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Tamosauskas.
“Os Novos Discursos de Atalanta’
Poucos tabus são mais universais do que o incesto. A reprodução entre parentes, com as raras exceções das linhagens reais que buscavam preservar e aumentar sua riqueza e poder, é proibida em quase todas as culturas do mundo. Os textos alquímicos também abordam esse tema, mas por uma razão diferente, ainda que similar: a busca de um tipo de ouro que não é material, mas espiritual e simbólico. Obviamente, assim como dizem: “Aurum nostrum non est aurum vulgi” (O nosso ouro não é o ouro vulgar), também essas descrições de irmãos e irmãs gerando novas vidas não têm relação com os mandamentos e normas humanas. Contexto é para reis.
Os filósofos naturais defendem essa alegoria do incesto porque, segundo eles, sem uma semelhança de substância, a multiplicação não é possível. Trata-se, então, de dois seres que, embora semelhantes em espécie, diferem em polaridade: um denominado irmão e outro, irmã. Essa alegoria lembra a condição de Adão e Eva, que, no mito bíblico, não tinham outras opções para a propagação da humanidade. A referência é à Prima Materia, ou Proto-Existência, que se divide em Mercúrio e Enxofre. Hoje, esses princípios são comumente mais conhecidos no Ocidente -ironia das ironias – como o Yin e o Yang.
A manifestação ocorre apenas no mundo da dualidade, e o Princípio de Vida e o Princípio de Morte são inseparáveis, refletindo-se em oposições como Luz/Sombra, Calor/Frio, Atividade/Passividade, Remédio/Veneno, etc. Essas dualidades criam canais pelos quais a energia original flui. Os filósofos argumentam que o “irmão” possui um temperamento quente e seco, sendo, portanto, colérico e expansivo. A “irmã”, por outro lado, é fria e úmida, com uma predominância de fleuma em sua constituição. Essas duas naturezas, tão distintas, supostamente se complementam melhor em termos de fecundidade, amor e propagação de filhos.
Analogamente, o fogo não é facilmente extraído dos corpos mais rígidos, como o aço, mas sim dos frágeis, como a pederneira. Da mesma forma, um homem ardente e uma mulher que compartilhem essa “chama” só serão férteis se um dos dois tiver uma natureza mais fria, pois, na visão alquímica e medieval, o frio está associado à infertilidade masculina. Assim, a prole pode ser gerada desde que ele seja quente e ela, mais fria (ou vice-versa).
O mesmo ocorre na prática da espagíria, onde os princípios fixos e voláteis de uma planta ou metal são extraídos para, posteriormente, serem reunidos. Se um criador deseja gerar uma descendência nobre em animais, como galinhas, cadelas, ovelhas ou outros, ele os cruza com indivíduos da mesma espécie (galo, cachorro ou carneiro), não considerando a consanguinidade, mas sim a afinidade de suas naturezas e a qualidade que deseja aperfeiçoar. O mesmo princípio se aplica às árvores e à escolha do enxerto mais adequado para determinado tronco. Mesmo no campo das ideias, se duas mentes não forem suficientemente “irmãs”, jamais poderão gerar novas ideias por meio do diálogo.
Entretanto, esse “casamento” entre irmão e irmã não será fértil nem duradouro em amor se não for precedido pelo consumo de um Philotesium, ou “Taça do Amor”. Este seria um líquido das mil maravilhas, capaz de assegurar a constância do amor, remover a esterilidade e prevenir abortos. Pode ser entendido como uma espécie de elixir ou filtro amoroso; em linguagem alquímica, um menstruum. O simbolo do licor, o famoso lubrificante social é muito apropriado. Através dele, os corpos, mentes e almas do casal se atraem e se reúnem, permitindo que, em um estado alterado de consciência (comparável ao da embriaguez, como no caso de Ló na Bíblia), e superam todas as barreiras morais, emocionais e até mandamentos sagrados para se unir e produzir descendência.
Na espagíria, esse menstruum é de fato o álcool, a Aqua Regia usada para extrair o enxofre do sal e, posteriormente, reuni-los novamente. O processo é simples de descrever, mas não tão fácil de executar. Uma planta é separada por putrefação em seu Mercúrio (álcool) e seu Enxofre e Sal (o corpo e essência da planta). Em seguida, o mesmo álcool é usado para extrair o enxofre do sal e, por fim, esses três ingredientes são purificados separadamente e reunidos em uma forma mais perfeita e poderosa. Isso está resumido no famoso axioma de Maria, a judia, a primeira grande alquimista da história: “ O Um torna-se Dois, o Dois torna-se Três, e do terceiro nasce o Um como Quatro”.
Se na alquimia vegetal o Philotesium é o álcool, ma alquimia mineral-metálica, é o alkahest, uma mistura de alcool etilico e acido acedico super concentrados que preparada cuidadosamente pode decompor os metais para sua futura recomposição. Na alquimia animal, na qual o ser humano também se inclui, o menstruum é o sangue, especialmente o sangue menstrual.
E na Alquimia Espiritual? Qual seria este Azoth, este Alkahest capaz de unir corações irmãos que parecem estar irremediavelmente separados? Vou dar uma dica “é mais doce que o mel e mais forte que o leão.”
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