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8 – H
HOD – VIVENS
As causas se revelam pelos efeitos, e os efeitos são proporcionais às causas. O verbo divino, a palavra única, o tetragrama, se afirmou pela criação quaternária. A fecundidade humana prova a fecundidade divina: o iod do nome divino é a virilidade eterna do primeiro princípio. O homem compreendeu que foi feito à imagem de Deus, quando compreendeu que Deus era a idéia que se fazia de si mesmo engrandecida até o infinito.
Compreendendo Deus como o homem infinito, o homem disse a si mesmo: – Eu sou o Deus finito.
A magia difere do misticismo em não julgar a priori mas, sim, depois de ter estabelecido a posteriori a própria base dos seus julgamentos, isto é, só depois de ter compreendido a causa pelos efeitos contidos na própria energia da causa, por meio da lei universal da analogia; por isso, nas ciências ocultas, tudo é real, e as teorias são estabelecidas somente sobre as bases da experiência. São as realidades que constituem as proporções do ideal, e o mago só admite como certo, no domínio das idéias, o que é demonstrado pela realização da palavra; é o verbo propriamente dito. Um pensamento se realiza tornando – se palavra; esta se realiza pelos sinais, sons e figuras dos sinais: é este o primeiro grau de realização. Depois, ela se imprime na luz astral por meio dos sinais da escrita ou da palavra; ela influi sobre outros espíritos, refletindo – se neles; se reflete atravessando o diáfano dos outros homens, aí toma formas e proporções novas, depois se traduz em ato e modifica a sociedade e o mundo; é este o último grau de realização. Os homens que nascem num mundo modificado por uma idéia, trazem consigo a sua impressão e é assim que o verbo se faz carne. A impressão da desobediência de Adão, conservada na luz astral, só pode ser apagada pela impressão mais forte da obediência do Salvador, e é assim que se pode explicar o pecado original e a redenção, num sentido natural e mágico.
A luz astral, representada nos antigos símbolos pela serpente que morde a sua cauda, representa, ao mesmo tempo, a malícia e a prudência, o tempo e a eternidade, o tentador e o Redentor. É que esta luz, sendo o veículo da vida, pode servir de auxiliar tanto ao bem como ao mal, e pode ser tomada pela forma ígnea de Satã como pelo corpo do Espírito Santo. É a arma universal da batalha dos anjos, e ela alimenta tão bem as chamas do inferno como o raio de São Miguel. Poderíamos compará- la a um cavalo de natureza análoga à que é atribuída ao camaleão, e que sempre refletisse a armadura do seu cavaleiro.
A luz astral é a realização ou a forma da luz intelectual, como esta é a realização ou forma da luz divina.
O grande iniciador do Cristianismo, compreendendo que a luz astral estava sobrecarregada dos reflexos impuros da depravação romana, quis separar seus discípulos da esfera ambiente dos reflexos e fazê- los atentos unicamente à luz interior, a fim de que, por meio de uma fé comum, pudesse comunicar – se mutuamente por meio de novos cordões magnéticos a que chamou graça, e vender, assim, as correntes transbordadas do magnetismo universal, ao qual dava os nomes de diabo ou Satã, para exprimir a sua putrefação. Opor uma corrente a outra é renovar o poder da vida fluídica. Por isso, os reveladores nada mais fizeram do que adivinhar, pela exatidão de seus cálculos, a hora própria das reações morais.
A lei de realização produz o que chamamos o respiro magnético, de que são impregnados os objetos e lugares, o que lhes comunica uma influência conforme com nossas vontades dominantes, principalmente com as que são confirmadas e realizadas por atos. Com efeito, o agente universal, ou a luz astral latente, sempre procura o equilíbrio; enche o vácuo e aspira o cheio, o que faz contagioso o vício, como certas doenças físicas, e serve poderosamente ao proselitismo da virtude. É por isso que a coabitação com seres antipáticos é um suplício; é por isso que as relíquias, quer dos santos quer dos grandes celerados, podem produzir efeitos maravilhosos de conversão ou perversão súbita; é por isso que o amor sexual, muitas vezes, se produz por um sopro ou contato, e não somente pelo contato da própria pessoa, mas até por meio dos objetos que ela tocou e magnetizou sem o saber.
A alma aspira e respira exatamente como o corpo. Ela aspira o que crê ser felicidade, e respira idéias que resultam das suas sensações íntimas. As almas doentes têm mau hálito e viciam a sua atmosfera moral, isto é, misturam seus reflexos impuros com a luz astral que as penetra e nela estabelecem correntes deletérias.
Muitas vezes ficamos admirados de sermos assaltados, na vida social, por pensamentos maus que não julgamos possíveis, e não sabemos que isso é devido a alguma vizinhança mórbida. Este segredo é de grande importância, porque leva à manifestação das consciências, um dos poderes mais incontestáveis e mais terríveis da arte mágica.
O respiro magnético produz em redor da alma uma irradiação de que ela é o centro, e ela rodeia- se do reflexo de suas obras, que lhe fazem um céu ou um inferno. Não há atos solitários e não poderia haver atos ocultos; tudo o que realmente queremos, isto é, tudo o que confirmamos pelos nossos atos, fica escrito na luz astral, onde se conservam os nossos reflexos; estes reflexos influem continuamente sobre o nosso pensamento por meio do diáfano, e é assim que cada um se torna e permanece filho das suas obras.
A luz astral, transformada em luz humana no momento da concepção, é o primeiro envoltório da alma, e, combinando – se com os fluidos mais sutis, forma o corpo etéreo ou o fantasma sideral dos que fala Paracelso na sua filosofia intuitiva ( Philosophia sagax ). Este corpo sideral, desprendendo – se na hora da morte, atrai a sim e conserva por muito tempo, pela simpatia dos homogêneos, os reflexos da vida passada; se uma vontade poderosamente simpática o atrai numa corrente particular, ele se manifesta naturalmente, porque nada há mais natural do que os prodígios. É assim que se produzem as aparições. Mas desenvolveremos isto mais completamente no capítulo especial da Necromancia.
Este corpo fluídico, submetido, como a massa da lua astral; a dois movimentos contrários, atrativo à esquerda, e
repulsivo à direita, ou reciprocamente, nos dois sexos, produz em nós as lutas dos diferentes atrativos e contribui para a ansiedade da consciência; muitas vezes é influído pelos reflexos dos outros espíritos e é assim que se produzem quer as tentações, quer as graças sutis e inesperadas. É também a explicação do dogma tradicional dos dois anjos que nos assistem e experimentam. As duas forças da luz astral podem ser figuradas por uma balança em que são pesadas as nossas boas intenções para a vitória da justiça e a emancipação da nossa liberdade.
O corpo astral nem sempre é do mesmo sexo que o corpo terrestre, isto é, as proporções das duas forças, variando da direita para a esquerda, parecem, muitas vezes, contradizer a organização visível; é o que produz os erros aparentes das paixões humanas, e pode explicar, sem as justificar de modo algum diante da moral, as singularidades amorosas de Anacreonte ou Safo.
Um magnetizador hábil deve apreciar todos estes matizes, e damos, no nosso Ritual, os meios de os reconhecer.
Há duas espécies de realizações, a verdadeira e a fantástica. A primeira é o segredo exclusivo dos magos, a outra pertence aos encantadores e feiticeiros.
As mitologias são realizações fantásticas do dogma religioso, as superstições são o sortilégio da falsa piedade; mas mesmo as mitologias e superstições são mais eficazes sobre a vontade humana do que uma filosofia puramente especulativa e exclusiva de toda prática. É por isso que São Paulo opõe as conquistas da loucura da Cruz à inércia da sabedoria humana. A religião realiza a filosofia adaptando-a às fraquezas do vulgo; tal é, para os cabalistas, a razão secreta e a explicação oculta dos dogmas da encarnação e da redenção.
Os pensamentos que não se traduzem em palavras são pensamentos perdidos para a humanidade; as palavras que não são confirmadas por atos são palavras ociosas, e não há grande distância da palavra ociosa à mentira.
É o pensamento formulado por palavras e atos que constitui a boa obra ou o crime. Logo, quer em vício, quer em virtude, não há palavra da qual não sejamos responsáveis; principalmente, não há atos indiferentes. As maldições e bênçãos sempre têm seus efeitos e qualquer ação, seja qual for, quando é inspirada pelo amor ou pelo ódio, produz efeitos análogos ao seu motivo, ao seu valor e à sua direção.
O imperador cujas imagens tinham sido mutiladas e que, levando a mão à fronte, dizia: “Não me sinto ferido ”, fazia uma falsa apreciação e diminuía nisso o mérito da sua clemência. Qual homem de bem veria com sangue frio os insultos feitos ao seu retrato? E se realmente semelhantes insultos, feitos mesmo contra a vontade, caíssem sobre nós por uma influência fatal, se a arte dos enfeitiçamentos fosse real, como não é permitido a um adepto duvidá- lo, quanto não seria mais imprudente, e até mais temerária ainda, a palavra deste bom imperador!
Existem pessoas quem nunca são ofendidas impunemente, e, se a injúria que se lhes fez é mortal, começa – se desde então a morrer. Existem outras que até não a encontrais em, vão, e cujo olhar muda a direção de vossa vida. O basilisco que mata pelo olhar não é uma fábula, é uma alegoria mágica. Em geral, é ruim para a saúde ter inimigos, e qualquer pessoa não desafia impunemente a reprovação de quem quer que seja. Antes de se opor a uma corrente, é preciso que a pessoa se assegure bem se possui a força ou se é levada pela corrente contrária; aliás será destruída ou fulminada, e muitas mortes súbitas não têm outras causas. As mortes terríveis de Nadab e Abiu, de Osa, Ananias e Safira, foram causadas pelas correntes elétricas das crenças que ultrajavam; os tormentos das ursulinas de Loudun, das religiosas de Louviers e dos convulsionários de jansenismo, tinham o mesmo princípio e se explicam pelas mesmas leis naturais ocultas. Se Urbano Grandier não tivesse sido supliciado, teria acontecido uma das duas: ou as freiras possessas morreriam em espantosas convulsões, ou os fenômenos de frenesi diabólica teriam ganho, multiplicando – se, tantas vontades e tanta força, que o próprio Grandier, apesar da sua ciência e sua razão, teria ficado alucinado a ponto de caluniar a si próprio, como fizera o infeliz Gaufridy, ou teria morrido de repente, com todas as circunstâncias terríveis de um envenenamento ou de uma vingança divina.
O infeliz poeta Gilberto foi, no século XVIII, vítima da sua ousadia em desafiar a corrente da opinião e até do fanatismo filosófico da sua época. Culpado de lesa -filosofia, morreu louco furioso, assaltado pelos mais incríveis terrores, como se o próprio Deus o tivesse punido por ter sustentado a sua causa fora de propósito, mas, com efeito, perecia vítima de uma lei da natureza que não podia conhecer; tinha – se oposto a uma corrente elétrica e caiu fulminado.
Se Marat não tivesse sido assassinado por Carlota Corday, teria infalivelmente sido morto por uma reação da opinião pública. O que o fizera leproso era a execração das pessoas de bem, e devia sucumbir a isso.
A reprovação causada pela Saint-Berthelemy foi a causa única da horrível doença e da morte de Carlos IX; e Henrique IV, se não fosse sustentado por uma imensa popularidade, que devia à força simpática de sua vida astral, Henrique IV, dizemos nós, não teria sobrevivido à sua conversão e teria perecido pelo desprezo dos protestantes, combinado com a desconfiança e a raiva dos católicos.
A impopularidade pode ser uma prova de integridade e de coragem, mas nunca é prova de prudência ou política; os golpes dados contra a opinião são mortais para os homens de Estado. Podemos ainda lembrarmo – nos do fim prematuro e violento de vários homens ilustres, que não convém mencionar aqui.
Os descréditos diante da opinião podem ser grandes injustiças, mas sempre não são menores causas de insucessos e, muitas vezes, sentenças de morte.
Do mesmo modo, as injustiças feitas a um só homem podem e devem, se não forem reparadas, causam a perda de um povo ou de uma sociedade inteira: é o que se chama o grito do sangue, porque, no fundo de toda injustiça, há o germe de um homicídio.
É por causa destas leis terríveis de solidariedade que o cristianismo tanto recomenda o perdão das injúrias e a reconciliação. Aquele que morre sem perdoar, lança – se na eternidade armado de um punhal e se devota aos horrores de uma eterna matança.
É uma tradição e uma crença invencível entre o povo a da eficácia das bênçãos ou maldição paternas ou maternas. Com efeito, quanto mais os laços que unem duas pessoas são estreitos, tanto é mais terrível nos seus efeitos o ódio entre elas. O tição de Altheu queimando o sangue de Meleagra é, na mitologia, o símbolo deste poder temível.
Todavia, que os pais tomem cuidado com isso, porque não se acende o inferno no seu próprio sangue e não se vota os seus à desgraça, sem queimar e tornar infeliz a si próprio. Nunca é um crime perdoar, e sempre é um perigo e uma ação má amaldiçoar.
Eliphas Levi – Dogma e Ritual da Alta Magia
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