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Vampirismo e Licantropia

Vampiros alienígenas

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Shirlei Massapust

Eu sou vampiróloga. Enquanto ufólogos tem foco na pesquisa de fatos da vida real e muitas vezes interpretam mitologia e folclore como indícios de culto à carga, deixando obras artísticas de ficção em segundo plano, os vampirólogos tem foco na pesquisa da arte, interpretam narrativas de vivência como provável folclore e só raramente flertam com a criptozoologia. (Lembrando que geralmente nós trabalhamos com narrativas sobre criaturas fantásticas verdadeiramente absurdas, e não com hipóteses mais plausíveis como a existência de extremófilos extraterrenos).

É muito raro que o mesmo caso concreto exija uma análise interdisciplinar abordando ufologia e vampirologia ao mesmo tempo, mas as vezes acontece. Os exemplos de não-ficção mais conhecidos são os fenômenos do come-línguas, chupa-chupa, chupa-cabras e os vídeos das entrevistas com os contatados norte-americanos Alex Collier (1994) e Philip Schneider (1996) onde ambos denunciam a presença de alienígenas vivendo escondidos num imenso sistema espeleológico abaixo de solo ou em bases militares subterrâneas.

Na ocasião da entrevista do jornalista Rick Keefe com Alex Collier (pseudônimo de Ralph George Amigron), em 1994, este afirmou haver sido informado por extraterrestres da galáxia de Andrômeda sobre a destruição do edifício World Trade Center; algo que realmente viria a acontecer em 11/09/2001. No vídeo vemos Alex Collier, muito sério, vestindo terno e gravata, falando sobre raças alienígenas dentre as quais haveriam predadores de humanos. Segundo ele, uma espécie inteligente de α Draconis estaria a caminho da Terra, para se encontrar com os 1833 indivíduos que já vivem aqui, num sistema espeleológico localizado entre 100 e 200 milhas abaixo da superfície… Philip Schneider ganhou cicatrizes e perdeu dedos brigando com esses bichos (!), que ele afirma serem consumidores de sangue humano com adrenocromo.

Uma coisa que deixa vampirólogos ufólitos malucos é o fato de o contatado e romancista Whitley Strieber num momento estar produzindo importante material de não-ficção sobre ufologia, como o livro Communion (1987), em cuja capa apareceu a primeira representação de um grey, e noutro momento escrever ficção sobre vampiros, descritos enquanto uma raça milenar distinta dos humanos vivendo na Terra, em The Hunger (1981), The Last Vampire (2001) e Lilith’s Dream (2002).

O primeiro livro virou o filme The Hunger (1983) com David Bowie e Catherine Deneuve nos papéis principais, começando com ambos caçando em meio a um show da banda Bauhaus, cantando Bela Lugosi’s Dead; e isso virou um clássico tanto na cultura pop quanto na subcultura gótica.

A impressão é que Whitley Strieber tem algo a dizer sobre intercessões, mas fica engasgado igual John Keel que – por medo de chacota – não menciona a palavra “vampiro” nem quando uma testemunha esfrega uma descrição dum óbvio cosplay do Conde Drácula na cara dele. Ele diz: É o Mothman. Só que com cabeça humana, roupas estereotipadas e capa preta. (Ok, poderia não ser o Drácula. Talvez fosse o Batman).

O ocultista e romancista Colin Wilson fez o contrário. A hipótese do vampirismo extraterreno magistralmente trabalhada na ficção The Space Vampires (1976) é uma exageração ou ampliação daquilo que foi anteriormente sugerido na obra de não-ficção The Occult: A History (1971). Mas a ficção ficou mais atraente que a realidade e o filme Lifeforce (1985) ainda mais popular do que o livro.

O jornalista Jean Paul Bourre trata da intercessão vampiro/aliem em Le Culte du vampire aujourd’hui (1978). Depois ele percebeu que a hipótese tem má aceitação popular e refez o livro numa versão auto-censurada, de nome Les Vampires (1986). Durante pesquisa de campo na Europa, este autor encontrou uma seita que cultua alienígenas bebedores de sangue, além de um grupo que acredita que os vampiros são seres vindos do espaço e dedica-se a combatê-los. (A tradução para português da versão integral se chama O Culto do Vampiro, publicada pela editora Europa-América).

Na ficção científica já existiam outras menções a vampiros alienígenas. O exemplo mais antigo que eu conheço é o conto Asylum (1942), de A. E. Vam Vogt, onde dois alienígenas sanguissedentos chegam à Terra numa espaçonave. Estes personagens viveram milhares de anos se apropriando das formas de vida de diferentes planetas. Na Terra, encontram o repórter Willoan Dreegh, que impediu sua invasão.

O filme Invasion of the Body Snatchers (1956), que foi chamado de “Vampiros de Almas” no Brasil não tem vampiro nenhum. Só alienígenas que clonam a aparência dos humanos e tomam nosso lugar. O primeiro e mais famoso filme com intercessões foi o italiano Planet of the Vampires (1965), produzido por Fulvio Lucisano, dirigido por Mario Bava, baseado na novela Una Notte di 21 Ore (1960), de Renato Pestriniero.

A história do filme é bem diferente da minissérie em quadrinhos homônimas, Planet of vampires (1975), produzida por Larry Hama e Pat Broderick, com capas de Neal Adams, serializada em três números publicados pela Atlas comics. Nela cinco astronautas retornam à Terra e encontram nosso planeta governado por vampiros.

Os vampirólogos norte-americanos aumentam a lista de intercessões indicando os livros Sabella or The Blood Stone (1980) de Tanith Lee; Dracula Unbound (1991) de Brian Aldiss; e McLennon’s Syndrome (1993) de Robert Frezza. Eu achei Sabella demasiadamente inverossímil e desinteressante. Os outros dois ainda não li.

Gordon Melton ressalta que H. G. Wells explorou a possibilidade dum alienígena tomar posse dum ser humano para viver de suas energias vitais, no conto The Flowering of the Strange Orchid (1894). Mas, ao meu ver, isso não é bem um vampiro.

Em 1969 o ficcionista Forrest J. Ackerman criou a famosa personagem de quadrinhos Vampirella, uma vampira sex e escrupulosa, vinda do planeta Draculon, óbvia paráfrase do Superman que veio de Kripton. Revistas com Vampirella são publicadas até hoje nos EUA. Inclusive, no Brasil, havia uma série dela traduzida, nos jornaleiros, vendida a preço popular, distribuída à época dos avistamentos do chupa-chupa. Não é impossível que isso tenha estimulado a imaginação de algumas pessoas.

Existem outros quadrinhos esparsos sobre alienígenas vampiros. Até o brasileiro Ataíde Braz já produziu umas folhas para a Spektro da Vecchi (se não me falha a memória, foi no nº 5 da revista).

Enfim, se alguém se interessar pelo tema conjunto recomendo que leiam Fome de Viver e A Última Vampira de Whitley Strieber. Leiam também O Oculto e Vampiros do Espaço de Colin Wilson. Só leiam O Culto do Vampiro de Jean Paul Bourre depois de ler O Despertar dos Mágicos de Louis Pauwels e Jacques Bergier. Tudo isso existe em português. (Ignorem Sabella e Vampirella, a menos que sejam fãs de Barbarella e outras beldades seminuas que de alienígena só possuem o rótulo).

Eu escrevi tudo isso porque 2020 parece ser o ano dos vampiros alienígenas viciados em adrenocromo! Isso tem sido muito comentado desde o início de março e eu mal consigo acompanhar as novidades porque vem surgindo uma enorme quantidade de publicações de ufólitos e conspiracionistas toda semana.

Imagino que todas as fontes pequem por problemas técnicos. Entenda: Adrenalina ou epinefrina (C₉H₁₃NO₃) é um hormônio secretado pelas glândulas adrenais ou supra renais quando a pessoa vive situações de estresse ou excitação. Depois que a adrenalina é liberada na corrente sanguínea e se espalhada pelo corpo todo, sua auto-oxidação produz o metabólito adrenocromo (C9H9NO3), o qual tem efeito psicotomimético e neurotóxico. Ou seja, você sai do terror (situação de perigo real) e cai no horror (alucinação). Em organismos normais o efeito colateral é combatido pela produção da enzima glutationa S-transferase, que elimina o adrenocromo. Mas em organismos com um determinado gene defeituoso não há desintoxicação e a pessoa pode ficar esquizofrênica.

Então da para ficar doidão chupando sangue? Não! A hipótese do uso de adrenocromo de origem biológica como droga recreativa, lançada por Hunter S Thompson, em Fear and Loathing in Las Vegas (1971) e Fear and Loathing on the Campaign Trail ’72 (1973), é inverossímil porque um adulto médio possui algo entre 4,5 e 5,5 litros de sangue em circulação no corpo. Não dá para filtrar e coletar quantidades significativas de adrenocromo. Beber só algumas gotas ou só um frasquinho de sangue retirado de um Homo sapiens aterrorizado ou sobrexcitado introduziria doses homeopáticas tão ínfimas no organismo de outro Homo sapiens que, se surtisse efeito, seria puro placebo.

Fora isso, não podemos esquecer que existe adrenocromo sintético. As reações químicas produzidas in vivo podem ser reproduzidas in vitro em maior quantidade e com mais eficiência. A adrenalina é sintetizada artificialmente desde 1904, sendo usada em hospitais há quase um século. Para transformá-la em adrenocromo, em laboratório, usa-se óxido de prata (Ag2O) como agente oxidante.

Alguém poderia perguntar: Vampiros e lobisomens não são alérgicos a prata e seus derivados? Sim, em livros, filmes e gibis de ficção do século XX. Por esta lógica, adrenocromo sintético não serve, né? Supondo um organismo alienígena alérgico a prata, tolerante a sobrecarga de ferro e biologicamente adaptado para consumir quantidades infinitesimais de adrenocromo, este não produziria glutationa S-transferase e poderia desejar um bocadinho de sangue de gente apavorada.

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