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Sitra Achra

O Fim dos Tempos

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Não há tempo a perder! Esse é o grito das massas desesperadas em seus afazeres. O satanismo por outro lado é escolhido como caminho por pessoas que alimentam uma rebeldia natural contra os inimigos da liberdade humana. Alguns inimigos são mais sutis do que outros e por serem invisiveis são mais difíceis de combater. Oras,  diariamente milhares de pessoas ao redor do mundo acordam sob as ordens de um ditador que não se pode ver. Passam o dia arrastados por sua correntes e vão dormir seguindo seus designeo: este inimigo se chama Tempo e se ele mesmo é discreto, seus efeitos são gritantes. O mais trágico disso, é que assim como no caso do Deus Semita este é um adversário de nossa própria criação. A divisão dos eventos de forma linear e organizada é um conceito que deveria ser útil para nossas vidas, mas que, como o monstro de Frankstein, saiu do controle e voltou-se contra seus próprios inventores. Deuses são criados pelos homens e deveriam servi-los. Jeová é realmente cruel e ciumento com seus seguidores, mas Cronos é um deus que come seus próprios filhos.

O primeiro conceito que a humanidade fez do tempo foi por meio da observação do ciclo de luz e escuridão. A luz demos o nome de dia, a escuridão demos o nome de noite. O dia provou-se melhor para caçar e colher de modo que a noite foi reservada para o descanso. Esta diferenciação primordial, que compartilhamos com muitos outros animais levou o desenvolvido cérebro humano a rotular e compartimentar os instantes de sua própria vida. O dia foi entendido como o momento da atividade e a noite como o momento do repouso. Isso levou muitas pessoas a ignorarem uma parte muitíssimo importante de suas próprias vidas ignorando completamente um mundo igualmente verdadeiro no qual passam as noites. Um recém nascido ou um animal não faz diferença entre seus sonhos e seu estado de vigilia, mas essa pequena construção conceitual fez com que a maioria da humanidade passasse a viver apenas metade de suas vidas! Não deveríamos nos surpreender pelo fato de quase ninguém conseguir lembrar os próprios sonhos e os poucos que lembram fazerem isso de forma tão limitada.

Em seguida uma observação mais acurada do céu nos permitiu observar que as próprias estrelas seguiam seus ciclos de repetição.Conheceu-se a dança das estações e  criaram-se nomes para estas idéias como dias, meses e anos. Desta forma foi possivel prever eventos com precisão cada vez maior.  O tempo provou-se uma maravilhosa abstração mental com excelente resultados práticos. Mas ainda assim, apenas uma abstração.

Destas formulações nasceu a necessidade intelectual questionavel de se perguntar onde estão o dias que se passaram e onde se guardam os dias que não chegaram ainda. Nasceram as concepcões metafísicas de pré-existência e de vida no além e forjaram-se criações imaginativas de mundos além deste mundo. Destas criações as dos povos de raiz abraamica foram as mais fortes criando uma conceção escatológica de um mundo com um começo milagroso, um meio redentor e um final catastrófico. Logo surgiriam homens gritando nas praças que o “Fim está próximo”. Quando esse sonho se cristalizou o ser humano se tornou prisioneiro de suas próprias criações mentais. Ele passou a se submeter a um Deus que supostamente existia antes dele e a temer um inferno que existiria depois. Abandonou a vivência da vida presente e se apegou a vida futura. Trágico, mas nada anteciparia o que ainda estava por vir.

Após a revolução industrial e a universalização da ética protestante deu o tom da organização social capitalista. Dos horários rigidos dos grandes aglomerados industriais nasceu a necessidade de compartimentar o dia inteiro em períodos bem definidos. Crianças começaram desde cedo a ser educadas para chegar cedo nas instituições que preparariam a massa trabalhadora de amanhã até chegar a hora de brincar. Para os adultos os horários de expediente foram o centro de um novo mundo da onde nasceram coisas como a hora da refeição, a hora de acordar e a hora de dormir e em países onde o protestantismo era especialmente forte  aberrações como a hora do chá e o happy hour. Nos piores cenários o próprio amor foi enjaulado em “encontros” (dates), mas se sua saúde estivesse mal você ainda poderia marcar um horário com o médico. Quando pontualidade virou uma virtude e a idéia de que tempo é dinheiro ganhou popularidade, fortaleceu-se ainda mais a idéia de que o tempo realmente possuia alguma existência concreta.

O satanista deve sempre buscar libertar-se de qualquer coisa que o subjulgue e uma pessoa que busca sua própria emancipação sempre acabará percebendo que o tempo é apenas outra ilusão. Apenas o presente existe: futuro e passado existem apenas como expectativa e memória e tanto uma como outra são claramente limitadas e revelam-se muitas vezes falsas quando um instante do presente dá lugar a outro. O tempo é um sonho que é capaz de aprisionar o próprio sonhador.

Para começar, a visão de tempo linear não se sustenta nem mesmo diante das limitadas evidências científicas atuais. De modo a não abandonar este conceito cada vez mais caduco, nasceu uma descrição do tempo como uma grande teia onde existem diversos  presente paralelos que se ligam a um número infinito de futuros e passados possíveis, sendo que cada um deles também tem sua própria infinidade de passados e futuros conectados. Se isso for real então não existiriam apenas incontáveis amanhãs, mas também incontáveis ontens, pois são sem fim as variações de dias que podem ter levado você a condição em que está agora. As leis da entropia mostram que não existe maneira de se determinar o estado inicial de um sistema fechado tendo-se como referência apenas seu estado atual. O famoso experimento da dupla fenda já demonstrou que um evento pode realmente ter dois passados diferentes.

Outra maneira de se resolver este dilema é entender o tempo como uma quarta dimensão, unindo-o a altura, largura e profundidade que definem um objeto tridimensional. Oras, quando lidamos com a altura de uma pessoa não chamamos a parte baixa de um nome, o centro de outro e a parte alta de outro, lidamos sim com a dimensão de modo completo. Da mesma forma não faz sentido dividir a dimensão do tempo. Fazemos isso apenas devido a nossa percepção limitada. Passado, presente e futuro são todos partes de um mesmo referêncial.

O contorcionismo teórico acima é o retrato de que a própria visão do que seja o tempo caducou e está se transformando. isso é semelhante a tentar concertar um carro que está correndo ladeira a baixo. Muito melhor seria parar o veículo e sair dele para arruma-lo e resolver o problema. A idéia do tempo deve dar lugar a conscência de um agora sem fim. Horas e segundos passam então a ser apenas o que deveriam ser inicialmente: uma maneira de medir a taxa de mudança de um Eterno Presente sempre mutante  Por isso os tradicionalistas não erram ao dizer que a Era Satânica será eterna. Não é que o milênio que nunca chegará, é que quando você adquire sabedoria, o tempo para.

O tempo não existe. Esta é uma afirmação ousada e não pode ser dita ser ser acompanhada de evidências a seu favor. Desta forma apresentarei algumas provas que podem auxiliar neste processo de despertar.

A percepção do tempo depende puramente da capacidade intelecual. É inexistente entre pedras e em plantas mas pode ser induzida em escala menor em alguns animais de cérebros relativamente bem desenvolvidos como aves e mamíferos. Experimentos como o de Leonard Green Rachlin, de 2008, demonstrou que pombos e chimpanzes sempre escolhem uma recompensa menor e imediata ao invés de esperar uma outra maior no futuro. Outros trabalhs como o de William A. Roberts, também de 2008, revelou que mesmo animais com fama de serem planejadores como os esquilos e outros que acumulam comida para os meses de inverno revelam agir de maneira puramente instintiva, pois continuam trazendo comida mesmo se suas reservas desaparecerem ou forem surpreendentemente preenchidas de mantimentos.

A Memória é o grande pilar para a construção intelectual do que chamamos de Tempo. Mesmo sendo falha e contraditória. Pessoas diferentes apresentação com frequências versões diferentes de um mesmo evento. Se a memória fosse realmente uma prova da existência do tempo então acontecimentos recentes seriam sempre mais perfeitamente recordados. Entretanto o que observamos em nossas vidas é que coisas que acabamos de fazer podem ser esquecidas ao passo que lembramos com detalhes eventos de anos atrás. A intensidade de uma memória não está em sua proximidade cronológica mas sim no impacto que a experiência nos causou e na importância psicológica que lhe damos. Esquecemos facilmente o que jantamos ontem mas não esquecemos nossa primeira vez na cama.

Um experimento muito simples pode ser feito por qualquer pessoa para desfazer no ar o fantasma do tempo absoluto. Passe uma hora fazendo algo que considere empolgante, prazeroso e divertido. Em seguida passe uma hora fazendo algo tedioso e desagradável. O primeiro momento passará em um piscar de olhos enquanto o segundo demorará uma eternidade. Se o tempo fosse uma condição material verdadeira então valores idênticos deveriam ser percebidos de forma idêntica.

Outra prova de que o tempo é mero produto da consciência humana é que a distorção temporal que sentimos quando a consciência se vai. Algumas horas de inconsciência podem dar a impressão de serem poucos segundos e meses de coma podem ser sentidos como poucos dias. Durante os sonhos esta percepção alternativa é ainda mais clara. Embora o momento em que realmente sonhamos seja de poucos minutos, a chamada fase R.E.M podemos ter viagens oníricas de diversas horas ou mesmo dias.

Estados avançados de meditação também podem ser usados para transcender a limitada percepção cronológica.  Nestes momentos, que são raros, mas podem ser atingidos, sabe-se com clareza que no mundo real tudo é simultâneo e passado e futuro se reduzem a um eterno presente. Vive-se então a plenitude do aqui e agora e todas as metáforas temporais que usamos no dia a dia são imediatamente abandonadas.

Não estou dizendo que as pessoas devam quebrar seus relógios, queimar seus calendários e deixar de se programar. Minha intenção é que as pessoas façam isso de maneira consciente, sabendo que estão lidando apenas com uma conveniência e não com algo concreto. Pode ser muito difícil fazer isso no mundo de hoje em que ninguém questiona esta grande miragem, da mesma forma que é muito difícil ser livre como ateu se todos ao seu redor são crentes. Mas o esforço vem com a recompensa de um maior entendimento do mundo e de si mesmo, e muito mais poder e liberdade de ação.

Portanto da próxima vez que sentir-se escravizado pelo tempo. Nervoso com os horários que você mesmo se impôs. Aflito porque está atrasado ou ansioso porque está adiantado demais, lembre-se de que o passado e o futuro só existe na cabeça das pessoas. O passar das horas é apenas uma abstração, sem qualquer existência real. Tome consciência que você está vivendo num eterno agora e lembre-se que o tempo não existe. Relaxe e diga a si mesmo: Não há tempo a perder.

Morbitvs Vividvs é autor de Lex Satanicus: O Manual do Satanista e outros livros sobre satanismo.

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