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Eduardo Berlim[1]
Eterno, dê-me arte
Dê-me prosa, sacia
Da minh’ alma sede
Cede-me poesia
Dá-me uma oração
Eterna, et finita
De cór e de coração
Alguns meses atrás escrevi esta pequena oração. Ela veio do nada, em um rompante, um pico de inspiração iluminada vinda do mais íntimo ponto do meu interior. Decerto que não foi a primeira vez que tive isso, afinal foram anos e anos da minha vida atuando como compositor de músicas – tanto como letrista como melodista. A inspiração é a parte mais insubmissa da arte: ela jamais vem quando você quer, mas quando ela deseja a si mesma em você (e é por isso que bons compositores transpiram mais do que se inspiram).
O grande presente desta pequena oração, contudo, é a sua clara função natural: a de me inspirar para criar orações. Oratio, prece; a arte de laborar o ato de orar, comunicar-se não apenas consigo, mas com tudo que há de divino dentro e fora de si mesmo. A oração é, acima de tudo, o contato mais majestoso que um ser humano pode ter com o próprio divino. E talvez seja necessário compreender que orar não é propriedade de qualquer religião, mas uma manifestação natural do ser e seu contato com a divindade.
E foi pensando nisso que decidi criar minhas próprias orações. Orações herméticas, a princípio. Orações que pudessem se comunicar comigo mesmo e com a complexidade maluca que minha mente necessita para desligar-se e pôr-se em comunhão com o divino.
Peguei esta pequena oração e pedi inspiração para criar minha primeira filha nesta Arte. Queria uma oração hermética, mas uma oração para a Eternidade e tive a felicidade de criar uma oração para Netzach, a qual rezo consistentemente toda sexta-feira. Outras vieram e completaram as esferas de minha própria existência, mas a que quero trazer hoje é esta oração para a eternidade e fazer uma exegese de minha própria oração para que isso possa servir de possível inspiração para outros loucos desvairados como este que vos fala.
Pois a mente inquieta de um ser que tenta racionalizar o infinito só pode ser aclamada quando atendida dentro de sua própria loucura.
Contudo, não farei a análise de toda a minha própria oração, mas apenas de dois parágrafos, para não correr o risco deste texto ficar grande demais e enfadonho.
Oração de Netzach, por Eduardo Berlim
Que um gole de Eternidade me seja dado hoje
Por intermédio do Altíssimo, que é nosso Criador,
Nos dê permanência, vitória e conquista
que todo passo nosso seja uma obra de louvor
Que a filha dos poderosos nos abençoe
Através de sua porta para a eternidade
Com a visão da beleza triunfante
Nos levando aos desígnios da santidade
Para escaparmos do fracasso da terra
E do Senhor do Sucesso Não Realizado
Sendo agraciados com as riquezas de mil eras
Através do Nome Santo Abençoado
Para não cairmos na futilidade da inteligência,
nas artimanhas do Senhor do Esforço Instável,
Sendo disciplinados por meio da experiência
Através do Santo Espírito Manifestado
E para que a corrupção não nos aflija
Assim como o Senhor do Sucesso Ilusório
E que nossa emoção seja arte a plena vista
Através do Nome Santo mais notório
Para que a coragem sobressalte a nossa alma
E que possamos provar nosso valor
Pois é na Eternidade que encontramos nossa calma
Sendo uma só parte com o Criador
E que eternamente eu possa te louvar
por tua esfera base de toda misericórdia
Como a balança que pesa e o touro que ara
Buscando a beleza triunfante para minha Vitória
Proponho a análise da segunda e terceira estrofes da oração porque através deles dá pra se ter ampla percepção ao que me refiro ao dizer que “minha mente racional inquieta precisa ser aplacada”.
Netzach é hermeticamente correlata ao planeta Vênus e, com isso, diretamente apontada à carta da Imperatriz dentro do Tarot. É a ela que peço as bençãos de prosperidade, puxando do próprio arquétipo materno os desígnios que o próprio divino designou para esta figura. É a mãe quem nos dá a vida, quem inicia o “relógio cronológico da morte física” e quem nos entrega a percepção de materialidade e prosperidade nesta vida.
A Imperatriz, Filha dos Poderosos, é quem abre a Porta (Dalet) para a Eternidade em Netzach. É com a porta da Eternidade aberta que a experiência espiritual da esfera nos pode ser entregue: a visão da beleza triunfante. Estas bençãos descem da percepção de que é impossível a compreensão da Eternidade, pois Netzach não é sobre compreensão, mas sobre apreciação.
A necessidade interna que tenho de racionalizar as questões precisava ser quebrada neste ponto e por isso os versos possuem uma soma de sílabas bastante específica: são 56 sílabas neste verso (14+16+12+14) ou 7×8 – o caminho entre Hod e Netzach. Este caminho, correlato à letra Pei na Kabbalah Hermética, é relativo ao arcano maior da Torre, causador de ruptura e quebras necessárias para que a ilusão se desfaça. A saída instrumentalizada de Hod em direção a Netzach me faz caminhar, através da boca (Pei) que pronuncia a oração, em direção à porta (Dalet) da Eternidade (Netzach) percebendo que é sobre estar acolhido no colo da Filha dos Poderosos.
A terceira estrofe novamente aponta para questões diretamente ligadas ao Tarot, sendo este mais um verso que totaliza 56 sílabas (13+14+16+13).
Aqui inicio uma breve jornada dentro da oração de subida dos mundos, começando pelo elemento Terra, saindo do mundo material enquanto antevejo como é inútil perceber a Eternidade através da naturalidade humana. Ao tentarmos abarcar a Eternidade através da matéria (elemento Terra) tudo o que podemos encontrar é Fracasso, nome dado ao 7 de Moedas por Aleister Crowley. Não é a toa que os quatro 7 pertencem à Netzach, sendo estes tentativas de compreender a Eternidade através dos quatro elementos e seus resultados diretos.
O 7 de Moedas é chamado de “Senhor do Sucesso Não Realizado” e este só pode ser refreado aqui através do Santo Nome desta esfera: Vitória. As graças da materialidade descem conforme percebemos quão inútil é abarcar aquilo que é eterno através da construção neste plano e não importa quantas eras da Terra nós busquemos, elas sempre serão insuficientes para abarcar o divino em sua essência.
Há uma necessária construção a ser feita durante esta oração e ela se inicia com os pedidos para que a mãe, representada pelo arcano da Imperatriz, me permita ver e sentir aquilo que não pode ser visto e sentido, enquanto bane de mim os arcanos que me acusam de tentar abarcar a Eternidade de forma impossível (os quatro 7). Esta estrofe é o início de um banimento daquilo que não quero em minha vida e eu sigo confundindo se ela é teúrgica ou taumatúrgica em essência.
Por fim, acho provável que minha loucura possa confundir muita gente que não vai encontrar o mais vago sentido em tentar complicar tanto um contato que deveria ser simples, mas sei que existem outros como eu que precisam que a mente seja inundada de informações para que ela se quebre e fragmente no estado de gnose mais perfeito para a pronúncia de um simples Amém!
Eduardo Berlim é músico, tarólogo e estudante de hermetismo com vasta curiosidade. Tem apetite por uma série de correntes diferentes de magia e se considera um eterno principiante. Assumidamente fanboy dos projetos da Daemon e das matérias do Morte Súbita inc.
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