Na admirável biografia de Milarepa, o iogue budista, publicada pela Oxford University Press, existe a seguinte nota de pé de página: “De acordo com a escola Mantrayana está associada a cada objeto e elemento da natureza… uma taxa particular de vibração. Se essa for conhecida, formulada num mantra e utilizada habilmente por um iogue aprimorada, como era Milarepa, afirma-se ser capaz de impelir as divindades menores e elementais à aparição e as divindades superiores a emitir telepaticamente sua divina influência em raios de graça.” Sustenta-se em magia que a vibração de certos nomes divinos conduz à produção de seus fenômenos psicológicos e espirituais. “Por quê?” pergunta Blavatsky em A doutrina secreta. Respondendo à sua própria pergunta ela afirma: “Porque a palavra falada possui uma potência desconhecida, insuspeita e desacreditada dos modernos ‘sábios’. Porque som e ritmo estão estreitamente relacionados aos quatro elementos dos antigos, e porque certamente esta ou aquela vibração no ar desperta poderes correspondentes, sendo que essa união produz bons ou maus resultados, dependendo do caso” .

A lenda que se refere ao Tetragrammaton hebraico é interessante. Aquele que conhece a pronúncia correta de YHVH, chamado Shem ha-Mephoresh, o Nome impronunciável, detém o meio de destruir o universo, seu próprio universo particular e arremessar essa consciência individual ao samadhi. Ademais, a teoria mágica assevera que a vibração estabelecida pela voz humana possui o poder não só de moldar a substância plástica da luz astral sob várias configurações e formas dependendo de seu tom e volume, como também de impulsionar a atenção de entidades e essências metafísicas para aquele molde .

O poder do som pode ser comprovado com absoluta facilidade por meio de alguns experimentos superficiais, mas sumamente interessantes. O proferir do monossílabo Om em voz alta e penetrante se sentirá, sem dúvida, vibrando de maneira notável tanto na garganta quanto no tórax. Através da repetição, a capacidade de aumentar a potência ou freqüência das vibrações e a área de sua detonação podem ser ampliadas de modo bastante considerável. Por meio de uma certa quantidade de prática criteriosa, sempre acompanhada do exercício da inteligência, o praticante se achará capacitado a vibrar uma única palavra de maneira a fazer o corpo todo estremecer e tremer sob o impacto do poder da palavra. Por outro lado, a prática também capacitará o aprendiza limitar, por exercício de sua vontade, a vibração a uma certa área ou localidade de seu corpo. Desnecessário dizer que se deve ter sempre um enorme cuidado, pois não se requer nessa prática que o corpo seja fragmentado ou despedaçado por vibrações catastróficas .

Há famosos exemplos do poder destrutivo do som causado pela ribombar do trovão ou a explosão de granadas. Temos a história amiúde repetida, e que vale bem a pena mencionar aqui, de um truque realizado por um grande cantor. Ele dá uma pancadinha de leve com a unha do dedo num copo de vinho de modo a fazê-lo retinir; em seguida, captando a nota com sua voz entoa a mesma nota com sua boca precisamente acima do copo. Passado um momento, estando sua voz vibrando em uníssono com a nota emitida pelo copo, ele bruscamente substitui a nota por uma mais alta, e o copo inesperadamente cai despedaçado. Ele está brincando com a lei da vibração, pois todas coisas, visíveis e invisíveis, adentram sua esfera, e todo objeto concebível existe num plano definido, possuindo uma taxa de vibração diferente. Toda massa orgânica e inorgânica é composta de uma multidão de centros de energia infinitamente pequenos que, a fim de se aderirem entre si, têm que vibrar conjuntamente. A mudança desta vibração ou destrói a forma ou produz mutações e alterações de forma .

E se há um aspecto destrutivo do som, conclui-se que há outro de formação e criação a ser descoberto mediante experimentação constante e paciente. O efetivo poder de formação pode ser demonstrado muito facilmente. Que o leitor espalhe um pouco de areia fina sobre a caixa de som de um violino, e sem tocar a areia mova o arco levemente sobre uma das cordas .

Constatar-se-á que a vibração exerce uma influência formativa, visto que com o soar da nota e sua amplificação na caixa acústica a areia assume curiosas formas geométricas: um quadrado ocasionalmente será formado com muita clareza, ou um triângulo, uma elipse ou um desenho comparável à estrutura de um floco de neve, cristalino e uma coisa de rara beleza. O mesmo experimento pode ser executado sobre uma lâmina de vidro, e dependendo de o arco ser movido lenta ou rapidamente de encontro à borda, levemente ou com muita pressão, a areia assumirá uma forma diferente. No violino uma nota suave e profunda naturalmente produzirá uma forma sonora diferente de uma longa nota lamuriosa e lancinante; a brusquidão possui um valor-forma distinto de um vibrato lento. Há em algum lugar nos escritos de Madame Blavatsky o testemunho de que ela própria em uma ocasião, à beira da morte, foi chamada de volta à vida e curada de suas enfermidades através dos poderes inerentes ao som. Todas essas coisas vão ao ponto de mostrar que o som efetivamente possui um valor criativo, devendo ser o objetivo de todo aquele que se supõe mago apurar mediante a prática que tom de voz é mais adequado ao trabalho mágico. A experiência mostra que um sussurro penetrante dos nomes a serem pronunciados constitui o método mais satisfatório, uma voz que mais vibra do que pronuncia claramente sendo o que é requerido .

A vibração de nomes divinos é portanto um aspecto essencial na prática da magia porque o conhecimento do nome de qualquer ser – e no conhecimento está incluída a capacidade de vibrá-lo e pronunciá-lo corretamente, bem como uma compreensão de suas implicações cabalísticas – corresponde a deter uma espécie de controle sobre ele. O conhecimento do nome pode ser adquirido pela aplicação de princípios cabalísticos, de modo que no nome é possível encontrar um resumo das forças e poderes que lhe são inerentes. Numa palavra está a magia contida, e uma palavra corretamente pronunciada é mais forte, diz Lévi, do que os poderes do céu, da terra ou do inferno. A natureza é comandada com um nome; os reinos da natureza, do mesmo modo, são conquistados e as forças ocultas que compreendem o universo invisível obedecem àquele que pronuncia com compreensão os nomes incomunicáveis .

“Para pronunciar esses grandes nomes da Cabala, de acordo com a ciência, temos que fazê -lo com pleno entendimento, com uma vontade por nada detida, com uma atividade que nada pode repelir.” A vibração de nomes divinos, então, constitui uma das mais importantes divisões de uma invocação cerimonial. Os incensos, perfumes, cores, sigillae e luzes em torno do círculo mágico auxiliarão na evocação da idéia ou espírito desejados a partir da imaginação, e para que se manifestem numa roupagem apropriada, coerente e tangível ao exorcista. Não somente deve haver intenção e pensamento, como também a expressão concreta do pensamento numa ação ou numa palavra a qual, para a idéia, tem que ser como um logos. À guisa de ilustração do modo de vibração, suponhamos que um exorcista deseje invocar os poderes pertencentes à esfera de Geburah. Apurar-se-á que seu planeta é Marte, cuja qualidade essencial é energia e força cósmicas resumidas na divindade Hórus, seu arcanjo será Kamael, seu espírito Bartsbael e a Sephira aos quais estes são atribuídos ostenta o nome divino Elohim Gibor. Quando na cerimônia mágica que o teurgo impulsiona chega o momento de pronunciar o nome divino, que ele aspire muito profundamente, lenta e energicamente. No instante em que o ar exterior tocar as narinas, deve-se imaginar claramente que o nome do deus, Elohim Gibor, está sendo aspirado com o ar. Figura-se o nome sustentado nas alturas em grandes letras de fogo e chama e à medida que o ar lentamente enche os pulmões, deve se imaginar que o nome permeia e vibra através de toda a estrutura do corpo, descendo gradualmente através do tórax e do abdômen, até as coxas e pernas atingindo, os pés. Quando parecer que a força toca a parte mais inferior das pernas, se expandindo e se difundindo para cada átomo e célula do pé – e a prática tornará essa façanha da imaginação menos difícil do que aparenta – o teurgo deverá assumir uma das poses características do deus Hórus exibidas nas vinhetas do Livro dos mortos do Antigo Egito. Uma delas, o sinal do ingressante, consiste em arrojar o pé esquerdo para a frente e inclinar o corpo para a frente, ambos os braços sendo primeiramente levados à cabeça e atirados à frente como se projetando a força mágica para o triângulo de evocação. À medida que este sinal está sendo assumido, ao mesmo tempo que os pulmões estão expirando o ar carregado com o nome, dever-se-á imaginar intensamente que este se eleva rapidamente a partir dos pés, através das coxas e do corpo, sendo então arremessado energicamente com um vigoroso grito de triunfo. Se o corpo inteiro do mago sentir-se inflamado de força e energia, e trovejando no interior de seus ouvidos proveniente de toda porção de espaço circundante ele ouvir o eco ressonante do nome vibrado magicamente, ele poderá estar seguro que a pronúncia foi corretamente feita. O efeito da vibração dos nomes divinos consiste em estabelecer um sinal na luz astral superior, ao qual responderá diligentemente a inteligência evocada. Outros gestos e outros sinais existem para cada um dos deuses e poder-se-á saber o que são esses sinais mediante o estudo das formas divinas egípcias .

Estreitamente aliada à vibração dos nomes divinos encontra-se um outro ramo da magia. É possível que o aprendiz tenha notado em alguns rituais muitas palavras incompreensíveis numa língua estranha ou desconhecida, palavras conhecidas tecnicamente como “nomes bárbaros de evocação”, as quais os Oráculos caldeus nos aconselham a jamais alterar “pois são nomes divinos que possuem nos ritos sagrados um poder inefável” .

Originalmente, tudo que se entendia pelos “nomes bárbaros” era que se tratava de palavras no dialeto dos egípcios, caldeus e assírios, considerados bárbaros pelos gregos, e G. R. S. Mead prefere traduzir a expressão para “nomes nativos”. Jâmblico, respondendo às indagações de Porfírio sobre esse ponto, declara: “Aqueles que aprenderam em primeira mão os nomes dos deuses, os tendo mesclado com sua própria língua, os entregaram a nós, para que pudéssemos sempre preservar inalterável a lei sagrada da tradição numa linguagem peculiar e a eles adaptada… Os nomes bárbaros, igualmente, detêm muita ênfase, grande concisão e participam de menos ambigüidade, variedade e multiplicidade”. A experiência confirma que as mais poderosas invocações são aquelas em que estão presentes palavras pertencentes a uma língua estranha, antiga ou talvez esquecida; ou até mesmo aquelas expressas num jargão degenerado e, pode ser, sem significação. Nesses conjuros, a qualidade que mais se destaca é o fato de a língua empregada ser sempre muito vibrante e sonora, sendo esta sua única virtude, pois são caracteristicamente eficazes quando recitadas mediante entonação mágica, cada sílaba sendo cuidadosamente vibrada. Por uma razão ou outra, descobriu-se que a recitação desses nomes conduz à exaltação da consciência, exercendo uma fascinação sutil na mente do mago. “A magia dos antigos sacerdotes consistia naqueles dias…”, pensava Madame Blavatsky, “…em se dirigir a seus deuses em sua própria língua… composta de sons, não de palavras, de sons, números e figuras. Aquele que sabe como conjugar os três invocará a resposta do poder superintendente. Assim essa língua é a dos encantamentos ou dos mantras, como são chamados na Índia, sendo o som o mais potente e eficaz agente mágico, e a primeira das chaves que abre a porta de comunicação entre mortais e imortais” .

A base racional e a explicação da exaltação não estão muitos afastadas da experiência geral. Não é única e nem se limita exclusivamente ao trabalho cerimonial ou teúrgico. Lê-se amiúde de poetas que se tornam enlevados, por assim dizer, pela repetição de versos e nomes rítmicos; de fato, muitos dos poemas de Swinburne constituem um esplêndido exemplo de tal poesia. Ouve-se falar, também, de crianças precoces que são singularmente afetadas por aquelas passagens da Bíblia nas quais existem longas listas de estranhos nomes e lugares hebreus. Thomas Burke, o eminente romancista, uma vez informou-me que quando era jovem, os nomes das cidades e países do continente sul-americano atuavam para ele como fascinações de quase encantamento, exercendo um poder oculto. Nomes como Antofagasta, Tuerra* del Fuego, Antanonoriva e Venezuela são efetivamente nomes bárbaros para conjuração .

Lembro-me, também, da leitura em certa ocasião de um poema da autoria de William J. Turner, o crítico de música, no qual ele conta que quando menino as palavras e nomes mexicanos exerciam um fascínio sobre ele, tais como Popocatapetl, Quexapetl, Chimborozo e similares .

Os nomes por si mesmos nada transmitem a uma imaginação fértil e desenvolvida; a exaltação da consciência se deve quase que inteiramente ao ritmo e a sua música, a fascinação dos nomes penetrando o domínio da imaginação, onde é agarrada para despertar um frenesi ou excitação peculiares. Em todo caso, resta pouca dúvida de que as muitas palavras bárbaras, formidáveis e de aparência quase medonha que ressoam e são vociferadas em tantas das melhores invocações provenientes da Antigüidade, exercem um efeito estimulante na consciência, exaltando-a ao grau exigido pela magia. A invocação do “não-nascido”, cujos elementos básicos são encontrados em alguns fragmentos greco-egípcios e que está reimpressa no último capítulo deste livro, é talvez o mais notável exemplo. Como ritual é considerada por muitos como um dos melhores, sendo repleta de palavras estranhas ricas em música e excitações primitivas, sonoras ao mais alto grau. Muitos dos rituais e invocações utilizados pelo astrólogo elisabetano dr. Dee, que trabalhava em colaboração com seu colega Sir Edward Kelly, constituem também espécimes marcantemente bons dessa linguagem. Na verdade, pode-se considerar os rituais de Dee como únicos. São escritos quase que totalmente, à exceção de algumas palavras hebraicas, numa língua curiosa chamada angélica ou enoquiano, segundo Dee ditada a ele pelos anjos. Independentemente de sua origem, apurou-se que as invocações expressas nessa língua atuam com uma peculiaridade e uma força constatadas em nenhuma outra língua .

* Ou melhor, Tierra. (N. T.) Típico das palavras bárbaras, pode-se fazer citações extraídas de vários rituais. A que se segue é retirada dos conjuros de Dee: “Eca, zodocare, Iad, goho. Torzodu odo kikale qaa! Zodacare od zodameranu! Zodorje, lape zodiredo Ol Noco Mada, das Iadapiel! Ilas! hoatahe Iaida! “ Presente no capítulo CLXV da recensão Saite do Livro dos Mortos, encontra-se uma petição a Amen-Ra, onde os mais poderosos dos nomes mágicos do deus são recitados: “Salve, tu Bekhennu, Bekhennu! Salve, príncipe, príncipe! Salve, Amen. Salve, Amen! Salve Par, salve Iukasa! Salve, deus, príncipe dos deuses das partes orientais dos céus, Amen- Nathekerethi-Amen. Salve tu cuja pele está oculta, cuja forma é secreta, tu, senhor dos dois cornos nascidos de Nut, teu nome é Na-ari-k, e Kasaika é teu nome. Teu nome é Arethikasatha- ka, e teu nome é Amen-naiu-anka-entek-share ou Thekshare-Amen Rerethi! Salve, Amen e permite-me fazer a súplica a ti pois eu conheço teu nome… Oculto é teu discurso, ó Letasashaka, e eu fiz para ti uma pele. Teu nome é Ba-ire-qai, teu nome é Marqatha, teu nome é Rerei, teu nome é Nasa-qebu-bu, teu nome é Thanasa-Thanasa; teu nome é Sharshathakatha.” Um outro excelente exemplo, quiçá um dos melhores no que diz respeito à aparente ininteligibilidade dos nomes, acha-se no Harris Magical Papyrus, do qual uma tradução inglesa pode ser encontrada nos Fac-símiles de Papiros Hieráticos do Museu Britânico .

“Adiro-Adisana! Adirogaha-Adisana. Samoui-Matemou-Adisana! “Samou-Akemoui-Adisana! Samo-deka! Arina-Adisana! Samou-dekabanaadisana! Samou-tsakarouza- Adisana! Dou-Ouaro-Hasa! Kina! Hama! (Pausa) Senefta- Bathet-Satitaoui-Anrohakatha-Sati-taoui! Nauouibairo-Rou! Haari!” No fragmento a que já nos referimos do ritual greco-egípcio, editado por Charles Wycliffe Goodwin para a Cambridge Antiquarian Society em meados do século passado*, aparecem também nomes exemplares: “Eu te invoco, deus terrível e invisível que habitas o sítio vazio do Espírito: Arogogorobrao, Sothou, Modorio, Phalarthao, Doo, Apé, O Não-nascido.” * Isto é, século XIX. (N. T.) Entretanto, tanto do ponto de vista da pesquisa quanto da filosofia concorda-se que o conhecimento da Cabala em todos os seus ramos constitui um suplemento importante e considerável à prática do mago. Como o mago se aplica em tornar sua vida compreensível e em interpretar todo incidente que lhe é inerente como uma transação de Deus com sua alma, de maneira que todas as coisas possam tender para sua iluminação espiritual, poderia parecer incongruente que ele contradissesse essa decisão incorporando palavras sem significado e sem sentido em suas invocações. Acima de tudo, a consistência e a coerência interna tipificam a mente do mago. Conseqüentemente negligenciar os princípios exegéticos da Cabala é deixar desprotegidos os canais através dos quais o caos e a incoerência poderão invadir o sanctum de cognição. Toda palavra bárbara deveria ser tão cuidadosamente estudada e compreendida em termos de grau de atenção e erudição quanto uma análise da Crítica da Razão Pura de Kant, permitindo-se a significação oculta penetrar abaixo do nível de consciência onde, durante a cerimônia, possa auxiliar na produção da excitação requerida. E a revelação do real espírito dos nomes bárbaros não pode dispensar um bom conhecimento funcional da Cabala .

Por exemplo, consideremos a palavra “Assalonoi” constante numa outra parte do fragmento greco-egípcio. A primeira letra sugerirá Harpócrates, o Senhor do Silêncio, que é o Bebê no Lótus e o Puro Louco do tarô, o inocente Percival que silenciosamente se põe em busca do Cálice Sagrado. É apenas ele que, devido à sua loucura mundana mas também à sua sabedoria e inocência divinas, pode chegar incólume ao fim. O “s” será visto como se referindo à carta do tarô que representa o Santo Anjo Guardião que ostenta no peito um sigillum que tem gravadas as letras do Tetragrammaton. “Al” pode ser interpretado como sendo a palavra hebraica para deus, bem como “on” é um nome gnóstico. Pode-se supor que o sufixo “oi” indique o pronome possessivo meu, de sorte que considerada em sua totalidade, a palavra é, na realidade, um resumo de uma invocação completa do Santo Anjo Guardião .

Consideremos agora “Phalarthao”, palavra na mesma invocação. “Phal” é obviamente uma abreviação de falo, que de acordo com Jung é o símbolo das faculdades criativas de um ser humano. Ele o define, aliás, como “um ser que se move sem membros, que vê sem olhos e conhece o futuro; e como representante simbólico do poder criador universal, em todo lugar existente, a imortalidade está indicada nele. É um vidente, um artista e um operador de prodígios”. Submetendo-se as duas letras “ar” ao processo cabalístico denominado Temurah, teremos Ra, o deus-Sol, que verte sua copiosa generosidade em luz, calor e sustento sobre todo o mundo da matéria, e que proporciona graça e iluminação espirituais à vida interior. O “th” é Tes, a serpente leônica que é a essência da vida física, conferindo substância à visão espiritual. “A” é o raio de Thor, as forças mágicas do Adepto postas em movimento e o “o” representa o bode montês e o aspecto fecundo criativo do ser do homem .

A palavra “Adisana” que aparece com muita freqüência no elenco de nomes bárbaros fornecidos pelo Harris Magical Papyrus, traz à mente uma alusão teosófica. As Estâncias de Dzyan apresentadas em A Doutrina Secreta mencionam a palavra sânscrita Adi-Sanat .

Blavatsky explica que essa sugere equivalência com Brahma e a Sephira da Cabala, Kether, e significa o Criador uno. O mago pode assim supor que a palavra egípcia, na falta de conhecimento mais preciso e definido, é, portanto, uma referência à coroa, a mônada no homem e no cosmos .

Ainda outros métodos podem ser concebidos para tornar inteligíveis os nomes bárbaros para que nos ritos nenhuma falha possa desfigurar a integridade e consistência da consciência de alguém .

No que concerne ao uso prático – a exaltação da alma – um método esboçado por Therion* pode ser de alguma utilidade. Supondo-se que a cerimônia culmine numa grande invocação, cujo ápice inclui muitas dessas palavras especiais, é possível empregar uma técnica específica, a qual, contudo, implica um pouco de treinamento da imaginação. Essa faculdade deve ser desenvolvida de modo que qualquer imagem de qualquer objeto possa ser formulada claramente diante do olho da mente com vívida distinção e completude; e não apenas isso, mas de maneira que a formulação possa ser sustentada por algum tempo. Durante a invocação, o teurgo deve imaginar que a primeira dessas palavras intoxicantes é como um pilar de fogo se estendendo como uma coluna vertical e reta na luz astral. À medida que as letras do nome deixam seus lábios e são impelidas para o éter, que ele imagine que sua própria consciência no corpo de luz segue essas letras em sua jornada pelo espaço sutil e é arremessado violentamente ao longo daquele eixo. A palavra bárbara seguinte deve ser concebida ocupando uma coluna talvez duas vezes mais longa ou mais alta que a precedente, de modo que quando a última palavra de invocação for atingida – ignorando no momento a ação e poder inerentes à própria invocação – a consciência será supremamente intoxicada e o ego será subjugado por um sentimento de espanto e fadiga. O eixo deve ser visto no fim para crescer em estatura diante do olho espiritual, ascender cada vez mais alto até que a imaginação seja quase fulminada pela grandeza e imensidão assomadas que gradualmente criou. Esse sentido de temor e maravilhamento produzido por esse viajar no eixo ígneo de cada palavra bárbara é o precursor certo da exaltação e êxtase mágicos. E com a prática o teurgo inventará outros métodos, mais adequados ao seu próprio temperamento e para o emprego satisfatório dessas palavras .

* Aleister Crowley. (N. T.) – – – Para o avivamento do trabalho cerimonial a dança, a música e o toque de sinos constituem outros acompanhamentos complementares. Os toques de sinos e sons produzidos por percussão deverão estar em harmonia no que diz respeito à quantidade e ao tipo de operação. Seu uso visa a anunciar o domínio, registrar a nota do triunfo do mago e recuperar a atenção desviada. Quanto à música, trata-se de um assunto muito mais complicado porquanto sua apreciação varia largamente de indivíduo para indivíduo. É, de preferência, omitida em muitas invocações visto que tende mais ou menos a distrair a atenção do teurgo, embora como prelúdio possa ajudar no êxtase e exaltação. Exige a presença de um músico ou músicos e qualquer sinal de embaraço ou falha técnica deste ou destes atrai discordância e fracasso. O violino ou a harpa, produzindo as notas de maior transcendência e exaltação, podem, ocasionalmente talvez ser empregados .

O tuntum com seu selvagem e apaixonado tamborilamento pelos dedos é útil em outros tipos de trabalho nos quais se requer a excitação da energia, ou até mesmo a tranqüilização da mente. Trata-se simplesmente de forçar a mente a acompanhar o compasso rítmico do tuntum, que pode ser aumentado ou gradativamente reduzido até quando tiver desvanecido num silêncio abrandado, seguir-se-á a paz de uma mente tranqüila. A música oriental consiste principalmente desse tipo monótono, encerrando assim um motivo religioso ou místico. Numa apresentação de balé à qual um amigo deste escritor foi convidado em Java, havia cerca de doze dançarinos que envergavam trajes e máscaras grotescos embora deslumbrantemente coloridos, típico do Oriente ostentatório. A orquestra era constituída por cinco músicos: três tocando um instrumento parecido a um enorme xilofone cobrindo apenas cinco notas, e dois percutindo tambores javaneses. Num teatro externo a dança, principalmente produzida com as mãos e os dedos, durou cinco horas sem um único interlúdio. Todo o tempo os aplicados membros da orquestra nativa fizeram soar seus ritmos monótonos até que pareceu aos europeus como se os sentidos e a mente sucumbissem ao ritmo tedioso, passando finalmente ao silêncio .

Uma dança ligeira, de passos curtos, digamos uma simples dança de dois passos, pode ser útil, e acompanhada por um tuntum e um mantra mental dentro de um círculo ou câmara consagrados poderá ser utilizada como elemento precursor do êxtase. Essa dança é particularmente interessante ao mago visto que sua característica é ritmo e a totalidade da natureza é a corporificação de ritmo e graça, ambos aspectos da dança. A dança na natureza é mostrada no crescimento e movimento, pois o movimento é o elemento essencial da vida, o tema representado num palco infinito. Os êxtases da natureza e suas criaturas passaram ao uso ordinário, reaparecendo reiteradamente na linguagem popular. A música das esferas e a dança das hostes dos planetas e corpos celestes nas infinitudes do espaço sempre receberam a devida atenção nas mãos dos maiores filósofos e poetas que sondaram o coração das coisas. Com freqüência, também, se fala – por meio de clichês, é verdade – das cambalhotas dos cordeiros e dos cabritos saltando nos prados verdes; a dança flutuante das nuvens e a pronta ressaca e retirada dos vagalões do mar. Esses fenômenos, o que não são senão a participação conjunta na dança da vida que diariamente, ano após ano, século após século, prosseguem imutados e inalterados e que em sua perpetuidade tem que ser considerada como a própria encarnação do júbilo! No que concerne ao emprego da dança em operações mágicas, deveria ser absolutamente suficiente o indício fornecido pela dança dos dervixes islâmicos. Esses místicos maometanos são orgulhosos de uma dança que não é, como alguns pensaram, um frenesi descontrolado. No início é precisamente o contrário. Subjacente à sua representação há um motivo altamente religioso: êxtase e união com Alá. De uma posição estacionária eles gradativamente aumentam a velocidade de sua rotação e com os braços estendidos rodopiam com uma tal celeridade que parecem não estar se movendo em absoluto. Em pouco tempo, esse movimento rotativo induz a uma vertigem tanto corporal quanto mental, a qual por puro esforço da vontade, tem seu efeito adiado e é expulsa da consciência. A dança finalmente culmina no colapso do dervixe num estado de completa inconsciência, e não somente nisto, o que acho importante, como também num estado do mais elevado êxtase. Alguns, ademais, podem estar familiarizados com nomes tais como Shri Chaitanya e seu discípulo Nityananda que vagavam pela Índia no século XV, cantando e pregando, e dançando alegremente a doutrina de Bhakta ou união com Deus por devoção. Houve também em anos relativamente recentes a figura do eminente mestre religioso Shri Ramakrishna Paramahamsa, cujas freqüentes canções e danças devotas eram tão carregadas de fervor e forte emoção que se diz que transformações morais e espirituais foram produzidas naqueles que tiveram o privilégio de assisti-las. Muitas dessas pessoas, afirma a reportagem, ficavam tão tomadas pela emoção profunda e o arrebatamento de bem-aventurança à vista do mestre dançando que caíam em êxtases e desmaiavam .

No que se refere ao moderno teurgo, o principal objetivo da dança é obter uma exaustão física e uma cessação de todo pensamento. No domínio dessa negatividade, se tiver sido induzida dentro de uma área adequadamente consagrada e banida, pela qual nenhuma entidade ousará se imiscuir exceto a força previamente tornada manifesta mediante as invocações, a presença espiritual invocada poderá se encarnar. Essa é a idéia fundamental da dança, embora alguns possam preferir omiti-la por completo de suas cerimônias. Cada tipo de força, pertencente às várias Sephiroth, disporá de seu próprio tipo de dança, com seu próprio passo e seu próprio tempo .

Um movimento comum à maioria das invocações, que é menos dança do que um ligeiro movimento a passos curtos ou o rodopio, é o circumpercurso. De vez em quanto, é exigido do mago que ele ande de algum dos pontos cardeais um certo número de vezes em torno do círculo, o número específico determinando a natureza da força a ser invocada. Ademais, a direção do circumpercurso, seja para o leste ou oeste, determinará se ele está invocando ou banindo. Um movimento dextrógiro, isto é, horário, invocará, e um movimento sinistrógiro, o precisamente oposto, anti-horário, banirá. Tradicionalmente, o circumpercurso no círculo constitui um método maravilhoso para adquirir potencial e despertar o entusiasmo e força necessários .

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