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Alta Magia

Mito do Demônio – Ísis sem véu

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A DOUTRINA DA CONDENAÇÃO ETERNA.

Os pregadores batistas reunidos em 09 de abril de 1877, na Capela dos Marinheiros, em Olver Street. Muitos missionários estrangeiros estavam presentes. O Rev. John W. Sarles, do Brooklin, leu um discurso, em que defendia a proposição de que todo gentio adulto que morrer sem o conhecimento do Evangelho está condenado para toda a eternidade. De outra maneira, argumentou o reverendo ensaísta, o Evangelho é uma maldição, em vez de uma bênção, os judeus que crucificaram Cristo obraram com justiça e toda a estrutura da religião revelada cai por terra.

“O Irmão Stoddart, um missionário da Índia, endossou as opiniões do pastor do Brooklin, dizendo que os hindus era grandes pecadores. Certa vez, depois de ter ele pregado num mercado público, um brâmane se acercou dele e lhe disse: `Nós, os hindus, podemos avantajar-nos o mundo em mentiras, mas este homem nos vence. Como pode ele dizer que Deus nos ama? Olhai para as serpentes venenosas, os tigres, os leões e todas as espécies de animais perigosos que nos rodeiam. Se Deus nos ama, por que Ele não os afugenta?’

“O Reve. Sr. Pixley, de Hamilton, N. Y., aderiu entusiasticamente à doutrina do ensaio do Irmão Sarles e solicitou 5.000 dólares para o ensino de jovens aspirantes ao sacerdócio.”

E esses homens – não diremos que ensinam a doutrina de Jesus, pois isso seria insultar a sua memória, mas – são pagos para ensinar a sua doutrina! Podemos nos espantar com o fato de que pessoas inteligentes prefiram a aniquilação a um fé fundamentada numa doutrina tão monstruosa? Duvidamos que qualquer brâmane respeitável confessasse o vício da mentira – uma arte cultivada apenas naquelas regiões da Índia britânica onde se encontram os cristãos. Mas desafiamos qualquer homem honesto desse imenso mundo a dizer se ele acha que o brâmane estava longe da verdade ao afirmar, em relação ao missionário Stoddart, que “este homem nos vence” em mentiras. Que mais poderia ele dizer, se este pregava a eles a doutrina da condenação eterna, porque, na verdade, haviam passado suas vidas sem ler um livro judaico, de que nunca haviam ouvido falar, ou sem procurar a salvação num Cristo de cuja existência eles nunca haviam suspeitado! Mas o clero batista, que precisa de alguns milhares de dólares, há de recorrer a representações terroríficas para acender o coração de sua congregação.

A MORAL DO CRISTIANISMO MODERNO.

O novo credo, portanto, tão como possa parecer, incorpora a essência mesma da crença da Igreja, tal como inculcada por seus missionários. Consideram-se menos ímpio, menos infiel, duvidar da existência pessoal do Espírito Santo, ou da Divindade de Jesus, do que questionar a personalidade do Diabo. Mas, está quase esquecido um resumo do Koheleth.* Quem cita as palavras de ouro do profeta Miquéias, ou parece preocupar-se com a exposição da Lei, tal como foi ouvida do próprio Jesus? Toda a moral do Cristianismo moderno se resume no mandamento de “temer o Diabo”. (* Eclesiástico, XII, 13: ver Lang, Commentary on the Olt Testament, ed. por Tayler Lewis, Edimburgo, 1870, p. 199:

“A grande conclusão ouvi: Temei a Deus
E seus mandamentos guardai,
Pois tudo isto é do homem.”)

O clero católico e alguns dos paladinos da Igreja romana brigam ainda mais pela existência de Satã e de seus diabretes. Se des Mousseaux afirma a realidade objetiva dos fenômenos espiritistas com um ardor tão inflexível é porque, em sua opinião, esses fenômenos são a prova mais evidente do Diabo em função. Ele é mais católico do que o Papa, e sua lógica e suas deduções de premissas infundadas e não estabelecidas são singulares e provam um vez mais que o credo oferecido por nós expressa com grande eloqüência a crença católica.

“Se a Magia”, diz ele, “fosse apenas uma quimera, teríamos que dar uma adeus eterno a todos os anjos rebeldes, que agora perturbam o mundo; pois, assim, não haveria demônios aqui. E, se perdemos nossos demônios, PERDEREMOS também O NOSSO SALVADOR. Pois de que nos redimiria o Redentor? Por conseguinte, não existiria o Cristianismo!”

O Diabo é o gênio protetor do Cristianismo teológico. Tão “santo e reverenciado é seu nome” na concepção moderna, que ele não pode, exceto ocasionalmente no púlpito, ser pronunciado para não ferir os ouvidos dos fieis. Da mesma maneira, antigamente, não era lícito pronunciar os nomes sagrados ou repetir o jargão dos mistérios, exceto no claustro sagrado. Mas conhecemos os nomes dos deuses samotrácios e não podemos precisar o número dos Kabiri. Os egípcios consideravam blasfemo pronunciar o epíteto dos deuses de seus ritos secretos. E mesmo agora, o brâmane só pronuncia a sílaba Om em pensamento silencioso, como os rabinos, o Inefável Nome. Por essa razão, nós que não exercemos tal veneração, fomos levados à cincada da adulteração dos nomes de HISIR e YAVA, nos abusivos Osíris e Jeová. Uma fascinação similar promete muito mais, como se pode perceber, para reunir as designações da personagem obscura de que tratamos; e, no uso familiar, é bastante provável que choquemos as sensibilidades peculiares de muitas pessoas que consideram uma blasfêmia a simples menção dos nomes de Diabo – o pecado dos pecados, que “nunca terá perdão” (Marcos, III, 29: “Aquele que blasfemar contra o Espírito Santo nunca jamais terá perdão, mas estará em perigo de condenação eterna” )

Faz alguns anos um amigo nosso escreveu um artigo de jornal para demonstrar que o diabolos ou Satã do Novo Testamento denota a personificação de uma idéia abstrata e não um ser pessoal. Foi contestado por um clérigo, que concluiu sua réplica com uma expressão deprecatória: “Temo que ele tenha negado seu Salvador”. Na sua tréplica, nosso amigo afirmou: “Oh, não! só negamos o Diabo”. Mas o clérigo não conseguiu perceber a diferença. Em sua concepção do assunto, a negação da existência objetiva pessoal do Diabo era “o pecado contra o Espírito Santo.

É tarde para esperar que o clero cristão refaça e emende sua obra. Há muita coisa em jogo. Se a Igreja cristã abandonasse ou mesmo modificasse o dogma de um diabo antropomórfico, isso equivaleria a empurrar a carta da base de um castelo de cartas. Toda a estrutura ruiria. Os clérigos a que aludimos percebem que, após a abdicação de Satã como um diabo pessoal, o dogma de Jesus Cristo como a segunda divindade de sua Trindade sofreria a mesma catástrofe. Por incrível, ou mesmo horrendo, que pareça, a Igreja romana baseia sua doutrina da divindade de Cristo inteiramente no satanismo do arcanjo caído. Temos o testemunho do Padre Ventura, que proclama a importância vital desse dogma dos católicos.

Muitas almas zelosas e ardorosas revoltaram-se contra o monstruoso dogma de João Calvino, o papinha de Genebra, para quem o pecado é a causa necessária do maior bem. Essa afirmação foi apoiada, no entanto, por uma lógica como a de des Mousseaux e ilustrada pelos mesmos dogmas. A execução de Jesus, o homem-deus, na cruz, foi o crime mais horrendo do universo e foi necessário para que a Humanidade – esses seres predestinados à vida eterna – pudesse  ser salva. D’Aubigné cita o que Martinho Lutero extraiu do cânone e o faz exclamar, em enlevo extático: “O beata culpa, qui talem meruisti redemptorem!” “Ó pecado abençoado, que mereceste esse Redentor”. Percebemos agora que o dogma que parecia tão monstruoso é, afinal, a doutrina do Papa, de Calvino e de Lutero – os três são apenas um.

Maomé e seus discípulos, que tinham Jesus em grande respeito com um profeta, observa Éliphas Lévi, costumavam pronunciar, quando falavam dos cristãos, as seguintes palavras: “Jesus de Nazaré era verdadeiramente um profeta de Alá e um grande homem -, mas eis que todos os seus discípulos um dia enlouqueceram e fizeram dele um deus”.

Max Müller acrescentou benevolentemente: “Foi um erro dos padres antigos tratar os deuses gentios como demônios do mal e devemos ter cuidado de não cometer o mesmo erro em relação aos deuses hindus”.

Mas Satã nos é apresentado como o arrimo e o esteio do sacerdotalismo – um Atlas, que sustenta em seus ombros o céu e o cosmo cristão. Se ele cair, então, em sua concepção, tudo estará perdido e voltará ao caos.

O DOGMA DO DIABO E DA REDENÇÃO.

Esse dogma do Diabo e da redenção parece ter sido baseado em duas passagens do Novo Testamento: “Para destruir as obras do Diabo é que o Filho de Deus veio ao mundo”. “E então houve no céu uma guerra; Miguel e os seus anjos pelejavam contra o Dragão e o Dragão com os seus anjos pelejavam e não prevaleceram; nem o seu lugar se achou mais no céu. E foi banido o grande Dragão, aquela velha serpente, chamada Diabo e Satã, que seduz a todo o mundo”. Que nos seja permitido, então, explorar as teogonias antigas, a fim de verificar o que significavam essas expressões notáveis.

A primeira indagação refere-se ao fato de saber se o termo Diabo, tal como usado aqui, representa atualmente a maligna Divindade dos cristãos, ou uma força antagônica, cega – o lado escuro da Natureza. Com esta última expressão não queremos dizer que a manifestação de qualquer princípio do mal é malum in se, mas apenas a sombra da Luz, por assim dizer. As teorias dos cabalistas tratam dela como uma força que é antagônica, mas ao mesmo tempo essencial para a vitalidade, a evolução e o vigor do princípio do bem. As plantas poderiam perecer em seu primeiro estágio de existência se fossem exposta a um luz solar constante; a noite que alterna com o dia é essencial ao seu crescimento saudável e ao seu desenvolvimento. O bem, da mesma maneira, deixaria rapidamente de sê-lo se não alternasse com seu oposto. Na natureza humana, o mal denota o antagonismo da matéria com o que é espiritual, e assim eles se purificam mutuamente. No cosmos, o equilíbrio deve ser preservado; a operação dos dois contrários produz a harmonia, tais como as forças centrípeta e centrífuga, e uma é necessária à outra. Se um delas cessar, a ação da outra se tornará destrutiva imediatamente.

A personificação denominada Satã, deve ser contemplada de três planos diferentes: o Velho Testamento, os padres cristãos e a antiga atitude gentia., Supõe-se que ele fosse representado pela Serpente do Jardim do Éden; não obstante, o epíteto de Satã não se aplica, em nenhum dos escritos sagrados hebraicos, nem a essa, nem a qualquer outra variedade de ofídios. A Serpente de Bronze foi adorada pelos israelitas como um deus, porque era o símbolo de Esmun-Asklepius, o Iao fenício. Na verdade, o caráter do próprio Satã é apresentado no Primeiro Livro de Crônicas, instigando Davi a contar o povo israelita, um ato depois declarado como tendo sido ordenado pelo próprio Jeová a inferência inevitável é a de que os dois, Satã e Jeová, eram tidos como idênticos.

Nas profecias de Zacarias encontra-se outra menção a Satã. Esse livro foi escrito num período posterior à colonização da Palestina e, por essa razão, pode-se supor que os assideus devem ter trazido diretamente do Oriente essa personificação. É bastante conhecido o fato de que esse corpo de sectários estava profundamente imbuído das noções mazdeístas e que representava Ahriman ou Angra-Mainyur pelos deuses-nomes da Síria. Set ou Set-an, o deus dos hititas e dos hicsos, e Beeel-Zebub, o oráculo-deus, mais tarde o Apolo grego. O profeta iniciou os seus trabalhos na Judéia, no segundo ano de Darius Hystaspes, o restaurador da adoração mazdeísta. Eis como ele descreve o encontro com Satã: “Depois mostrou-me o Senhor o sumo-sacerdote Jesus, que estava diante do anjo do Senhor, e Satã estava à sua direita para ser seu adversário. E o Senhor disse a Satã “O Senhor te reprima, ó Satã; e reprima o Senhor, que elegeu a Jerusalém! Acaso não é este um tição que foi tirado ao fogo?”

Percebemos que essa passagem, que citamos, é simbólica. Há duas alusões no Novo Testamento que indicam que assim deve ser. A Espístola Católica de Judas refere-se a isso com os seguintes termos: “Quando o arcanjo Miguel, disputando com o Diabo, altercava sobre o corpo de Moisés, não se atreveu a fulminar-lhe a sentença de blasfemo, mas disse ‘O Senhor te reprima'”. Vemos aqui o arcanjo Miguel mencionado como idêntico ao Senhor, ou anjo do Senhor, da citação anterior, e demostra-se assim que o Jeová hebraico tem um caráter duplo, o secreto e o manifestado como o anjo do Senhor, ou o arcanjo Miguel. Uma comparação entre essas duas passagens deixa claro que “o corpo de Moisés” sobre o qual alternavam era a Palestina, que, como “a terra dos hitias”, era o domínio peculiar de Seth, seu deus tutelar. Miguel, o paladino da adoração de Jeová, lutou com o Diabo ou Adversário, mas deixou o julgamento ao seu superior.

Belial, não deve ser considerado, nem como deus, nem como diabo. O termo BELIAL, é definido nos léxicos hebraicos como destruição, assolamento, esterilidade; a frase AISH-BELIAL ou homem-Belial significa um homem destruidor, daninho. Se Belial deve ser personificado para agradar nossos amigos religiosos, seríamos obrigados a fazê-lo distinto de Satã e a considera-lo como uma espécie de Diakka espiritual. Os demonógrafos, todavia, que enumeram nove ordens distintas de daimonia, fazem-no chefe da terceira classe – um conjunto de duendes, nocivos e imprestáveis.

Asmodeu tem origem puramente presa, não é nenhum espírito judaico. Bréal, autor de Hercule et Cacus, mostra que ele é o Eshem-daêva, o espírito maligno da concupiscência, de quem Max Müller nos diz ser “mencionado muitas vezes no Avesta como um dos devas”, originalmente deuses, que se tornaram espíritos do mal.

Samuel é Satã; mas Bryant e outras autoridades demonstram ser ele o nome de Simoom – o verbo do deserto, e o Simmom é chamado Atabul-os ou Diabolos.

Plutarco observa que por Typhon se deve entender alguma coisa violenta, ingovernável e desregrada. O transbordamento do Nilo era chamado pelos egípcios de Typhon. O Baixo Egito é muito plano e quaisquer morretes erguidos ao longo do rio para evitar as inundações freqüentes eram chamados Typhonian ou Taphos; aí, a origem de Typhon. Plutarco, que era um grego rígido, ortodoxo, e que nunca foi conhecido como alguém que olhasse egípcios com muita simpatia, testemunha em seu Ísis e Osíris que, longe de adorarem o diabo (de que os cristãos os acusam), os egípcios mais desprezavam do que temiam Typhon. No seu símbolo de poder oposto e obstinado da natureza, acreditavam fosse ele uma divindade pobre, batida, semimorta. Assim, mesmo naquela remotíssima era, já havia pessoas ilustradas o bastante para não acreditarem num diabo pessoal. Como Typhon era representado em um de seus símbolos sob a figura de um asno, no festival dos sacrifícios em honra do sol, os sacerdotes egípcios exortavam os adoradores fiéis a não vestirem ornamentos de ouro sobre seus corpos para não alimentar com eles o asno!

PLATÃO EXPRESSA SUA OPINIÃO A RESPEITO DO MAL.

Três séculos e meio antes de Cristo, Platão expressou sua opinião a respeito do mal dizendo que “existe na matéria uma força cega, refratária, que resiste à vontade do Grande Artífice”. Essa força cega, sob o influxo cristão, tornou-se fidedigna: foi transformada em Satã!

Sua identidade com Thyphon não pode ser posta em dúvida se lê o relato de Jó a respeito de sua semelhança com os filhos de Deus, diante do Senhor. Ele acusa Jó de ser capaz de maldizer o Senhor, após suficiente provocação. Assim também Typhon, no Livros dos Mortos egípcio, figura como acusador. A semelhança estende-se até os nomes, pois uma das designações de Typhon era Seth, ou Set; como Shatan, em hebraico, significa adversário. Em árabe, a palavra é Shâtana – ser adverso – perseguir – e Manetho diz que assassinou traiçoeiramente Osíris, em cumplicidade com os semitas (os israelitas). Este fato pode ter dado origem à fábula narrada por Plutarco, segundo a qual, na luta entre Hórus e Typhon, Typhon, com medo da maldade que cometera, fugiu por sete dias em um asno e, escapando, gerou os meninos Hierosolymus e Judaeus (Jerusalém e Judéia).

O Professor Reuvens refere-se a uma invocação a Typhon-Seth, e Epifânio diz que os egípcios adoravam Typhon sob a forma de um asno, ao passo que, de acordo com Busen, Seth “surgia gradualmente entre os semitas como pano de fundo de sua consciência religiosa”. O nome de asno em copta, AO, é uma variante fonética de IAÔ, e assim o animal tornou-se um trocadilho-símbolo. Assim, Satã é uma criação posterior, nascida da fantasia ardente dos padres da Igreja. Por um revés da sorte, a que os deuses estão tão sujeitos quanto os mortais, Typhon-Seth caiu das alturas eminentes de filho deificado de Adão-Cadmo para a posição degradante de um espírito subalterno, um demônio mítico – um asno. Os cismas religiosos são tão poucos isentos de mesquinhez frágil e dos sentimentos vingativos da Humanidade quanto às querelas sectárias dos leigos. Prova desse fato nos é oferecida pela reforma zoroastriana, quando o Magismo se separou da velha crença dos brâmanes. Os brilhantes devas do Veda tornou-se, sob a reforma religiosa de Zoroastro, devas, ou espíritos do mal do Avesta. Até mesmo Indra, o deus luminoso, foi enviado às trevas para ser substituído, com uma luz mais brilhante, por Ahura-Mazda, a Divindade Sábia e Suprema.

A VENERAÇÃO DA SERPENTE.

A estranha veneração que os ofitas dedicavam à serpente que representava Cristos se tornará menos perplexa se os estudiosos lembrarem de que em todas as épocas a serpente foi o símbolo da sabedoria divina que mata para fazer ressurgir, destrói para melhor reconstruir. Moisés era descendente de Levi, uma tribo-serpente. Gautama Buddha pertence a uma linhagem-serpente, através da dinastia Nâga (serpente) e reis que reinou no Magadha. Hermes, ou o deus Taautos (Thoth), em seu símbolo-serpente, é Têt; e, de acordo com as lendasofitas, Jesus ou Cristos nasceu de uma serpente (sabedoria divina, ou Espírito Santo), isto é, tornou-se um filho de Deus por meio de sua iniciação na “Ciência da Serpente”. Vishnu, idêntico ao egípcio Kneph, repousa sobre a serpente celestial de sete cabeças.

O dragão vermelho ou ígneo dos tempos antigos era a insígnia dos assírios. Ciro adotou-a deles, quando a Pérsia se apoderou do seu país. Os romanos e os bizantinos foram os próximos a assumi-la; e então o “grande dragão vermelho”, além de ser o símbolo da Babilônia e de Nínive, tornou-se o de Roma.

A tentação, ou provocação, de Jesus é, todavia, a ocasião mais dramática em que surge Satã. Como que para provar a designação de Apolo-Esculápio e Baco, [como] Diabolos, ou filho de Zeus, ele também é chamado de Diabolos, ou acusador. A cena da provação foi o ermo. O deserto entre o Jordão e o Mar Morto era a morada dos “filhos dos profetas” e dos essênios. Estes ascetas costumavam sujeitar seus neófitos a provocações, análogas às torturas dos ritos mitricos, e a tentação de Jesus foi evidentemente uma cena dessa índole. Por essa razão, afirma-se no Evangelho segundo São Lucas [IV, 13, 14] que “o Diabolos, tendo completado a provação, deixou-o por tempo específico; e voltou Jesus em virtude do Espírito para a Galiléia. Mas o Diabo, neste exemplo, não é evidentemente nenhum princípio maligno, senão o princípio que exerce a disciplina. Os termos Diabo e Satã são empregados repetidas vezes neste sentido. (Ver 1 Coríntios, V, 2; 2 Coríntios, XI, 14; 1 Timóteo, I, 20). Assim, quando Paulo estava propenso a um júbilo excessivo em virtude da abundância de revelações ou descobertas epópticas, foi-lhe dado “na carne, um estímulo, o anjo de Satanás”, para o esbofetear. (2 Coríntios, XII, 7. Números, XXII, 22, o anjo do Senhor é descrito como desempenhando o papel de um Satã a Balaam).

A HISTÓRIA DE SATÃ NO LIVRO DE JÓ.

A história de Satã, no Livro de Jó, tem um caráter familiar. Ele é introduzido como um dos “Filhos de Deus”, que se apresentam diante do Senhor como numa iniciação mística.

Em todas estas cenas não se manifesta nenhum diabolismo que se supõe caracterizar o “adversário das almas”.

É opinião de alguns escritores de mérito e erudição que o Satã do livro de Jó é um mito judaico, que contém a doutrina mazdeísta do Princípio do Mal. O Dr. Haug observa que “a religião zoroastriana apresenta uma afinidade muito estreita ou antes uma identidade, com muitas doutrinas importantes da religião mosaica e o cristianismo, tais como a personalidade e os atributos do diabo e a ressurreição dos mortos”. A batalha do Apocalipse entre Miguel e o Dragão pode ser remontada, com igual facilidade, aos mitos mais antigos dos arianos. No Avesta, lemos sobre a luta entre Thraêtaoma e Azhi-Dahâka, a serpente destruidora. Burnouf esforçou-se por demostrar que o mito védico de Ahi, ou a serpente, que lutou contra os deuses, foi gradualmente evemerizado, na “batalha de um homem peidoso contra o poder do mal”, na religião mazdeísta. Segundo essas interpretações, Satã seria idêntico a Zohâk ou Azhi-Dahâka, que é uma serpente de três cabeças, uma das quais é humana.

De acordo com Josefo, os hicsos foram os ancestrais dos israelitas. Esse fato é, sem duvida, substancialmente verdadeiro. As Escrituras hebraicas, que contam uma história um pouco diferente, foram escritas num período posterior e sofreram várias revisões antes que fossem promulgadas com qualquer grau de publicidade. Typhon tornou-se odioso no Egito e os pastores, “uma abominação”. “No curso da vigésima dinastia foi tratado repentinamente como um demônio do mal, além de suas efígies e nome terem sido obliterados em todos os monumentos e em todas as inscrições onde haviam sido gravados”.

A PROPENSÃO DE EVEMERIZAR OS DEUSES EM HOMENS.

Em todas as épocas, existiu a propensão de se evemerizar os deuses em homens. Mencionam-se túmulos de Zeus, Apolo, Hércules e Baco para demonstrar que eles foram originalmente apenas seres mortais. Sem, Cam, e Jafé são as personificações respectivas das divindades Shamas, da Assíria, Kham, do Egito, e Iapetes, o Titã. Seth era deus dos hicsos, Enoch, ou Inaco, dos argivos; e Abarão, Isaac e Judá têm sido comparados a Brahmâ, Ikshvaku e Yadu, do panteão hindu. Typhon caiu da divindade para a diabolicidade, tanto no seu caráter próprio de irmão de Osíris quando no Seth, o Satã da Ásia. Apolo, o deus do dia, tornou-se, na sua roupagem fenícia mais antiga, não mais Baal-Zebul, o Oráculo-deus, mas o príncipe dos demônios e finalmente o senhor do mundo subterrâneo. A separação do mazdeísmo, do vedismo, transformou os devas, ou deuses, em potências do mal. Indra, também, subordina-se a Ahriman na Vendîdâd, criado por ele com material extraído das trevas, junto com Shiva (Sûrya) e os dois Aswins. Até mesmo Jahi é o demônio da Luxuriam – provavelmente idêntico a Indra.

As muitas tribos e nações tinham seus deuses tutelares e avaliavam os dos povos inimigos. A transformação de Typhon, Satã e Belzebus tem esse caráter. De fato, Tertuliano fala de Mithra, o deus dos Mistérios, como um diabo.

No capítulo doze [9,11] do Apocalipse, Miguel e seus anjos venceram o Dragão e seus anjos: “e o Grande Dragão foi precipitado na Terra, aquela Serpente Antiga, chamada Diabolos e Satã, que seduz a todo o mundo”. E em seguida: “E eles o venceram pelo sangue do Cordeiro”. O Cordeiro, ou Cristo, tinha de descer ao inferno, o mundo dos mortos, e permanecer ali durante três dias antes de subjugar o inimigo, sendo o mito.

Miguel foi denominado pelos cabalistas e pelos gnósticos de “o Salvador”, o anjo do Sol e o anjo da Luz. Ele era o primeiro dos Aeons (Espíritos Estelares) e bastante conhecidos dos antiquários como o “anjo desconhecido” representado nos amuletos gnósticos.

O autor do Apocalipse, se não era um cabalista, deve ter sido um gnóstico. Miguel não foi uma personagem original de sua revelação (epopteia), mas o Salvador e Matador-do-dragão. As investigações arqueológicas o têm indicado como idêntico a Anubis, cuja efígie foi descoberta recentemente num monumento egípcio, com uma couraça e uma lança, no ato de matar o dragão que possui a cabeça e a cauda de uma serpente.

O estudioso de Lepsius, Champollion e outros egiptólogos reconhecerão imediatamente que Ísis é a “mulher com a criança”, “vestida de Sol e com a Lua a seus pés”, que o “grande Dragão feroz” perseguiu e a quem “foram dadas duas asas da Grande Águia de modo que pudesse fugir para o deserto”. Typhon tinha a pele vermelha.

Os Dois Irmãos, os Príncipes do Bem e do Mal, aparecem nos mitos da Bíblia, bem como nos dos gentios, e assim temos Caim e Abel, Typhon e Osíris, Esaú e Jacó, Apolo e Píton, etc. Esaú ou Osu é representado, quando nascido, como “todo vermelho como uma veste felpuda”. Ele é o Typhon ou Satã, que se opõe aos seu irmão.

Desde a mais remota antigüidade, a serpente foi venerada por todos os povos como a incorporação da sabedoria divina e como o símbolo do espírito e sabemos por Sanchoniathon que foi Hermes Thoth o primeiro a considerar a serpente como “o mais espiritual de todos os répteis”; e a serpente gnóstica como as sete vogais sobre a cabeça não é senão uma cópia de Ananta, a serpente de sete cabeças sobre a qual repousa Vishnu.

A LENDA DO DRAGÃO SOB VÁRIOS ASPECTOS.

Na mitologia hindu, Vasuki, o Grande Dragão, cospe contra Durgâ um fluído venenoso que se estende por sobre a terra, mas, seu consorte, Shiva, faz a terra abrir sua boca para suga-lo.

Assim, o drama místico da virgem celestial perseguida pelo dragão que quer devorar seu filho não foi visualizado nas constelações do céu, como já foi mencionado, mas também foi representado na adoração secreta dos templos. Era o mistério do deus Sol e foi inscrito numa imagem negre de Ísis.

O menino Divino foi caçado pelo cruel Typhon. Na lenda egípcia, o Dragão persegue Thuêris (Ísis), enquanto esta tenta proteger seu filho. Ovídio descreve Dione (a consorte de Zeus pedágio original, e mãe de Vênus) a fugir de Typhon para o Eufrates, identificando assim o mito como pertencente a todos os países em que os mistérios eram celebrados. Virgílio canta a vitória:

“Salve, querido filho dos deuses, grande filho de Jove!
Recebi a suma honra; os tempos se avizinham;
A serpente morrerá!”

Alexandre Magno, alquimista e estudioso de ciências ocultas, bem como bispo da Igreja Católica Romana, declarou, entusiasmado pela astrologia, que o signo zodiacal da virgem celestial eleva-se acima do horizonte no vigésimo quinto dia do mês de dezembro, no momento assinalado pela Igreja para o nascimento do Salvador.

O signo e o mito da mãe e do filho eram conhecidos milhares de anos antes da era cristã. O drama dos Mistérios de Dmeter representa Perséfone, sua filha, raptada por Plutão ou Hades para o mundo dos mortos; e quanto a mãe finalmente a descobre lá, foi instalada como rainha do reino das Trevas. Esse mito foi transcrito pela Igreja na lenda de Sant’Anna indo em busca de sua filha Maria, que fora levada por José para o Egito. Perséfone é descrita com duas espigas de trigo na mão; assim também Maria, nas imagens antigas; assim também a Virgem Celestial da constelação. Albumazar, o árabe, indica a identidade de muitos mitos da seguinte maneira:

“No primeiro decano da Virgem nasce uma donzela, chamada em árabe Aderenosa [Ardhhanâri?], isto é, virgem pura imaculada, a graça em pessoa, encantadora na postura, modesta no hábito, cabeleira flutuante, segurando em suas mãos duas espigas de trigo, sentada sobre um trono bordado, amamentando um menino eu alimentando-o justamente num lugar chamado Hebréia; um menino, quero dizer, chamado Iessus por determinadas nações, que significa Issa, a quem chamam também de Cristo em grego”.

Por essa época, as idéias gregas, asiáticas e egípcias haviam sofrido uma transformação notável. Os Mistérios de Diônisio-Sabazius haviam sido substituídos pelo rito de Mithra, cujas “cavernas” sucederam as criptas do deus antigo da Babilônia à Bretanha. Serapis, ou Sri-Apa, do Ponto, usurpara o lugar a Osíris. O rei do Indostão Oriental, Asoka, abraçara a religião de Siddhârtha e enviara missionários à Grécia, à Ásia, à Síria e ao Egito para promulgar o evangelho da sabedoria. Os essênios da Judéia e da Arábia, os terapeutas do Egito e os pitagóricos da Grécia e da Magna Grécia eram evidentemente adeptos do novo credo. As lendas de Gautama sucederam os mitos de Hórus, Anubis, Adónis, Atys e Baco. Foram incorporados aos mistérios e aos Evangelhos e a eles devemos a literatura conhecida como os Evangelhos e o Novo Testamento Apócrifo. Foram guardados pelos ebionitas, nazarenos e outras seitas como livros sagrados, que podiam “mostrar apenas aos sábios”; e foram preservados até que a influência ofuscante da política eclesiástica romana os arrebatasse.

Quando o sumo sacerdote Hilkiah encontrou o Livro da lei, os Purânas (Escrituras) hindus eram conhecidos dos assírios. Os assírios haviam dominado durante muito tempo a região compreendida entre o Helesponto e o Indo e talvez tenham empurrado os arianos da Bactriana para o Puñhab. O Livro da lei parece ter sido um purâna. “Os brâmanes cultos”, diz William Jones, “pretendem que as seguintes cinco condições devam constituir um purâna verdadeiro:

“1a. Tratar da criação da matéria em geral.

“2a. Tratar da criação ou produção de material secundário e dos seres espirituais.

“3a. Fornecer um resumo cronológico dos grandes períodos de tempo.

“4a. Fornecer um resumo genealógico das famílias principais que reinaram sobre o país.

“5a. Finalmente, fornecer a história de algum grande homem em particular.”

É indubitável que quem quer que tenha escrito o Pentateuco se sujeitou a essas condições, bem como aqueles que escreveram o Novo Testamento estavam muito bem familiarizados com a adoração ritualista budista, com as lendas e as doutrinas por meio dos missionários budistas que se contavam em grande número, naquela época, na Palestina e na Grécia.

Mas “nem Diabo, nem Cristo”. Este é o dogma básico da Igreja. Devemos perseguir os dois ao mesmo tempo. Há uma conexão misteriosa entre os dois, mais estreita do que talvez se supunha, que leva à identidade. Se aproximarmos os filhos míticos de Deus, todos aqueles que eram considerados como os “primogênitos”, eles se harmonizarão e se fundirão nesse caráter dual. Adão-Cadmo desdobra-se da sabedoria conceptiva espiritual em criativa, que desenvolve a matéria. O Adão feito de barro é o filho de Deus e Satã; e Satã também é um filho de Deus, de acordo com Jó.

AS ALEGORIAS DO LIVRO DE JÓ.

A alegoria de Jó, que já foi citada, se corretamente entendida, nos dá a chave para todo esse assunto do Diabo, sua natureza e seu ofício, e substancia nossas declarações. Que nenhum indivíduo piedoso se alarme com essa designação de alegoria. O mito era o método favorito e universal de ensinar nos tempos arcaicos. Paulo, escrevendo aos Coríntios, declara que toda a história de Moisés e dos israelitas era típica; e na sua Epístola dos Gálatas afirma que toda a história de Abraão, suas duas esposas e seus filhos era uma alegoria. De fato, segundo toda probabilidade, que raia à certeza, os livros históricos do Velho Testamento tinham o mesmo caráter. Não tomamos liberdade extraordinária com o Livro de Jó, quando damos a ele a mesma designação que Paulo dá às histórias de Abraão e Moisés.

Mas devemos, talvez, explicar o uso antigo da alegoria e da simbologia. A veracidade da primeira devia ser deduzida; o símbolo expressava alguma qualidade abstrata da Divindade, que os leigos podiam apreender facilmente. Seu sentido superior terminava aí e era empregado pela multidão, portanto, como uma imagem a ser utilizada em ritos idólatras. Mas a alegoria foi reservada para o santuário interior, onde só os eleitos eram admitidos. Donde a resposta de Jesus, quando os seus discípulos o interrogaram em virtude de ele ter falado à multidão por meio de parábolas. “A vós outros”, disse ele, “vos é dado saber os mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não lhes é concedido. Porque ao que tem, se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado”. Nos mistérios menores, lavava-se uma porca para exemplificar a purificação de neófito; a sua volta à lama indicava a natureza superficial da obra que fora realizada.

“O Mito é o pensamento não-manifestado da alma. O traço característico do mito é converter a reflexão em história (uma forma histórica). Como na epopéia, também no mito predomina o elemento histórico. Os fatos (os eventos externos) constituem freqüentemente a base do mito e neles se entretecem as idéias religiosas.”

Toda a alegoria de Jó é um livro aberto para quem compreende a linguagem pictórica do Egito, tal como ela está registrada no Livro dos mortos. Na Cena do Julgamento, Osíris aparece sentado em seu trono, segurando em uma das mãos o símbolo da vida, “o garfo da atração”, e, na outra, o leque báquico místico. Diante dele estão os filhos de Deus, os quarenta e dois assessores dos mortos. Um altar está imediatamente diante do trono, coberto de oferendas e rematado pela flor do lótus sagrado, sobre a qual se podem ver quatro espírito. Na porta de entrada, permanece a alma que está prestes a ser julgada, a quem Thmei, o gênio da Verdade, está recebendo a conclusão da provação. Thoth, segurando um junco, registra os procedimentos no Livro da Vida. Hórus e Anubis, diante da balança, inspecionam o peso que determina se o coração do morto equilibra ou não o símbolo da verdade. Num pedestal está um
prostituta – o símbolo do Acusador.


A figura, mostra a Câmara de julgamentos de Asar (Osíris) – “A passagem do coração”.

A iniciação nos mistérios, como todas as pessoas inteligentes sabem, era uma representação dramática das cenas do mundo subterrâneo. Assim se desenvolve a alegoria de Jó.

Vários críticos têm atribuído a autoria desse livro a Moisés. Mas ele é mais antigo do que o Pentateuco. Jeová não é mencionado no poema; e, se o nome ocorre no prólogo, esse fato deve ser atribuído ou a um erro dos tradutores, ou à premeditação exigida pela necessidade posterior de transformar o politeísmo numa religião monoteísta. Adotou-se o plano muito simples de atribuir os mitos nomes de Elohim (deuses) a um único deus. Assim, em um dos mais antigos dos textos hebraicos de Jó (no cap. XII, 9), ocorre o nome de Jeová, ao passo que todos os outros manuscritos apresentam “Adonai”. Mas Jeová está ausente do poema original. Em lugar desse nome encontramos Al, Aleim, Ale, Shaddai, Adonai, etc. Portanto, devemos concluir que ou o prólogo e o epílogo foram acrescentado num período posterior, o que é inadmissível por muitas razões, ou o texto foi adulterado, como o restante dos manuscritos. Assim, não encontramos nesse poema arcaico nenhuma menção à Instituição Sabática; mas um grande número de referência ao número sagrado sete, do qual falaremos adiante, e uma discussão aberta o sabaísmo, a adoração dos corpos celestes que prevalecia, naquela época, na Arábia. Satã é chamado no texto de um “Filho de Deus”, membro do conselho que se apresenta diante de Deus, a quem induz a tentar a fidelidade de Jó. Nesse poema, mais claramente do que em qualquer outro lugar, vemos corroborado o significado da denominação Satã. É um termo para o ofício ou o caráter de acusador público. Satã é o Typhon dos egípcios, que grita suas acusações no Amenti; um ofício tão respeitável quanto o do promotor público em nossa época; e se, apesar da ignorância dos primeiros cristãos, ele se tornou posteriormente idêntico ao Diabo, isso não se faz com a sua conivência.


Na figura mostra a Cena Final na Câmara de Julgamentos – Hórus levando Ani até Osíris.

O Livro de Jó é uma representação completa da iniciação antiga e das provas que geralmente precedeu tão agusta cerimônia. O neófito se vê privado de tudo a que dava valor e afligido por uma doença abominável. Sua esposa o exorta a amaldiçoar Deus e a morrer; não há mais esperança para ele. Três amigos aparecem em cena para visitá-lo; Elifaz, o temanita culto, pleno do conhecimento “que os sábios receberam dos seus pais (…) as únicas pessoas a quem a terra foi dada”; Baldad, o conservador, que toma as coisas como elas vêem e que opina que a aflição de Jó é conseqüência de suas culpas; o Sofar, inteligente e habilidoso em “generalidades”, mas de sabedoria superficial. Jó responde corajosamente: “Se eu errei, meu erro ficará comigo. Vós vos engrandeceis e me argüis com as minhas calamidades; mas foi Deus quem me aniquilou. (…) Por que me perseguis e não estais satisfeitos com minha carne destruída? Mas eu sei que meu Paladino vive e que num dia futuro ficará no meu lugar; e embora minha pele e tudo que a rodeia sejam destruídos, mesmo sem minha carne eu verei Deus. (…) Vós direis: `Por que o molestamos?’, pois a raiz da matéria está em mim!”

Essa passagem, como todas as outras em que se poderia encontrar alusões mais tênues a um “Paladino”, “Libertador” ou “Vindicador”, foi interpretada como uma referência direta ao Messias; além disso, esse versículo está traduzido da seguinte maneira nos Septuaginta:

“Pois eu sei que é eterno
Aquele que há de me libertar na Terra
Para restaurar esta minha pele que sofre estes males” etc.

Na versão do rei James, como foi traduzida, ela não guarda semelhança alguma com o original. Tradutores artificiosos deram “Eu sei que meu Redentor viverá”, etc. E os Septuaginta, a Vulgata e o original hebraixo devem ser considerados como a inspirada Palavra de Deus. Jó refere-se a seu próprio espírito imortal que é eterno e que, quando viu a morte, o libertará desse pútrido corpo terreno e o vestirá com um novo revestimento espiritual. Nos Mistérios báquicos e eleusinos, no Livro dos mortos egípcios e em todas as outras que tratam de assuntos ligados à iniciação, esse “ser eterno” tem um nome. Para os neoplatônicos era o Nous, o Augoeides; para os budistas é Agra; e, para os persas, Feroher. Todos eles são chamados de “Libertadores”, “Paladinos”, “Metatrons”, etc. Nas esculturas mítricas da Pérsia, o feroher é representado por uma figura alada que volteia no ar sobre seu “objeto” ou corpo. É o Eu luminoso – o Âtman dos hindus, nosso espírito imortal, o único que pode redimir nossa alma, e o fará, se o seguirmos em vez de sermos arrastados pelo nosso corpo. Portanto, nos textos caldaicos, lê-se “Meu libertador, meu restaurador”, isto é, o Espírito que restaurará o corpo decaído do homem e o transformará numa vestimenta de éter. E é esse nous, augoeides, Feroher, Agra, Espírito dele mesmo, que o triunfante Jó verá sem sua carne – isto é, quando tiver escapado da sua prisão corporal -, e ao qual os tradutores chamam “Deus”.

Não só existe a mínima alusão no poema de Jó a Cristo, como também se provou que todas as versões feitas por tradutores diferentes, que concordam com a do rei James, foram escritas com base em Jerônimo, que tomou estranhas liberdades em sua Vulgata. Ele foi o primeiro a enxertar no texto esse versículo de sua própria criação:

“Eu sei que meu Remidor vive,
E que no último dia eu me erguerei da terra,
E serei novamente recoberto de minha pele,
E em minha carne verei meu Deus”.

Tudo o que lhe deve ter parecido uma boa razão para crer que ele o sabia, mas que outros não sabiam, e que, além disso, encontravam no texto uma idéia bastante diferente – isso só prova que Jerônimo decidira, com mais uma interpolação, reforçar o dogma de uma ressurreição “no último dia”, e com a mesma pele e os mesmos ossos que possuía na terra. Trata-se na verdade de uma agradável perspectiva  de “restauração”. Por que não ressuscitar também com as mesmas roupas com que o corpo morre?

E como poderia o autor do Livro de Jó saber algo do Novo Testamento quando ignorava o Velho? Há uma ausência total de alusões a qualquer um dos patriarcas; foi sem dúvida obra de um Iniciado, pois que uma das três filhas de Jó recebeu um nome mitológico decididamente “pagão”. O nome Keren happuch é traduzido de varas maneiras. Na Vulgata tem “chifres de antimônio”; e em LXX tem “chifre de Amalthea”, a preceptora de Júpiter e uma das constelações, emblema de “chifre da plenitude”. A presença no Septuaginta dessa heroína de fábula pagã mostra a ignorância dos transcritores em relação ao seu significado, bem como da origem esotérica do Livro de Jó.

Em vez de oferecer consolo, os três amigos do sofrido Jó tentam fazê-lo acreditar que merece sua desventura como uma punição por algumas transgressões extraordinárias que praticou. Respondendo veementemente a todas essas imputações, Jó jura que, enquanto tiver alento, manterá a sua causa.

Os três haviam tentado confundir Jó com alegações e argumentos gerais e ele lhes solicitou uma consideração dos seus atos específicos. Então surgiu o quarto: Eliú, o filho de Baraquel, o buzita, da estirpe de Ram.

Eliú é o filho do hierofante; começa com uma repreensão e os sofisma de Jó se desvanecem com a areia que o vento do oeste leva.

“E Eliú filho de Baraquel, disse: `Os grandes homens nem sempre são sábios (…) há um espírito no homem; o espírito que está em mim me constrange. (…) Deus fala uma vez, uma segunda, embora o homem não perceba. Num sonho; numa visão noturna, quando o sono profundo cai sobre o homem, em cochilos na cama; então ele abre os olhos dos homens e lhes dá suas instruções. Ó Jó, ouve-me; cala-te e eu te ensinarei a SABEDORIA.”

E Jó diante das falácias dogmáticas de seus três amigos, no amargor do deserto, exclama: “Não há dúvida de que vós sóis o povo e a sabedoria morrerá convosco. (…) Todos vós sóis uns cosoladores miseráveis. (…) Certamente falarei ao Todo-poderoso e com Deus desejo conversar. Mas vós sóis os que forjam as mentiras, vós sóis médicos de nenhum valor!” O devorado pelas chagas, o Jó que recebera as visitas e que para o clero oficial – que não oferecia outra esperança senão a condenação eterna – havia em seu desespero vacilado em sua fé paciente, respondeu: “Isso que vós sabeis, também eu sei a mesma coisa; não sou inferior a vós. (…) O homem que como flor cai e é pisado foge como a sombra e jamais permanece num mesmo estado. (…) Quando o homem morrer, despojado que seja e consumido, onde estará ele? (…) Se um homem morrer, ele viverá novamente? (…) Quando se passarem alguns anos, então seguirei um caminho de onde não poderei retornar. (…) Oxalá se fizera o juízo entre Deus e o homem, como se faz o de um filho do homem com o seu vizinho’.” Jó encontra alguém que responde ao seu grito de agonia. Ouve a SABEDORIA de Eliú, o hierofante, o mestre perfeito, o filósofo inspirado. De seus lábios rígidos brota a representação justa da impiedade de ter censurado o Ser SUPREMO pelos males da Humanidade. “Deus”, diz Eliú, “é excelente em poder e em julgamento e em plenitude de justiça. ELE não condenará”.

Enquanto o neófito se satisfazia com sua própria sabedoria mundana e irreverente compreensão da Divindade e Seus desígnios e enquanto dava ouvidos às sofisticarias perniciosas dos seus conselheiros, o hierofante se mantinha calado. Mas, quando essa mente ansiosa estava pronta para os conselhos e as instruções, sua voz se fez ouvir e ele fala com a autoridade do Espírito de Deus que o “constrange”: “Certamente Deus não ouvirá em vão, nem o Todo-poderoso verá as causas de cada um. (…) Ele não respeitará aqueles que se dão por sábios”.

Magnífica lição para o pregador da moda, que “miltiplica palavras sem conhecimento”! Esta magnífica sátira profética deve ter sido escrita para prefigurar o espírito que prevalece em todas as denominações dos cristãos.

Jó escuta as palavras de sabedoria e então o “Senhor” responde a Jó “fora do redemoinho” da Natureza, a primeira manifestação visível de Deus: “Pára, Jó, pára! e considera as maravilhosas obras de Deus; só por meio delas podes conhecer Deus. `Com efeito, Deus é grande, e não o conhecemos’, Ele que `faz pequenas as gotas d’água; mas elas vertem segundo o vapor”; não segundo o capricho divino, mas segundo leis estabelecidas e imutáveis; lei que “transferiu os montes e não é conhecida por eles; que move a terra; que ordena ao Sol e o Sol não nasce; e que selou as estrelas; (…) que faz coisas grandes e incompreensíveis, e maravilhosas, que não têm número. (…) Se ele vier a mim, eu não o verei; e se for, eu não o perceberei!”

Então, “Quem é este que obscurece os conselhos com palavras desprovidas de conhecimento?”, diz a voz de Deus por meio de Seu porta-voz -, a Natureza. “Onde estava tu quando eu lançava os fundamentos da terra? dize-mo, se é que tens compreensão. Quem deu as medidas para ela, se é que o sabes? Quando os astros da manhã contavam todos juntos, e quando todos os filhos de Deus estavam transportados de júbilo? (…) Estavas presente quando eu disse aos mares: `Até aqui podes vir, mas além daqui; até aqui tuas orgulhosas ondas poderão rolar’? (…) Sabes quem obriga a chuva a cair sobre a terra, onde não havia homem algum; no deserto, onde não havia homem algum? (…) Acaso poderás reunir as doces influências das Plêiades ou impedir a evolução de Orion? (…) Poderás enviar os raios, que possam ir e vos dizer `Aqui estamos’?”

“Então Jó respondeu ao Senhor.” Ele compreendeu quais são os seus caminhos e os seus olhos estão abertos pela primeira vez. A Sabedoria Suprema desceu sobre ele; e, se o leitor ficar confuso diante deste PETROMA final da iniciação, pelo menos Jó, ou o homem “afligido” em sua cegueira, entendeu então a impossibilidade de caçar “Leviatã cravando-lhe um arpão no nariz”. O Leviatã é a CIÊNCIA OCULTA, em que se pode pôr a mão, “não mais do que isso”, e cujo poder e cuja “proporção conveniente” Deus não quer esconder.

“Quem pode descobrir a superfície de sua vestimenta? e quem entrará no meio da sua boca? Quem pode abrir as portas do seu rosto? Em roda dos seus dentes está o seu orgulho, e eles estão selados. O seu espirro é resplendor do fogo e os seus olhos como as pestanas da aurora”. Que “faz brilhar uma luz atrás de si”, para que se aproxime dele os que não têm medo. E então eles também verão “todas as coisas altas, pois ele é rei apenas sobre todo os filhos da soberba”.

Jó, agora à guisa de retratação, responde:

“Eu sei que podes todas as coisas,
E que nenhum pensamento se te esconde.
Quem é este que fez uma exibição de sabedoria arcana
Sem nada saber dela?
Por isso falei sobre o que não compreendia
Coisas que estavam acima de mim, as quais não conhecia.
Ouve! suplico-te e eu falarei;
Perguntar-te-ei, e me responderás:
Eu te ouvi com meus ouvidos,
E agora te verei com meus olhos,
Por isso me repreendo a mim mesmo,
E me penitencio no pó e na cinza?”

Ele reconheceu seu “paladino” e se converteu de que havia chegado a hora da sua vindicação. Imediatamente o Senhor (“os sacerdotes e os juizes”, Deuteronômio, XIX, 17) disse aos seus amigos: “Minha ira se voltou contra ti e contra teus dois amigos, porque não me haveis falado retamente diante de mim, como meu servo Jó . Então “o Senhor voltou-se para a penitência de Jó” e “lhe deu em dobro tudo quanto ele havia tido”.

Assim, no julgamento [egípcio], o morto invoca quatro espíritos que residem no Lago de Fogo e é purificado por eles. Ele então é conduzido à sua morada celestial e é recebido por Athar e por Ísis e permanece diante de Atum (Âtman a Centelha Divina que habita o Homem), o Deus essencial. Ele agora é Turu, o homem essencial, um espírito puro, e em conseqüência On-ait, o olho de fogo, e um companheiro dos deuses.

Esse grandioso poema de Jó era muito bem compreendido também pelos cabalistas. Enquanto muitos dos hermetistas medievais eram homens profundamente religiosos, eles eram, no fundo de seus corações – como os cabalistas de todas as épocas -, os inimigos mais mortais do clero. Como parecem verdadeiras as palavras de Paracelso quando exclamou, afligido por uma perseguição feroz e por calúnias, e incompreendido por seus amigos e por seus inimigos, maltratado pelo clero e pelos leigos:

“Ó vós de Paris, Pádua, Montpellier, Salermo, Viena e Leipzig! Não sóis mestres de verdade, mas confessores de mentiras. Vossa filosofia é uma mentira. Se quereis saber o que realmente é a MAGIA, procurai-a no Apocalipse de São João. (…) Posto que não podeis aprovar que vossos ensinamentos derivam da Bíblia e do Apocalipse, acabai com vossas farsas. A Bíblia é a verdadeira chave e o verdadeiro intérprete. João, não menos do que Moisés. Elias, Enoch, Davi, Salomão, Daniel, Jeremias e os outros profetas, eram um mago, cabalista, um adivinhador. Se todos eles, ou pelo menos um dos que nomeei, vivessem agora, eu não duvidaria que faríeis deles um exemplo em vosso matadouro miserável e os aniquilaríeis e, se fosse possível, o Criador de todas as coisas também!”

Paracelso demostrou na prática que aprendeu algumas coisas misteriosas e úteis do Apocalipse e de outros livros da Bíblia, bem como da Cabala; e tanto o fez, que é chamado por muitos de o “pai da magia e fundador da física oculta da Cabala e do Magnetismo”.

O DIABO SEGUNDO O VELHO TESTAMENTO, E SEU CONCEITO MODERNO.

Essa extensa ilustração pode mostrar que o Satã do Velho Testamento, o Diabolos ou Diabo dos Evangelhos e das Epístolas são personificações do princípio antagônico da matéria, necessariamente inerente a ele, e não mau no sentido moral do termo. Os judeus, vindo do país persa, trouxeram consigo a doutrina de dois princípio. Não puderam trazer o Avesta, pois ele não estava escrito. Mas eles – queremos dizer os assideus [chasîdîm] e parsis – investiram Ormuzd com o nome secreto de Ahriman, com o nome dos deuses do lugar, Satã dos hititas e Diabolos, ou antes Diobolos, dos gregos. A Igreja primitiva, pelo menos sua parte paulina, a dos gnósticos e seus sucessores refinaram posteriormente as suas idéias e a Igreja católica as adotou, enquanto passava pelo fio da espada os seus promulgadores.

A Igreja protestante é uma reação contra a Igreja Católica Romana. Não é necessariamente coerente em suas partes, mas uma multidão de fragmentos que se chocam ao redor de um centro comum, atraindo-se e repelindo-se. Algumas partes se dirigem centripetamente para Roma, ou para o sistema que fez a velha Roma existir; outras ainda são empurradas pelo impulso centrífugo para longe da ampla região etérea de Roma, ou mesmo da influência cristã.

O Diabo moderno é o legado principal da Cibele romana, “Babilônia, a Grande Mãe das religiões idólatras e abomináveis da terra”.

Mas talvez se pudesse argumentar que a teologia hindu, tanto bramânica quanto budista, está tão impregnada da crença em diabos objetivos quanto a própria cristandade. Há uma pequena diferença. A sutiliza mesma da mente hindu é uma garantia suficiente de que as pessoas educadas, a porção mais culta pelo menos dos teólogos bramânicos e budistas, consideram o diabo segundo uma outra luz. Para elas o Diabo é uma abstração metafísica, uma alegoria do mal necessário; ao passo que para os cristãos o mito se tornou uma entidade histórica, a pedra fundamental sobre a qual se erigiu a Cristandade, com seu dogma de redenção. Ele é tão necessário – como o mostrou des Mousseaux – para a Igreja, quanto a vesta do capítulo dezessete do Apocalipse para seu leitor. Os protestantes de fala inglesa, não considerando a Bíblia suficientemente explicativa, adotaram a Diabologia do celebrado poema de Milton, Paradise Lost, embelezando-a aqui e ali com trechos extraídos do celebrado poema de Fausto, de Goethe. John Milton, primeiramente um puritano e depois quietista e unitário, sempre considerou sua grande produção como uma obra de ficção, ainda que ajustada às linhas gerais de diferentes partes da Escritura. O Ialdavaôth dos ofitas foi transformado num anjo de luz e na estrela da manhã e feito o Diabo, no primeiro ato do Diabolic Drama. Assim, o capítulo doze do Apocalipse foi traduzido para o segundo ato. O grande Dragão vermelho foi identificado com a mesma ilustre personagem de Lúcifer, e a última cena é a sua queda, como a de Vulcano-Hefaistos, do Céu, para a ilha de Lemnos; as hostes fugitivas e seu líder “caem no abismo tenebroso” do Pandemonium. O terceiro ato é o Jardim do Éden. Satã preside um concílio num salão erigido por ele para seu novo império e determina empreender uma expedição exploradora à procura do novo mundo. O ato seguinte refere-se à queda do homem, sua passagem pela Terra, o advento do Logos, ou Filho de Deus, e sua redenção da Humanidade, ou sua porção eleita, como se deu.

A MAGIA NOS TEMPOS.

Talvez devamos dar uma breve notícia do Diabo europeu. Ele é o gênio que intervém na bruxaria, na feitiçaria e em outros malefícios. Os padres, tomando a idéia dos fariseus, transformaram em diabos os deuses pagãos, Mithra, Serapis e outros. A Igreja Católica Romana denunciou a adoração antiga como comércio com os poderes da escuridão. Os malefici e as feiticeiras da Idade Média eram nada menos do que adeptos da adoração proscrita. A Magia nos tempos antigos fora considerada como ciência divina, sabedoria e conhecimento de Deus. A arte de curar nos templos de Esculápio e nos santuários do Egito e do Oriente sempre foi magia. Até mesmo Darius Hystaspes, que exterminou os magos medos e expulsou, da Babilônia para a Ásia Menor, os teurgos caldaicos, fora instruído pelos brâmanes da Ásia Superior e, finalmente, estabelecia o culto de Ormusde, foi ele próprio denominado de instituidor do magismo. Tudo agora está mudado. A ignorância foi entronizada como a mãe da devoção. A erudição foi condenada e os sábios prosseguiram em sua obra científica como o perigo de suas vidas. Foram obrigados a expor suas idéias em uma linguagem enigmática compreendida apenas pelos seus adeptos e a aceitar o opróbio, a calúnia e a
pobreza.

Os fieis da adoração antiga foram perseguidos e condenados à morte por feiticeiros. Os albigenses, descendentes dos gnósticos, e os waldenses, precursores dos protestantes, foram caçados e exterminados sob acusação semelhante. O próprio Martinho Lutero foi acusado de conivência com Satã em pessoa. Todo o mundo protestante ainda está sob o peso da mesma imputação. Não há distinção nos julgamentos da Igreja entre dissensão, heresia e feitiçaria. E, exceto onde a autoridade civil lança sua proteção, eles representam ofensas capitais. A liberdade religiosa é vista pela Igreja como intolerância.

OS PRIMEIROS SÉCULOS CRISTÃOS E OS PRIMEIROS EVANGELHOS.

Relatada a biografia do Diabo desde seu primeiro acidente na Índia e na Pérsia, seu progresso entre os judeus e na teologia cristã antiga e recente até as últimas fases da sua manifestação, examinemos agora algumas opiniões dominantes nos primeiros séculos cristãos.

Avatares ou encarnações eram comuns às velhas religiões. Na Índia, os Avatares chegaram a constituir um sistema. Os persas esperavam Saoshyant e os escritores judaicos aguardavam um libertador. Tácito e Suetônio relatam que o Oriente, na época de Agusto, ardia de expectativa por uma Grande Personagem. “Assim, doutrinas tão óbvias para os cristãos eram os arcanos supremos do Paganismo”. O Maneros de Plutarco era um menino de Palaestinus; seu mediador Mithras, o Salvador Osíris, é o Messias. Nas nossas “Escrituras canónicas” atuais descobrem-se os vestígios das adorações antigas; e nos ritos e nas cerimônias da Igreja Católica Romana encontramos as formas da adoração budista, suas cerimônias e sua hierarquia. Os primeiros Evangelhos, que já foram tão canónicos quanto os quatro atuais, contêm páginas tomadas quase integralmente das narrativas budistas, como podemos mostrar. Após as provas fornecidas por Burnouf, Cosma de Körös, Beal, Hardy, Schmidt e as traduções do Tripitaka, é impossível duvidar que todo o esquema cristão não emanasse de um outro. Os milagres da “Concepção Milagrosa” e outros incidentes se deixam ver claramente no A Manual of Buddhism, de Hardy [p. 141 e seguintes]. Compreendemos prontamente por que a Igreja Católica Romana está ansiosa para manter o vulgo na ignorância mais completa da Bíblia hebraica e da literatura grega. A Filosofia e Teologia comparada são seus inimigos mais mortais. As falsidades deliberadas de Irineu, Epifânio, Eusébio e Tertuliano tornaram-se uma necessidade.

Naquele tempo, parece que os Livros sibilinos gozavam de muita consideração. Pode-se perceber facilmente que eles foram inspirados na mesma fonte de onde brotaram as obras gentias.

Eis uma página de Gallaeus:

“Uma Nova Luz surgiu
Que, descendo do Céu, assumiu forma mortal.
Primeiro Gabriel apresentou sua poderosa pessoa sagrada,
Depois, dando a mensagem, dirigiu-se com palavras à Virgem:
Virgem, recebe Deus em teu peito puro. (…)
E a coragem voltou a ela e a PALAVRA entrou em seu útero.
Tornando-se encarnado e animado por seu corpo,
Formou-se uma imagem mortal e um MENINO foi criado
Por um parto da Virgem. (…)
A nova estrela enviada por Deus foi adorada pelos Magos.
A criança envolta em panos foi mostrada numa manjedoura ao obediente a Deus
E Belém foi chamada `terra divina’ da Palavra”.

À primeira vista, essa passagem parece uma profecia do nascimento de Jesus. Mas não poderia ela referir-se a algum outro Deus criador? Temos expressões análogas relativas a Baco e a Mithras.

“Eu, filho de Zeus, vim ao país dos tebanos. Sou Baco, a quem partiu Semelê [a virgem], filha de Cadmo [o homem do Oriente], e, engendrado pela chama portadora do raio, assumi forma em vez de divina.”

As Dionisíacas, escritas no século V, são úteis para tornar essa matéria mais clara e até mesmo para pôr em relevo sua conexão estreita com a lenda cristã do nascimento de Jesus:

“Perséfone-Vrigem, não escapaste do casamento
E foste esposada nos epitalâmios do Dragão
Quando Zeus, todo enrolado e de aparência modificada,
Um Dragão-noivo transbordante de amor,
Deslizou para teu leito virginal
Agitando a barbas ásperas. (…) Pelos esponsais dracontianos etéreos,
O útero de Perséfone foi agitado por um jovem frutuoso.
E nasceu Zagreus, o Menino coroado de chifres.”

Temos aqui o segredo da adoração ofita e a origem da fábula cristã posteriormente revisada da concepção imaculada. Os gnósticos foram os primeiros cristãos a possuir algo como um sistema teológico regular e é bastante evidente que Jesus é que foi adaptado para Cristos em sua teologia, e não foi a sua teologia que se desenvolveu a partir dos seus ditos e das suas ações. Seus ancestrais afirmam, antes da era cristã, que a Grande Serpente – Júpiter, o Dragão da Vida, o Pai e a “Divindade do Bem” – deslizara para o leito de Semelê e os gnósticos pré-cristãos, com uma modificação muito insignificante, aplicaram a mesma fábula ao homem Jesus e afirmaram que a mesma “Divindade do Bem”, Saturno (Ialdabaôth), na forma do Dragão da Vida, deslizou por sobre o leito da menina Maria. A seus olhos, a Serpente era o Logos – Cristos, a encarnação da Sabedoria Divina, por meio de seu Pai Ennoia e sua Mãe Sophia.

“Agora minha mãe o Espírito Santo me tomou”, diz Jesus no Evangelho dos Hebreus, assumindo seu papel de Cristos – o Filho de Sophia, o Espírito Santo.

“O Espírito Santo descerá sobre ti e o PODER do Supremo te cobrirá da sua sombra; e por isso mesmo a coisa santa que há de nascer de ti será chamada de Filho de Deus”, diz o anjo (Lucas, I, 35).

“Deus (…) nos falou nestes dias por seu Filho, ao qual apontou como herdeiro de todas as coisas, e por quem fez os Aeons. (Emanações).”

Todas essas expressões são variações cristãs do versículo de Nonnus “(…) por meio do dracônteo etéreo”, pois Éter é o Espírito Santo ou a terceira pessoa da Trindade – a Serpente com cabeça de falcão, o Kneph egípcio, emblema da Mente Divina, e a alma universal de Platão.

“Eu (Sabedoria) saí da boca do Altíssimo e cobri com nuvem toda a terra.”

Poimandres, o Logos, surge da Escuridão Infinita e cobre a terra com nuvens que, em forma de serpente, se espalham por sobre toda a Terra. O Logos é a mais velha imagem de Deus e é o Logos ativo, diz Filo. O Pai é o Pensamento Latente.

Sendo esta idéia universal, encontramos uma fraseologia idêntica para expressa-la entre os pagãos, os judeus e os cristãos primitivos. O Logos caldaico – persa é o Primogênito do Pai na cosmogonia babilônica de Eudemus. O “Hino a Eli, filho de Deus”, inicia um hino homérico ao Sol. Sôl-Mithra é uma “imagem do Pai”, com o cabalístico Zeir-Anpîn.

Parece impossível, e todavia esta é a triste realidade, que, entre todas as várias nações da Antigüidade, não houve uma só que acreditasse num diabo pessoal mais do que os cristãos liberais do século XIX. Nem os egípcios, que Porfírio chama de “a mais erudita nação do mundo, nem os gregos, seus fiéis imitadores, caíram em absurdo tão grande. Podemos acrescentar que nenhum deles, nem mesmo ou judeus antigos, acreditou no inferno ou numa condenação eterna mais do que no Diabo, embora nossas igrejas cristãs atribuam ao demônio tudo quanto se relacione com os gentios. Em todo lugar em que a palavra “inferno” ocorre nas traduções dos textos sagrados hebraicos, ela está distorcida. Os hebreus ignoravam essa idéia, mas os Evangelhos contêm exemplos freqüentes de compressões erradas. Assim, quando Jesus diz (Mateus, XVI, 18) “(…) e as portas do Hades não prevalecerão contra ela”, o texto original apresenta “as portas da morte”. Em nenhum lugar aparece a palavra “inferno” – aplicada com o significado de condenação, seja temporária ou eterna – utilizada no Velho Testamento com o sentido que lhe deram os forjadores desse dogma. “Tophet”, ou “o Vale do Hinnom” não tem esse significado. O termo grego “Gehenna” tem um sentido bastante diferente e equivalente, na opinião de escritores competentes, ao Tártaro homérico.

O próprio Pedro nos dá prova desse fato. Em sua segunda Epístola (II, 4), o Apóstolo, no texto original, diz sobre os anjos pecadores, que Deus “os lançou ao Tártaro”. Essa expressão, que lembra muito inconvenientemente a guerra entre Júpiter e os Titãs, foi alterada e agora, na versão do rei James, apresenta “os lançou no inferno”.

No Velho Testamento as expressões “portas da morte” e “câmaras da morte” aludem simplesmente às “portas do túmulo”, mencionadas especificamente nos Salmos e nos Provérbios. O inferno e seu soberano são ambos invenções do Cristianismo, contemporâneos do seu poder e do recurso à tirania. São alucinações nascidas dos pesadelos dos Antônios do deserto. Antes da nossa era, os sábios antigos conheciam o “Pai do Mal” e não o tratavam senão como asno, o símbolo escolhido de Typhon, “o Diabo”. Triste degeneração de cérebros humanos!

Assim como Typhon era a sombra escura de seu irmão Osíris, Python é o lado mau de Apolo, o brilhante deus das visões, o vidente e adivinho. É o morto por Python, mas mata-o por sua vez, redimindo a Humanidade do pecado. Foi em memória dessa façanha que as sacerdotisas do deus-Sol se vestiam com peles de serpente, típicas do fabuloso monstro. Sob sua poderosa influência – a pele da serpente era considerada magnética -, as sacerdotisas caiam em transes magnéticos e “recebiam de Apolo as suas vozes”, tornavam-se proféticas e proferiam oráculos.

Além disso, Apolo e Python são apenas um, e moralmente andróginos. As idéias do deus-Sol são todas duais, sem exceção. O Calor benéfico do Sol traz o germe à existência, mas o calor excessivo mata a planta. Quando toca a lira planetária de sete cordas, Apolo produz a harmonia; mas, como outros deuses-sóis, sob seu aspecto sombrio ele se torna o destruidor, Python.

Sabe-se que São João viajou pela Ásia, uma região governada pelos magos e imbuída de idéias zoroastrinas e, naqueles dias, repleta de missionários budistas. Se ele não tivesse visitado esses lugares e entrando em contato com os budistas, seria duvidoso acreditar que o Apocalipse pudesse ter sido escrito. Além das suas idéias do dragão, dá narrativas proféticas inteiramente desconhecidas dos outros apóstolos e que, relativas ao segundo advento, fazem de Cristo uma cópia fiel de Vishnu.

Assim, Ophios e Ophiomorphos, Apolo e Pyton, Osíris e Typhon e Cristos e a Serpente são termos equivalentes. Todos eles são Logos e um é ininteligível sem o outro, como não se poderia saber o que é dia, se não se conhecesse a noite. Todos são regeneradores e salvadores, um num sentido espiritual, o outro num sentido físico. Um assegura a imortalidade para o Espírito Divino; o outro a concede através da regeneração da semente. O Salvador da Humanidade tem de morrer, porque ele oculta à Humanidade o grande segredo do ego imortal; a serpente do Gênese é amaldiçoada porque disse à matéria “não morrerás”. [III, 4]. No mundo do Paganismo, a contrapartida da “serpente” é o segundo Hermes, a reencarnação de Hermes Trismegistro.

Hermes é o companheiro constante e o instrutor de Osíris e Ísis. É a sabedoria personificada; como Caim, o filho do “senhor”. Ambos construíram cidades, civilizaram e instruíram a Humanidade nas artes.

A ORIGEM DO MITO DO DRAGÃO.

A origem do mito do “Dragão”, que ocupa um lugar importante no Apocalipse e na Lenda dourada, e da fábula sobre Simão Estilita convertendo o Dragão e inegavelmente budista e até mesmo pré-budista. Foram as doutrinas puras de Gautama que atraíram para o budismo os cachemirianos cuja adoração primitiva era a ofita, ou a adoração da Serpente. O olíbano e as flores substituíram os sacrifícios humanos e a crença em demônios pessoais. O Cristianismo herdou a degradante superstição de diabos investidos de poderes pestilentos e assassinos. O Mahâvansa, o mais antigo dos livros cingaleses, relata a história do rei Covercapal (cobra-de-capelo), o deus-serpente, que foi convertido para o budismo por um santo Rahat *; e desta lenda derivou seguramente a de Simão Estilita e seu Dragão, que faz parte da Lenda Dourada. * (Deixamos aos arqueólogos e aos filósofos a tarefa de decidir como a adoração de Nâga ou da Serpente pôde viajar da Cachemira para o México e se transformar na adoração do Nagal, que é também uma adoração da Serpente, e numa doutrina de licantropia.)

O Logos triunfa uma vez mais sobre o Dragão; Miguel, o arcanjo luminoso, chefe dos Aeons, vence Satã. * (Miguel, o chefe dos Aeons, também é “Gabriel, o mensageiro da Vida” dos nazarenos e o Indra hindu, o chefe dos Espíritos do bem, que venceram Vâsuki, o Demônio que se revoltou contra Brahmâ.)

É digno de menção o fato de que, enquanto o iniciado mantiver em segredo “o que sabe”, ele estará perfeitamente seguro. Isso acontecia nos tempos antigos e acontece agora. Tão logo o Deus dos cristãos, emanado do Silêncio, se manifestava como a Palavra ou Logos, este último se tornava a causa de sua morte. A serpente é o símbolo da sabedoria e da eloqüência, mas é também o símbolo da destruição. Ousar, conhecer, querer e calar” são os axiomas caldeais dos cabalistas. Como Apolo e outros deuses, Jesus é morto por seu Logos *; ele se ergue novamente, mata-o por sua vez e se torna seu senhor. * (Ver o amuleto gnóstico chamado “Serpente Chnuphis”, no ato de erguer sua cabeça coroada como as sete vogais, que são o símbolo cabalístico que significa “dom da fala para o homem”, ou Logos.),

E agora que mostramos essa identidade entre Miguel e Satã e os Salvadores e Dragão de outros povos, o que pode ser mais claro do que todas essas fábulas filosóficas originadas na Índia, esse viveiro universal do misticismo metafísico? “O mundo”, diz Ramatsariar em seus comentários sobre os Vedas, “começou com uma luta entre o Espírito de Deus e o Espírito do Mal, e em luta há de acabar. Após a destruição da matéria, o mal não mais existirá, deverá voltar ao nada”.

Na sua Apologia, Tertuliano falsifica evidentemente toda doutrina e toda crença dos pagãos relativas aos oráculos e aos deuses. Chama-os, indiferentemente, de demônios e de diabos, acusando estes últimos de possuírem até mesmo as aves do ar! Que cristão ousaria duvidar de tal autoridade? Não afirmou o salmista que “Todos os deuses das nações são ídolos” e não explicou o Anjo das Escolas, Tomás de Aquino, com sua autoridade cabalística, a palavra ídolos por diabos? “Eles vêem até os homens”, diz ele, “e os incitam a adora-los, valendo-se de certas obras que parecem milagrosas”.

Max Müller diz que a serpente do Paraíso é uma concepção que deve ter brotado entre os judeus e “dificilmente parece convidar a uma comparação com as concepções mais grandiosas do poder terrível de Vritra e de Ahriman no Veda e no Avesta”. Para os cabalistas, o Diabo foi sempre um mito – o aspecto invertido de Deus ou do bem. O Mago moderno, Éliphas Lévi, chama o Diabo de l’ivresse astrale. É uma força cega com a eletricidade, diz ele: e, falando alegoricamente, como sempre fez, Jesus observou que ele “considerava Satã como se fosse um raio caído do Céu”.

Muito embora o catecismo cristão nos ensine que Satã in própria persona tentou nossa primeira mãe, Eva, num paraíso real, e na forma de uma serpente, que de todos os animais era o mais insinuante e o mais fascinante! Deus ordena a ela, como castigo, arrastar-se eternamente sobre seu ventre, e comer a poeira do chão. “Uma sentença”, observa Lévi, “que em nada se parece às tradicionais chamas do inferno”. Não levaram em consideração os autores dessa alegoria que a serpente zoológica real, criada antes de Adão e Eva, arrastava-se sobre seu ventre e comia a poeira do chão, antes que existisse qualquer pecado original.

Por outro lado, não foi Ophion, o Daimôn ou Diabo, como Deus, chamado Dominus? A palavra Deus (deidade) deriva da palavra sânscrita Deva, e Diabo provêm do persa deva palavra substancialmente semelhante. Hércules, filho de Jove e de Alcmena, um dos deuses-sóis mais elevados e também o Logos manifesto, e, não obstante, representado numa dupla, como todos os outros.

O Agathodaimôn, o daemon beneficente, o mesmo que encontramos posteriormente entre os ofitas com a denominação de Logos, ou sabedoria divina, era representado por uma serpente que se mantinha ereta sobre uma vara, nos mistérios das Bacanais. A serpente com cabeça de falcão está entre os emblemas egípcios mais antigos e representa a mente divina, diz Deane.

No Velho Testamento, Jeová exibe todos os atributos do velho Saturno, apesar de suas metamorfoses de Adonais em Elói e em Deus dos Deuses, Senhor dos Senhores.

A TENTAÇÃO DE JESUS, E A DE BUDDHA.

Jesus é tentado na montanha pelo Diabo, que lhe promete reinos e glórias se prostasse e o adorasse (Mateus IV, 8, 9). Buddha é tentado pelo Demônio Wasawartti-Mâra, que lhe diz, no momento em que deixava o palácio de seu pai: “Fica, que possuíras as honras que estiverem ao teu alcance; não vás!” E com a recusa de Gautama em aceitar suas ofertas, rangeu seus dentes com raiva e prometeu vingar-se. Como Cristo, Buddha triunfa sobre o Diabao.

Nos mistérios báquicos, um cálice consagrado, chamado cálice de Agathodaimôn, passava de mão em mão entre os fieis após o jantar. O rito ofita de mesma descrição foi evidentemente tomado desse mistério. A comunhão, que consistia de pão e vinho, foi usada na adoração de quase todas as divindades importantes.

DIVINDADES PAGÃ QUE DESCERAM AO INFERNO.

Em relação com muitas divindades pagãs que, após a morte, e antes de sua ressurreição, desceram ao Inferno, seria útil comparar as narrativas pré-cristãs com as pós-cristãs. Orfeu fez a sua viagem, e Cristo foi o último desses viajantes subterrâneos. No Credo dos Apóstolos, que está dividido em doze frases ou artigos, que foram inseridos cada um por um apóstolo em paticular, segundo Santo Agostinho, a frase “Desceu ao inferno, no terceiro dia ressurgiu dos mortos” é atribuída a Tomé, talvez como uma expiação da sua incredulidade. Seja como for, diz-se que a frase é uma falsificação e não há evidência “de que esse Credo tenha sido modelado pelos apóstolos, ou pelo menos que existisse como credo em sua época”.

Trata-se da adição mais importante que foi efetuada no Credo dos Apóstolos e data do ano 600. Esse artigo não era conhecido na época de Eusébio. O Bispo J. Pearson diz que ele não fazia parte dos credos antigos ou das regras de fé. Irineu, Orígens e Tertuliano não parecem conhecê-lo. Não é mencionado em nenhum dos Concílios realizados antes do século VII. Theodoret, Epifânio e Sócrates silenciam-se a seu respeito. Difere do credo de Santo Agostinho. Rufino afirma que, em sua época, ele não constava nem dos credos romanos nem dos orientais. Mas o problema se resolve quando lemos que séculos atrás Hermes falou da seguinte maneira a Prometeu, acorrentado no rochedo árido do Cáucaso:

“Teu tormento não cessará ATÉ QUE DEUS O SUBSTITUA EM TUA AFLIÇÃO E DESÇA AO LÚGUBRE HADES E ÀS PROFUNDEZAS SOMBRIAS DO TÁRTARO!”

Esse deus era Hércules, o “Unigênito”, e o Salvador. E é ele que foi escolhido como modelo pelos padres engenhosos. Hércules – chamado Alexikakos porque converteu os malvados à virtude; Soter, ou Salvador, também chamado Neulos Eumêlos – o Bom Pastor, Astrochitôn, o vestido de estrelas, e o Senhor do Fogo. “Ele não sujeitou as nações pela força, mas pela sabedoria divina e pela persuasão”, diz Luciano. “Hérules disseminou cultura e uma religião suave e destruiu a doutrina da punição eterna expulsando Cérbero (o Diabo pagão) do mundo inferior.” E, como vemos, foi também Hércules quem libertou Prometeu (o Adão dos pagãos), pondo um fim à tortura infligida a ele por transgressões, descendo ao Hades e ao Tártaro. Como Cristo, ele apareceu como um substituto para as aflições da Humanidade, oferecendo-se em sacrifício numa pira funerária. “Sua imolação voluntária”, diz Bart, “augurou o novo nascimento etéreo dos homens. (…) Com a libertação de Prometeu, e a ereção de altares, vemos nele um mediador entre os credos antigos e os novos. (…) Ele aboliu o sacrifício humano onde quer que fosse praticado. Desceu ao reino sombrio de Plutão, como uma sombra (…) ascendeu como espírito a seu pai, Zeus, no Olimpo”.

A Antigüidade estava tão marcada pela lenda de Hércules, que até mesmo os judeus monoteístas (?) daquela época, para não serem ultrapassados pelos seus contemporâneos, utilizaram-na na manufatura das fábulas originais. Hércules é acusado, em sua mitobiografia, de uma tentativa de roubo do oráculo de Delfos. No Sepher Toledoth Yeshu, os Rabinos acusam Jesus de roubar do seu Santuário o Nome Inefável!

A ADORAÇÃO DE BAAL PELOS ISRAELITAS.

Já se provou que os israelitas adoravam Baal, o Baco sírio, ofereciam incenso à serpente sabaziana ou esculápia e realizavam os mistérios dionisíacos. Mas, como poderia ser de outra maneira, se Typhon era chamado Typhon Sete, e Seth, o filho de Adão, é idêntico a Satã ou Sat-an, e se Seth era adorado pelos hititas? Menos de dois séculos a. C., os judeus reverenciavam ou simplesmente adoravam a “cabeça dourada de um asno” em seu templo; de acordo com Apion, Antíoco Epifanes levou-o consigo. E Zacarias ficou mudo quando da aparição da divindade sob a forma de um asno no templo!.

Pleyte declara que El, o Deus-Sol dos sírios, dos egípcios e dos semitas, não é outro senão Set ou Seth, e que El é o Saturno primordial – Israel. Shiva é um Deus etiópio, da mesma forma que o Baal caldaico – Bel; portanto, ele também é Saturno. Saturno, El, Seth e Khîyûn, ou o Chiun bíblico de Amos, são uma única e mesma divindade e podem ser vistos no seu aspeto pior como Typhon, o Destruidor. Quando o panteão religioso assumiu uma expressão mais definida, Typhon foi separado do seu andrógino – a divindade boa – e caiu em degradação como um poder intelectual brutal.

Essas reações nos sentimentos religiosos de uma nação eram freqüentes. Os judeus adoraram Baal ou Maloch, o Deus-Sol Hércules, nos seus tempos primitivos – se é que tiveram tempos mais primitivos do que os persas e os macabeus – e então fizeram os seus profetas denuncia-los. Por outro lado, as características do Jeová mosaico exibiam mais da disposição moral de Shiva, do que um Deus benevolente e “que sofreu muito”. Além disso, ser idêntico a Shiva não é pequena cortesia, pois ele é o Deus da sabedoria. Wilkinson descreve-o como o mais intelectual dos deuses hindus. Ele tem três olhos e, como Jeová, é terrível em sua vingança e sua cólera, às quais não se pode resistir. E, embora seja o Destruidor, é o “recriador de todas as coisas com perfeita sabedoria”. É o tipo do Deus de Santo Agostinho que “prepara o inferno para os que espreitam os seus mistérios” e põe à prova a razão humana forçando-a a considerar, na mesma medida, suas
boas e más ações.

Apesar das provas numerosas de que os israelitas adoravam um variedade de deuses e ofereciam sacrifícios humanos até um período posterior aos sacrifícios realizados pelos seus vizinhos pagãos, eles conseguiram esconder tais verdades à Humanidade. Sacrificaram vidas humanas até 169 a.C., e a Bíblia registra um grande número dessas ocorrências. Numa época em que os pagãos haviam abandonado essa prática abominável e haviam substituído o homem sacrificial por um animal, surge Jefté sacrificando sua própria filha em holocausto ao “Senhor”.

A pluralidade dos deuses de Israel, está manifesta nessas denúncias. Seus profetas nunca aprovaram a adoração sacrifial. Samuel negou que o Senhor se agradasse com holocaustos e vítimas (I Samuel, XV, 22). Jeremmiasd afirmou, inequivocamente, que o Senhor, Yava Tsabaôth Elohe Israel, nunca exigiu nada desse tipo, mas exatamente o contrário (VII, 21-4).

Mas esses profetas que se opuseram aos sacrifícios humanos eram todos eles nazar e iniciados. Esses profetas comandavam um oposição nacional aos sacerdotes, como mais tarde os gnósticos combateram os padres cristãos. É por essa razão que, quando a monarquia foi dividida, encontramos os sacerdotes em Jerusalém e os profetas no país de Israel. Até mesmo Acab e seus filhos, que introduziram a adoração tíria de Baal-Hércules e das deusas sírias em Israel, foram auxiliados e encorajados por Elias e Eliseu. Poucos profetas apareceram na Judéia antes de Isaías, depois de derrubada a monarquia setentrional. Eliseu ungiu Jeú, com o propósito de que ele exterminasse as famílias reais de ambos os países e, assim, unisse os povos sob uma única coroa. Quanto ao Templo de Salomão, desconsagrado pelos sacerdotes, nenhum profeta ou iniciado hebraico moveu uma palha sequer. Elias nunca foi lá, nem Eliseu, Jonas, Naum, Amos ou qualquer outro israelita. Enquanto os iniciados aderiam à “doutrina secreta” de Moisés, o povo, levado pelos seus sacerdotes, embebia-se de idolatria, exatamente como os pagãos. Foram as opiniões e interpretações populares de Jeová que os cristãos adotaram.

OS CRISTÃOS PRIMITIVOS.

Pois bem, pode-se perguntar então: “Considerando-se as muitas evidências de que a teologia cristã é apenas uma miscelânea de mitologia pagãs, como relaciona-la à religião de Moisés?” Os cristãos primitivos, Paulo e seus discípulos, os gnósticos e geralmente os seus sucessoras, distinguiram essencialmente Cristianismo e Judaísmo. Este último, na sua opinião, era um sistema antagonístico, e de origem mais baixa. “Vós recebestes a lei”, diz Estevão, “por ministério dos anjos”, ou Aeons, e não do Altíssimo. Os gnósticos, como vimos, ensinaram que Jeová, a Divindade dos judeus, era Ialdabaôth, o filho do antigo Bohu, ou Caos, o adversário da Sabedoria Divina.

A pergunta pode ser respondida muito facilmente. A lei de Moisés, e o dito monoteísmo dos judeus, dificilmente poderá ser colocada para além de dois ou três séculos antes do advento do Cristianismo. O próprio Pentateuco, podemos demonstrar, foi escrito e revisto depois dessa “nova partida”, num período posterior à colonização da Judéia sob a autoridade dos reis da Pérsia. Os padres cristãos, em sua ânsia de harmonizar seu novo sistema com o Judaísmo e assim esvaziar o Paganismo, fugiram inconscientemente de Scylla e foram apanhados pelo remoinho de Charrybdis. Sob o estuco monoteísta do Judaísmo descobriu-se a mesma mitologia familiar do paganismo. Mas não devemos ver os israelitas com mais desaprovação por terem tido um Moloch ou por serem como os nativos. Nem devemos obrigar os judeus a fazer penitência por causa de seus pais. Eles tiveram seus profetas e suas leis e estavam satisfeitos com ambos. O presente testemunha um povo antes glorioso que leal e que nobremente se manteve unido graças à sua fé ancestral por ocasião das perseguições mais diabólicas. O mundo cristão tem estado num estado de convulsão desde o primeiro século até o atual; dividiu-se numa infinidade de seitas; mas os judeus continuam substancialmente unidos. Mesmo as divergências de opinião não destroem sua unidade.

As virtudes cristãs inculcadas por Jesus, no Sermão da Montanha, não são exemplificadas como deveriam ser no mundo cristão. Os ascetas budistas e os faquires indianos parecem ser os únicos que as inculcam e as praticam. Ao passo que os vícios achados, por caluniadores viperinos, ao paganismo são correntes entre os padres cristãos e as Igrejas cristãs.

O grande abismo entre o Cristianismo e o Judaísmo, apoiado na autoridade de Paulo, existe apenas na imaginação do devoto. Somo nada mais, nada menos, do que os herdeiros dos israelitas intolerantes dos tempos antigos; não dos hebreus da época de Herodes e do domínio romano, que, com todas as suas falhas, se mantinham estritamente ortodoxos e monoteístas, mas dos judeus que, sob o nome de Jeová-Nissi, adoravam Baco-Osíris, Dio-Nyssos, o multiforme Jove de Nysa, o Sinai de Moisés. Os demônios cabalísticos – alegorias do significado mais profundo – foram adotados como entidades objetivas e constituíram uma hierarquia satânica cuidadosamente elaborada pelos demonólogos ortodoxos.

A INTERPRETAÇÃO DE “INRI”. O MITO DE BACO.

O mote rosicruciano Igne natura renovatur integra [INRI], que os alquimistas interpretam como natureza renovada pelo fogo, ou matéria pelo espírito, tem sido imposto até hoje como Iesus Nazarenus rex Iudeorum. A sátira sarcástica de Pilatos é aceita literalmente e os judeus a tomaram inadvertidamente como reconhecimento da realeza de Cristo; no entanto, se essa inscrição não for uma falsificação feita no período constantiniano, ela será uma ação dirigida a Pilatos, contra quem os judeus foram os primeiros a protestar violentamente. Interpreta-se I. H. S. como Iesus Hominum Salvator e In hoc signo, ao passo que IH∑ e um dos nomes mais antigos de Baco. E mais do que nunca começamos a descobrir, à luz brilhante da Teologia comparada, que o grande propósito de Jesus, o iniciado do santuário interior, era abrir os olhos da multidão fanática para a diferença entre a Divindade suprema – o misterioso e nunca pronunciado IAÔ dos iniciados caldaicos antigos e dos neoplatônicos posteriores – e o Yahuh hebraico, ou Yaho (Jeová). Os Rosa-cruzes modernos, tão violentamente censurados pelos católicos, agora têm atirado contra eles, como a maior das suas responsabilidades, o fato de acusarem Cristo de ter destruído a adoração de Jeová. Melhor fora se ele o tivesse feito, pois o mundo não estaria tão irremediavelmente confuso após dezenove séculos de massacres mútuos, com trezentas seitas brigando entre si e com um Diabo pessoal reinando sobre uma cristandade aterrorizada.

Apoiado na exclamação de Davi, parafraseada na Versão do Rei James como “todos os deuses das nações são ídolos”, isto é, diabos, Baco ou o “primogênito” da teogonia órfica – o Monogenes, ou o “unigênito” do Pai Zeus e Lorê – foi transformado, com o restante dos mitos antigos, num diabo. Por meio dessa degradação, os padres, cujo zelo piedoso só poderia ser ultrapassado por suas ignorâncias, forneceram inadvertidamente as provas contra si mesmo.

É o mito de Baco que manteve escondida durante longos e tenebrosos séculos a vindicação futura dos vilipendiados “deuses das nações” e a última chave do enigma de Jeová. A estranha dualidade de caraterísticas divinas e mortais, tão conspícua na Divindade Sinaítica, começa a entregar seu mistério diante da pesquisa incansável de nossa época. Uma das contribuições mais recentes pode ser encontrada num artigo pequeno, mas altamente importante, publicado em The Evolution, um periódico de Nova Yorque, cujo parágrafo final lança um raio de luz sobre Baco, o Jove de Nysa, que foi adorado pelos israelitas como Jeová do Sinai.

“Assim era o Jove de Nysa para os seus adoradores”, conclui o autor. “Representava para eles o mundo da natureza do pensamento. Era o `Sol da retidão, que trazia a saúde em suas asas’, e não trazia apenas a alegria para os mortais, mas descortinava para eles a esperança que está além da mortalidade da vida imortal. Nascido de uma mãe humana, elevou-a do mundo da morte para o ar superno, para que fosse reverenciada e adorada. Sendo o senhor de todos os mundos, era em todos eles o Salvador.

“Assim era Baco, o Deus-Profeta. Uma mudança de culto, decretada pelo Assassino Imperador Teodósio, por ordem do Padre Espectral Ambrósio de Milão, modificou seu título para Padre das Mentiras. Sua adoração, antes universal, foi denominada pagã ou local, e seus ritos foram estigmatizados como feiticeiros. Suas orgias receberam o nome de Sabbath das Bruxas e sua forma simbólica favorita, o pé bovino, tornou-se a forma representativa moderna do Diabo, com o casco rachado. O pai da família, que antes fora chamado de Beel-zebub, passou a ser acusado de manter relações com os poderes das trevas. Levantaram-se cruzadas, povos inteiros foram massacrados. A sabedoria e a erudição foram condenados como a magia e feitiçaria. A ignorância tornou-se a mãe da devoção hipócrita. Galileu penou durante longuíssimos anos na prisão por ensinar que o Sol era o centro do universo solar. Bruno foi queimado vivo em Roma em 1600 por restaurar a filosofia antiga; mas, apesar de tudo, a Liberlia converteu-se em festa da Igreja. Baco é um santo do calendário repetido quatro vezes e representado em muitos santuários nos braços de sua mãe deificada. Os nomes mudaram, mas as idéias perduraram inalteradas”.

BACO – Exotéricamente e superficialmente, é o deus do vinho e da vindima, bem como da devassidão e do alvoroso. Porém, o significado Esotérico desta personificação é mais abstruso e filosófico. É o Osíris do Egito e tanto sua vida quanto sua significação pertencem ao mesmo grupo dos demais deuses solares, todos eles “carregando com a culpa”, mortos e ressuscitados, como por exemplo Dionísio ou Atys de Frígia (Adónis ou o Tammuz sírio), como Ausonius, Baldur etc. Todos eles foram condenados à morte, pranteados e restituídos à vida. As festas em honra de Atys ocorriam nas Hilarias, celebradas na Páscoa “pagã”- o dia 15 de março. Ausonius, uma forma de Baco, era morto no equinócio de primavera (21 de março) e ressuscitava três dias depois. Tammuz, o duplo de Adónis e Atys, era pranteado pelas mulhares num “bosquezinho” que levava seu nome, “além de Beyhlehem, onde chorava o menino Jesus”- diz São Jerônimo. Baco é assassinado e sua mãe recolhe os pedaços de seu corpo dilacerado, como o fez Ísis com os de Osíris e assim sucessivamente. Dionysos Iacchus, destroçado pelos titãs, Osíris, Krishna e todos os demais desceram ao Hades e retornaram. Astronomicamente todos eles representam o Sol; psiquicamente, são emblemas da “Alma” (o Ego em sua reencarnação), que sempre ressuscita; espiritualmente, todas as vítimas propiciatórias inocentes que expiam os pecados dos mortais, seus próprios invólucros terrenos e, na realidade, imagem poetizada do Homem Divino, a forma de barro animada por seus Deus. G. Teosófico E. Grond.)

Isis Sem Véu – VOLUME IV – TEOLOGIA II


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