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Sagrado Feminino

A Face Selênica de Lilith

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Por Selene-Lilith, Lilith: Dark Feminine Archetype (Lilith: O Arquétipo do Feminino Obscuro).

Dedicado à Asenath Mason por Seu trabalho, que se tornou minha inspiração de vida.

“Eis que eu vim, Lúcio, teu choro e orações me levaram a socorrer-te. Eu sou aquela que é a mãe natural de todas as coisas, senhora e governanta de todos os elementos, a progênie inicial dos mundos, a líder dos poderes divinos, rainha do céu! A principal dos deuses celestes, a luz das deusas: à minha vontade os planetas flutuam, os ventos saudáveis dos mares e os silêncios do inferno estão dispostos; meu nome, minha divindade é adorada em todo o mundo de diversas maneiras, em costumes variados e em muitos nomes.”

– Lúcio Apuleio, Metamorfoses (O Asno de Ouro), Livro XI; 1-5.

Este artigo é dedicado à deusa Lilith que aparece em muitas crenças religiosas, desde a suméria até os tempos modernos – em muitas religiões, em várias faces, “brilhantes” e “obscuras”, ou talvez, simplesmente a Deusa alada. Aqui eu gostaria de chamar a atenção da leitora para o aspecto de Lilith que influenciou muitas facetas da minha própria vida, não se limitando ao espiritual, e este é o aspecto que é chamado de selênico ou lunar (da lua).

Na citação acima mencionada do livro Metamorfoses (O Asno de Ouro), a deusa Ísis proclama que Ela é “a principal dos deuses celestiais e a luz das deusas”. Ela fala de si mesma como “adorada em todo o mundo de diversas maneiras, em costumes variados e em muitos nomes”. Desta forma Ela revela que a Deusa é todas as deusas, ou mesmo os deuses, todas as suas faces.

O título deste ensaio mostra Lilith através dos olhos dos antigos gregos, porque a olhamos, ou melhor, Seus certos aspectos, como Selene, ou a Luna Romana. Isso nos permite reconhecer a Deusa como Lilith, mas também como Selene, Ártemis (a Diana romana) e Hécate (uma deusa cujo culto é muito mais antigo que o grego e provavelmente deriva da Ásia Menor, tendo sobrevivido por milhares de anos). então olhe para esta face misteriosa da Grande Deusa (a Grande Mãe) e reconheça a que nos inspira, acalma, desenvolve e une.

Ao discutir a influência lunar nas pessoas, não é possível deixar de fora Lilith, que na astrologia é chamada de a Lua Negra. Este conceito surpreendentemente intrigante é analisado, por exemplo, por Elena Suszczynska no livro Modern Astrology (Astrologia Moderna). No primeiro volume (intitulado “Lilith revela seus segredos” aprendemos sobre o papel da Lua Negra na vida de cada um de nós, ajudando-nos a entender que Lilith como a Mãe ensina Suas lições de uma forma muito especial, teimosamente nos confrontando com os problemas mais dolorosos. Ela continua apontando os erros que repetimos regularmente, esperando ingenuamente por consequências diferentes e melhores. Quanto mais nos entregamos aos nossos problemas, deixando de ver que a causa deles está dentro de nós mesmas, mais a Lua Negra nos reafirma em nossas ações, fazendo-os vir à tona para que possamos lidar com eles com compreensão e clareza. Essa é a única maneira de quebrar o círculo vicioso de nossos fracassos, pelos quais geralmente culpamos os outros. Essa é também a conexão entre a Lua “negra” de nossa vida com a Lua “brilhante”, que é representada por Selene, ou Lilith e Selene – preta e branca – compreendendo através da luta pela libertação, o Todo!

Portanto, demos uma olhada de perto em sua Lua “brilhante” e veja se ela existe independentemente da “negra”.

A deusa grega da lua descrita por Hesíodo como “Selene, a brilhante” é filha de Hipérion (o Titã do sol), cujo nome significa “O Alto” e de Theia (“a brilhante”), irmã e esposa de Hipérion, que também foram pais de Hélio (o deus-sol) e de Éos (a deusa dos “dedos rosados” do amanhecer no “manto de açafrão”). Alguns gregos antigos afirmavam, no entanto, que Selene não era filha de Hipérion, mas seu pai era o Titã Pallas (da segunda geração dos Titãs), ou Ela poderia ter sido filha de Hélio.

Ela é brilhante. Cada noite Ela se banha nas águas do primeiro Titã, Oceano (que circunda a terra com seu oceano), e tendo vestido Suas vestes reluzentes, Ela entra no céu em Sua carruagem, que é mais brilhante na época da lua cheia. A carruagem prateada é puxada por dois cavalos ou bois, e também se diz que ela monta um cavalo, mula ou boi. Ela cavalga através dos céus para as águas do Oceano, e então retorna, como Seu irmão Hélio, com a carruagem através da corrente do Titã, de volta ao firmamento. Noite, luar, cabelos claros e ventosos – talvez esses sejam os sinais do amor? Mas os deuses podem amar da mesma forma que os humanos? Vejamos.

O maior dos amantes entre os deuses gregos, Zeus, também se apaixonou por Selene. Como sabemos, ele teve muitas amantes, tanto entre deusas quanto entre mulheres mortais. Um deus tão amoroso não poderia ter perdido a beleza de cabelos brilhantes. Selene lhe deu uma filha – Pândia, e talvez Ersa (“orvalho”). Ela também era amante de Pan. Ele a convenceu a descer para a floresta e se tornar sua amante. Isso, no entanto, é apenas uma suposição que não pode ser provada.

Mas o Seu maior amor, pelo qual estava disposta a tudo, era o belo pastor Endymion (ou Endimião). De acordo com uma velha história, que é mencionada por Platão no livro Fédon, Endymion estava dormindo em uma caverna no Monte Latmo, perto de Mileto na Cária. É difícil dizer como esse caso começou. Em uma versão da história, foi Selene que viu o príncipe-pastor em seu local de descanso quando Sua luz prateada acidentalmente entrou na caverna (o símbolo do ventre grávido de Gaia, a Caverna de Lilith e outras deusas), Ela se apaixonou, e decidiu que Ela ficaria com este belo homem para sempre. É claro que Ela não pediria a um homem seu consentimento, mas concordou com Zeus. Em outra versão, Zeus prometeu ao pastor conceder seu desejo, e o homem pediu para dormir para sempre, sempre jovem, foi assim que Selene o viu pela primeira vez. Ela costumava descer para ele do céu, desfrutava de seu tempo com ele, mas ele sempre permanecia adormecido. Assim conceberam cinquenta filhas. Seus desejos nem eram levados em consideração – contanto que a deusa estivesse feliz, não importava o que ele queria. Isso pode ser chamado de amor na compreensão humana desta palavra? Nesse sentido, ela se parece muito com Lilith. É difícil imaginar Lilith pedindo amor (embora no livro As Lendas Judaicas de 1913 ela seja apresentada de forma humilhante, implorando para voltar ao Éden e a Adão).

A deusa simplesmente pega o que Ela quer. Em tempos posteriores, os gregos se perguntavam como seria esse amor se o pastor envelhecesse. O poeta grego Isidoro Escolástico, que viveu no século VI a.C., escreveu um poema em que a cama da deusa e do grisalho Endymion, envergonhado de sua velhice, é coberta por lençóis frios. Sua beleza se desvaneceu, por que então a divina Selene ainda se interessaria pelo velho? O que ele poderia oferecer a Ela? Sua adoração e amor sem o amor dela eram inúteis para a deusa. Há também outra versão do mito, em que Selene implora a seu ex-amante, Zeus, para dar a Endymion a vida eterna para que o amor deles dure para sempre.

No entanto, Ela se esquece de pedir eterna juventude para Seu amado, e Zeus, mesmo concordando em atender Seu pedido, e talvez com ciúmes do amante humano, não tem intenção de realmente ajudá-la. Paixão momentânea? Por que não? As pessoas nos tempos antigos acreditavam que os deuses nos chamavam de “seres de um dia”, e um dia passa rapidamente para aqueles que vivem para sempre. Felizmente, este não foi o caso de Selene e Endymion. Embora os autores gregos não escrevam muito sobre Selene, eles são consistentes sobre o amor que uniu a deusa e o homem mortal.

Selene também é conhecida dos mitos da Gigantomaquia, quando os Gigantes, os filhos de Gaia, atacaram o Olimpo. Eles não eram imortais, mas para morrer tinham que ser mortos por um homem e um deus ao mesmo tempo. Zeus então proibiu Selene, Hélios e Éos de brilharem, enquanto ele mesmo desceu à terra para colher uma planta que Gaia (a deusa da terra) cultivou para proteger seus filhos, os gigantes. Zeus arrancou a planta e a levou para o Olimpo. Então ele chamou o semideus Héracles (Hércules) e foi assim que a luta contra os gigantes foi rapidamente encerrada. Gaia mais uma vez chorou pelo destino de Seus filhos que desobedeceram a ordem estabelecida pelo deus masculino.

Naquela noite eu a conheci como uma magnífica deusa prateada das bruxas. A época da lua cheia era a época da magia e dos rituais, quando os feitiços eram fortalecidos pela força lunar. Outra noite eu a encontrei no Sabá. Sabás, esbats, cada noite está sob Seu governo.

No livro A Bruxaria Hoje, de Gerald Gardner, encontramos um rito chamado Caldeirão da Regeneração e a Dança da Roda, ou Yule. O caldeirão é obviamente um dos atributos da deusa. Durante o rito, os participantes “Puxam a Lua Para Baixo” e cantam muitas canções. Uma delas é a seguinte:

“Rainha da Lua, Rainha do Sol,
Rainha dos Céus, Rainha das Estrelas,
Rainha das Águas, Rainha da Terra
Traga para nós a Criança da Promessa!
É a grande mãe que a dá à luz (…)
Bendita seja a Grande Deusa,
Sem começo, sem fim,
Eterna para a eternidade.
IOEVO.HE Abençoada seja.”
[Gardner 2010, s.44]

No livro Aradia – O Evangelho das Bruxas, de Charles Godfrey Leland, lemos sobre um culto pagão da deusa da lua e do deus da luz, Lúcifer, seu irmão e o sol. Esta deusa da lua é chamada aqui de Diana, mas a proteção Diânica sobre as bruxas também é domínio de Selene. Também a relação entre Diana e o brilhante Lúcifer é uma reminiscência da relação entre Selene e Seu brilhante irmão Hélio. Aqui, porém, Diana cobiça seu irmão e filho, enquanto Ele, orgulhoso de sua beleza e encantado por seu próprio brilho, escapa de Diana. Aeons estão passando e a deusa ainda deseja Lúcifer, desejando unir Suas trevas com Sua luz (que desejo de sabedoria pelo Todo, que é possível através da união do masculino e feminino, animus e anima!). Finalmente, Diana decide seduzir Lúcifer e muda sua forma para um elfo-gato que sempre dorme com seu irmão.

Ela se deita com ele na cama e assume Sua própria forma à noite (isso foi bom para Endymion, mas e para Lúcifer?!). A Escuridão se une à Luz e assim eles concebem Aradia – a primeira bruxa. Diana sabe como aplacar Lúcifer, que se ira com fúria quando Ele descobre o que Sua irmã e Sua mãe fizeram. Diana, no entanto, canta para Ele a canção de poder, seduz-o com suas palavras e o acalma com sua voz. Ela conhece as palavras de poder (como Ísis), encarnando assim a força criativa – a raiva masculina tem que sucumbir à sabedoria feminina. A deusa sabe que Ela está criando um novo mundo, porque a união da anima e do animus é essencial tanto para os deuses quanto para os humanos encontrarem a igualdade e o Todo através da união de opostos: yang e yin, luz e escuridão.

A magia do amor, e isso inclui uma vingança infligida a um amante infiel, é definitivamente um assunto interessante, mas também perigoso. Vejamos então três deusas poderosas o suficiente para presidir tal magia: Hécate (no submundo, embora também saibamos que Ela está presente em todas as esferas), Ártemis (na terra) e Selene (no céu). Na arte, Hécate é descrita como “triforme”, mas muitas vezes se pensava que havia apenas uma deusa, aparecendo na terra como Ártemis, no céu como Selene e no submundo como Hécate. Esta é uma deusa misteriosa, mais antigs que a cultura grega, e possivelmente originária dos tempos dos cultos e adorações matriarcais. Voltando à magia do amor, porém, devemos nos referir à Medeia (personagem trágica da peça teatral de Eurípides). Traída por seu marido, Jasão, ela decide se vingar de ele e sua nova esposa.

Na peça teatral Medeia, lemos que a personagem principal quer matá-los e depois se suicidar. Para isso, ela pede ajuda à Hécate. Ela também pede ajuda à Selene quando ela lança seus feitiços de amor à noite (nas obras de Teócrito). Ela implora à Selene, a quem ela se refere como “silenciosa”, para brilhar de forma reluzente. Ela chama o a Hécate do “submundo”, a “aterradora ”, diante de quem os animais estremecem, quando ela caminha entre as sepulturas e o sangue negro. A mesma ação é realizada por uma sacerdotisa realizando um ritual no palácio da desesperada Dido no poema Eneida (aqui Ártemis é chamada de Diana pelo poeta romano Virgílio). A sacerdotisa com o cabelo ventoso chama trezentos deuses, Érebo, Caos e Hécate, que é chamada de “a face das três, a deusa das três faces”, que também se refere a Diana, chamada aqui de “virgem”. e Selene (chamada de “deusa silenciosa”). Essas três deusas cobrem os três domínios do feminino. Como Lilith, elas são deusas lunares, dando às mulheres grande poder, transformando e conduzindo através da fase vermelha (sacrifício), negra (A Noite Escura da Alma), e branca (a purificação à luz do gnose).

Selene, como vimos, não é apenas uma bela deusa apaixonada, mas também é Aquela que ajuda bruxas, vampiros e lobisomens. Foi também Selene quem criou o Leão de Nemeia, uma besta mortal nascida de Equidna e Orto. A Beleza tem muitas faces – “brilhantes” e “obscuras” – é isso que a torna na Beleza.

Eu amo Suas cores e Seus nomes. Sou apaixonada por Lilith em todos os Seus aspectos – Lilith que é a prata e suave, embora implacável, Selene; Lilith tremeluzindo com a escuridão e a chama de Hécate; Lilith caçando nas florestas de Diana; Lilith – o Axis Mundi (O Eixo do Mundo) – o céu, a terra e seu interior, a água – a consciência unindo-se ao inconsciente e à consciência superior. Das trevas e da luz do ser eterno, a Deusa entra em minha vida todas as noites. Ela ama, devora, dá à luz – bela e aterrorizante em Sua infinita Sabedoria, Ela me dota com a intuição da Suma Sacerdotisa, a abundância da Imperatriz, a beleza sombria do Diabo e o poder da Morte, levando à Ressurreição e ao Todo. Eu ando no caminho do Tarô. Passo de um túnel de Set a outro, submetendo-me a renascer em cada Qlipha da Árvore da Morte. Às vezes tenho medo quando Ela remove o Véu, mas eventualmente encontro coragem para transcender o limiar dos mundos, sempre com Ela! Com a Grande Mãe!

O poder da Grande Mãe manifestando-se em Selene foi notado especialmente pelos adoradores órficos. Eles alegaram que a deusa da lua era um ser andrógino, o Todo e o Tudo em um. Deuses e deusas exibindo as qualidades masculinas e femininas eram considerados por eles como perfeitos. De acordo com Hermes Trismegisto, o Deus/ a Deusa é um ser andrógino.

Vamos, então, encerrar este artigo com as palavras da própria Ísis (como apresentadas no início deste ensaio): “A principal dos deuses celestes, a luz das deusas (…, meu nome, minha divindade é adorada em todo o mundo em maneiras diversas, em costumes variáveis e em muitos nomes.” Esta é o Todo!

Texto enviado por Ícaro Aron Soares.

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