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Generalidade sobre o Tarot

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Arthur Edward Waite

Excerto de A Chave Pictórica do Tarot

A patologia do poeta diz que o astrônomo incréu é louco; a patologia do homem comum diz que o gênio é louco; e entre esses extremos, que se incluem entre milhares de excessos análogos, a razão soberana assume o papel de árbitro e faz o que pode. Não creio que haja uma patologia das consagrações ocultas, mas quanto às suas extravagâncias, ninguém pode questionar, e não há menos dificuldade do que ingratidão em atuar como árbitro a seu respeito. Além disso, a patologia, se existisse, seria provavelmente antes um empirismo do que um diagnóstico, e não ofereceria critério. Ora, o ocultismo não se assemelha a uma faculdade mística, e muito raras vezes atua em harmonia, quer com as aptidões de desempenho na vida prática comum, quer com o conhecimento dos critérios de prova em sua própria esfera. Sei que, para a grande arte da grosseira irreverência, há poucas coisas mais tolas do que a crítica que sustenta que uma tese é inverídica, e não pode compreender que é decorativa. Também sei que, depois de contato muito prolongado com uma doutrina duvidosa ou com pesquisas difíceis, é sempre reconfortador, no domínio dessa arte, encontrar-se o que é fruto indiscutível da fraude ou pelo menos da insensatez. Os aspectos da história, porém, tais como vistos através das lentes do ocultismo, não se apresentam como uma regra decorativa, e têm pouca capacidade de curar as dilacerações que infligem ao entendimento lógico. Quase exige que um Frater Sapiens dominabitur astris na Fraternidade Rosa-Cruz tenha a paciência que não se perca entre as nuvens da loucura quando se considera o Tarô de acordo com a mais alta lei do simbolismo. O verdadeiro Tarô é simbolismo; não fala outra linguagem e não oferece outros sinais. Dada a linguagem interior dos emblemas, eles se tornam uma espécie de alfabeto que é capaz de ilimitadas combinações e tem sentido em todas. No plano mais alto, oferece uma chave para os Mistérios, de uma maneira que não é arbitrária e não tem sido lida. Contudo, falsos casos simbólicos têm sido contados a seu respeito, e a versão errônea tem sido apresentada em todas as obras até agora publicadas sobre o assunto. Dois ou três autores insinuaram que, pelo menos no que diz respeito às significações, tal caso é inevitável, porque poucos com ele estão familiarizados, e, ao mesmo tempo, esses poucos têm compromissos solenes e não podem trair a confiança neles depositada. A sugestão é fantástica, pois se apresenta um certo anticlímax na sugestão de que uma interpretação particular da previsão da sorte — l’art de tirer les caries — possa ser reservada para os Filhos da Doutrina. Permanece, não obstante, o fato de que existe uma Tradição Secreta a respeito do Tarô, e, como há sempre a possibilidade de que algum arcano menor dos Mistérios possa se tornar público com alarde, convém antecipar o acontecimento e advertir os que têm curiosidade de conhecer o assunto de que qualquer revelação conterá apenas a terceira parte das terras e do mar e a terceira parte das estrelas do céu a respeito do simbolismo. Isso pela simples razão de que, nem o que diz respeito às raízes, nem quanto ao desenvolvimento, algo tenha sido escrito, de modo que muita coisa restará para ser dita após a pretensa revelação. Não têm, portanto, motivo para alarme os guardiães dos templos de iniciação que vigiam os mistérios dessa ordem.

Em meu prefácio de O Tarô dos Boêmios, que, mais por mero acaso, foi reeditado recentemente após um longo período, eu disse o que era então possível ou parecia mais necessário. A presente obra destina-se mais especialmente — como já indiquei — a apresentar um conjunto de cartas retificado e dizer a desataviada verdade a seu respeito, tanto quanto seja possível nos círculos exteriores. No que diz respeito à seqüência dos símbolos maiores, sua definitiva e mais alta significação é mais profunda do que a linguagem comum de figuras ou hieróglifos. Isso será compreendido por aqueles que receberam al-go da Tradição Secreta. No que diz respeito às significações verbais aqui atribuídas às Cartas de Trunfo mais importantes, destinam-se elas a pôr de lado as tolices e imposturas das passadas atribuições, colocar no caminho devido quem tiver o dom do discernimento e tomar cuidado, dentro dos limites de minhas possibilidades, para que mostrem a verdade até o máximo possível.

E lamentável, sob vários aspectos, que eu tenha de confessar certas reservas, mas é uma questão de honra. Além do mais, entre as tolices por parte daqueles que nada conhecem da tradição, há, contudo, em sua própria opinião, os expoentes de algo chamado ciência e filosofia ocultas, e, por outro lado, entre a simulação de alguns poucos autores que receberam parte da tradição e pensam que isso representa um titulo legal para jogar poeira nos olhos do mundo, acho que chegou a ocasião de dizer o que é possível dizer, de maneira que possa ser reduzido ao mínimo o efeito do atual charlatanismo e ignorância.

Veremos oportunamente que a história das cartas do Tarô é, em grande parte, de caráter negativo, e que, quando as questões são esclarecidas pela dissipação dos sonhos e especulações gratuitas expressadas em termos de certeza, não existe, de fato, história alguma anterior ao Século XIV. A decepção e desencanto a respeito de sua origem no Egito, Índia ou China levam a considerar mentirosos os seus primeiros expositores, e os autores ocultistas posteriores pouco mais fizeram do que reproduzirem o primeiro falso testemunho, com a boa fé de uma inteligência inadequada aos problemas da pesquisa. O que aconteceu é que todas as exposições se colocaram em uma faixa muito estreita, e pouco deveram, falando- se relativamente, à faculdade inventiva. Pelo menos uma ótima oportunidade foi perdida, pois ainda não ocorreu a quem quer que seja, até agora, a idéia de que o Tarô talvez tenha surgido como uma linguagem simbólica das seitas albigenses. Encaminho essa sugestão aos descendentes espirituais em linha reta de Gabriele Rosseti e Eugène Aroux, ao Sr. Harold Bayley como outra Nova Luz sobre a Renascença e pelo menos como uma luz, ainda que fraca, na escuridão e que, com todo o respeito, poderia ser útil ao zeloso e pesquisador espírito da Sra. Cooper-Oakley. Imagine-se só o que o suposto testemunho das linhas d’água do papel pode ganhar com as cartas de Tarô do Papa ou Hierofante, com relação à idéia de um patriarca secreto albigense, sendo que o Sr. Bayley encontrou nas mesmas linhas d’água tanto material para o seu objetivo. Imagine-se só por um momento a carta da Alta Sacerdotisa como representante da própria Igreja albigense; e lembre-se da Torre atingida pelo Raio como representando a almejada destruição de Roma Papal, da cidade das sete colinas, com o pontífice e seu poder temporal abatidos do edifício espiritual quando feridos pela ira de Deus. As possibilidades são tão numerosas e persuasivas que quase enganam em sua expressão um dos eleitos que as inventou. Há mais do que isso, porém, embora eu mal me atreva a mencionar. Quando chegou a ocasião em que as cartas de Tarô tiveram a primeira explicação formal, o arqueologista Court de Gebelin reproduziu alguns dos seus emblemas mais importantes, e – se assim é lícito expressar-me — o código de que ele se utilizou serviu — por meio de suas placas gravadas — como base de referência para muitos conjuntos que foram lançados posteriormente. As figuras são muito primitivas e diferem, nesse sentido, das cartas de Etteilla, do Tarô de Marselha, e de outros ainda em uso na França. Não sou bom juiz em tais assuntos, mas o fato de cada um dos Trunfos Maiores corresponder à questão da linha d’água é mostrado pelos casos que citei e pelo exemplo mais notável do As de Copas

Eu poderia chamá-lo de um emblema eucarístico, pelo seu feitio de cibório, mas isso não tem significação no momento. A questão é que o Sr. Bayley apresenta seis dispositivos análogos em sua Nova Luz sobre a Renascença, sendo a linha d’água do Século XVII do papel que ele afirma ser de origem albigense e representar emblemas sacramentais e do Santo Gral. Se ele tivesse ao menos ouvido falar do Tarô, e sabido que aquelas cartas de adivinhação, cartas da sorte, cartas de todas as artes aleatórias, eram talvez comuns naquele período no Sul da França, creio que a sua encantadora mas fantástica hipótese poderia ter sido ampliada ainda mais na atmosfera do seu sonho. Teríamos tido, sem dúvida, uma visão do gnosticismo cristão, do maniqueísmo e de tudo que ele entende por Evangelhos puramente primitivos, se mostrando vivamente por trás do quadro.

Não olho através de tais lentes, e só posso chamar a atenção para o assunto em um período posterior; saliente-se aqui que posso apresentar como um inédito portento as maravilhas da especulação arbitrária quanto à história das cartas.

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