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Realismo Fantástico

Vermelhidão Líquida

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Shirlei Massapust

Depois que Eugenio Colonnese criou a personagem de histórias em quadrinhos Mirza, em 1967, surgiu ao redor do globo uma série de outras boas vampiras com atitudes heroicas. A mais famosa é Vampirella, criada em 1969 pelo roteirista Forrest J. Ackerman, cujas histórias foram publicadas em três antologias de horror periódicas da editora Warren… Diferentemente do mitologema padrão, Vampirella era um organismo exógeno nativa do planeta Drakulon, um lugar onde o sangue flui em rios vermelhos. Porém o líquido que alimentava toda uma população vampírica era um recurso natural não renovável, de modo que a população de Drakulon estava fadada à extinção, como a de Krypton. Vampirella teve de se adaptar à vida na Terra, caçando vilões tão malvados quanto a permissividade dos padrões de ficção da segunda metade do século XX.

Mais recentemente, no filme Bysantium (2013), com roteiro de Moira Buffini, há um local onde cataratas se avermelham sempre que alguém entra num iglu de pedra e é iniciado no vampirismo. Este filme é conhecido pela direção de Neil Jordan, mesmo diretor de Interview With the Vampire (1994).

Vejamos abaixo alguns fenômenos impressionantes da vida real onde as águas parecem sangrentas como os rios de Drakulon ou de Êxodo 7:20-22.

Quadro “Valley of Blood” do autor chinês Derek Motonaga, à venda no Etsy.

Maré vermelha

Maré vermelha é um fenômeno natural que ocorre nos mares e ambientes de água doce, devido ao aumento da quantidade de microalgas unicelulares. Lana Magalhães, professora de Biologia, explica que a aglomeração das algas é percebida na superfície da água pela formação de uma grande mancha de coloração avermelhada, amarelada, alaranjada ou acastanhada. As principais algas responsáveis pela maré vermelha são as dinoflageladas que pertencem a divisão das algas pirrófitas. O nome do grupo deriva do grego pyrrhophyta, que significa “planta cor de fogo”.[1]

Segundo o biólogo Jefferson Alvarenga, dinoflagelados são micro organismos fotossintetizantes e fazem parte do fitoplâncton fluvial ou marinho. “Essas minúsculas criaturas, possuem pigmentos do grupo das xantofilas que dão a cor características dessas algas vermelhas ou pirrófitas. O seu florescimento normal não muda em nada o aspecto nem a coloração da água. Entretanto, um processo denominado eutrofização, que é o um excesso de nutrientes dissolvidos, causado pelo lançamento de dejetos orgânicos e industriais nas águas, altera a luminosidade, o PH, a salinidade e outros fatores que favorecem a proliferação anormal desses organismos”.[2]

Maré vermelha no rio Yang-Tsé, na China.

A maré vermelha pode ser perigosa, pois estes micro organismos liberam toxinas que podem envenenar os animas aquáticos e o próprio ser humano. Portanto, quando esse fenômeno ocorre é indicado não tomar banho de rio ou mar, nem ingerir a água. Os seres humanos que ingerem essas algas ou animais contaminados por elas podem sofrer com alterações gastrointestinais, irritações nas mucosas e pele, problemas circulatórios e respiratórios. Nos mares, muitos peixes e outros organismos aquáticos que se alimentam do fitoplâncton podem morrer contaminados.

A Prefeitura de Porto Seguro, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, informa que o fenômeno de floração de algas nocivas acontece em todos os mares do planeta e durante um período transitório (geralmente curto).[3] Em abril de 2007, ocorreu uma grande proliferação dessas algas na Bahia de Todos os Santos, no estado da Bahia. Isso provocou a mortandade de diversas espécies marinhas, cerca de 50 toneladas, trazendo um grande prejuízo ecológico e econômico. Especialistas apontam que esse foi um dos maiores desastres ambientais da região.[4]

Maré vermelha.

Neve vermelha

O fenômeno natural, que os pesquisadores chamam de “neve de framboesa”, se origina das algas unicelulares Chlamydomonas nivalis, presentes em campos de neve e montanhas em todo o mundo, inclusive nas regiões polares. [5] Os pesquisadores da base ucraniana Vernadsky, na Ilha Galindez, Antártica, explicam que essas algas vivem na água gelada e passam os invernos adormecidas na neve e no gelo. Quando chega o verão as algas florescem, espalhando esporos vermelhos parecidos com flores. A cor absorve o calor do sol e protege as algas da luz ultravioleta, permitindo que os organismos absorvam melhor os nutrientes do sol do verão sem risco de mutações genéticas.[6]

Essa neve colorida foi notada pelo filósofo grego Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C), mas ele acreditava que a neve continha minhocas vermelhas![7] Bom… Pelo menos ele acertou em suspeitar de alguma forma de vida e não de uma cena de massacre.

Chlamydomonas nivalis. Foto © Times Índia.[8]

Cachoeira de sangue

Em 1911 o geógrafo Thomas Griffith Taylor foi o primeiro explorador a chegar às coordenadas 77º43’S, 162º’16’L, onde descobriu uma cachoeira cor de sangue. Por este motivo a geleira foi nomeada em sua homenagem. Muito sensato, Taylor julgou que a água colorida deveria abrigar uma cultura de algas Chlamydomonas nivalis. Porém Taylor estava errado. Aquilo que emerge esporadicamente de pequenas fissuras nas cascatas de gelo é água hipersalina rica em ferro reduzido (Fe2+).

Ao entrar em contato com o oxigênio do ar essas partículas de ferro enferrujam, de modo que a oxidação avermelha as chamadas Blood Falls. Contudo o que esse topônimo tem de especial não é sua cor, mas sim sua fauna extremófila composta por pelo menos dezessete espécies microbianas. Geralmente um micróbio anaeróbico pode reagir negativamente ou até mesmo morrer se o oxigênio estiver presente. Contudo, em Blood Falls análises bioinformáticas indicaram organismos com dois grupos de genes relacionados à produção de aril-polienos, que funcionam como antioxidantes capazes de proteger as bactérias de espécies reativas de oxigênio.[9]

Na primeira metade do século XXI geólogos usaram aparelhos de ecolocalização para mapear o sistema hidráulico perpétuo que alimenta as Blood Falls. Há cerca de 1,5 a 2 milhões de anos atrás a geleira Taylor englobou um bolsão de água rica em ferro (3,4 mM), com 8% de cloreto de sódio. A água salgada congela a uma temperatura mais baixa que água pura e libera calor no processo de congelamento. Por isso permanece em estado líquido mesmo nas gélidas temperaturas próximas ao polo sul.

Posteriormente um estudo da Universidade do Alasca Fairbanks confirmou que a geleira não tem só um lago escondido, mas sim um sistema inteiro. A salmoura com temperatura de -7 °C flui por canais subterrâneos até desembocar na superfície, onde o feixe d’água intensamente vermelha escorre para dentro do Lago Bonney.

A piscina subglacial da geleira Taylor contém um ecossistema microbiano que permaneceu isolado em um ambiente sem luz, calor e quase nenhum oxigênio durante um tempo suficientemente longo para evoluir independentemente doutros organismos marinhos semelhantes. Como resultado, tais microrganismos se tornaram extremófilos adaptados para respirar usando sulfato com íons férricos e metabolizar os níveis de traços de carbono orgânico ou inorgânico presos a eles, para crescimento. Tal processo metabólico nunca havia sido observado na natureza.[10]

Blood Falls, na Geleira de Taylor, nos Vales Secos de McMurdo, parte do Território Antártico Australiano.

Chuva cor de sangue

Informes e narrativas sobre fenômenos de panspermia, a exemplo das chuvas cor de sangue, foram extraídos de publicações científicas e jornalísticas colecionadas por Charles Fort, autor de quatro livros publicados entre 1919 e 1932: The Book of the Damned, New Lands, Lo! e Wild Talents. Novos informes foram compilados por Arthur C. Clarke, Jerome Clark e outros destrinchadores de mistérios. Porém o primeiro estudo relevante de amostras de água foi produzido por Godfrey Louis e A. Santhosh Kumar. Seu artigo “The Red Rain Phenomenon of Kerala and its Possible Extraterrestrial Origin” (2006) acabou publicado na revista científica Astrophysics and Space Science, nº 302.[11]

Godfrey Louis é um respeitado astrobiólogo hindu. Uma chuva cor de sangue caiu no estado de Kerala, na Índia, no verão de 2001. Estando no local, por um golpe de sorte, ele se apressou por coletar amostras, analizá-las em microscópio e realizar vários testes. Concluiu que a coloração da água resultou da desintegração de um cometa que conteria formas de vida sem DNA, mas ainda assim capazes de movimento e reprodução. Em agosto de 2010, Louis e seus colaboradores apresentaram um artigo na conferência de astrobiologia SPIE realizada em San Diego, EUA, afirmando que as células vermelhas desenvolvem células filhas internas e se multiplicam quando expostas a temperaturas extremas de 121 °C em uma autoclave, por duas horas, e que o comportamento fluorescente das células é similar à emissão vermelha estendida observada na nebulosa do Retângulo Vermelho.[12]

NOTAS

[1] MAGALHÃES, Lana. Maré Vermelha. Em: TODA MATÉRIA. Acessado em 06/03/2023 as 16:20. URL: <https://www.todamateria.com.br/mare-vermelha/>.

[2] ALVARENGA, Jefferson. Maré Vermelha. Em: BIOTA DO FUTURO. Posto online em 14/10/2015. Acessado em 06/03/2023 as 16:00. URL: <https://www.biotadofuturo.com.br/mare-vermelha/>.

[3] SAIBA O QUE É A MARÉ VERMELHA. Em: O SOLLO. Posto online em 26/04/2019 – 08h54. Acessado em 06/03/2023 as 16:20. URL: <https://osollo.com.br/saiba-o-que-e-a-mare-vermelha/>.

[4] MAGALHÃES, Lana. Maré Vermelha. Em: TODA MATÉRIA. Acessado em 06/03/2023 as 16:20. URL: <https://www.todamateria.com.br/mare-vermelha/>.

[5] CHLAMYDOMONAS NIVALIS. Em: WIKIPÉDIA. Acessado em 06/03/2023 – 17h34. URL: <https://en.wikipedia.org/wiki/Chlamydomonas_nivalis>.

[6] MOTA, Renato. ‘Neve de sangue’ na Antártica denuncia o desequilíbrio ambiental. Em: OLHAR DIGITAL. Posto online em 02/03/2020 – 21h30. URL: <https://olhardigital.com.br/2020/03/02/noticias/neve-de-sangue-na-antartica-denuncia-o-desequilibrio-ambiental/>.

[7] NEVE COR DE SANGUE? PESQUISADORES INVESTIGAM PROLIFERAÇÃO DE ALGAS NOS ALPES. Em: ESTADÃO. Posto online em 23/007/2021. Acessado em 06/03/2023 as 17:40. URL: <https://www.estadao.com.br/internacional/nytiw/ciencia-alga-sangue-glaciar/>.

[8] MORRISON, Ewan. Tweet posto online, no Twitter, em 20/04/2021 – 3h03. URL: <https://twitter.com/MrEwanMorrison/status/1384568402522554371>.

[9] BLOOD FALLS. Em: WIKIPÉDIA. URL: <https://en.wikipedia.org/wiki/Blood_Falls>. Acessado em 06/03/2023 – 18h23.

[10] CIENTISTAS DESCOBREM ORIGEM DE ‘CACHOEIRA DE SANGUE’ NA ANTÁRTIDA. Em: VEJA. Posto online em 28/04/2017 – 18h51. URL: <https://veja.abril.com.br/ciencia/cientistas-descobrem-origem-de-cachoeira-de-sangue-na-antartida/>.

[11] LOUIS, Godfrey & KUMAR, A Santhosh. The Red Rain Phenomenon of Kerala and its Possible Extraterrestrial Origin. Em: Cornell University – ARXIV. Posto online em 02/01/2006. URL: <https://arxiv.org/abs/astro-ph/0601022>.

[12] RED RAIN IN KERALA. Em: WIKIPÉDIA. Acessado em 06/03/2023 – 18h41. URL: <https://en.wikipedia.org/wiki/Red_rain_in_Kerala>.

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