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Nada na natureza está separado, a pesar de nos percebermos e sermos diferentes uns dos outros e de outras coisas, existe uma teia que conecta a tudo e a todos, esse tecido invisível em grande escala permite que estejamos unidos em uma coisa só. Tudo é uma coisa só na Deusa, tudo é sagrado, tudo é uma criação divina e por isso Deus/a em potencial. (Re)conhecer todas as partes de nós mesmos é parte do processo de assimilar a sacralidade do nosso corpo e do mundo ao redor. Um dos (vários) mitos de criação pagão coloca o seguinte:
“Solitária, majestosa, plena em si mesma, a Deusa, Ela, cujo nome sagrado, não pode ser jamais dito, flutuava no abismo da escuridão, antes do início de todas as coisas. E quando Ela mirou o espelho curvo do espaço negro, Ela viu com a sua luz o seu reflexo radiante e apaixonou-se por ele. Ela induziu-o a se expandir devido ao seu poder e fez amor consigo mesma e chamou Ela de “Miria, a Magnífica”.
O seu êxtase irrompeu na única canção de tudo que é, foi ou será, e com a canção surgiu o movimento, ondas que jorravam para fora e se transformaram em todas as esferas e círculos dos mundos. A Deusa encheu-se de amor, que crescia, e deu à luz uma chuva de espíritos luminosos que ocuparam os mundos e tornaram-se todos os seres.
Mas, naquele grande movimento, Miria foi levada embora, e enquanto Ela saía da Deusa, tornava-se mais masculina. Primeiro, Ela tornou-se o Deus Azul, o bondoso e risonho deus do amor. Então tornou-se no Verde, coberto de vinhas, enraizado na terra, o espírito de todas as coisas que crescem. Por fim, tornou-se o Deus da Força, o Caçador, cujo rosto é o sol vermelho, mas no entanto, escuro como a morte. Mas o desejo sempre o devolve à Deusa, de modo que Ela circula eternamente, buscando retornar em amor.
Tudo começou em amor; tudo busca retornar em amor. O amor é a lei, mestre da sabedoria e o grande revelador dos mistérios.”
Este mito expõe as bases de nossa prática e crença, a primeira é a flexibilidade da polaridade, já que a Deusa fez amor com seu reflexo feminino e que deste encontro um orgasmo ocorreu, Ela se Re-conheceu e isto deu origem ao processo criativo. Ao se afastar várias outras polaridades foram geradas e deste encontro com o Grande Todo, Deusa, o Universo foi gerado e se expande. Por isso o primeiro passo para assumir e assimilar nossa Divindade é reconhecer-se.
Um dos grandes símbolos da polaridade em nossa Tradição é a Serpente e a Pomba. A Pomba é o lugar celestial, é o brilho, leve e pacífico, suas características são aquelas mais valorizadas pela humanidade. Seu Gêmeo é a Serpente, que pode ou não ser sua amante e que representa o plano terrestre, instintivo, visceral e amedrontador, simbolizando tudo o que mais tememos, o que não é necessariamente mau. Cada um deles é Sagrado em seu jeito.
Assim o é com os Deuses e com tudo, cada um tem sua polaridade, Apollo tem Ártemis, ou Ciparistos ou Jacinto ou Cassandra ou Daphne, Gaia tem Uranus, ou Cronos, ou Zeus, ou Rhea, Hera ou os Titãs, Hera tem Zeus, Hércules, Jasão, Gaia entre várias outras, com cada polaridade algo novo se cria e isto é sagrado. O orgasmo divino não é somente aquele reprodutor, é o reconhecer a sexualidade inerente a tudo, o amor e o prazer como precursor de mudança e esclarecimento espiritual. Por isso em nossa tradição dois sacerdotes podem ministrar um ritual, assim como duas sacerdotisas, assim como um sacerdote e uma sacerdotisa, ou um de cada somente, pois a polaridade está interna, não existe diferença entre o centro e a circunferência se o que importa é o que está entre ambos.
O conceito dos Gêmeos Divinos é fundamental na nossa tradição, é uma percepção importantíssima que nos leva a integração de nosso ser. Os Gêmeos Divinos são tudo aquilo que se opõe, em maior ou menor grau e com esta oposição conseguem criar algo novo e único. Podem ser pessoas, lugares, idéias ou ideais, animais… tudo na natureza tem seu oposto polar como coloca Hermes Trimegistos. Mas muito além de se entender este conceito é percebê-lo na prática, um exemplo clássico é o Bem x Mal, são Gêmeos divinos, conceitos puramente humanos já que na natureza o bem e o mal não existem, a natureza simplesmente É, mas em nossa prática pensamos em encontrar um caminho do meio, o que brota deste conflito bem x mal? Cada um encontra a sua resposta! E entre o Sim e o Não? Qual a melhor escolha? Dois extremos, duas saídas, certo? Errado! Várias saídas, pois algo novo pode brotar do sim e do não. O mesmo acontece com nosso ser, nossa sociedade têm valorizado e estimulado a pessoa a dar vazão somente aquilo que brilha, aos valores que “importam”, ao que é bem visto socialmente, mas não somos somente isso e portanto adoecemos. Negamos nossos aspectos sombrios, suprimimos nossa raiva, tristeza e medo, nossa angústias e desejos selvagens e isso acaba nos controlando quando na verdade deveríamos controlar. Para estarmos inteiros precisamos olhar para nossa sombra, assim como a Lua permite que sua sombra seja vista uma vez por mês. Este processo é mágico e transformador.
O conceito dos gêmeos pode ser visto na prática da seguinte maneira: Pegue uma vela amarela e outra azul, cores opostas. Acenda o pavio das duas. Cada uma com uma chama. Junte as chamas; o que acontece? Duas chamas se tornaram uma só, duas velas opostas queimam uma mesma chama, deste encontro a luz aumenta, o calor aumenta, mas nenhuma perdeu sua individualidade, pois ao se afastar uma da outra, cada uma continua com sua própria chama. Estes são os Gêmeos Sagrados.
Imagine que estamos no outono, numa tarde fresca. Você se deita abaixo de uma árvore sem folhas nenhuma, cabeça no chão, perto do tronco dela, olhando para o céu azul, sem nuvens.
Observe os galhos sem folhas acima, perceba como eles criam linhas em oposição ao céu azul, é tão lindo o desenho que se forma… guarde isto em sua tela mental, os galhos secos contra o céu claro.
Um vento bate contra os galhos e os balança, como num jogo você agora se foca nos espaços entre os galhos, trace as mesmas curvas dos galhos, mas desta vez pelo lado de fora, surpreendentemente você se dá conta de que as linhas são semelhantes, mas não são as mesmas, o desenho é outro.
O exercício é similar ao exercício da sombra, proposto pela Starhawk no livro “Dança cósmica” que coloca a importância de um bruxo se capaz de mudar o foco numa mesma situação e ver o que está acontecendo entre vários pontos de vista.
Outro exercício que eu gosto muito é o da Figura Gestalt, como por exemplo esta abaixo:
Olhe para ela e escreva o que você viu primeiro, a velha ou a jovem? Depois tente ver o oposto, a jovem ou a velha. É um treino, mas uma vez que você conseguiu observar, fica fácil de trocar o foco. E assim o é em nossa psiquê, somos brilho e sombra, mas “o todo é muito maior que a soma das partes” como diz a teoria psicológica da Gestalt.
A ideia aqui não é discutir o paradoxo, é encontrar algo maior que tudo isso, é encontrar a visão holística que é o verdadeiro mistério. Este holismo é natural entre os Deuses mas é um estado de espírito muito difícil de se alcançar em nosso dia-a-dia e sociedade, pois aqueles que abraçam sua sombra são considerados loucos ou rebeldes, são os “ autossuficientes”, mas estes exercícios são bons para ilustrar o conceito, mas a ideia geral é muito mais profunda que isso, exige responsabilidade, ou seja, a capacidade de responder a algo, de aceitar as consequências e de se encontrar divino neste meio tempo.
Isso não significa que temos que aceitar e abraçar tudo o que somos e temos, existe muitas qualidades a serem aperfeiçoadas e para alcançar o nosso verdadeiro ser precisamos abrir mão de muitas defesas egoicas, muitas cascas e complexos que não são nossos, mas que estão conosco a tanto tempo que esquecemos o que somos sem eles. O Desafio é viver com a dicotomia interna sem conflitos, sem contradição, é a nossa vontade e o nosso desejo unidos em uma só direção, sem vergonha ou dúvida… é a Serpente que se deita com a Pomba. Os Gêmeos são nossos irmãos, amantes, chefes, colegas, amigos, nós mesmos. Os Gêmeos são Luz e Escuridão, Beleza e Terror, Dor e êxtase, dançando juntos numa dinâmica criativa e quando digo criativa quero dizer em prol da vida, a favor da força vital que permite sempre que possamos criar, sermos espontâneos e criativos de acordo com a nossa natureza divina.
por Pythio
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