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A Prática da Magia Tradicional: Invocação, Sociedade e Espiritualidade

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Por Robson Belli[1]

A magia tradicional tem desempenhado um papel intrigante ao longo da tapeçaria da história humana, influenciando e sendo influenciada por diversos aspectos da sociedade. Ela é um fenômeno misterioso e multifacetado, que abrange uma variedade de práticas, cada uma com suas próprias características únicas. Entre essas práticas, uma que se destaca particularmente é a invocação de criaturas espirituais. Anjos, demônios, espíritos e entidades de diversos tipos são o cerne dessa forma de magia, cada um com um conjunto específico de rituais e técnicas associados à sua invocação.

Este aspecto da magia é profundamente enraizado na tradição esotérica e suas práticas de invocação de seres espirituais se estendem por milênios. A origem desses métodos está indissociavelmente ligada aos grimórios, antigos livros de magia que servem como compêndios de conhecimento esotérico. Os grimórios contêm uma riqueza de instruções sobre como invocar essas entidades espirituais, fornecendo detalhes precisos sobre rituais, fórmulas, sinais e condições necessárias para chamar esses seres ao mundo físico.

Ao analisar os grimórios mais antigos, torna-se evidente que a distinção entre invocação e evocação – duas formas de chamar entidades espirituais – era muito menos rigorosa do que se poderia supor. Ambos os processos podiam resultar na manifestação de anjos ou demônios, sugerindo que a classificação dessas entidades era mais fluida do que rígida. Não era incomum, por exemplo, que um mesmo grimório detalhasse processos de invocação para anjos e demônios, mostrando uma abordagem quase indistinta entre o divino e o infernal.

Além disso, é importante ressaltar que existe um continuum de criaturas espirituais que abrange desde os mais altos arcanjos, passando por anjos comuns e elementais – seres espirituais associados aos elementos naturais como terra, ar, fogo e água – até chegar aos demônios. Esse continuum evidencia a complexidade da cosmologia esotérica, que reconhece uma vasta gama de seres espirituais, cada um com suas próprias características, hierarquias e domínios de influência.

Portanto, a magia tradicional, em sua rica variedade de formas e práticas, oferece um vislumbre fascinante de um mundo repleto de seres espirituais de todos os tipos. Através dos grimórios e suas instruções de invocação, temos uma janela para esse universo espiritual, revelando a complexidade e a profundidade da relação entre o humano e o espiritual na tradição esotérica.

Contrariando a visão convencional que associa a prática da magia a subculturas marginais, a realidade histórica revela uma trajetória bem diferente. Em vez de ser transmitida através de tradições populares ou sociedades secretas amplamente conhecidas, como os Illuminati, o Rosacrucianismo ou a Maçonaria, a maior parte do conhecimento mágico prático era passado através de uma linhagem de estudiosos-magos. Eles formavam uma espécie de elite esotérica, dedicando-se ao estudo e à prática da magia como uma disciplina intelectual séria e digna de respeito.

Esta linha de sucessão de magos-estudiosos traz uma característica interessante: o perfil predominante entre os praticantes de magia cerimonial e angelical. Ao invés de serem indivíduos marginalizados ou desequilibrados, como poderíamos esperar, muitos deles eram de classes sociais altas e bem estabelecidas. Juristas, nobres e outros membros da elite figuram de maneira desproporcional nessa tradição.

Este fato sugere que, longe de ser uma prática marginal, a magia era frequentemente adotada por aqueles que detinham poder e influência na sociedade. Esses indivíduos provavelmente viam na magia uma forma de expandir seu conhecimento, influência e controle sobre o mundo. Para eles, a magia não era apenas uma prática esotérica, mas também uma ferramenta de poder.

Há, contudo, uma exceção notável a essa regra geral: a Golden Dawn, uma ordem mágica britânica estabelecida no final do século XIX. Esta sociedade misturava influências de várias tradições mágicas, incluindo a Cabala, o Tarot e a astrologia, e atraía uma ampla gama de membros, desde o mais humilde trabalhador até os mais altos escalões da sociedade britânica. No entanto, mesmo aqui, a prática da magia era vista como uma atividade séria e digna de estudo, e não como uma mera curiosidade ou passatempo.

Assim, vemos que a prática da magia, longe de ser uma atividade marginal ou obscura, ocupava um lugar significativo na vida e na cultura de muitas sociedades. Tanto as elites sociais quanto os estudiosos dedicados contribuíram para o desenvolvimento e a disseminação dessas tradições mágicas, garantindo que elas continuassem a prosperar e evoluir ao longo do tempo.

A prática da magia, em sua tradição mais pura, não era dominada por marginalizados ou excêntricos. Ao contrário, ela era uma disciplina respeitada, praticada por homens e mulheres notáveis em suas eras. Estes praticantes eram muitas vezes indivíduos de grande inteligência e perspicácia, que viam na magia uma extensão de seus esforços intelectuais e espirituais. Políticos, nobres, legisladores, e até mesmo membros da realeza, não raramente figuravam como praticantes, destacando a relevância e o prestígio associados à prática mágica ao longo das eras.

Estes indivíduos respeitáveis não buscavam na magia um simples passatempo ou uma fuga da realidade, mas um meio de explorar e compreender o mundo espiritual de forma profunda. Esta busca esotérica levava-os a entrar em contato com criaturas espirituais de diversas naturezas e hierarquias.

Importante salientar que estas criaturas espirituais não eram meros produtos da imaginação ou projeções subjetivas da psique do invocador. Ao contrário, eram consideradas como entidades independentes e autônomas, com vontades e intenções próprias. A invocação de tais seres sublinha a seriedade e a complexidade da prática da magia, destacando-a como uma disciplina que vai muito além de uma mera projeção da psique humana, envolvendo o contato e a negociação com entidades que existem independentemente do invocador.

Dito isso, é preciso enfatizar a necessidade de repensar a visão estereotipada da magia e de seus praticantes. Há uma tendência em desconsiderar a magia como um mero folclore, uma superstição primitiva ou uma forma de escapismo. Essa visão reducionista não apenas ignora a complexidade e a profundidade da prática mágica, como também diminui a contribuição significativa que esses estudiosos-magos fizeram para a história do pensamento humano.

Portanto, é crucial que desafiamos essa visão estreita e apreciamos a magia pelo que ela realmente é: uma disciplina complexa que tem sido praticada por alguns dos indivíduos mais inteligentes e influentes da história, e que envolve o contato com entidades espirituais que são tão reais e independentes quanto nós mesmos.


Robson Belli, é tarólogo, praticante das artes ocultas com larga experiência em magia enochiana e salomônica, colaborador fixo do projeto Morte Súbita, cohost do Bate-Papo Mayhem e autor de diversos livros sobre ocultismo prático.


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