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Vampirismo e Licantropia

Profecia Celestina e o Vampirismo no Brasil

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Entre 1997 e 1998 passei alguns meses fazendo a mesma pergunta para todos que entravam na sala de bate-papo com o tema ‘ocultismo’ no UOL na intenção de copiar, salvar em arquivos, organizar as centenas de respostas por similitude e extrair daí o pensamento do homem médio sobre o tema específico quando submetido a tais circunstâncias (acesso à internet, etc.). A pergunta era: “Qual a sua opinião a respeito de vampirismo?”. Mesmo dentro de uma sala dedicada ao tema ocultismo os internautas se dividiam num grupo predominante de incrédulos e noutro menor de pessoas que acreditavam em vampiros; incluindo os que crêem ser eles próprios vampiros. O grupo dos crédulos era bastante heterogêneo, com núcleo acentuadamente espírita, influenciado pelas obras de Chico Xavier e outras publicações da FEB. No entanto, um número expressivo de pessoas me indicou A Profecia Celestina, de James Redfield, lançado em 1993. – Trata-se de uma narrativa sensacionalista que promete “previsões” para o terceiro milênio, todas baseadas num “antigo manuscrito peruano” em aramaico, ditado por Jesus à civilização Maia, cujas cópias foram caçadas e destruídas pelas autoridades eclesiásticas. – Esse livro não menciona uma única vez a palavra “vampiro”, mas as pessoas insistiam que eu lesse sobre a “quarta visão” porque, na concepção delas, aquela seria uma descrição perfeita do verdadeiro vampirismo. Fiz isso.

Redfield fala como um doutrinador, seguindo a máxima ‘é preciso crer para ver’. Em cada capítulo faz uma afirmação principal na qual o leitor precisa crer para realizar eficazmente uma auto-lavagem cerebral, experimentar a subseqüente maravilha hipnótica e, finalmente, obedecer ao único pedido desse mestre benevolente que é o de divulgar seu best-seller até que todos no mundo comprem e obedeçam. Uma dessas afirmações trabalhadas em etapas diz que procuramos ser mais espertos e controlar uns aos outros por causa de um estímulo psicológico que recebemos e não por “alguma meta tangível que estejamos tentando alcançar no mundo externo”. Para este autor o hábito de sugar energia é sempre inconsciente e “a chave para abandoná-lo é trazê-lo inteiramente à consciência” observando que nosso drama de controle ou estilo particular de dominar os outros “é o que aprendemos na infância para chamar atenção”. – Seus fãs internautas não concordavam. Eles apoiavam a conscientização para que um vampiro inconsciente reconhecesse sua condição e buscasse métodos alternativos de nutrição bioenergética, como abraçar árvores, mas reconheciam que o ser humano tem livre-arbítrio e admitiam a hipótese de alguém descobrir que é vampiro e escolher continuar sendo, inclusive estudando formas de se especializar no método. Dessa forma um vampiro consciente competente se tornaria infinitamente pior do que um inconsciente comum.

Segundo Redfield todos os humanos são sugadores de energia. Desde que o homem tornou-se lobo do homem os membros da espécie romperam a ligação interior com o campo de energia dinâmica que compõe o universo e, por isso, passaram a experimentar sentimentos de fraqueza e insegurança. Surgiu entre os homens a tendência de roubar energia uns dos outros, cada um tentando dominar e apoderar-se das mentes dos demais, “um crime no qual nos empenhamos porque nos sentimos tão freqüentemente esvaziados de energia, e isolados”. A situação seria tão grave que a maioria das pessoas passa a vida numa caça constante à energia alheia; “fazemos isso inconscientemente cada vez que encontramos alguém”. Quando um indivíduo se dirige a outro e se empenha numa discussão cada um procura encontrar um meio de controlar, preparando-se para dizer o que for preciso para prevalecer na conversa sejam quais forem os detalhes da situação ou assunto em questão. Conquistando atenção à força nos sentimos mais poderosos e somos impulsionados pela energia do interlocutor que normalmente se rebela contra a usurpação, gerando uma luta pelo poder. Por exemplo, os civilizados americanos ficam horrorizados com a barbárie do exercício rigoroso do pátrio poder próprio da disciplina das famílias pobres do terceiro mundo e um clarividente testemunha um caso onde os pais “estavam sugando a energia da menina para dentro de si de tal modo que ela estava quase morta”. Diz o texto:

— Sentem-se, sentem-se — dizia o proprietário em inglês, puxando as cadeiras e correndo de um lado para outro. Atrás dele estava uma mulher mais velha, aparentemente sua esposa, e uma adolescente de uns quinze anos.  Quando se sentava, Wil sem querer bateu o braço em seu garfo, derrubando-o ruidosamente no chão. O homem lançou um olhar furioso à mulher, fazendo-a falar rispidamente à moça, que ainda não se mexera para trazer outro. Ela correu à outra sala e voltou trazendo um garfo, que entregou hesitante a Wil. Tinha as costas encurvadas e sua mão tremia um pouco…

— Bom apetite — disse o homem, estendendo-me um dos pratos.

Durante a maior parte da refeição Reneau e Wil conversaram fiado sobre a vida acadêmica, os desafios do ensino e da publicação de trabalhos. O dono da casa saíra da sala, mas a mulher permanecera. Quando a mulher e a filha passaram a servir pratos individuais com torta, a mocinha bateu com o cotovelo em meu copo, derrubando a água na mesa. A mãe acorreu furiosa, gritando com a moça em espanhol e empurrando-a da frente.

— Sinto muito — disse a mulher, enxugando a água. —A menina é muito desastrada.

A jovem explodiu, arremessando a torta que restava em cima da mulher, errando e esparramando torta e louça quebrada pelo meio da mesa — no momento em que o pai retomava.

O velho gritou e a mocinha saiu correndo da sala. — Desculpe — ele disse, correndo para a mesa.

— Não foi nada — respondi. — Não sejam tão duros com a menina.

Wil estava em pé, conferindo a conta, e apressamo-nos a sair. Reneau ficara calado, mas quando cruzamos a porta e descemos a escada, falou.

— Viu aquela moça? — perguntou, olhando para mim. — É o exemplo clássico da violência psicológica. É a isso que leva a necessidade do ser humano controlar os outros quando levada ao extremo. O velho e a senhora estão dominando totalmente a menina. Viu como ela está nervosa e curvada?

— Vi — respondi. — Mas parece que já está meio cheia.

— Exatamente! Os pais não dão uma folga. E do ponto de vista dela, ela não tem escolha senão reagir com violência. É a única forma de conseguir ter algum controle para si mesma. Infelizmente, quando ficar adulta, por causa desse trauma inicial, vai achar que tem de tomar o controle e dominar os outros com a mesma intensidade. Essa característica estará profundamente entranhada e a tornará tão dominadora quanto os pais agora, sobretudo quando estiver com pessoas vulneráveis, como as crianças. Na verdade, o mesmo trauma sem dúvida ocorreu antes aos pais dela. Eles têm de dominar hoje por causa do modo como seus pais os dominaram. É assim que a violência passa de uma geração para a outra.

Parolando pelas costas os americanos discorrem que o pior que se pode fazer às crianças é “drenar a energia delas quando as educamos” porque isso faz surgir os “dramas de controle” e em casos como este “não faz diferença que nos digamos que fazemos isso para o bem da própria pessoa, ou que são nossos filhos e, portanto temos de estar no comando o tempo todo”. A única forma de evitar criar uma víbora em casa seria impedir toda criança de brincar ou conviver com outras crianças (irmãos inclusos) e garantir que um adulto previamente treinado fique 24h por dia educando-a mansamente nas verdades da profecia celestina. Enquanto o monopólio da opinião não se tornar real a competição “pela escassa energia humana” continuará originando “desde todos os mesquinhos conflitos em família e no emprego até as guerras entre países”. – O autor admite ser possível doar energia voluntariamente para plantas ou pessoas. Como o mundo físico é um vasto sistema de energia que pode ser sentido e intuído, todo ser humano é capaz de projetar doses de seu quinhão energético focalizando a atenção na direção desejada (ou seja, dando passes) de forma a influenciar outros seres vivos. Fazendo isto aumenta sua própria consciência transcendental, mas quando o agente não está ‘evangelizado’ pelas profecias até doar pode ser ruim. James Redfield classifica dentro dos comportamentos nocivos tanto as tendências de “controlar” e “prejudicar” quanto às de “agradar os outros”. – Relacionar-se com alguém sob a chama da paixão é ato perigosíssimo porque a princípio um parceiro submisso doa voluntariamente sua energia, mas a maioria das pessoas não é suficientemente forte para continuar doando indefinidamente e quem cedeu primeiro termina por sugar. Ou seja, os amantes, amigos, etc., “ligam as energias e depois lutam para decidir quem vai controlá-las”. Por isso ao descobrir-se enfermo de um reprovável “vício por pessoa” o personagem principal dispensa a mulher que ama justamente porque ela corresponde seu amor e, portanto, estaria irremediavelmente condenada a suga-lo no futuro.

Resumindo, segundo A Profecia Celestina a única forma de parar de sugar é elevar suas vibrações até tornar-se invisível para todos que não vibram no mesmo nível e, conseqüentemente, deixar de interagir com qualquer outro ser humano exceto seus ‘irmãos em fé’. O autor recomenda ao leitor que busque a evolução ligando-se “à beleza e à energia que nos cerca”, conselho que deve funcionar melhor para quem vive cercado de coisas facilmente valoradas como boas e belas – talvez o campo paradisíaco de seu livro, sem invasão do MST, trabalho escravo, estrume e mosquitos –, mas não surte o mesmo efeito num cenário urbano, favela, prisão ou ambiente social onde os mais justos fatores de revolta (assalto, mendicância, fome, doença, mutilações) abalam a fé na beleza do mundo e fazem com que o desabrochar da paz interior só seja obtido mediante doses cavalares de desdém e hipocrisia. Quem deseja seguir a imitação de Cristo segundo Redfield não pode ter medo ou qualquer emoção forte além do êxtase místico para garantir sua passagem para o mundo dos mortos. Fazendo com que a dura realidade se torne invisível para nós antes que possamos nos tornar para ela descobrimos uma ligação com uma fonte superior ou percepção de “Deus interior” que nos satisfaz e nos torna “mais do que éramos antes”. Assim, o homem deve religar-se à energia universal através do êxtase místico, sendo a escassez de energia sanada no momento em que entra em comunhão com a fonte superior. Porém, para permanecer ligado é preciso abandonar seu drama de controle e parar de interagir com o vulgo porque “sempre que recaímos nesse hábito, nos desligamos da fonte”. Ao fazer a “travessia consciente” entre a vida e a morte, Jesus determinou o caminho “que toda a raça humana estava destinada a seguir”.

Ele se abriu para a energia até ficar tão leve que pôde andar sobre a água. Transcendeu a morte aqui mesmo na Terra e foi o primeiro a fazer a travessia, a expandir o mundo físico no espiritual. Sua vida demonstrou como fazer isso. Se nos ligarmos à mesma fonte, podemos seguir o mesmo caminho, passo a passo. Em algum momento todos vibrarão intensamente o bastante para entrar no céu, em nossa mesma forma.

O autor estima que “a maioria dos indivíduos atingirá esse nível de vibração durante o terceiro milênio”, quando “grupos inteiros de pessoas” tornar-se-ão invisíveis para aqueles que ainda vibram num nível inferior, “dando-lhes a impressão de terem desaparecido”. Este será o marco de que “cruzamos a barreira entre esta vida e o outro mundo do qual viemos, e para o qual iremos depois da morte”, pois “essa travessia consciente é o caminho mostrado por Cristo”. Porém, como todas as religiões se tornam corruptas “quando designam líderes para explicar às pessoas a vontade de Deus, em vez de mostrar a elas como encontrar essa orientação dentro de si mesmas”, a única forma de adquirir o dom da invisibilidade é lendo seus livros para aprender o método. Acho que os seguidores de James Redfield sumiram mesmo, ou enjoaram, porque depois de 1999 nunca mais ouvi ninguém falar no profeta do terceiro milênio…

Shirlei Massapust


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