Categorias
Magia do Caos

A Kaobala de Peter J. Carroll

Leia em 12 minutos.

Este texto foi lambido por 206 almas essa semana.

Tamosauskas

Em seu mais recente livro Epoch: The Esotericon & Portals of Chaos (2014), Peter J. Carroll brinda seus leitores com um novo sistema mágico. Sua ideia é propor uma cartografia que ajude os magistas a navegarem no oceano caótico de suas próprias consciências e assim auxiliar suas operações de Diovinação, Evocação, Encantamento, Invocação e Iluminação. Para isso fez uniu a Magia Elementar, tão querida dos neo-pagãos, a Magia Planetária, tal com já era utilizada pela Illuminates of Thanateros e a Magia Estelar, inspirada nos mitos de Lovecraft.

Uma Breve História da Cabala

Peter diz que a cabala estudada hoje por meio da Árvore da Vida e suas descrições tem origem na Renascença na qual os ocultistas retomaram muitos textos e ensinamentos da antiguidade pagã e lhe deram uma roupagem monoteísta. Em suas palavras: “Os pagãos clássicos expressaram seu conhecimento psicológico sofisticado através de uma rica teogonia e em seus mitos e lendas, mas muito disso se perdeu durante a idade das trevas, sendo substituído por um monocromático austero de monoteísmo em que tudo parece preto ou branco, uma batalha contínua entre o bem e o mal, as hierarquias do céu e do inferno e a pecaminosidade dos impulsos justos inerentes a ele. Com o advento do monoteísmo, perdemos muito da ‘Linguagem da Psique’, pois ela diminuiu a sutileza de nosso próprio entendimento.

Ele põe o a mesa o fato de que “A Árvore da Vida convencional, tal como popularizada pela Golden Dawn, deriva do Desenho Cabalístico de Nápoles criado nos tempos da Renascença.” e que “A redescoberta de textos clássicos durante o Renascença deu origem a ideias humanistas sobre pessoas com motivações mais complexas e de maior profundidade psicológica do que simplesmente entre o bem e o mal. De fato, a redescoberta de textos clássicos nos trouxe em grande parte o Renascimento e ainda encontramos grande prazer e discernimento em lê-los, e aos escritores que eles influenciaram profundamente, como Shakespeare.

Portanto, assim como os ocultistas católicos da Florença do século XV revisitaram a sabedoria dos pagão clássicos, Peter Carroll propõe que chegou a hora dos ocultistas pós-modernos internacionalizados do século XXI fazerem o mesmo: “De qualquer forma, a redescoberta da psicologia provou ser uma tarefa difícil. Pode-se argumentar que atualmente nos conhecemos pouco melhor do que os gregos clássicos, dado que passamos praticamente milênios em um dualismo psicológico monoteísta e ainda trabalhamos sob uma série de noções “científicas” bastante simplistas e reducionistas que ofuscam com simples estatísticas a sinfonia da profundidade da psique e a imprevisibilidade de qualquer pessoa.

Em sua visão a Cabala tinha dois grandes problemas para resolver:  1. a forte influência da visão e valores monoteístas e 2. que a mente humana existe para lidar com ‘pessoas’ e não com ’emanações descendentes que dão forma ao mundo.’

O problema da influência monoteísta não está no monoteísmo em si, mas na ideia implícita dentro das tradições que floresceram no primeiro milênio (Gnosticismo, Hermetismo e Kabbalah) de que uma certa quantidade de sucessivas ‘Emanações’ do ‘Supremo’, ‘Deus’, ‘Luz sem limites’, ‘Absoluto’ ou como queira chamar descem progressivamente de cima até que finalmente criam o mundo material, e essas ’emanações’ fornecem uma espécie de escada pela qual o adepto pode ascender de volta ao ‘Altíssimo’, obtendo união, poderes mágicos de iluminação ou salvação, dependendo do que fosse mais adequado ou digno de chamar naquele momento.

Esta visão caiu bem durante a ascensão da igreja católica e mesmo dentro da mentalidade protestante onde o ocultismo do século XIX e XX se desenvolveu. Na verdade a ideia de que devemos alcançar um estado celestial seja por mérito ou eleição é bastante cristã, mas segundo Peter Carroll “não teria atraído os pagão clássicos, e hoje carece de atrativos entre os neo-pagãos, filósofos pós-modernos e psicólogos.” Era hora de trazer os velhos deuses pagãos de volta e ainda convidar alguns novos que só surgiram depois. Cada panteão ou cosmogonia resume uma teoria do que a mente faz ou do que poderia fazer sem a necessidade de uma escala de valores.

Assim explica no Epoch: “Hoje em dia a palavra ‘alma’ é um atalho para os fenômenos como a personalidade, o sentido de si ou de significação e provavelmente nunca significou nada além dessas coisas, mas agora entendemos como surgindo das interações entre a matéria, a energia e a informação e no contexto do cérebro/corpo/mundo do temo e espaço. Ao eliminar objetivamente e realmente ‘transcender’ qualquer uma dessas oito limitações nas quais nos apoiamos como a matéria, a energia, a informação, o cérebro, o corpo, o mundo, o espaço-tempo, o completo sentido de si ou de vontade deixa de existir. A psique consiste na atividade e em vários estados de fazer, não contem uma alma que exista como um ser estático isolado.

Estrutura da Rede-Neural Kaobalista

Uma forma de abordar estes problema é abandonar a ideia de Árvore verticalizada que passa a ideia de hierarquia e substituí-la por algo mais próximo de uma rede neural ominidirecional. Acima, Abaixo, Esquerda e Direita são contextuais e tem significados limitados tanto no espaço físico como no espaço mental. Portanto o eixo da Rede-Neural Kaobalista é orientado na direção da escolha do usuário.

Essas escolhas são agrupadas em três reinos: O Reino Elemental, O Reino dos Deuses e o Reino dos Deuses Anciões da Magia Estelar. Não há portanto necessidade de subterfúgios como uma Árvore Negativa. Não há escolhas escondidas ou previamente negadas ao magista por algum juiz que ele nem mesmo conhece. Conforme é dito no livro “Os princípios taoístas sugerem ecletismo e inclusão; o mapa deve conter links para tudo, até para coisas imaginárias, e permanecer aberto indefinidamente. Além disso, deve evitar o tipo de princípios morais e transcendentais implícitos em modelos mais antigos, pois como observou Aleister Crowley em um de seus melhores momentos; “Não há parte de mim que não seja dos deuses.” Os fenômenos negativos surgem a partir das deficiências dos fenômenos positivos, ou de sua repressão ou excesso de uso, todos os fenômenos tem suas utilidades, incluindo a Guerra e a Morte.” As emanações dão lugar a seres possíveis que são acessados no formato de deuses que é a escolha que nós mesmos fizemos para lidar com elas durante nosso processo evolutivo.

Círculo do Reino Elemental

No Reino Elemental portanto temos Terra, Fogo, Água e Ar personificados. No mapa eles aparecem com seus tattwas mas nas cartas que acompanham o livro e na descrição do próprio livro são apresentados como Arcanjos, reaproveitando o termo técnico da Golden Dawn. Neste Reino o Mago do Caos pode aprender diretamente com estes Arcanjos os atos mágicos que cada um deles domina e de forma muito melhor do que nos livros. (Evocação com o Arcanjo da Terra, Adivinhação com o Arcanjo da Água. Encantamento com o Arcanjo do Fogo, Invocação com o Arcanjo do Ar e Iluminação com o Arcanjo do Éter), não muito diferente do Liber 555.

Em uma breve descrição do Reino Elemental é dito que eles “representam ‘A Fundação’ de muitas maneiras, os fundamentos físicos de Massa, Tempo, Energia, Espaço e Informação além de muitas outras relações do mundo. Mas a Caobala, assim como suas antecessoras é acima de tudo um mapa de nossa psicosfera, assim qualquer parte dela representa uma parte nossa. Desta forma este setor do Reino Elemental pode ser entendido como nossa mente atual, o estado “normal” ou presente estágio evolucionário da nossa espécie. Assim Terra, Água, Fogo, Terra e Ar podem ser lidos dentro dos muitos modelos psicológicos que desenvolvemos desde a renascença, desde as  disposições humorais básicas (Melancolico, Sanguíneo, Colérico, Fleumático e  Etéreo) até os cinco primeiro circuitos de consciência do modelo Leary (Biosobrevivência, Teritorial/Emocional, Socio/Sexual, Semântico/Lingúistico e Neurosomático). “As ligações entre as cinco principais representam qualidades combinadas como ‘fogo e terra’ que se aplicam a certos estilos humorais ou a várias relações físicas (neste caso E = mc2 ), ou a feitiços mistos (neste caso uma evocação para desencadear um encantamento).”

Entre o reino dos Elementos e Reino dos Deuses fica o reino de Baphomet “conhecido por vários nomes ao longo dos Aeons, como O Grande Espírito, Pan-Pangentor-Panphage, Tudo-Cria-Tudo-Destroi, o Oculto, O Diabo, O Senhor/Senhora deste Mundo, A divindade ou ‘Alma-do-Mundo’ de toda a Vida Terrestre. Este Deus Oculto que reapareceu para alguns recentemente como Gaya.”

A Esfera dos Deuses Planetários

Neste reino, representado pela Estrela de Oito Raios temos todos os espectro da mente humana, os mundos dentro da psique mostrados na forma de divindades clássicas como Sephiroth ou Arcontes e com as quais Peter Karol trabalhou em seus livros anteriores e nos Ritos Planetários da Iluminados de Thanateros.

O esquema portanto não é diferente das já conhecidas Oito Cores da Magia que temos na magia do caos, a saber:

  • Sol (Magia Amarela – Ordem/Liderança)
  • Lua (Magia Púrpura – Sedução/Sexo)
  • Mercúrio (Magia Laranja – Intelecto/Convencimento)
  • Vênus (Magia Verde – Amor/Compaixão)
  • Marte (Magia Vermelha – Guerra/Intimidação)
  • Júpiter (Magia Azul – Poder/Riqueza)
  • Saturno (Magia Negra – Morte/Destruição)

No início da passagem para o Reino dos Deuses Antigos está Urano (Ou Promethea como diria Alan Moore) relacionada a Magia Octarina. É “a Forma Divina do Mago que representa a compreensão caótica de que o sentido do eu e da identidade tende a se aglutinar em torno de quaisquer esferas que a mente usar. O modo de consciência uraniano pelo menos reconhece a presença ou a possibilidade de todos os outros e do mago também. Os outros deuses tendem a possuir uma certa amnésia seletiva em relação a todos os outros. Isso, no entanto, não torna Urano superior aos outros, exceto por suas próprias especialidades.”

Nem o Sol nem Urano ficam no centro, pois não há ponto de vista privilegiado. Nada fica no centro porque não há centro. Podemos dizer que trata-se de uma visão existencialista da cabala renascentista. “Não temos um eu ‘real’ ou ‘verdadeiro’; fazemos, pensamos e expressamos emoções de acordo com nossos vários deuses. Eles inspiram uns aos outro. Se consistimos em alguma coisa, é a teia de suas interações que produz um sentido bastante mutável e inconsistente de ‘eu’ como uma superficie de riquezas e daimons ocultos dos mundos dentro de nós.”

Existem algumas esferas secundárias no Reino dos Deuses que representam certas formas divinas de natureza bi-planetária. São aquelas divindades que não se  encaixam perfeitamente em nenhuma das sete esferas planetárias do politeísmo padronizado pelo Oriente Médio, pois essa própria padronização foi um esforço dos magistas. Como o modelo dos sete deuses possui suas vantagens o esquema bi-planetário não as perde e ao mesmo tempo em que permite que a maioria dos panteões antigos sejam localizados assim como haja espaço a as divindades modernas ou “imaginárias” (ou seja, recém-descobertas) formando o que o Professor Ronald Hutton chamou de “um panteão atualizado”.

Os deuses planetários recebem os nomes os próprios ao estilo romano (Sol, Lua, Mercúrio, Marte, Vênus, Júpiter, Saturno, Urano), mas no livro estas divindades bi-planetarias recebem as seguintes personas:

– Odin (Saturno-Urano)
– Maat (Júpiter-Urano)
– Atenea (Marte-Urano)
– Lúcifer (Sol-Urano)
– Apofenia (Venus-Urano)
– Isis (Mercúrio-Urano)
– Osiris (Jupiter-Saturno)
– Chorozon (Marte-Saturno)
– Barón Samefh (Sol-Saturno)
– Kali (Vênus-Saturno)
– Anubis (Mercúrio-Saturno)
– Hécate (Lua-Saturno)
– Thor (Marte-Jupiter)
– JHVH (Sol-Júpiter)
– Juno-Hera (Vênus-Júpiter)
– Vulcano (Mercúrio-Júpiter)
– Dionísio (Lua-Júpiter)
– Hórus (Sol-Marte)
– Éris (Vênus-Marte)
– Loki (Mercúrio-Marte)
– Ishtar (Lua-Marte)
– BVG & Hijo (Vênus-Sol)
– Bob-Legba (Mercúrio-Sol)
– Asherah (Lua-Sol)
– Pandora (Mercúrio-Vênus)
– Bábalon (Lua-Vênus)
– Pareidolia (Lua-Mercúrio)
Reino dos Deuses Antigos

Atravessando Urano, a meio caminho do Reino dos Deuses Antigos está Nyarlathotep como um equivalente a Netuno. Ele é o Místico do mais profundo além, um espelho de Baphomet, o Místico da Existência Terrena. Nyarlathotep se ergue como um portal para os seres Plutônicos e Trans-plutônicos das sombras que podem se apresentar como algo terrivelmente perigoso se para onde os magistas por muitos milênios disseram que jamais deveriamos ir ou mesmo investigar sob pena de nossa própria destruição.

Temos aqui Cthulhu, Shub-Niggurath, Hastur, Yog-Sothoth e finalmente Azathoth. Cada um destes seres representa o domínio do seu correspondente elementar levado até o ponto-ômega, o horizonte do não retorno onde na melhor das hipóteses deixa-se de ser humano e na pior das hipóteses deixa-se de ser. Nas palavras do autor: “Os Deuses Antigos de Lovecraft tem perigosas classes de conhecimento do tipo Prometeico e Luciferiano, conhecimentos que facilmente destruir a nós mesmos: o poder direto sobre a própria mente, o poder sobre os processos centrais da biologia, o poder de criar vida e imortalidade física, a compreensão de estranhas e secretas geometrias do universo a niveis tanto cósmico quanto quânticos e o poder de manipularmos o poder do caos e da própria criação.”

Enquanto a Magia Elementar lida com o mundo natural aqui na Terra e a Magia Planetária com a condição humana, a Magia Estelar lida com as possibilidades das condições trans-humanas. É aqui que estão mapeados os chamados Circuitos Extraterrestes no modelo de Leary onde estão os estados de consciência do progresso humano futuro. O caminho trilhado por incontáveis seres alienígenas antes e depois de nós que aceitaram ou aceitarão pagar o preço. Os Deuses Antigos personificam os vários aspectos de um terrível conhecimento que nos arrastam para longe de casa:

Cthulhu representa o controle do pensamento/mente/cérebro e as subsequentes manipulações, modificações e ampliações na memória, percepção e identidade feitas por meios não-naturais e artificiais.

Shub-Niggurath é o domínio sobre a vida, constituição, reprodução, eugenia, manipulação genética, como evitar a morte biológica e ressuscitar os mortos.

Hastur é o domínio da entropia e da nigentropia, a maestria pela qual se formam e se mantem os seres, impérios e galáxias emergem e o como e quando retornam ao caos do pó de onde vieram. A maestria e a percepção da impermanência.

Yog-Sothoth representa o domínio da geometria espaço-temporal, o desbravamento dos multi-universos, buracos de minhoca, dimensões paralelas, viagens no tempo, tele-transporte e viagens interestrelares.

Azathoth é a interferência direta na geometria de massa-energia do multiverso, a maestria do poder irrestrito criativo-destrutivo que dorme dentro de todas as nano-particulas e forças subnucleares.

Conclusão

A organização não-hierárquica da rede-neural kaobalista e a enfase na personalização de suas esferas dá a liberdade requisitada na magia do caos para conversar (Divinação), interagir (Evocação), convencer (Encantamento). Também facilita pela imitação e assimilação de suas características (Invocação) o magista explorar não só aquilo que ele é, mas tudo aquilo que ele pode ser (Iluminação).

O livro Epoch: The Esotericon & Portals of Chaos pode ser adiquirido direramente no site pessoal de Peter J. Carroll e contem uma explicação elaborada do sistema, uma profunda abordagem do desenvolvimento histórico da magia, uma descrição detalhada de cada divindade mencionada bem como seu uso mágico e uma série de apêndices interessantes. O livro foi escrito com Matt Kaybryn que também ilustrou o volume e as 54 cartas em tamanho “altar” que acompanham a obra.

Deixe um comentário

Traducir »