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Elias Ahmole, John Dee, Issac Newton e a Alquimia rosa-cruz

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FRANCES A. YATES, excerto de “O Iluminismo Rosacruz”

Enquanto a primeira Sociedade Real parecia estar excluindo cautelosamente os tópicos perigosos, concentrando-se no baconianismo idôneo, evitando toda e qualquer referência aos manifestos rosa-crucianos (a não ser indiretamente numa página de rosto), e evidentemente desviando-se de toda alusão a John Dee, agora tornado famoso pelos escritos de Casaubon, seu quadro de sócios incluía pelo menos um homem erudito, no qual a tradição Dee estava ainda muito viva. Para Elias Ashmole, Dee representava um mago imensamente respeitado, cujos trabalhos ele colecionava, e cujos ensinamentos alquímicos e de magia, ele tentava pôr em prática. A presença de Ashmole na Sociedade Real, como membro fundador  representa uma importante indicação de que o “rosa-crucianismo” – caso este devesse ser identificado com influências de Dee – ainda encontrava um lugar dentro da Sociedade, mesmo se apenas como um interesse particular de um de seus membros.

Elias Ashmole (1617-92) era um realistfJ-fiel, que viveu isolado durante as guerras civis e enquanto a república inglesa prosseguia em seus múltiplos interesses. Alquimista, astrólogo, antiquário, colecionador pertinaz de documentos do passado, as origens de Ashmole encontravam-se radicadas naquele universo hermético, governado por correspondências sobre a magia, procedente da nova ciência que estava surgindo. Todavia, não era exatamente antiquado, pois seu interesse na alquimia reflete uma renovação ou renascimento da mesma no século XVII, um movimento que influenciou muitas figuras insignes. A alquimia paracelsista representou uma força predominante na medicina moderna; a química de Robert Bole foi uma filha do movimento alquímico; e havia um antecedente extraordinário da alquimia, até mesmo na mente de Isaac Newton.

O renascimento alquímico, como um fenômeno histórico, não recebeu por enquanto um tratamento histórico. A alquimia, como arte hermética por excelência, pertence à tradição hermética; porém, a renovação da alquimia não foi digna de atenção como parte da renovação da tradição hermética na Renascença italiana. Com o advento de Paracelso, surgiu um tipo de alquimia reformada e renascente, e para a sua tradição, lohn Dee prestou a sua colaboração. A tríplice corrente da “Magia, Cabala e Alquimia” flui através dos manifestos rosa-crucianos, caracterizando a inclusão da alquimia na tradição hermético-cabalística.

Um notável missionário do movimento da alquimia foi Michael Maier, cuja vida de trabalho fortuma coletânea e publicação de textos alquímicos, e a difusão de sua filosofia religiosa alquímica mediante suas próprias publicações. Vimos que Maier foi o mais importante no movimento em torno de Frederico, o Eleitor Palatino, e que a alquimia estava associada a esse movimento e com a atração que exerceu na Boêmia. Perguntamo-nos até que ponto o movimento da alquimia na Inglaterra e durante o século XVII pode ter sido estimulado pelos refugiados, oriundos da Alemanha e da Boêmia. Vimos como Daniel Stolcius, o boêmio exilado, que amenizou sua tristeza com os emblemas de Maier, foi para a Inglaterra; 3 e deve ter havido outros iguais a de.

Como principal representante do movimento alquímico na Inglaterra, no século XVII, Elias Ashmole poderia representar um ponto de partida para a exploração desses assuntos. Aquela coletânea de manuscritos – os documentos de Ashmole – não é apenas o trabalho de um antiquário, de um homem vivendo no passado (embora essa faceta de Ashmole fosse muito marcante) j ela encerra também uma grande evidência do movimento alquímico .contemporâneo – poderíamos quase dizer o moderno – na Inglaterra da sua época .

Entre aqueles documentos, o investigador dos manifestos rosa- -crucianos encontra um fenômeno curioso. Elias Ashmole deu-se ao trabalho de copiar de próprio punho uma tradução inglesa da Fam. e da Conjessio, e de juntar a essas cópias uma carta em latim e também escrita de próprio punho, endereçada aos “mais esclarecidos Irmãos da Rosa-Cruz”, solicitando-lhes permissão para ingressar em sua Fraternidade.  Esse modo de endereçar a carta deJIlonstra o entusiasmo pela Fraternidade, porém vago, consistindo elaf.tm grande parte de citações tiradas da Fama e da Conjessio. O original da tradução inglesa dos manifestos que Ashmole copiou, encontra-se entre seus documentos, escrito à mão no início do século XVII, e sem dúvida, não posteriormente ao reinado de Carlos I. Não é a mesma versão inglesa publicada por Vaughan, e sim uma diferente.

O procedimento de Ashmole poderia parecer ter sido copiar de próprio punho um manuscrito de uma tradução inglesa dos manifestos em seu poder, e à guisa de introdução dedicá-la pessoalmente aos Irmãos R.C. manifestando profunda admiração por esses homens esclarecidos e solicitando-lhes autorização para ingressar em sua Ordem. Não creio que ele estivesse dirigindo-se a qualquer grupo contemporâneo real de “rosa-cruzes”. Julgo que toda a operação tinha o caráter de uma composição escrita religiosa. Ashmole sabia que, para aqueles que aprovavam os objetivos revelados nos manifestos, era correto dirigir-se aos ‘Irmãos R.C. Ele se identifica com os manifestos, escrevendo uma dedicatória reverente aos Irmãos imaginários. O fato de copiar por extenso os manifestos e o seu pedido foi por si mesmo uma súplica, provavelmente uma composição escrita religiosa, inteiramente pessoal.

Um olhar de relance para a vida interior de Ashmole é uma introdução valiosa ao estudo de seu conhecido livro – já publicado – o Theatrum Chemicum Britannicum (1652), 6 Esta coletânea de manuscritos alquímicos foi muito importante ao estimular o movimento contemporâneo alquímico na Inglaterra. É uma coleção de manuscritos alquímicos de um tipo semelhante ao dos “teatros” ou coletâneas de elementos alquímicos que tinham sido publicados no início do movimento da alquimia alemã do século XVII, o qual derivou em parte do incentivo proporcionado por Michael Maier aos estudos .alquímicos, como parcela do movimento rosa-cruciano, A coleção de Ashmole inclui somente os alquimistas ingleses; Maier, porém, interessara-se principalmente pela alquimia inglesa, e publicara uma tradução em latim do Ordinall of Alchemy, de Thomas Norton;? poema em inglês de um famoso alquimista medieval inglês, cuja versão original nesse idioma foi publicada pela primeira vez por Ashmole em seu Theatrum de 1652.

Seria agora evidente para o leitor atento do Theatrum, de Ashmole, que essa obra, em matéria de simpatia, era “rosa-cruciana”, e que, de fato, representou uma espécie de continuação do renascimento da alquimia inglesa de Michael Maier no movimento rosa-cruciano alemão. Isto, porque no parágrafo inicial do Theatrum , Ashmole faz uma citação da Fama e fala dos esforços de Maier para popularizar a alquimia inglesa na Alemanha. Foram estas as suas palavras:

Nossos filósofos ingleses (tal qual os profetas) em geral, foram pouco homenageados… em seu próprio País: tampouco produziram obras dignas de consideração entre nós, exceto ao ministrar dissimuladamente a sua Medicina a alguns enfermos, e curá- -los… Assim fez LO. (um dos primeiros quatro seguidores dos Membros dos Irmãos R.C.) ao curar o jovem Conde de Norfolke que sofria de lepra. . . Mas nas regiões do exterior, eles tiveram uma Recepção mais insigne, e o mundo sentiu-se ávido por obter seus trabalhos; ou melhor (quis vislumbrar o que neles se continha) satisfeito em poder fazê-lo através de uma Tradução, embora jamais tão imperfeita: Vêde o que fez Maierus . . . e muitos outros; o primeiro dos quais saiu da Alemanha para viver na Inglaterra; propositalmente deu a conhecer que dominava nosso idioma inglês, a ponto de traduzir em versos latinos o “Ordinall” (Livro de Ritual), de Norton, fazendo-o o mais criteriosamente e doutamente; todavia (diga-se para nossa vergonha), o seu Entretenimento redundou em demasiadamente grosseiro para um erudito tão louvável.

A história sobre o legendário Irmão R.C. que curou a lepra do jovem conde na Inglaterra tem sua origem na Fama, e Ashmole imediatamente apresenta o relato sobre Maier sentir-se ansioso por difundir no exterior a alquimia inglesa, e como tinha ido para a Inglaterra , a fim. de aprender esse idioma e assim poder traduzir Norton, não tendo sido, entretanto, seus esforços encorajados.

“Diga-se para nossa vergonha” – é por ter Maier recebido um tratamento severo pelos seus esforços literários. Lendo nas entrelinhas das observações de Ashmole , e à luz do que agora sabemos sobre o movimento rosa-cruciano na Alemanha, tem-se a impressão de que ele conhecia a atribuição de Maier como um intermediário entre a Inglaterra e a Alemanha, ao fomentar o movimento alquímico como fazendo parte da estruturação de uma aliança Anglo-Pala tina-Boêmia  – o movimento que Jaime I não encorajara. Maier recebera realmente um tratamento severo , como resultado da sua confiança imerecida na aliança inglesa; ele morrera – não sabemos como – logo após a deflagração da Guerra dos Trinta Anos. Começamos agora a compreender como o Theatrum Chemicum Britannicum, de Ashmole, representa, todavia, um daqueles esforços visando restaurar, ou continuar, um movimento que fora sinistramente interrompido pelo colapso da causa do Rei e da Rainha da Boêmia.

O Theatrum Chemicum Britannicum inicia-se com o Ordinall, de Norton, e contém muitos outros manuscritos de alquimistas ingleses, incluindo um de George Ripley , cujo trabalho fora também admirado no círculo de Maier. E Ashmole continuou a sua coletânea de escritores alquímicos ingleses, até as épocas mais recentes, incluindo um poema alquímico considerado corno sendo de Edward Kelleye alguns versos delineados como “O Testamento”, de john Dee.

Em seu comentário sobre o trabalho atribuído a Kelley, Ashmole narra a história de Dee, discorrendo sobre a sua competência em estudos da matemática e o brilho habitual de seu trabalho científico, a prevenção contra ele e a hostilidade à sua coleção de livros, a sua partida para o continente com Kelley, o domicílio em Trebona na Boêmia, onde as supostas transmutações deste último suscitaram grande emoção, a briga com Kelley, e finalmente a volta de Dee para a Inglaterra. Ashmole observa que a Rainha Elisabete continuara a favorecê-lo após ter ele regressado, porém não menciona os reiterados ataques contra ele devido à feitiçaria, feitos após sua volta, e tampouco o fato de Jaime I não tê-lo prestigiado. Deixando de lado todos os boatos, Ashmole afirma convictamente que Dee merece ” os encômios de todos os Homens Eruditos e Talentosos, e de ser lembrado por suas notáveis aptidões “. Notabilizou-se principalmente nos estudos da matemática, “em todos os setores da qual era um mestre absoluto e perfeito”.

O pequeno poema chamado “Testamento” do Dr. Dee no Theatrum Chemicum Britannicum é uma descrição em termos velados da’ famosa “monas”.

Através de suas alusões a Dee e a Maier no Theatrum , Ashmole, segundo considero, está indicando urna ligação de Dee com o movimento rosa-cruciano alemão. E ele estava ciente dos riscos que esse movimento encontrou:

não é menos absurdo do que estranho ver corno alguns homens. .. não se absterão de classificar os Verdadeiros Magos como Feiticeiros, Necromantes e Bruxos. ‘. os quais intrometeram-se ousadamente na Magia, corno se Swine devesse entrar num Jardim encantado e (mediante um Pacto com o Demônio) fazer uso de sua colaboração para contrafazer e corromper a admirável sabedoria dos Magos, entre os quais existe uma diferença tão grande quanto a existente entre os Anjos e Demônios.

Ashmole está assim defendendo Dee corno sendo um bom mago, e defendendo-o com pleno conhecimento de sua carreira.

É evidente que Ashmole ainda não era um membro da Sociedade Real, que ainda não fora instituída quando ele publicou esse livro em 1652. O livro, porém, era bem conhecido, o que não impediu de Ashmole ser convidado a ingressar na Sociedade Real em 1666, como um dos membros fundadores.

O tipo de alquimia, pelo qual Ashmole estava tão interessado, pode ter sido a “rosa-cruz”. Com isto quero dizer a alquimia conforme revista e reformada por John Dee, e da qual a sua “monas hieroglífica” representou a misteriosa sinopse. Esta alquimia incluía um intenso revivescimento da velha tradição alquímica, mas de certa forma acrescentava, aos conceitos alquímicos básicos, noções e práticas derivantes da Cabala, tendo também o conjunto uma formulação matemática. O adepto .enfronhado nessas fórmulas podia movimentar-se para cima e para baixo na escada da criação, para fora da matéria terrestre através dos céus na direção dos anjos e de Deus. Esta concepção antiquíssirna foi de certo modo trazida à vida por um novo caminho através da integração com os métodos cabalístico e matemático. Contudo Ashmole não possuía o brilhante equipamento matemático, que para um homem de talento igual a Dee, acima de tudo, fizera da “monas” uma declaração de união, uma visão do Deus Uno por trás da criação.

Ashmole, o alquimista, era o sósia de Ashmole, o antiquário, o colecionador de documentos históricos e um zeloso conservador dos vestígios do passado. Esse duplo papel fora também uma característica de seu herói, John Dee, cujos estudos de arqueologia,  principalmente a inglesa, tinham sido quase tão importantes para ele quanto seus interesses científicos.

O entusiasmo de Ashmole como antiquário foi também dirigido para a história inglesa, sob a forma de narrativa da Ordem da Cavalaria Britânica, a Ordem da Jarreteira. Ele começou por acumular material para um livro sobre esse assunto, em 1655; foi eventualmente publicado em 1672 com uma dedicatória a Carlos lI, e uma cópia do mesmo convencionalmente apresentada por John Wilkins à Sociedade Real.  O livro é um marco da cultura de antiguidades, e ainda não ultrapassada como a principal autoridade no seu assunto. No prefácio, Ashmole fala sobre a sua apreensão ao ver a reputação da jarreteira espezinhada durante “aqueles dias malfadados” das guerras civis. Sua intenção era a de renovar a imagem da Ordem, como um passo dado em direção à Restauração. Quando seu grande livro foi publicado, foram enviados exemplares para o exterior, quase como embaixadas junto aos potentados estrangeiros.

Ao se referir à “Magnificência das Embaixadas enviadas aos Reis e Príncipes estrangeiros juntamente com o Hábito”, Ashmole cita as palavras de Cellier na narrativa sobre a embaixada enviada, a fim de conferir a Jarreteira a Frederico, Duque de Württemberg, em 1603, cerimônia que deve ter exercido uma grande influência na imaginação de Johann Valentin Andreae, podendo ter contribuído para a criação da lenda relativa a “Christian Rosencreutz”, e o nascimento do Chemical Wedding, de Andreae.  A Ordem da Jarreteira e o fato de ter sido outorgada ao Eleitor Palatino formaram uma corrente importante para o desenvolvimento do movimento de Frederico, cuja desgraça envolvera a Jarreteira em sua queda.  Ela representara a aliança inglesa e ficara coberta de ignomínia nas sátiras inimigas daquele Rei. Deste modo , é provável que a restauração da dignidade da Jarreteira, na mente de Ashmole, estivesse associada à tradição alquímica inglesa em seu outro livro, o Theatrum Chemicum Britannicum.

As lembranças de um passado calamitoso devem certamente ter sido revividas, quando o jovem Príncipe Carlos, Eleitor Palatino e neto dos infortunados Rei e Rainha da Boêmia, foi apresentado a Ashmole, e “muito discutiu com ele sobre a Ordem da Jarreteira”.23 Isto ocorreu em 1690. O jovem Eleitor acabara de suceder ao seu pai (Carlos Luís, o patrono de Hartlib) no Palatinado e estava viajando pela Inglaterra. Ashmole presenteou o jovem príncipe com um exemplar de seu livro, e este, por sua vez, presenteou-o com a medalha da Jarreteira que pertencera ao seu pai, uma medalha de ouro exibindo Carlos Luís usando o colar e a imagem de S. Jorge da Ordem. Em Heidelberg, após o regresso do Eleitor, o livro de Ashmole circulou pela corte, e durante horas foi o motivo de discussão sobre “as curiosidades” que continha.

Desse modo, Ashmole, alquimista e antiquário, pode estar olhando por trás do movimento que falhara, e procurando reabilitar sua memória no presente. E tanto como alquimista como em seu interesse pelas antiguidades, Ashmole está seguindo a tradição Dee.

Em pouco tempo, a Sociedade Real deixava para trás a “experiência baconiana”, e a segunda geração dos Membros foi dominada pela extraordinária figura de Isaac Newton, um dos maiores gênios da matemática. Como é sabido, Newton, além de suas descobertas sensacionais, tinha outros interesses, sobre os quais mostrou-se bastante reservado durante sua existência, havendo, porém, certeza dos mesmos na grande quantidade de seus documentos não-publicados. Um deles, refere-se à alquimia, e nos últimos anos a curiosidade relativa a essa faceta de Newton esteve aumentando. Pode ser verdade que esse grande herói da ciência racional fosse secretamente um alquimista? Ou seu Interesse pela alquimia era simplesmente uma excentricidade ou algo que admitisse alguma outra interpretação?

O que tenho a dizer sobre este assunto é aqui ventilado com extrema modéstia. Não examinei os documentos de Newton não-publicados, todavia, ao colocar simplesmente este problema no contexto da série, de investigações históricas, pelas quais este livro se interessa, é possível que pudesse ser sugerido um ângulo histórico para o enfoque da alquimia de Newton.

Newton, evidentemente, conhecia os manifestos rosa-crucianos. Possuía uma cópia da The Fame and Confession and Fraternity R.c. – a tradução inglesa dos manifestos publicada por Thomas Vaughan em 1652. A cópia desse livro , na Biblioteca da Universidade de Yale , contém uma nota manuscrita por Newton, e com a sua assinatura. Em sua nota , Newton cita, da Fama , a descrição do encontro do corpo de Christian Rosencreutz, tendo ele consultado dois trabalhos de Michael Maier para maiores informações, os livros das “Laws of the R.C. Fraternity”, isto é, o Themis aurea, no qual Maier apresenta essas leis, baseadas no que está enunciado na Fama, e no Symbola aureae mensae duodecim , onde ele colhe outras referências dos manifestos, e a data na qual foram publicados. Newton termina sua anotação histórica, baseado no estudo dos manifestos bem como de Maier, com a observação: “Esta foi a história daquela impostura”. Entretanto, obrigatoriamente, isso não implica em um desrespeito; poderia apenas significar que Newton conhecesse a história de Rosencreutz como sendo um mito, um ludibrium.

Em sua obra sobre Newton, Frank E. Manuel tem um capítulo sobre ele e a alquimia, baseado no estudo dos manuscritos de Newton. Disto se depreende que Newton fez muitas cópias de obras alquímicas, até mesmo transcrevendo obscuros poemas alquímicos. Entre as coleções de trabalhos alquímicos importantes, por ele consultados, encontrava-se o Tbeatrum Chemícum Britannicum, de Ashmole , por ele “esquadrinhado repetidas vezes”.  Ao realizar esse exame minucioso do livro, Newton teria observado que Ashmole começa o Em sua obra sobre Newton, Frank E. Manuel tem um capítulo sobre ele e a alquimia, baseado no estudo dos manuscritos de Newton. Disto se depreende que Newton fez muitas cópias de obras alquímicas, até mesmo transcrevendo obscuros poemas alquímicos. Entre as coleções de trabalhos alquímicos importantes, por ele consultados, encontrava-se o Theatrum Chemícum Britannicum, de Ashmole , por ele “esquadrinhado repetidas vezes”.  Ao realizar esse exame minucioso do livro, Newton teria observado que Ashmole começa o livro com a citação da Fama, que comenta o trabalho de Michael Maier ao coligir autores alquímicos ingleses, e “para nossa vergonha” , não fora senão mal recompensado. Deveria ter compreendido que a coleção de Ashmole, na realidade representa os alquímicos ingleses admirados por Maier, incluindo os extraordinários Dee e Kelley. No comentário de Ashmole acerca da obra de Kelley, ele deveria ter lido toda a história de John Dee, e quão respeitado teria sido pelo seu brilhante trabalho matemático e científico. E no “Testamento”, de Dee, constante do livro, poderia tecer ponderações a respeito de uma breve versão em versos dos mistérios da “monas”

Newton parece ter-se interessado especialmente por Michael Maier, transcrevendo trechos de suas obras,  até mesmo descrevendo às vezes com suas próprias palavras os emblemas alquímicos daquele, como por exemplo: “Duas mulheres vestidas, montadas em dois leões; cada uma com um coração na mão . .. ” Newton ingressara naquele mundo do renascimento alquímico de Maier, havia estudado as fontes de informações alquímicas que ele reunira e meditara sobre a estranha manifestação de seu ponto de vista nos emblemas alquímicos.

Já verificamos que certamente existe uma grande influência de Dee nos emblemas de Maier, e ela estava presente durante todo o esforço deste último no renascimento alquímico, e principalmente no da alquimia na Inglaterra. O enfoque histórico, por conseguinte, sugere que seria útil a abordagem da alquimia de Newton ao longo das linhas do movimento rosa-cruciano alemão, e as influências de Dee nele exercidas, ou o tipo de alquimia rosa-cruz.

Sendo um homem profundamente religioso, igual a Dee, Newton preocupava-se muito com a busca do Único, do Deus Uno, e com a Unidade divina revelada na Natureza. As maravilhosas pesquisas físícas e matemáticas da Natureza não o tinham satisfeito inteiramente. Talvez alimentasse, ou alimentasse pela metade, uma esperança no sentido de que o caminho alquímico rosa-cruciano através da Natureza poderia levá-lo muito mais para o alto.

De qualquer forma, pode-se afirmar .que o renascimento alquímico que afetou Newton ficou devendo muito ao Theatrum Chemicum Britannicum, de Ashmole, considerado como tendo sido inspirado por John Dee e pelo movimento alquímico de Maier. Não pareceria historicamente fantástico considerar como uma hipótese básica para futuro estudo, a possibilidade de que o elemento rosa-cruciano, de alguma forma corrigido ou mudado, poderia sem dúvida participar do interesse de Newton pela alquimia.

À guisa de anotação ao pé deste capítulo, deve ser feita uma referência à coletânea dos textos rosa-crucianos conservados entre os manuscritos Harley no Museu Britânico. Embora muitíssimo menos importantes do que os personagens que estivemos discutindo, o homem que escreveu os manuscritos Harley assemelha-se àqueles por ter estado transcrevendo documentos pertencendo ao movimento rosa-cruciano alemão.

Os códigos Harley 6485 e 6486 são ambos escritos pela mesma mão e provavelmente ao mesmo tempo; um está datado de 1714. Visto que neles um “Dr. Rudd” é mencionado freqüentemente, o escriba pode estar associado de qualquer modo com Thomas Rudd que publicou uma edição do prefácio da matemática de Dee para Euclides em 1651.  Esse escriba certamente é um admirador ardente de Dee .

O primeiro item do Harley 6485 é um tratado intitulado “The Rosicrucian Secrets”, que costumava ser atribuído a Dee, quando em pleno vigor desse manuscrito. De fato, o escriba não afirma realmente ter sido Dee o autor desse trabalho; o que ele diz é estar transcrevendo-o das “folhas” que acredita terem sido escritas por Dee . 32 Resultando de evidências internas, está claro que “The Rosicrucian Secrets” não é de Dee . O mesmo código também inclui dois outros itens, considerados como tendo sido copiados das “folhas do Dr. Dee”. Um é chamado “Of the Laws and Mysteries of the Rosicrucians”. A maior parte dele é transcrita ‘da tradução inglesa de Michael Maier, Themis  aurea, publicada em 1656 com uma dedicatória para Ashmole.

O compilador do código Harley pertence à tradição alquímica, na qual a indicação da autoria e das fontes de informações era sempre excessivamente vaga, sendo habitual atribuir a um nome conhecido os trabalhos certamente não escritos pelo dono daquele nome (por exemplo, a imensa literatura alquímica sob o nome de Raymond Lully, foi escrita após a morte do verdadeiro Ramon Lull ). O que aqui se torna interessante, merecendo uma pausa a respeito do Harley 6485, é a evidência nele contida de que numa tradição alquímica ainda sobrevivendo no início do século XVIII, a paternidade da literatura do movimento rosa-cruciano alemão é atribuída a Dee. Caso queiram meditar nos preceitos da Ordem rosa-cruciana, conforme apresentados na Fama e difundidos no Themis  aurea, de Maier, transcrevam tais preceitos das supostas ” folhas do Dr. Dee”, embora estejam realmente fazendo-o de uma tradução do livro de Maier. Em sua maneira obscura de dizer, a coleção Harley confirma o fato de que a influência de Dee encontra-se oculta no movimento rosa-cruciano alemão.

Ao HarIey 6485 seguiu-se imediatamente o 6486, que consiste num trabalho cujo título (abreviado) é “The Famous Nuptials of the Thrice Great Hermes . . . produzido por C.R., um alemão da Ordem da Rosa Cruz… e oriundo do manuscrito latino, agora fielmente traduzido para o inglês, por Peter Smart, 1714”. Na página seguinte, existe uma declaração adicional: – “A margem constam pequenas anotações pelo último Dr. Rudd.”

O manuscrito é quase uma cópia, palavra por palavra, da tradução inglesa de Ezechiel Foxcroft, do Chemical Wedding, de Andreae, publicado em 1690. 34 “Peter Srnart”, por conseguinte, pareceria estar mentindo ao afirmar que essa é uma tradução original feita por ele; ao que sei, não existiu “original em latim” do trabalho que só foi publicado na Alemanha; além do mais, as anotações à margem no manuscrito são também todas transcrições da tradução de Foxcroft, não podendo, portanto, serem do “último Dr. Rudd.”

Entretanto, “Peter Smart” talvez esteja parcialmente exonerado, sob o pretexto de que a sua tradição alquímica era do tipo ambíguo e confuso, que não deveria ser julgada sob o ponto de vista estritamente verídico; pois o mais extraordinário no Harley 6486 é a grande atração da “monas hieroglyphica”, de Dee, copiada da tradução de Foxcroft (onde está mais parecida à “monas”, do que a versão dela conforme j : consta do texto em alemão). Embora não fosse realmente afirmado ter sido copiada “das folhas do Dr. Dee”, é evidente que o importante, a respeito do Cbemical Wedding, para o compilador dos códigos Harley , é que acredita estar essa obra impregnada da influência de Dee.

Por conseguinte, o compilador dos códigos HarIey está procurando o rosa-crucianisrno de um ângulo que pode ser reconhecido como semelhante àquele de Ashmole, e considerando o rosa-crucianismo alemão como sendo fundamentalmente o resultado das influências de Dee. Embora o ilustrado Ashmole não tivesse confundido as origens e autoria dos códigos Harley do modo mais primitivamente alquírnico, apesar disto, também ele considerou os manifestos rosa-crucianos, Maier e a sua escola alquímica, e Dee, numa seqüência histórica. E provavelmente reconheceu a história por trás daquela seqüência, o movimento rosa-cruciano em relação a Frederico, o Eleitor Palatino e aqueles sonhos da reforma universal através da união com a Boêmia, que não deram em nada e comprometeram a Ordem da Jarreteira quando por ocasião da queda de Frederico.

Este capítulo até certo ponto é mais do tipo de uma hipótese fragmentária, do que o resultado integral de um tema. A hipótese é que por trás do grande movimento exotérico caracterizado pelas realizações de Newton nos campos da matemática e da física, havia também um movimento esotérico, associado com o movimento exotérico, através da importância por ele dada aos números, porém, incrementando este último por meio de uma outra abordagem da Natureza – a que é feita por intermédio da alquimia. O importante trabalho de Newton teria conservado viva a abordagem alquímica . E ambos eram membros da Sociedade Real.

As duas abordagens poderiam ter-se verificado através da alquímia rosa-cruz, isto é, da tradição alquímica de Dee, conforme expandida na escola rosa-crusiana alemã. Que Newton encontrasse pontos de ligação entre todos os seus estudos através de uma tal perspectiva, é uma possibilidade. A ciência de Newton, mais recente, ressaltou o tipo de pensamento renascentista existente por trás de seus esforços, sua crença nas tradições de uma antiga sabedoria disfarçada em mito, e sua confiança de ter sido ele mesmo quem descobrira a verdadeira filosofia oculta na mitologia. No artigo sobre “Newton e as Flautas de Pan”, J. E. McGuire e P. M. Ratransi demonstraram que Newton  descobrira o seu sistema do universo simbolizado na lira de Apolo com suas sete cordas. 3.5 Essas analogias musical e cósmica formam a base da “monas”, de Dee, e dos emblemas de Maier, combinam a música com os modos de manifestação alquímicos. A alquimia rosa- -cruz, musical, matemática, alquímica e profundamente religiosa – com um tipo de devoção hebraico e cabalístico – está apresentado visualmente naquela gravura no Amphitheatrum, de Khunrath, na qual se vêem o alquimista devoto, em profunda oração a Jeová (e os outros meios por ele empregados para chegar até Deus, através da Natureza caracterizada pelos instrumentos musicais, a matemática arquitetônica e o forno alquímico. Com algumas modificações resultantes das diferenças das épocas, essa gravura poderia manifestar a vida interior, a aspiração intensa da procura de Deus, ao longo de caminhos diversos, por Isaac Newton.

A finalidade deste capítulo, aliás de todo este livro, é simplesmente juntar as peças históricas através das quais esses pensamentos poderiam ter-se desenvolvido ao longo dos caminhos históricos. Creio que eles se encontravam por trás do movimento rosa-cruciano alemão, inspirado por Dee, e conservaram-se vivos na Inglaterra para aqueles que lastimaram a falta de apoio a Frederico do Palatinado. A atitude de Newton quanto aos fatos históricos, sua intensa preocupação com a profecia apocalíptica, tinham-no tornado profundamente consciente das interpretações apocalípticas da próxima extinção do protestantismo na Europa, ocasionada pela queda de Frederico. O enfoque de Newton, através da alquimia rosa-cruz, poderia ajudar não só a unificar seus estudos físicos e alquímicos, como também completá-los com a religiosidade hebraica subjacente em seus estudos históricos.

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