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Sitra Achra

Preguiça – Pequeno Tratado Satânico do Pecado

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A preguiça teve, possivelmente, um dos motivos mais torpes de todos para virar pecado. Desde épocas antigas até o final do Revolução Industrial, o trabalho sempre foi excessivo e mal remunerado. As classes privilegiadas sempre foram preguiçosas, pouco ou nada trabalhavam, enquanto grande parte da população era extremamente explorada. Quem assistiu ao filme Metrópoles, de Fritz Lang, sabe do que se trata.

Por conseguinte, as pessoas sempre foram encorajadas ao trabalho, sob o terror das chamas eternas, enquanto os seus patrões ficavam cada vez mais ricos. A má remuneração sempre foi uma constante, aqui mesmo no Brasil, haja vista que o salário-mínimo, atualmente em R$240,00  sequer dá para uma alimentação razoável. Se uma pessoa paga R$5,00 por uma refeição, alimentando-se duas vezes por dia (almoço e jantar) gastará R$300,00 em trinta dias. Observe que sequer mencionei educação, moradia, lazer e outros direitos básicos. Há um dito que quem trabalha não possui tempo para ganhar dinheiro.  Deve ser verdade, porque, com honrosas exceções, quem mais trabalha é justamente quem menos ganha.

Fisicamente, a preguiça é sintoma de que o corpo ainda precisa de descanso. Há pessoas que se satisfazem com poucas horas de sono, outras com um maior número de horas. Normalmente, o corpo sabe do que precisa e não precisa da interferência de um dogma para impô-lo. Por outro lado, se alguém realmente não gosta de trabalho e possui meios alternativos para se manter, sem sugar ninguém, é problema exclusivo dele.

Além disso, o trabalho deveria ser gratificante como um hobby – raras vezes é. Se a pessoa laborasse conforme sua disponibilidade e conveniência, fazendo o que realmente lhe apraz, haveria um salto qualitativo no próprio seio social. Ninguém gosta de ficar sem fazer nada, o trabalho é uma lei natural, como a preguiça também é.

Infelizmente, todos ficam subjugados à ditadura do relógio, com parcos salários de fome, fazendo o que normalmente detesta. Passar seis ou oito horas num emprego detestável significar transformar um terço da vida diária num verdadeiro inferno. Quando o patrão dá uma bronca no empregado, ele costuma se sujeitar à mesma, ainda quando isento de culpa, sob pena de perder o emprego, e, quando chega em casa, irritadiço, desconta na própria família. Tal processo é vil, infame, degradante, servil, fruto deste sistema podre que nunca leva em consideração o indivíduo, transformando-o num servo à disposição do poder econômico.

A idéia da criação de Recursos Humanos em Administração melhoraria a qualidade de trabalho, tornando-o mais aprazível, valorizando o empregado. Todavia, na maioria das vezes, serve tão-somente como uma forma mais refinada de controle, de forma a aumentar a produção. Algumas empresas americanas, como as cadeias de sanduíches impõem o “sorriso permanente” como forma de trabalho, o que é totalmente antinatural. Se alguém está aborrecido e é forçado a sorrir está sendo completamente falso, sua natureza é violentada e degradada, sob pena de perder o emprego.

As férias servem como um escape à terrível rotina do trabalho, quando é possível permanecer alguns dias prazerosamente, sem pensar nas inúmeras tarefas que assolam o cotidiano. Os fins-de-semana também servem à mesma função, bem como o restante do dia. O ideal é que sempre, mesmo no trabalho, a vida fosse uma celebração, uma festa. É plenamente possível tornar o trabalho algo saboroso, mas tal depende da própria pessoa, evitando empregos que o tornem meramente mais um mecanismo na máquina empresarial, e sim um fator criativo, que lhe permita expressar de modo pleno e receber um salário digno.

Quanto à preguiça? É extremamente salutar e benfazejo o ato de simplesmente não fazer nada, dedicar o tempo a Si, que é a pessoa mais importante deste mundo. Há momentos em que é necessária uma maior comunhão consigo mesmo. Até o ato de meditar é fruto da preguiça. Quando os monges budistas passearam pelo bosque, sem nenhuma preocupação na cabeça, sem nada fazer, descansaram à sombra de uma árvore e criaram a meditação; quando observaram animais em luta, criaram as técnicas marciais, como o Shaolim. Às vezes, destes momentos, surgem idéias riquíssimas que permitem uma transformação do ser.

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