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Bruxaria e Paganismo

O Caminho da Solidão

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André Correia (@andrecorreiapaganismo)

Todos nós sabemos que os caminhos da bruxaria são trilhados de maneira coletiva com mais frequência do que solitária. Eles ocorrem em grupos de estudos, covens, cursos, festivais, entre outros.

Na bruxaria, o conhecimento sempre foi uma herança transmitida oralmente ou por meio da cópia de um Grimório. Segundo a história, algum mestre do passado experimentou métodos que obtiveram resultados positivos, que se alinhavam à sua fé (ou seria o contrário?) e os registrou em seu livro mágico, livro das sombras ou em outros nomes semelhantes. Esse conhecimento ainda é transmitido, teoricamente sem interferência externa e somente aos membros das tradições. Contudo, sempre me surgem duas questões: E se alguém deixar esse coven e a informação tradicional vazar? Quem foi o mestre que iniciou o criador da nova metodologia?

Outra possibilidade que frequentemente considero é que alguém, de forma aleatória, possa chegar a conhecimentos semelhantes ou até mais profundos que os do fundador de uma tradição. Obviamente, não se trata de qualquer bruxo de PDF, mas sim de alguém extremamente dedicado a trilhar caminhos mágicos e a construir uma jornada que lhe pareça lógica e coerente. Isso já aconteceu? Não sei, mas acredito ser possível.

Além disso, mais provável e creio que já tenha ocorrido várias vezes, é o surgimento de bruxos solitários. E note, não estou me referindo a pessoas isoladas da sociedade, em reclusão total, mas sim àquelas que simplesmente não conseguem aceitar plenamente a verdade alheia como correta para si ou que não se adaptam ao meio social por algum motivo. Nesse sentido, estudam sozinhas e em grupos, praticam sozinhas e participam de rituais públicos, interagem socialmente, estão presentes em festivais, em grandes encontros e em muitos outros eventos… Mas optam por não seguir uma tradição.

Inúmeras vezes já ouvi: “Mas essa pessoa entra em contato real com os mistérios?”.

Primeiro ponto: Quais mistérios e de quem? Segundo ponto: Existe apenas um mistério e apenas um grupo de alecrins dourados que o recebeu? Terceiro ponto: Quem disse que o mistério de alguns será útil para todos? Quarto ponto: E se um indivíduo se conectar com o sagrado de forma tão genuína que terá seus próprios mistérios igualmente transformadores? Quinto ponto: Quem tem autoridade para validar ou invalidar a fé alheia? E quem disse que sua medida é adequada para o desenvolvimento de outrem?

Quando proponho essa ideia, alguns grupos e pessoas tendem a reagir com ironia, de forma sarcástica, seguindo uma mentalidade de manada, irracional e sob uma ideologia coletiva de autoproteção, um mecanismo de defesa que invalida o surgimento de algo dessa natureza para simplesmente validar e fortalecer sua jornada e, claro, manter o monopólio do poder. É como um “Vaticano Pagão”, sabe?

Mas perceba que o caminho solitário não invalida o coletivo e vice-versa? Eles não competem, não divergem; em alguns momentos do desenvolvimento podem até se cruzar e contribuir mutuamente. Mas o que determina se isso será bom ou ruim é o ego de cada um.

Atualmente, quem não foi iniciado em nenhuma tradição sente-se tremendamente outsider, um fora da lei ou um vira-lata. Por essa razão, muitos oportunistas começaram a comercializar iniciações em estudos vazios, apenas para satisfazer os egos feridos daqueles que ficaram pelo caminho.

Por outro lado, é necessário não ser hipócrita e reconhecer que apenas uma pequena porcentagem dos caminhantes solitários reconhece a importância de seu compromisso e dedicação à sua jornada e responsabilidade consigo mesmo.

É necessário ter disciplina acima de tudo, aprender com pessoas que estudaram mais, reconhecer a importância do coletivo, estudar em triplo e praticar em dobro. É essencial deixar a arrogância de lado e reconhecer as próprias limitações, mas também não confundir humildade com incapacidade. É preciso conhecer o próprio potencial e viver todos os ciclos de medo e coragem, dúvida e certeza, fragilidade e fortaleza e, assim, construir espaços mentais e espirituais que forneçam caminhos sólidos.

No fim das contas, o caminho solitário é muito possível e tão válido quanto o de qualquer iniciado, porém apresenta dificuldades e desafios diferentes. O bruxo tradicional e o solitário não vivenciam as mesmas experiências e, por isso, se formam de maneira diferente. E tudo bem.


André Correia. Psicólogo atuante em clínica desde 2007, adepto da bruxaria eclética, construtor de tambores ritualísticos. Coordenador do Círculo de Kildare e autor da obra musical Tambores Sagrados.

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