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L’air Epais: A Cerimônia da Atmosfera Sufocante – Os Rituais Satânicos

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Junto a praia as ondas quebram,
Os sóis gêmeos se põem atrás do lago,
As sombras caem

Em Carcosa.

Estranha é a noite onde estrelas erguem-se,
E estranhas luas desfilam pelos céus,
Mas estranha tu ainda é

Longínqua Carcosa.

Canções que as Hyades cantam,
Em que rasgam os trajes do Rei,
Devem morrer não ouvidas em

Sombria Carcosa.

Esta é a canção de minha alma, minha voz está morta,
Morre tu, aquele que não canta, assim como as lágrimas não vertidas
Serão enxugadas e esquecidas em

Longínqua Carcosa.

Robert W. Chambers
“Canção de Casilda” de O Rei de Amarelo.

(N. do T.: Aqui cabe uma interessante observação que poderia escapar ao leitor menos atento. Obviamente, o modo como Chambers refere-se a Carcosa passa a idéia de que esta seja um lugar, mas aparentemente LaVey aqui faz um inteligente trocadilho com a palavra inglesa “carcase” – em português, carcaça. A L’Air Epais é uma cerimônia que trata do abandono do Caminho da Mão Direita, a partir de então deixado para trás pelo iniciado no Caminho da Mão Esquerda, que abandonou sua “carcaça” – seu velho modo de pensar – num caixão para renascer despido e livre de todo e qualquer resquício de mentalidade abstencionista, deixando a mesma junto com seu “antigo corpo” no caixão.)

A Cerimônia da Atmosfera Sufocante é a que era realizada no ingresso ao sexto grau da Ordem dos Cavaleiros Templários. Ela celebra o redespertar da carne e a rejeição de abstinências do passado, e um renascimento é realizado através de um sepultamento simbólico. A cerimônia originou-se no séc. XIII. Em sua forma original ela não era a paródia que virou mais tarde. Relatos da realização da L’Air Epais por fim aumentaram o dever do Rei Filipe IV da França em sua campanha para abolir a rica ordem, o que aconteceu em 1331.

Os Templários conheceram os conceitos dualistícos dos Yezidis no Oriente Próximo. Eles viram o orgulho e a vida louvados como jamais haviam visto quando adentraram a Corte da Serpente e o Santuário do Pavão, onde o grau de indulgência tornou-se equivalente ao de poder. (“O pavão é, nos Jataka budistas, um símbolo do Bodhisattva, o iluminado. Por serem as penas do pavão policrômicas, representam as variações de luz do prisma, simbolizando os sete planos astrais ou os planetas da astrologia clássica. Afinal, todas as cores do espectro que o homem pode captar são em número de sete. Os Yezidis veneravam Malik Tauus, o pavão real. Segundo Idries Shah, o significado de malik – palavra semelhante à hebraica melek – é Rei, e o de tauus, terra verdejante. As associações do pavão com a vaidade são degenerações típicas do Cristianismo.” – Emanuel Pavoni, Baphomet, um ensaio analítico-simbólico) Como resultado, eles desenvolveram o que tornaria-se um dos ritos mais significantes do Satanismo. O martírio, outrora incentivado, foi visto como repugnante e ridículo, e a última imagem que os Templários acabaram transmitindo ao mundo foi de grande orgulho.

A filosofia do Sheik Adi e dos Yezidis, aplicada à praticamente já adquirida fortuna dos Templários, poderia ter salvado o mundo ocidental do Cristianismo se não tivesse sido tão arduamente combatida. Mas mesmo com a abolição dos Templários, a combinação de princípios de orgulho e adoração da vida, unidos aos objetivos ocidentais – essencialmente materialistas – não sucumbiriam completamente, como mostra qualquer história de ordens fraternais pós-Templários.
À medida que os Templários ganharam poder, eles tornaram-se mais materialistas e menos espirituais. Consequentemente, ritos como A Atmosfera Sufocante apresentavam declarações de homens que negavam sua velha herança de auto-sacrifício, abstinência e pobreza.
A “promoção” conferida pela L’Air Epais corresponderia na Maçonaria ao grau 34º, se tal grau existisse. O atual Rito Escocês acaba no grau 32º(Mestre do Segredo Real), com um grau adicional conferido em casos honorários. O mesmo cargo é alcançado no Rito de York no seu décimo grau, que leva o título de Cavaleiro Templário.

O rito original dos Templários para chegar ao quinto grau simbolicamente guiava o candidato pela Garganta do Diabo nas montanhas que separavam o Leste do Oeste (o domínio Yezidi). Numa divisão da trilha o candidato faria uma importante decisão: escolher entre manter-se em seu caminho, ou ir pelo Caminho da Mão Esquerda para Schamballah, onde ele poderia habitar a casa de Satã, tendo rejeitado as fraquezas e hipocrisias do medíocre mundo cotidiano. (Schamballah – mais conhecida como Shangri-La – tem vários significados e descrições, como “Terra do Ouro”, “Origem da Felicidade” e “Cidade da Violência e do Poder”. Segundo Helena Blavatsky foi onde possivelmente originou-se a raça ariana, e também onde iniciados reuniriam-se com as divindades governantes da Terra em suas ruínas, provavelmente para decidir o futuro da humanidade.)

Um notável paralelo americano a este rito é representado nas mesquitas da Antiga Ordem Árabe dos Nobres do Santuário Místico, uma ordem restrita a maçons 32º. Os Nobres elegantemente esquivaram-se de qualquer heresia referindo-se ao lugar além da Garganta do Diabo como o reino em que eles podem “adorar no santuário de Islam”.

É impossível realizar a L’Ais Epair com um grau “discreto” de blasfêmia perante a “ética” cristã, daí sua exclusão da Maçonaria, consequentemente impedindo qualquer progresso além de 33º no Rito Escocês ou o décimo grau no Rito de York. A ordem Astrum Argentum de Aleister Crowley fornece uma interessante comparação em seu sétimo grau(Adeptus Exemptus). Em seu rito, a opção de tomar o Caminho da Mão Esquerda consiste em tornar-se um Bebê do Abismo, o que não é tão censurável como pode parecer, considerando o muitas vezes maquiavélico(os fins justificam os meios) modus operandi de Crowley. Crowley, que não era bobo, simplesmente criou um “labirinto mágico” para que os estudantes cuja consciência não permitiria que tomassem o Caminho da Mão Esquerda o tomassem mesmo assim, “driblando a consciência”. Felizmente, poucos dos discípulos de Crowley chegaram ao grau de Adeptus Exemptus, evitando assim o impertinente “despertar espiritual” de estudantes que tomassem o Caminho da Mão Direita (isto é, provavelmente Crowley só conferia o grau de Adeptus Exemptus aos que ele achava que tomariam o Caminho da Mão Esquerda – os Bebês do Abismo, eufemisticamente falando.)

Os pontos de vista evidentemente anti-cristãos da Cerimônia da Atmosfera Sufocante fizeram com que ela fosse considerada uma “Missa Negra” e ela acabou sendo empregada para acusar os Templários.

Ao alcançar o sexto grau, o candidato renunciava toda e qualquer espiritualidade negadora da vida e reconhecia o mundo material como um pré-requisito para planos mais elevados de existência. Este é o ritual do desafiante da morte e seu objetivo é exorcizar qualquer padrão de comportamento por ela motivado – como o medo de “ir para o Inferno” e a obrigação de “se comportar” para ser aceito no Paraíso. É uma declaração de renascimento, dos prazeres da vida em oposição às auto-negações impostas que tem como causa a morte – seja na forma do comportamento citado acima ou na forma do pensamento “de que adianta ter (e viver) tudo se um dia eu vou morrer e não levarei nada?” Na versão original da L’Air Epais o celebrante representa um santo, um mártir ou outro modelo de abnegação. Isso é feito para enfatizar a transição de auto-negação para auto-indulgência.

A cerimônia de renascimento se passa num largo caixão. O caixão contém uma mulher nua incumbida de despertar luxúria no “morto” que entra no caixão. A L’Air Epais pode servir a dois propósitos: rejeição da morte e consagração da vida, ou blasfêmia contra aqueles que decidem viver em miséria, pobreza e negação. “Morrendo”, o celebrante que é um amante da vida pode livrar-se de todas e quaisquer necessidades de auto-humilhação, consequentemente exorcizando motivações auto-destrutivas que ele possa estar cultivando.

A L’air Epais é uma cerimônia que tem como objetivo eliminar a influência da morte sobre os princípios de seu participante, transformando instrumentos da morte em instrumentos da luxúria e da vida. O caixão, o instrumento principal, contém a manifestação da força que é mais forte do que a morte, a luxúria que produz nova vida. Como eufemismo, um caixão de madeira compensada está presente na maioria dos rituais de lojas maçônicas.
Se o celebrante for um masoquista, ele pode (e talvez deva) ser um escravo para os membros da congregação que tenham a mesma propensão. Ele sofre um destino pior do que a morte quando, dentro do caixão, ao invés de representar alguém esperançoso de recompensas espirituais, ele se confronta com paixões inesperadas das quais por muito tempo se absteve. (Se o celebrante for um homosexual, obviamente o caixão deve ter outro homem. Em todos os aspectos do ritual, o elemento do prazer deve ser aquilo que o celebrante tenha negado a si durante sua vida.) A punição mais grave sempre recaiu sobre aqueles que fizeram de sua abstinência uma indulgência. Então esteja avisado: para o amante crônico da pobreza, a ruína(o castigo) sempre vem pela indulgência. Isso, então, pode ser uma interpretação literal da expressão “matar de prazer”.

Quando um “homem de Deus” é retratado pelo celebrante, como na posterior versão comemorativa da L’Air Epais, o ritual serve para enfraquecer a organização que ele representa. Este fator introduz um elemento da Messe Noir no rito, como mencionado por Lewis Spence e outros escritores.

O título Atmosfera Sufocante refere-se tanto à tensão produzida pelo clima opressivo projetado durante as primeiras partes da cerimônia como a falta de ventilação no interior do caixão.

Quando a L’Air Epais voltou a ser realizada em 1799, ela tinha como propósito comemorar o êxito da maldição lançada contra Filipe e o Papa Clemente V por Jacques De Molay, o último Grão Mestre dos Templários, que foi condenado a morte junto com seus Cavaleiros. O texto aqui presente emprega a verdadeira maldição posta sobre o Rei e o Papa por De Molay. Embora o diálogo do Sacerdote de Satã, do Rei e do Papa sejam apresentados em francês atual, as declarações de De Molay foram mantidas em sua verdadeira e formal elocução.

A diabólica litania de James Thompson do séc. XIX, A Cidade da Noite Terrível, também foi usada como a Acusação. Não poderiam haver palavras mais apropriadas para a ocasião. Partes do texto aparecem num drama de 1806, Os Templários, de Raynouard.

As muitas manifestações do Satanismo em rituais maçônicos, como o bode, o caixão e o crânio podem ser facilmente eufemizadas, mas a rejeição de certos valores (e valores “certos”) como requer a L’Air Epais não pode ser disfarçada com teologias aceitáveis. Uma vez que o celebrante tenha alcançado este grau, ele toma o Caminho da Mão Esquerda e escolhe o Inferno no lugar do Paraíso. Além de ser ao mesmo tempo ritual e cerimônia, A Atmosfera Sufocante é um memento mori(expressão em latim que significa “lembra-te de que vais morrer”) elevado à sua máxima potência.

Requisitos para a Realização

A câmara deve ser negra, ou espelhada. Uma câmara espelhada proporciona uma maior confrontação ao celebrante, fazendo-o super-consciente de seu papel. Os espelhos também servem para “roubar a alma”, segundo a antiga tradição. Durante a primeira parte do ritual o celebrante permanece sentado em uma cadeira simples. O caixão pode ser de qualquer tipo, embora o tradicional estilo hexagonal seja o recomendado, visto que este é o tipo desenhado no verdadeiro sigilo do sexto grau dos Templários, e junto com o crânio e os ossos cruzados é conservado pela simbologia maçônica. O caixão deve ser grande o suficiente para acomodar duas pessoas, consequentemente uma construção especial para este fim ou uma modificação neste sentido será provavelmente necessária.
Todos os instrumentos básicos do ritual satânico são usados. Os instrumentos adicionais incluem um chicote para açoitar o celebrante, uma galheta para o Vinho da Amargura e um cálice.
O celebrante(o Papa) veste-se com roupas esfarrapadas e velhas. O Rei representa o conselheiro do celebrante, vestido da mesma forma e com uma desprezível coroa feita de cartolina ou papelão. De Molay veste-se com o esplendor satânico, com o manto dos Templários e os símbolos de seu ofício, também carregando uma espada.
A mulher no caixão deve ser sensual e sedutora, para não dizer sexualmente atraente, ou seja, o oposto da pálida idéia usualmente associada à morte.
Quanto à música apropriada para este ritual, ver Le Messe Noir ou usar “Sinfonia Funeral e Triunfal” de Berlioz.

 Procedimento para a Realização

A cerimônia começa da maneira habitual, como descrito na Bíblia Satânica. A Décima Segunda Chave Enoquiana é lida, e o Tribunal começa. Após as denúncias serem feitas e o Rei interferir na ocasião, o julgamento é feito e o Sacerdote de Satã lê a Acusação (Cidade da Noite Terrível). Parando no meio da Acusação, o Sacerdote de Satã faz um sinal para que o Vinho da Amargura seja oferecido ao celebrante que, aceitando sua última bebida, escuta enquanto a litania é completada, depois o Sacerdote de Satã faz um sinal para preparar a última humilhação e desejo do celebrante. Os lictores(guardas) levantam o celebrante de sua cadeira e o conduzem para ajoelhar-se na tampa do caixão. O Sacerdote de Satã então lê uma passagem bíblica, Hebreus 1:6-12.
Depois do açoitamento, o celebrante é retirado de cima da tampa do caixão. Então o Sacerdote de Satã bate três vezes no caixão com um bastão ou o punho da espada. Um grito é ouvido de dentro do caixão, e a tampa levanta-se de dentro. Os braços da ocupante chamam o celebrante tentadoramente. O celebrante é levado para dentro do caixão pelos lictores, que o entregam à sua morte, ou renascimento, neste caso. Enquanto a relação se passa dentro do caixão, o Sacerdote de Satã lê a Décima Terceira Chave Enoquiana. Após o ato sexual ser consumado, a mulher saciada lá dentro grita “Assez!”(Assaz!), e o celebrante é retirado de dentro do caixão e conduzido pelo Sacerdote de Satã para falar. O celebrante proclama sua homenagem a Satã e, provando sua nova religião, lança longe seus símbolos de martírio.
O Sacerdote de Satã chama pelo Rei, para apresentar seu parecer. Então descobre-se que o Rei desapareceu. Ele foi banido para o lugar da eterna indecisão e arrependimento, onde ele deve permanecer ao vento, com seus trapos balançando, com ninguém para ver… eternamente.
O Sacerdote de Satã apresenta sua última proclamação e a cerimônia é fechada da maneira habitual.

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