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Yoga Fire

Entrevista com um Hare Krishna (Ramananda Das)

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Apresente-se por favor para nosso público.

Sou Ramananda Das (Felipe D´Aviz), iniciado na tradição Gaudiya Vaishnava de bhakti-yoga. Participei de diversos grupos espiritualistas, incluindo grupos esotéricos e mágickos. Hoje em dia me dedico mais a prática e divulgação da bhakti-yoga, tal como foi me passada por meus mestres espirituais.

Como você conheceu inicialmente o movimento Hare Krishna?

Recebi uma certa vez um livrinho chamado “A Fórmula da Paz” que continha conversas de Srila Prabhupada (que trouxe o movimento Hare Krishna para o ocidente) com George Harrison (que chegou a doar uma mansão ao movimento), John Lennon e Yoko Ono. Depois disso encontrei na biblioteca da minha cidade (Santos-SP) um exemplar do “Bhagavad Gita como ele é” traduzido e comentado por Srila Prabhupada. Fiquei encantado com o sânscrito e a profundidade da filosofia védica.

Uma certa vez passando pela rua, encontrei os devotos cantando e dançando, distribuindo “simplesmente maravilhosa” (um doce de leite em pó) de manga. Meu amigo perguntou se tinha que pagar e eles responderam que não. Depois daquela bolinha, nunca mais minha vida seria a mesma! Manga sempre foi minha fruta predileta e Krishna soube usar o artificio perfeito para me atrair até Ele. Depois disso fiquei querendo conhecer o templo Hare Krishna. Quem sabe assim poderia adquirir mais dessas bolinhas?

Então um amigo Straight Edge que gostava dos Hare Krishna e eu combinamos de ir ao templo. Ele não apareceu, mas eu comecei a frequentar toda semana. Se não me engano isso tudo foi em 2000, logo após o grupo Shelter (grupo de Krishnacore) ter feito um show em Santos ao qual eu fui, sem conhecer ainda os devotos de Krishna, alguns dos quais estavam lá.

 

Como e porque você se decidiu participar deste movimento? 

Tudo se encaminhou para tal. Devido a uma doença de pele, a dermatologista pediu que eu evitasse comer carne. Parei de comer carne logo após comer o primeiro prato de prasada (alimento oferecido a Krishna) no templo.  Minhas práticas em Thelema me indicavam “Inflama-te em oração!”, o estudo do Gita e a prática de Bhakti (Liber Astarte vel Berylli). Isso junto ao que relatei na pergunta anterior, fez com que quisesse me aprofundar no assunto.

Existe alguma forma de oficialização da entrada no movimento, como é o batismo entre os cristãos?

Sim, isso se chama harinama (primeira iniciação). Quando você encontra um guru fidedigno, pede-se dele as bençãos para o cantar do maha-mantra Hare Krishna nas contas de tulasi (japa). Ele também dará um nome de servo (Das) ou serva (Dasi) de Krishna ou Radharani e um colar de tulasi (kanti), uma planta que aumenta a devoção por Krishna. Para receber essa iniciação existe alguns pré-requisitos que podem variar de acordo com o guru. Em geral deve-se tornar completamente vegetariano, não consumindo nenhuma tipo de carne (peixe é carne!) e ovos. Dessa forma é pedido que se dedique ao cantar do maha-mantra Hare Krishna na japa diariamente e vá progredindo em sua prática.

No que sua rotina mudou desde então?

Desde então tenho me dedicado diariamente a prática do cantar do maha-mantra na japa, cuidar das deidades de Krishna (imagens para adoração no altar), divulgar essa filosofia, entre outros. Tenho procurado aceitar tudo que é favorável nesse caminho e rejeitar tudo que é desfavorável, ainda que como uma alma condicionada eu tenha diversos apegos materiais.

O “Hinduísmo” é uma invenção do ocidente?

Pode-se dizer que é uma construção teórica deformada do que seria o Sanatana-Dharma, ou principio espiritual eterno da cultura védica. A palavra “Hinduísmo” não é proveniente do sânscrito e vêem do persa “Hindu”, uma outra maneira de designar o rio Sindhu, um rio ao noroeste da Índia e que agora pertence ao Paquistão. A palavra “Hindu” foi utilizado primeiramente para designar o povo que vivia as margens desse rio Sindhu e que seguiam as tradições que ficaram sendo conhecidas como Hinduísmo. No movimento Hare Krishna não usamos esse termo para nos designar enquanto seguidores do Sanatana-Dharma.

Qual a diferença entre o movimento Hare Krishna e as muitas escolas e praticas religiosas indianas?

Dentro do Sanatana-Dharma existem uma enorme variedade de processos para pessoas de naturezas diversas como havia dito anteriormente. No entanto, no movimento Hare Krishna (também conhecido como Gaudiya Vaishnavismo) procuramos seguir apenas a essência da cultura védica, tal como exposta no Srimad Bhagavatam, Bhagavad Gita e outras escrituras de bhakti. Essas escrituras foram comentadas por uma sucessão discipular que revelam os conteúdos confidenciais das escrituras e as práticas a serem realizadas para a auto-realização. O movimento Hare Krishna é um dos ramos do Vaishnavismo. No Vaishnavismo adora-se Krishna, Vishnu ou alguma de suas encarnações como a verdade suprema. No ramo Gaudiya Vaishnava adoramos ao Casal Divino Radha e Krishna, e vemos a Chaitanya Mahaprabhu como a encarnação de Krishna experimentando o amor que Radha sente por Ele.

O Movimento Hare Krishna é monoteísta ou politeísta?

Difícil encaixar em somente um desses conceitos. Pode-se dizer monoteísta pois acreditamos que existe apenas uma Suprema Personalidade de Deus – Krishna, mas que se manifesta em diversas expansões. Krishna engaja ainda diversos semideuses que regem esse mundo material, mas no movimento não adoramos esses semideuses, como é o caso de muitos que se dizem “Hindus”.

Os Hare Krishna devem se vestir como indianos? Quais as exigências e restrições feitas aos adeptos?

As vestes deverão ser utilizadas em ocasiões especificas como a adoração no altar, entre outras. Fora isso, o uso ou não das vestes indianas fica a critério da pessoa. É pedido que as pessoas sigam 4 princípios regulativos que são: 1) não comer carne, nem peixe e ovos, buscando comer somente prasada (alimentos oferecidos), 2) não jogar jogos de azar, 3) não se intoxicar (incluindo álcool, café, chá preto etc), 4) não realizar sexo ilícito (sexo deve ser apenas para procriação).

Os Hare Krishnas acreditam no céu e no inferno? Eles são diferentes dos da visão judaico-cristã?

Sim, tudo isso é descrito de maneira detalhada nas escrituras védicas, em especial no Srimad Bhagavatam. Seria necessário um estudo mais detalhado para comparar a visão judaico-cristã, o que não tenho capacidade para discorrer sobre no momento.

No que os ensinamentos dos vedas difere do espiritismo kardecista?

O kardecismo ao contrário da visão védica, não acredita que a alma possa voltar a encarnar em um corpo de um animal. Já as escrituras védicas afirmam que você obtêm um corpo adequado ao nível de consciência que se tem na hora de abandonar o corpo. O espiritismo é todo baseado na revelação dada por espíritos, que de acordo com a visão védica estão sujeitos as imperfeições das almas condicionadas. Já as escrituras védicas foram reveladas por Vyasadeva, a encarnação literária de Krishna que veio transmitir o conhecimento de maneira pura e que nos é passada através da sucessão discipular. O kardecismo descreve apenas os planos sutis que também são materiais, enquanto as escrituras védicas descrevem tanto os diversos planos materiais quanto espirituais. Essas e outras comparações poderão ser encontradas em: Espiritismo e Consciência de Krishna

Não te incomoda o sistema ser aberto a qualquer um que queira um almoço grátis?

Claro que não! Dessa forma muitos se atraem e acabam virando devotos. Talvez as pessoas tenham dificuldade em aceitar um ou outro aspecto da filosofia, mas rejeitar um delicioso prato de prasada, preparado com todo amor e devoção, ainda estou para conhecer. Analisando sob outro aspecto, simplesmente por honrar essa prasada de Krishna, a pessoa já está praticando serviço devocional e dessa maneira ela irá estar se graduando para realizar outros tipos de serviço ao Casal Divino Radha-Krishna.

Qual a importância de ter um guru? Como identificar um confiável?

Para a maioria dos empreendimentos que vamos realizar, geralmente buscamos as instruções de alguém com maior experiencia no assunto para ser nosso professor. De tal forma, no caminho espiritual isso não é diferente. O que acontece é que nossa visão está obscurecida pelo véu de maya (ilusão) e o guru, sendo uma alma auto-realizada, não sofre desse mal, podendo abrir nossos olhos com o archote do conhecimento espiritual. As escrituras indicam quem é um guru confiável/fidedigno. Ele tem que ter realizado a conclusão das escrituras, ser hábil em convencer os outros dessas conclusões e ser completamente livre de apegos materiais.

Quem é o seu guru? Fale um pouco sobre ele

É um grande prazer essa oportunidade para falar sobre meu guru Srila Narayana Goswami Maharaj, cujo aparecimento (aniversário) se comemora hoje. Srila Narayana Goswami Maharaj nasceu em uma família de brahmanas vaishnavas em Tiwaripur, no estado de Bihar, Índia. Na sua família, adora-se Sita-Rama e portanto desde pequeno gurudeva apegou-se as histórias do Ramayana de Tulsi Das e o kirtan (cantar) de Sita-Rama. Mais tarde conheceu os devotos da linha Gaudiya Vaishnava (Hare Krishna) e largou tudo para se dedicar completamente a essa prática e seus ensinamentos. Mais tarde a pedido de Srila Prabhupada veio ao ocidente ajudar os devotos que desconheciam a profundidade do sidhanta (conclusões filosóficas) a restabelecer o sentido original da missão iniciada por Sri Chaitanya Mahaprabhu. Em virtude disso deu a volta mais de 30 vezes ao mundo espalhando esse conhecimento, vindo 3 vezes ao Brasil, sendo que seu ultimo aniversário em vida foi comemorado aqui em 2010. Srila Gurudeva é um grande cirurgião que remove a impurezas do coração e coloca a semente do amor espontâneo a Sri Chaitanya Mahaprabhu e o Casal Divino Radha-Krishna. Sua mensagem é muito importante pois revela os segredos mais confidenciais de bhakti de uma maneira acessível ao mundo inteiro.

Outras informações mais detalhadas poderão ser consultadas em um dos blogs que construí para sua missão (IPBYS) no Brasil: http://ipbysbrasil.blogspot.com.br/p/srila-narayana-gosvami-maharaj.html

O que é o movimento Krishna West? Qual sua opinião sobre ele?

O movimento Krishna West é um movimento dentro da ISKCON que visa ocidentalizar a divulgação do movimento Hare Krishna. Vejo com bons olhos qualquer inovação que facilite o acesso das pessoas a consciência de Krishna e o cantar do maha-mantra. Mesmo não sendo mais um membro ativo da ISKCON, participei de algumas discussões nesse sentido e tenho a opinião que as pessoas deveriam ter liberdade de escolher o tipo de apresentação que lhe atraem mais, seguindo sua inspiração. De qualquer forma, os praticantes devem se aprofundar na filosofia de nossa tradição e passar a essência da mensagem de Sri Chaitanya Mahaprabhu sem alteração.

Vocês aceitam a existência de vida em outros planetas?

Sim, a literatura védica descreve que existe vida nos diversos planetas do mundo material e do mundo espiritual. No livro “Fácil viajem a outros planetas” Srila Prabhupada descreve que yogis viajam a esses diversos planetas. No entanto, o bhakta (devoto) está interessado somente em viajar ao planeta de Krishna e lá residir servindo Radha-Krishna eternamente. O processo para tal também é descrito nesse livro.

São a favor ou contra a pena de morte?

Esse é um tema muito polemico que exige uma análise cuidadosa. Com base no Código de Manu, Srila Prabhupada afirma sim que é possível aplicar a pena de morte em caso de homicídio. No entanto, devemos levar em consideração também a misericórdia aos criminosos que se arrependem sinceramente dos crimes cometidos. Afim de levar uma luz aos encarcerados nas penitenciárias (tal como estamos encarcerados no mundo material) devotos tem programas de distribuição de livros nas penitenciárias e se correspondem com os presos. Essa é misericórdia dos devotos que pode levar a uma transformação de consciência dos presos e uma possível mudança de vida.

E o aborto, condenam?

Toda forma de vida é sagrada e pode somente ser retirada em casos de auto-defesa, por kshatriyas (guerreiros) em guerra (Arjuna no Gita por exemplo) ou como no caso da pena de morte. O aborto é uma grande irresponsabilidade de pessoas que não conseguem enxergar essa sacralidade e na maioria das vezes surge como medida emergencial de pessoas que quiseram desfrutar do gozo dos sentidos mas não querem assumir a responsabilidade de gerar uma criança. Srila Prabhupada costumava dizer que o grande mal da civilização é a prole indesejada e como solução para tal indicava que as crianças fossem geradas dentro do ritual védico de procriação.

Segundo os ensinamentos, qual a influência dos desencarnados em nossas vidas? Estes são vistos como espíritos, demônios ou o que?

Existem espíritos de desencarnados e existem demônios, uma coisa não te a ver com a outra.  Os espíritos podem atuar de diversas maneiras a influenciarem os seres humanos, sendo que algumas vezes tentam prejudicar alguma pessoa. Para isso, o cantar em voz alta do maha-mantra, a presença da planta tulasi e a leitura das escrituras são eficazes para remover esses espíritos que queiram nos prejudicar.

Haribol!

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