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Sitra Achra

Relacionamento e Satanismo

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Morbitvs Vividvs

“Se você sente tédio quando está sozinho é porque está em péssima companhia.”
– Jean-Paul Sartre

Muitos tipos diferentes de desejo podem nos levar a câmara ritual ou a prática de baixa magia. Destruição de um inimigo, fortuna de si próprio ou de amigos ou mesmo a mais pura luxúria. Muitos destes desejos se realizam em outros seres, mas os satanistas nunca desejam os outros seres para si. Eis porque LaVey criou um ritual de Luxúria e não de Amarração. A veia pulsante do satanista sussurra o tempo todo: “viva e deixe viver”. De fato, um desejo que o satanista deveria olhar com bastante cautela  – e o indício claro de que tem algo errado com seu satanismo  – é o desejo de se tornar completo por meio de um par.

Eis aqui uma história comum: Alguém procura uma religião. Alguém encontra uma religião. Alguém procura uma companhia para viver verdadeiramente aquela religião.

Outra história vulgar: Alguém procura companhia. Alguém acha companhia. A companhia exige que se adote a religião dela para poderem ficar juntos.

Se voltarmos a lista dos pecados satânicos veremos que as duas histórias não são tão diferentes ente si, mas no primeiro caso se peca pelo Auto-Ilusão e no segundo pelo Conformismo.

Esses dois roteiros são tão batidos que os especialistas em lavagem cerebral conhecidos como líderes religiosos sempre estimulam o casamento entre seus fiéis assim que uma conversão se estabelece. Todo líder religioso conhece baixa magia e eles sabem que é muito mais difícil questionar um conjunto de dogmas quando quem vai ouvir sua crítica é também o seu amor. Por essa mesma razão também coibem qualquer vontade de seus fiéis de buscarem pares fora do templo. A atrofia cerebral chamada ortodoxia é clara nesse ponto: judeu casa com judia, cristão casa com cristã, muçulmana casa com muçulmano. Eis aqui o que gosto de chamar de Síndrome de Noé: a arca da salvação só aceita pares iguais de animais.

Esta é a razão também das religiões da luz e do bem estimularem seus casais a terem filhos o quanto antes. Ocupados com o sustento da prole e sempre preocupados em não trair a fé que está na base da família, os novos papais e mamães nunca mais irão questionar o que lhes é ensinado, apenas terão tempo para trocar fraldas e pagar o dízimo. E se fizerem isso direitinho a próxima geração de animais em busca do seu par idêntico já está garantida. 

Já pensou que ao buscar uma companheira ou companheiro satânico possamos usar esses mesmos mecanismos de controle social a nosso favor? Se pensou, pensou errado. Controle Social é o antônimo do satanismo. Ainda que essa fosse uma estratégia  funcional para o individuo ela seria o equivalente a esconder o pote de biscoito para não comer muito quando na verdade você sempre vai saber exatamente onde o pote está quando a fome bater.  Quando em vez de nos aproximarmos de um ser humano que gostamos buscamos em primeiro lugar a bandeira que esse ser humano levanta então não estamos atrás de um relacionamento mas de um commodity. Tanto faz quem seja a pessoa por trás daquela fantasia. Como disse Raul Seixas, “Quem gosta de maçã, irá gostar de todas, porque todas são iguais.” Sem falar na contradição implícita de quem busca uma relação que preza o individualismo mas começa com um rótulo.

É natural que busquemos pessoas com quem possamos conversar sobre o que gostamos. É natural também que busquemos coisas em comum que possamos compartilhar uns com os outros. Dizem que se casamento fosse uma coisa boa não precisaria de testemunhas. LaVey também celebrou rituais de Casamentos Satânicos que Peter Gilmore mais tarde aprimorou e publicou, mas estes casamentos foram criados para pessoas que se aproximavam ao serem satanistas e não por pessoas que buscavam ser satanistas ao se aproximarem. Afinal, como uma religião baseada no livre pensamento e no individualismo pode esperar que às pessoas sejam sempre iguais?

Há aqui uma questão de projeção. Uma das chaves mais importantes de Baixa Magia é que o ser humano busca nos outros aquilo que sente que lhes falta. Talvez o que você esteja atrás nem seja um relacionamento satânico. Talvez você só esteja atrás do satanista que ainda não conseguiu ser. É muito mais fácil procurar alguém que represente o satanismo que você não tem conseguido viver plenamente em sua própria vida do que ser de fato um satanista. Talvez seja algum tipo de fetiche. Nestes casos você deveria procurar não um par mas uma terapeuta ou uma prostituta, provavelmente ambas. O fato é que você está correndo atrás da sua própria sombra.

Não use os seus relacionamentos como um espelho do que você gostaria de ver em si mesmo. Se você tiver o azar de entrar em um relacionamento assim, a primeira coisa que vai perceber é que sua sombra não está lá. Por isso é tão comum que as qualidades que primeiro nos atraiam nos outros sejam as mesma identificadas como problemáticas no decorrer do relacionamento, pois ao só conseguir ver no outro as coisas que são ocultas em si mesmo o próximo passo é lutar incansavelmente para mudá-lo. O que deveria ser uma batalha interior se torna um conflito interpessoal.

O trabalho do satanista é quase inteiro um trabalho de lidar com a sombra pessoal. Quando essa sombra é projetada em alguém, além de reprimir a si mesmo nos tornamos tiranos com os outros.  O cara que era considerado um mestre na baixa magia é visto depois como estridente e dado demais. A bruxa satânica que era considerada segura e confiante é vista como teimosa e irredutível. Aquilo que antes parecia admirável se torna simplesmente feio, embora as qualidades continuem iguais.

Isso sempre acontece quando não somos bons o suficiente para demarcar as fronteiras individuais, aquilo que se passa na cabeça do outro e aquilo que se passa na nossa própria cabeça. E enquanto não olhar para dentro de si vai continuar procurando sua sombra em outros lugares e ou trairá o pacto social estabelecido pulando a cerca, ou vai se martirizar em um relacionamento sofrível ou simplesmente vai viver uma mentira. É por isso que os “Homens de Bens” são os primeiros a traírem suas esposas e ter famílias escondidas, pois eles são os piores em lidar com a própria sombra. Enganam suas esposas porque enganaram a si mesmos primeiro. Se fossem minimamente sinceros, sequer entrariam em relacionamentos fechados para começo de conversa.

Há muitas pessoas por ai que estão sem saber buscando seu “Eu-Superior” em outras pessoas. Gente assim é fácil de reconhecer porque são pessoas que tem verdadeiro horror a solidão e assim que um relacionamento acaba pulam imediatamente para o próximo.  Se você desconfia que este seja o caso, esqueça às outras pessoas por um tempo. Aprenda a viver completamente por si mesmo e não se esqueça: o satanismo se vive completamente só. Quem almejar um relacionamento satânico deve estar pronto primeiro a morrer feliz sozinho. A carência que alguém pode estar sentindo ao buscar especificamente um parceiro ou parceira satanista é provavelmente falta de auto amor. Se você não se trata bem. Se você não cuida de si. Se você não faz por você o que faria para sua companhia mais amada. Como pode esperar que outra pessoa preencha essa lacuna? Todas estas expectativas de como seria uma pessoa que vale a pena estar junto você deve cultivar primeiro em você e não se enganar achando que alguém poderá te libertar de si próprio ou nos dar todo o amor e atenção que buscamos. 

E afinal o que é um relacionamento satânico e saudável senão um dinâmica social onde cada pessoa é totalmente livre para ser quem é? O verdadeiro satanismo é estritamente pessoal. Sempre que ele é vivido em casal ou mesmo em grupo ocorre um fenômeno estético interessante. Em um espaço tempo definido pela câmara ritual ou um encontro de pares, eles usam espadas, capuzes e tocam sinos de prata. Mas estas pessoas são as mesmas que compram pão na padaria e declaram imposto de renda. Qualquer relacionamento baseado em idealizações é um avião de papel fadado a encontrar o muro de concreto da realidade. No contexto de um ritual coletivo ou de encontros satânicos tentamos “não fugir muito do tema” e nos esforçamos para parecer mais sinistros uns para os outros. Isso é ótimo se feito de forma controlada, é uma expressão material de nossos ideais e ajuda principalmente para não confundir muito quem está chegando agora.  Mas acontece que o “tema” no satanismo é sempre você mesmo.

Para amar verdadeiramente outra pessoa é preciso amá-la por inteiro, em sua glória como em sua pequenez quer esteja “preparada para matar” ou de camiseta assistindo TV numa quarta feira porque não quis ir trabalhar naquele dia. Imagine por exemplo se uma companhia lhe dissesse que o ama quando está feliz mas não quando está triste ou que lhe ama quando está de preto mas não quando está de amarelo.  Essa pessoa estaria basicamente falando que na verdade ama uma imagem que ela idealizou.

Por fim, lembre-se que as pessoas nascem satanistas e morrem sem sabem disso. Se a pessoa ama a liberdade, vive a vida dela e permite que você viva a sua. Se a pessoa é honesta consigo mesma e você com ela.  Se os dois se estimulam a  buscar objetivos e realize planos. Se ambos fazem a carne um do outro tremer. Então que importa se há ou não pentagramas invertidos no pescoço? Não busque um namorado ou namorada satanista, se você quer companhia busque alguém que você possa amar pelo que a pessoa realmente é e não por um personagem que só existe na sua cabeça. E, é claro, alguém que possa te amar pelo que você de fato seja.

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