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Cultos Afro-americanos

A Quimbanda e o Povo Cigano

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por T.Q.M.B.E.P.N

A sobrevivência da etnia cigana segue, como os lobos, as leis instintivas da horda!” (Oswaldo Macedo. Ciganos, natureza e cultura).

​Apesar da Quimbanda ter um domínio próprio para os espíritos ciganos, não existe uma liturgia sobre a extensão real do mesmo. Tudo que temos são fragmentos de experiências pessoais ou relatos recebidos por outros quimbandeiros. Dificilmente vemos um adepto da Sagrada Quimbanda Brasileira desenvolver a Linha Cigana e isso ocorre porque existem muitos terreiros de Umbanda que ‘praticam’ a Quimbanda e quando se desenvolvem com a Linha Cigana iniciam um ‘teatro’, onde médiuns maquiados, carregando sotaques latinos e expressões corporais que mesclam dança do ventre, cigana e indiana, interagem com as pessoas, entretanto, são proibidos de exercerem a verdadeira Magia Cigana e acabam atrelados à uma suposta Lei ordenada pelos Orixás.

​Entendemos que a Quimbanda é uma religião sem pré-conceitos, dessa forma temos liberdade para buscarmos dentro do Reino da Lira a Legião de Ciganos e Ciganas que serão encantados com a Lei do Sangue e poderão emanar plenamente suas essências. Temos plena ciência que os Ciganos são poderosos feiticeiros capazes de modificar o fluxo dos caminhos. Fechados, ardilosos e sábios, o Povo Cigano tem muito a contribuir com o desenvolvimento dos adeptos.

​O ícone dessa linha é a Pombagira Cigana. Glorificada em todas as casas de Quimbanda, esse espírito trás um movimento único quando é evocada para um ambiente. Senhora das Estradas e da Boa Sorte se divide por nomes que representam suas qualidades. Junto a essa Senhora, o responsável pela gestão é o Exu Cigano. Dono das rodas, esse espírito determina a evolução e o comércio de um grupo. Por vezes é agressivo e violento, mas torna-se cordial depois de alguns contatos. Todo Povo Cigano é cercado de mistérios e adoram exaltá-los como forma de confundir aqueles que não são parte de sua linhagem. Eles nos ensinam que existem formas diversas (manifestas pelas muitas cores que eles trabalham) de ludibriarmos o destino, imposições e limitações que consequentemente nos abatem.

​Existe um véu obscuro de cobre o grupo cigano: A descendência Caiinita. Segundo as lendas, os ciganos são os descendentes diretos de Cain. Por tal motivo vagam pela Terra em busca de seu espaço sagrado, donde edificarão o Reino do Primeiro Assassino. Outra lenda é que os ciganos foram responsáveis pela confecção dos pregos que prenderam Jesus na cruz. Se associarmos o Povo Cigano com a linhagem de Cain encontraremos a Tradição da forja, ensinada pelo Mestre Tubal-Cain (descendente) nos Ciganos Kovatsa. Isso não significa que os Ciganos fizeram os pregos, mas que certas relações esotéricas possivelmente estavam ocultas nas brumas dessa lenda.

​Uns alegam que são ladrões e prostitutas que vagam pela Terra, outros que são os mais poderosos magos, ninguém sabe exatamente quem são os não os ciganos, pois não existe um controle de inserção nas comunidades. “Ou é Cigano de Sangue ou é Cigano de Alma, porém, sempre Cigano!” (Exu Cigano)

A história é marcada de passagens onde o sofrimento do Povo Cigano tomou proporções assustadoras. Assim como os Judeus, esse Povo foi perseguido na segunda guerra e morto em campos de extermínio, mas antes disso foi escravizado, perseguido e humilhado. Muitos Ciganos tinham que fingir serem cristãos para poder ter acesso às cidades, haja vista que na Europa as cidades tinham medo deles. Alguns grupos tinham dons musicais e promoviam-se através de espetáculos, outros mesclavam música com misticismo promovendo a leitura de cartas, quiromancia e trabalhos espirituais sentimentais, entretanto, dentro desses grupos temos relatos de ciganas que se prostituiam. Os homens ciganos acabaram se tornando mestres nos negócios, pois levavam novidades em suas carroças para todas as partes do mundo.

“Sua religião era desconhecida, apesar de se dizerem cristãos, mas sua ortodoxia era mais que duvidosa. De onde vinham eles? De que mundo maldito e desaparecido…? Eram os filhos das feiticeiras e dos demônios? Que salvador moribundo e traído os condenara a marchar para sempre? Era a família do judeu errante? Não seria o resto das dez tribos de Israel perdidas…?” LEVI, Eliphas (Alphonsus Louis Constant). História da Magia. [Trad. Rosabis Camayasar]. São Paulo: Pensamento, 2005.

​A pressão que o mundo exerceu sobre esse Povo foi tão intensa que dificilmente não iriam sucumbir. O cigano aprendeu sobreviver usando todas as artimanhas possíveis que vão desde a falsificação de documentos, roubos, venda de ouro e joias falsas, enfim, usam de todos os meios lícitos ou não para assegurarem sua existência. Não podemos generalizar essa questão, pois todos os documentos oficiais que encontramos para dar embasamento nesse texto assim apontam. Sabemos que não existe uma história oficial sobre eles e que quase tudo que foi escrito veio de pessoas que não eram ciganos, dessa forma relatamos com parcimônia certas questões.

​“Mas deixando de lado a correção noética dessas práticas, no que diz respeito aos ciganos, é um traço cultural revelador que permite afirmar com certeza: 1. a antiguidade desses nômades na escala do passado histórico. O conhecimento e domínio desses Oráculos, desses métodos divinatórios que, sabe-se são de origem bem remota, essas “artes” sendo mantidas como forte tradição entre os ciganos significa que muito possivelmente todas as hipóteses dos estudiosos estão certas: os Ciganos transitaram pelo mundo, na Antiguidade, desde a Índia, Mesopotâmia, Egito, oriente Médio e depois, Grécia, leste europeu, Ásia Menor, até buscarem as terras mais ao Ocidente da Europa já entre meio-fim da Idade Média.

“De cada lugar visitado, país, região, de cada terra que lhes serviu de pouso, eles absorveram um tanto de cultura. Ou seja, adotaram práticas, fizeram escolhas e apropriaram-se delas de acordo com sua própria necessidade e conveniência. Práticas, saberes, do linguajar, da religiosidade, das tecnologias, dos costumes alimentares, vestuário, artes (especialmente musicalidade), convenções sociais.” VILAS-BOAS DA MOTA, Ático. Ciganos: Antologia de ensaios. Brasília: Thesaurus, 2004

​Para a Quimbanda a história tem uma importância fundamental, pois sem fatos não poderíamos alicerçar nossas práticas e condutas. Assim, entendemos que devemos apresentar o Povo Cigano como mais uma Tradição vítima de pressão por parte do Sistema Vigente. Assim como africanos e nativos, os ciganos se dividiram entre aqueles que aceitaram e se adaptaram às imposições e os que se rebelaram e confrontaram o Sistema à sua forma. Chegaram em Terra Brasileiras através das naus portuguesas como condenados da Justiça ou do Santo Ofício por volta do século XVI. A primeira leva era da etnia calon e somente no século XIV vieram os romani, porém, de forma voluntária ou para se esconder de condenações.

​Esse dado é importantíssimo, pois desmistifica apenas a aparição de espíritos que mesclam língua espanhola com língua portuguesa, haja vista que os Calon adotaram a língua como oficial e apenas inseriram parte de um dialeto particular para diferenciá-los.

​Em Terras Brasileiras, apesar de chegarem extraditados, não foram escravizados como ocorreu em outras partes do mundo. Alguns Ciganos, ao contrário do que as pessoas pensam, dedicaram-se ao comércio de escravos e atingiram grandes fortunas. Mas essa não é a regra. Até a atualidade são um Povo excluído, analfabeto e que sofre pelas diferenças sociais.

​Os espíritos ciganos que foram atraídos pela imantação da Quimbanda certamente foram e são os mais arredios à pressão material. Esses foram assassinos, ladrões, estelionatários, vagantes sem fé, magos negros, feiticeiras implacáveis, curandeiros, prostitutas, chefes intransigentes e violentos que lutavam pela sobrevivência de um Povo massacrado pelo Sistema. Esses espíritos jamais se submeteriam às Leis da Umbanda ou de qualquer outra expressão religiosa que não fornecesse a verdadeira Luz de Lúcifer. Os Ciganos da Quimbanda são a máscara mais perfeita dentro do Culto de Exu, pois ludibriam, enfeitiçam, praguejam, amaldiçoam e libertam enquanto dançam e bebem.

​Muitos feitiços e práticas que usamos na Quimbanda Brasileira possuem fundamentos ciganos. Não temos a exata noção do tamanho dessa influencia, mas ao estudarmos a Magia Cigana antiga começamos vislumbrar muitas similaridades. O mais impressionante é que as influencias já haviam ocorrido antes do descobrimento do Brasil, principalmente na Europa e Ásia. O culto lunar, o uso de talismãs, objetos de poder (chaves, ferraduras, moedas, etc.), quiromancia, cartas, runas, enfim, a Magia Cigana está fortemente presente em muitas Tradições de Bruxaria. Para a formação da Quimbanda Brasileira destacamos a Tradição Ibérica e, consequentemente, as Bruxas e Bruxos extraditados pelo Santo Ofício para as Terras colonizadas por Portugal e Espanha. Também encontramos referencias ciganas na Tradição Stregheria (Italiana). Certo é que os Ciganos absorvem tudo que podem sobre a Cultura e religião dos lugares onde estão e direta ou indiretamente em suas andanças e peregrinações acabam influenciando outros Povos. Esotericamente, são portadores das sementes do conhecimento proibido que só comercializam-nas para as pessoas que tem a coragem de procura-los e desnuda-los.

​Desenvolver a Linha Cigana na Quimbanda não significa que os adeptos deverão zelar de mais um espírito, tampouco, incorpora-lo. O adepto deverá ser apresentado ao Exu Cigano e Pombagira Cigana – chefes do Sub-Reino (esses representam o Rei e a Rainha Cigana) e reverenciar esse Povo. Após fazer as oferendas corretas, serão iniciados nos mistérios do ‘Baralho Cigano’ que, dentro da Quimbanda Brasileira, é um poderoso oráculo.

​Existem casos em que o adepto deseja se aprofundar na Magia Cigana. Para esses, após um estudo profundo sobre sua espiritualidade, um espírito da corrente Cigana deverá ser eleito como Mentor (a). Se essa relação enraizar demasiadamente, o adepto deverá zelar desse espírito da mesma maneira que zela de seus Mestres Pessoais. É uma grande responsabilidade. Por isso, só fazemos essa apresentação nos adeptos que tenham controle sobre sua espiritualidade e já estejam em graus elevados de ‘simbiose’ com seus Mestres Pessoais.

​Para os adeptos que possuem uma ancestralidade espiritual emanada pela corrente Cigana os feitiços e magias desse Povo fluem com imensa facilidade. Geralmente esses adeptos tem uma boa intuição e conseguem se desenvolver nos oráculos muito melhor do que os demais adeptos. Mas a contraparte é que da mesma maneira que dons são favorecidos, outros aspectos nocivos podem aflorar se o adepto não aprender filtrar as energias canalizadas. O Povo Cigano é a expressão máxima de Liberdade, mas essa tem muitos níveis e em alguns deles o adepto pode se perder e criar labirintos psíquicos. Esse também é um dos motivos que Nossa Tradição entende como fundamental para só fazer o desenvolvimento Cigano nos adeptos mais experientes.

​Fonte: https://quimbandabrasileira.wixsite.com/ltj49/povo-cino

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