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George Ivanovitch Gurdjieff

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George Ivanovitch Gurdjieff nasceu em Alexandropol, uma cidade na Rússia, na fronteira com a Turquia. Não existe certeza sobre a data de seu nascimento, sendo que seus biógrafos apontam como sendo mais provável o ano de 1866. Seu pai era grego e sua mãe, armênia. Sua infância e juventude foram marcadas por contatos com diversas formas de conhecimento e espiritualidade pois sua cidade natal era berço de uma mistura bastante rica de tradições e isso permitiu a Gurdjieff experiências muito peculiares.

As primeiras influências em sua juventude vieram de seu próprio pai e do decano Borsh, um padre, que ao redor de 1878 assumiu pessoalmente sua educação. Nessa época, a família de Gurdjieff vivia na cidade de Kars, uma cidade turca próxima à fronteira da Rússia, que havia sido tomada quando os russos declararam guerra à Turquia.

Depois de sair da casa de seus pais, em 1883, Gurdjieff mudou-se para Tiflis (mais tarde chamada de Tbilisi) e nesta época começou suas viagens e estudos junto a centros religiosos e esotéricos da época. Nestas buscas ele estabeleceu contato com duas pessoas que seriam seus amigos mais próximos, Sarkis Pogossian e Abram Yelov. Anos depois ele viajou para Constantinopla onde, segundo o que seus biógrafos afirmam, ele teria conhecido algumas téquias sufis, notadamente a ordem dos Mevlevi e a dos Bektashi. Ele voltou então para Alexandropol em 1885, para onde seus pais haviam retornado.

Em 1886 Gurdjieff e Pogossian encontram referências sobre Sarmoung, uma Escola de Sabedoria que se diz ter sido fundada na Babilônia e resolvem empreender uma viagem para o Kurdistão. Porém, eles decidem modificar sua rota ao encontrar mapas antigos do Egito e decidem então, ir para Alexandria e Cairo. É no Cairo que Gurdjieff conhece o Príncipe Yuri Lubovedsky e o Professor Skridlov, duas pessoas com as quais ele manteria estreita relação.

Nos anos entre 1888 e 1893 Gurdjieff viaja novamente por vários países. Em 1894, de volta a Alexandropol, Gurdjieff organiza o grupo auto denominado de Buscadores da Verdade, e junto a seus companheiros, empreende todo o tipo de estudo acerca do conhecimento esotérico. Dá-se início então, outra série de viagens entre 1896 e 1907. Segundo alguns autores, em 1898 ele encontra o Monastério de Sarmoung junto com Soloviev, e lá, ambos encontram Lubovedsky. É importante notar que não existem evidências conclusivas de que isso tenha realmente acontecido.

Em 1908 Gurdjieff estabelece-se em Tashkent e começa a ensinar. Mas é de volta a Moscou em 1912 que ele atrai seus primeiros associados, Sergei Mercourov, Vladimir Pohl e Rachmilievitch. É também nesta época que ele lê o livro de Ouspensky entitulado Tertium Organum e o identifica como um futuro discípulo. No ano seguinte, em São Petersburg, Gurdjieff adota o pseudônimo de Príncipe Ozay e atrai como seus alunos Lev Lvovitch e seu primeiro estudante inglês, o músico Paul Dukes. Em 1914 um novo discípulo importante se associa a ele, Dr. Leonid Stjoernval, que permanecerá ao seu lado ao longo de quase toda a sua trajetória. É nesse ano também que ele anuncia seu bale A Luta dos Magos e atrai a atenção de Ouspensky.

No ano seguinte, em Moscou, Gurdjieff admite Ouspensky como seu discípulo e viaja a Petrogrado para dar palestras e encontrar-se com Ouspensky e seus associados. No ano seguinte, ainda em Petrogrado, sob intensa atividade, Gurdjieff apresenta seu sistema de idéias integralmente a seus discípulos que eram então aproximadamente trinta pessoas. É nesse ano que ele conhece Thomas de Hartmann e sua esposa Olga, duas pessoas que o acompanhariam fielmente até quase o final de seus dias.

Nos anos de 1917 e 1918 Gurdjieff e seus discípulos são forçados a mudanças constantes por causa da Revolução. Por algum tempo eles se estabelecem em Essentucki para então, rumarem para Tbilisi em 1919, em meio a plena guerra civil. É neste ano que Alexandre de Salzmann e sua esposa Jeanne se unem ao seu grupo. Junto com Jeanne e suas alunas, dançarinas treinadas nas técnicas da Ginástica Rítmica de Dalcroze, Gurdjieff faz as primeiras apresentações de Danças Sagradas no Tbilisi Opera House. É nesse ano também que ele funda o Instituto para o Desenvolvimento Harmonioso do Homem. Ao mesmo tempo, a ênfase sobre o estudo das Danças Sagradas se intensifica no sentido da montagem do bale A Luta dos Magos.

No ano seguinte, por causa de problemas sócio-políticos, ele ruma com alguns de seus discípulos para Constantinopla, onde continua seus trabalhos. No final ainda de 1920 Gurdjieff recebe uma carta de Jacques Dalcroze convidando-o a ir para a Europa. Em 1921 eles embarcam para a Alemanha, mas por causa de problemas com passaportes, ele e seu grupo não podem se estabelecer lá. Ouspensky, já em vias de se separar definitivamente de Gurdjieff, havia partido de Constantinopla para Londres. E então, Gurdjieff resolve ir também para Londres, e lá ele conhece um dos discípulos mais importantes de Ouspensky, A. R. Orage, que abandonaria Ouspensky e se uniria a ele. É nessa época que ele conhece também J. G. Bennet. Bennet permaneceria durante os vários anos seguintes sendo um discípulo de Ouspensky, até a morte deste (1947), quando então Bennet se une a Gurdjieff.

A relação entre Gurdjieff e Ouspensky nessa época já estava bastante delicada e Gurdjieff não esconde sua ascendência sobre Ouspensky aos discípulos deste. Alguns então escolhem se unir ao grupo de Gurdjieff e partem com ele para França, onde se estabelecem em outubro de 1922 na Prieure em Fontainebleau-Avon, em Paris.

É nessa fase que seu trabalho floresce completamente. Seus discípulos se unem a ele totalmente no desenvolvimento do bale A Luta dos Magos e em seus estudos e exercícios. Em dezembro de 1923 ele faz a primeira apresentação de seu bale no Teatro de Champs-Elysees.

Em 1924, com 35 de seus discípulos ele embarca para os EUA onde faz apresentações de seu bale em Nova York e Filadélfia. Ao atrair vários interessados, ele funda um novo ramo de seu Instituto em Nova York sob a direção de Orage. É também em 1924, de volta a Paris que ele sofre seu primeiro acidente sério de carro. Ao se convalescer, ele decide começar a escrever seu livro mais importante Beelzebub’s Tales to His Grandson, que seria apenas publicado depois de sua morte.

Nos anos seguintes, frente à constante necessidade por dar estabilidade ao seu trabalho, Gurdjieff aos poucos se separa de seus discípulos mais antigos (notadamente do casal de Hartmann) e também de Orage. Viaja ainda várias vezes para os EUA e termina por fechar a Prieure em 1934, passando a viver em um apartamento ainda em Paris. Nos anos seguintes ele mantém contato com novos discípulos de menor expressão.

Ele sobrevive à Segunda Guerra Mundial e ajuda seus discípulos a superar as privações dos tempos de guerra. Ouspensky morre em 1947 e alguns de seus discípulos, entre eles Bennet, juntam-se ao grupo de Gurdjieff em Paris. Porém em 1948, Gurdjieff sofre um novo acidente de carro, do qual se recupera apenas parcialmente. Gurdjieff morre em 29 de outubro de 1949 e é enterrado em Fontainebleau-Avon.

Além dos livros que foram publicados por seus alunos acerca das metodologias e teoria de sua Escola – o mais conhecido deles, e traduzido para o português é Fragmentos de Um Ensinamento Desconhecido de P. D. Ouspensky – o próprio Gurdjieff escreveu três livros: Encontro com Homens Notáveis, The life is Real only then, when I am e Relatos de Belzebu a seu Neto. O primeiro deles foi também remontado em um filme de Peter Brook sob o mesmo nome. Neste livro Gurdjieff fala dos mestres que ele conheceu e que o influenciaram. O segundo livro é mais fragmentário e foi o único que foi publicado quando ele estava vivo. O terceiro livro, Relatos de Belzebu a seu Neto , é sua obra mais importante e extensa. Nele, sob uma linguagem fortemente incomum, pode ser encontrada a maior parte de sua teoria.

A continuidade e influência do pensamento de Gurdjieff

Não há certeza absoluta do que aconteceu nos momentos que sucederam a morte de Gurdjieff. Ao que parece, ele teria chamado Jeanne de Salzmann em seu quarto pouco antes de sua morte, mas a conversa que houve entre eles é desconhecida. No entanto, existe a afirmação de alguns estudiosos e envolvidos nos trabalhos do Quarto Caminho de que Gurdjieff haveria deixado seus grupos aos cuidados dela. Outros indicam ainda que Idries Shah, um sufi de origem afegã, autor de vários livros, teria comparecido ainda no velório de Gurdjieff e se apresentado como aquele que daria continuidade ao Trabalho.

O fato é que pouco depois da morte de Gurdjieff, Jeanne de Salzmann conclamou a todos os que haviam trabalhado com ele a comparecer e se unir aos grupos do Trabalho, que seriam liderados por ela. Desta sua iniciativa nasce a Fundação Gurdjieff em Paris, ativa até os dias de hoje, principalmente na França e Japão. Essa Fundação, entretanto, nunca chegou a servir como um fator de aglutinação de todas as pessoas que haviam participado ou que tinham interesse em participar do Trabalho. Acusada de adotar uma postura de certa rigidez e elitização, a Fundação chegou a decretar na década de 80 um “voto de silêncio” no sentido de proibir que seus participantes tornassem públicos os “segredos” que ela guardava, procurando restringir principalmente o acesso às técnicas de Movimentos. Esse fechamento parecia mais indicar uma falta de material mais aprofundado acerca das questões essenciais da Escola de Gurdjieff, fato este também sinalizado pela própria busca da Fundação pela Escola de Sarmoung.

Uma crítica frequente a Gurdjieff é que ele não deixou nenhum discípulo preparado para suceder-lhe e atuar como um mestre frente aos seus antigos e futuros discípulos. Jeanne de Salzmann, apesar de ter tentado assumir o Trabalho, permanece mais como a guardiã do material de Gurdjieff, e sua Fundação acaba por atuar mais como um culto ao antigo mestre do que como uma escola real de conhecimento.

Além da Fundação Gurdjieff organizada por Jeanne de Salzmann e seus colaboradores, existiu ainda inicialmente, a tentativa de Bennet, que em associação com Idries Shah, procurou dar continuidade aos ensinamentos de Gurdjieff. É importante enfatizar porém, como já foi dito acima, que Bennet foi durante toda a sua vida, aluno de Ouspensky, juntando-se a Gurdjieff apenas depois que Ouspensky morreu, o que aconteceu dois anos antes da morte de Gurdjieff. Bennet fundou Beshara, um Instituto nos moldes da Prieure na Inglaterra. Porém, ao se associar com Idries Shah, este último convence Bennet a vender-lhe a propriedade inteira, e ao fazer isso, Idries Shah, afirmando uma “impureza” em termos dos ideais e propostas de Beshara, demole as construções e vende o terreno. Mais tarde ele monta uma nova instituição voltada mais à edição e publicação de livros que se chamaria Coombe Springs, que por sua vez, daria origem à famosa editora Octagon. Posteriormente, Beshara foi reconstruída e existe ainda hoje, com o subtítulo de Intensive Esoteric School, promovendo alguns cursos.

Algumas pessoas se organizaram ao redor do trabalho de Bennet, mas seu ramo diminuiu em força depois de sua morte. Um de seus discípulos foi Rodney Collins, autor de alguns livros importantes e que, por sua vez, foi professor de E. J. Gold, um americano que vive atualmente em Nevada City em uma pequena comunidade que busca dar seqüência ao trabalho de Gurdjieff. Autor de vários livros bastante interessantes, Gold se dedica também à formas diversas de arte.

Uma outra derivação atual dos trabalhos de Bennet foi o desenvolvimento de um conjunto de técnicas empregadas em empresas e por profissionais de recursos humanos chamada de Synergetics, que usa o Eneagrama como fundamento. Outros autores também desenvolveram técnicas psicológicas usando o Eneagrama como base, como é o caso de Charles Tart, com o desenvolvimento da idéia dos Tipos Psicológicos e também Claudio Naranjo, mais ligado ao movimento New Age. Outra autora da atualidade que tem ligações com as escolas sufis e utiliza o Eneagrama como apoio de suas teorias é Laleh Bakhtiar que publicou uma série de três livros sob o nome God’s Will Be Done, onde ela propõe uma série de atitudes e reflexões acerca da “cura moral” e condutas esperadas daqueles que se colocam dentro de um caminho espiritual.

É ainda dos grupos de Bennet que surge a Dervish, uma instituição com ramificações inclusive aqui no Brasil. Por longo tempo, a Dervish associou-se a Idries Shah e a seu irmão Omar Ali Shah, mas no início da década de 80, aqui no Brasil, envolveu-se em uma série de escândalos que chegaram a receber a atenção da Interpol. Além do trabalho com grupos de pessoas, a Dervish organizou-se também como editora e traduziu e publicou alguns livros básicos sobre o Quarto Caminho.

Idries Shah continuou atuante até sua morte no final da década de 90. Ele afirmava ser um Sayed, ou seja, um descendente direto da família do Profeta Muhammad. Seu pai era um sufi importante e autor de um livro básico sobre sufismo. Idries Shah afirmava ter estado também em Sarmoung no Afeganistão. Algumas descrições de sua estadia nesta Escola foram inclusive registradas em alguns de seus livros. Porém, pouca certeza existe acerca desses relatos. Autor de uma obra extensa, ele se dedicou também a coletar as chamadas “histórias de ensinar” que surgiram ao longo do tempo. Publicou coletâneas dessas histórias sob títulos diversos, entre eles Histórias dos Dervixes e a Gazela Velada, assim como uma coletânea das histórias de Nasrudin. Sob o pseudônimo de Rafael Leffort, ele escreveu alguns livros criticando o trabalho de Gurdjieff, afirmando que suas bases não eram verdadeiras. Apesar de permanecer como um personagem dúbio, sua obra literária permanece como sendo talvez, seu maior legado.

É importante abrir aqui um parênteses sobre Sarmoung. Na maioria das vezes, a referência à Sarmoung é feita em termos de um Monastério, ou seja, um lugar físico localizado em algum ponto geográfico talvez no Afeganistão. Porém, a definição mais precisa de Sarmoung é a de uma Escola de Sabedoria que não necessariamente existia (ou existe) como um lugar físico, mas sim como uma tradição envolvendo homens e mulheres, cuja função era coletar, manter e desenvolver os conhecimentos espirituais mais importantes para a humanidade. Ou seja, se existe um “lugar” onde esse conhecimento se concentra, é na própria mente e coração das pessoas que faziam e fazem parte dessa linhagem. O próprio símbolo de Sarmoung refere-se a essa atitude de seus participantes: foi escolhido uma abelha para simbolizar essa tradição, uma referência direta ao trabalho de coleta e proteção daquilo que seria o néctar da humanidade. Quando se faz referência ao fato de Gurdjieff ou seus associados terem descoberto Sarmoung, essa referência deve ser compreendida frente à essa explanação. Porém, se isso realmente aconteceu no caso de Gurdjieff, o contato dele com essa Escola de Sabedoria, deve ter acontecido de forma superficial, talvez num espaço curto de tempo, pois não vemos um aprofundamento dos temas e técnicas principais de sua Escola seja em seus escritos ou no desenvolvimento de sua tradição como um todo. (Para maiores referências sobre esse assunto ver Scott 1983 e Bennet 1977).

Um outro segmento que surge depois da morte de Gurdjieff é um grupo que se denomina de Gurdjieff-Ouspensky. Esse grupo, atualmente, ganhou um certo destaque, infelizmente de forma negativa, com a Fellowship of Friends de Robert Earl Burton. Esse grupo tinha princípios extremamente elitistas e aceitava apenas pessoas das altas camadas sociais. Uma série de escândalos foram descobertos recentemente acerca do uso dos fundos monetários e também de ordem sexual. Isso denegriu bastante a visão das derivações do trabalho de Gurdjieff frente à mídia.

Muitos outros grupos menores surgiram ao longo do tempo que afirmavam ser continuadores do pensamento de Gurdjieff. A maioria centrou-se num “guru” carismático e não teve continuidade depois de sua morte.

Um dos continuadores dos trabalhos de Gurdjieff foi Boris Mouravieff, um russo que chegou a conhece-lo, apesar de não ter participado diretamente de seus grupos. Ele foi para a Suíça, onde passou a escrever uma obra dedicada a buscar as conexões entre o Cristianismo e o Trabalho, pois o próprio Gurdjieff afirmava que o Trabalho era uma forma avançada de Cristianismo Esotérico. Depois de sua morte em 1972 seu trabalho permaneceu esquecido para, mais recentemente, reviver nos EUA.

Outra personalidade atual que se diz um continuador do Trabalho é N. Tereschenko, também russo, e que vem publicando alguns livros sobre o assunto. Patrick Patterson, um americano, é outro autor atual que afirma ser um continuador do Quarto Caminho e que tem buscado associar ao Quarto Caminho outras tradições como o Zen Budismo. Existem também na Austrália alguns grupos que dão seqüência à tradições de Gurdjieff e se apoiam nos materiais de M. Nicoll e de Bennet.

Assumindo formas diferente, as idéias de Gurdjieff se dispersaram nos anos que seguiram sua morte. Podemos ver referências de seu trabalho, veladas ou explícitas, em vários segmentos humanos como certas revistas em quadrinhos, teatro e cinema, nas idéias veiculadas por grupos artísticos como o Monthy Python e até na série Jornada nas Estrelas, com a divisão clara dos 4 personagens principais assumindo as características dos 4 primeiros Tipos Psicológicos que Gurdjieff descrevia: o homem motor, o emocional, o intelectual e o homem esperto.

Na Psicologia suas idéias também exerceram forte influência, não só através do uso do Eneagrama e das Tipologias como citado acima, mas principalmente com a idéia dos múltiplos “eus” ou personalidades e também com a idéia da mecanicidade das reações humanas. O primeiro destes tópicos viria a abalar algumas das convicções e práticas mais arraigadas da Psicologia Clássica.

É curioso notar que a alguns anos atrás o trabalho de Gurdjieff não recebia muito crédito. Ele era freqüentemente confundido com mais um guru, um personagem polêmico e algo charlatão. Porém, de algum tempo para cá, essa visão mudou e vemos hoje várias referências de cunho mais acadêmico ao seu trabalho. Além das referências dentro da Psicologia, vemos outras citações de seus trabalhos em vários segmentos da cultura e arte contemporâneas.

Talvez a herança mais importante da Escola de Gurdjieff tenha sido o fato que, sua idéia básica de que o homem está adormecido, de uma forma ou de outra, acabou por ser incorporada nas massas e passou a ser praticamente de domínio público. Esta idéia não só está presente como também é reconhecida pelas pessoas como sendo verdadeira. Isso não implica que a maioria das pessoas consiga modificar o estado de adormecimento, e nem mesmo que elas reconheçam a fonte dessa afirmação como sendo Gurdjieff, mas ela existe incorporada na cultura humana e pode ser reconhecida com facilidade. É importante frisar que essa idéia em si não é nova, mas no entanto, ela parece ter sido incorporada por um número bastante grande de pessoas depois do trabalho de Gurdjieff e seus discípulos.

As fontes de Gurdjieff e as críticas mais freqüentes ao seu trabalho

Muito se fala das viagens que Gurdjieff realizou ao longo de sua vida e dos constantes contatos com professores e tradições diversas. Porém, apesar de pouco citado, Gurdjieff parece ter sido influenciado principalmente pela Teosofia de Blavatsky. Uma análise do material teosófico mostra várias conexões com o do Quarto Caminho.

Além da Teosofia, um outro personagem que parece ter sido uma fonte importante para Gurdjieff é P. B. Randolf da Pensilvânia. Randolf também é citado nos trabalhos relacionados com a Teosofia e ele parece ter sido uma fonte não só para Gurdjieff como também para Aleister Crowley, um personagem polêmico, também contemporâneo de Gurdjieff, cujo trabalho desperta muita curiosidade entre vários grupos ocultistas que existem atualmente. Crowley e Gurdjieff chegaram a se conhecer. Crowley visitou a Prieure, mas ambos se desentenderam e não chegaram a desenvolver um contato mais próximo.

É importante mencionar também a conexão com Jacques Dalcroze, um austríaco contemporâneo de Gurdjieff e professor de Jeanne de Salzmann. Dalcroze desenvolveu um método de educação musical chamado de Ginástica Rítmica. Em seus fundamentos ele afirma que todo o processo de aprendizado pode ser estimulado através do uso de ritmos musicais e movimentos corporais. Extenso material pode ser encontrado atualmente sobre sua escola. As técnicas corporais de Dalcroze são bastante semelhantes às utilizadas por Gurdjieff em seus estudos de Movimentos e Danças Sagradas, técnica nuclear de sua escola e que como dito acima, foi apresentada no bale A Luta dos Magos. Parece que ao incorporar Jeanne de Salzmann e um grupo de suas alunas ao seu Instituto, Gurdjieff somou à sua própria metodologia muito da escola de Dalcroze.

Seria pouco correto falar sobre as influências que Gurdjieff recebeu sem citar o Sufismo de forma mais cuidadosa. Muitos de seus biógrafos afirmam que ele esteve em contato com muitas linhagens sufis em suas andanças e que estes teriam sido uma fonte importante de conhecimento para ele. O Sufismo é uma tradição cujas origens podem ser discutidas apenas com muita dificuldade. Idries Shah escreveu um extenso livro que costuma ser colocado como uma referência sobre esse assunto. O Sufismo é constantemente associado com a religião islâmica, porém, ele pode ser encontrado na raiz de muitas religiões, fortemente identificado com o caráter mais interno e esotérico delas. De uma forma ou de outra, durante muito tempo, o Sufismo foi associado com o que havia de mais perfeito em termos da busca religiosa e parece que a tentativa de associar Gurdjieff ao Sufismo buscava legitimar a tradição dele. Porém, é possível reconhecer a presença da influência do Sufismo no Quarto Caminho apenas em algumas das assertivas básicas do seu corpo teórico (ver próximo tópico). Gurdjieff sempre deu uma ênfase científica e psicológica ao seu trabalho, sem dúvida para tentar atrair as mentes ocidentais, e o aspecto religioso de sua tradição fica sempre em segundo plano, apenas com algumas poucas referências no seu livro Beelzebub’s Tales. Além disso, o Sufismo se apoia em uma série de técnicas básicas e qualquer estudioso que se debruce sobre essa tradição perceberá a ausência delas na tradição de Gurdjieff. Por outro lado, um fato curioso, é que alguns xeiques sufis se interessaram pelo trabalho de Gurdjieff e buscaram mesmo aplica-lo em suas escolas, como é o caso de um dos xeiques dos Halveti al Jerrahi que afirmava que os métodos de Gurdjieff podiam ser interessantes no início do treinamento dos discípulos. Esse interesse do Sufismo em Gurdjieff provavelmente, é devido mais a necessidade deles por uma linguagem que o ocidente aceite e reconheça do que a uma falta de técnicas e conhecimentos, que são bastante variados e sofisticados no Sufismo.

Aliás, esse ponto introduz uma das críticas mais importantes que se faz ao Quarto Caminho. Apesar de apontar para as dimensões superioras do ser humano, utilizando-se dos modelos dos Centros Emocional e Intelectual Superiores, por exemplo (ver próximos tópicos), muito pouco se é dito de como desenvolve-las. Todas as afirmações básicas se fundamentam em questões mais psicológicas, como a falta de atenção, a mecanicidade, a multiplicidade dos eus, e as técnicas descritas atuam fundamentalmente sobre estas áreas. As próprias descrições das atividades de Gurdjieff e de seus discípulos, apontam sempre para o desenvolvimento da área motora, com suas danças e exercícios de super esforço, e muito pouco se sabe de técnicas mais profundas e sofisticadas que ele teria desenvolvido. Por exemplo, o controle das emoções negativas é apontado como sendo um dos trabalhos que Gurdjieff desenvolvia em relação às emoções. Suas referências sempre descrevem as emoções negativas, como ódio, inveja, raiva, medo, etc., mas, tendências atuais do Trabalho afirmam que o trabalho sobre apenas esse aspecto das emoções não basta. As emoções negativas seriam as emoções reativas e incluiriam portanto, a alegria, prazer, etc.. Ou seja, não se trata apenas de controlar algumas emoções específicas, mas sim de controlar o aspecto mecânico e reativo das emoções como um todo. E ainda assim, essa seria apenas uma das primeiras técnicas de trabalho sobre as emoções. Um desenvolvimento efetivo do Centro Emocional Superior implicaria em outras técnicas, algumas das quais serão descritas nas páginas que se seguem.

Apesar das críticas colocadas, deve-se compreender que, ainda assim, o corpo de conhecimento de Gurdjieff constitui-se uma das tentativas mais importantes, que surgiu ao longo da humanidade, de promover um crescimento genuíno do ser humano. Por ser extremamente direto, prático e objetivo, ele oferece pouco espaço seja para condescendência com o estado de adormecimento ou ilusões acerca de um falso crescimento. É importante notar que Gurdjieff inseriu-se dentro de uma linhagem mestres pertencentes à Escolas de Sabedoria que existiam antes dele e que continuam atuando ainda hoje, de uma forma geralmente mais oculta.

Os fundamentos básicos de sua Escola e as técnicas principais serão apresentados nas páginas que se seguem. É necessário enfatizar que muito do que será apresentado a seguir é fruto de estudos da bibliografia relacionada ao material de Gurdjieff e principalmente, de estudos em grupos e contatos com tendências atuais do Trabalho, de tal forma a expandir e aprofundar a visão inicial que Gurdjieff apresentou.

Autoria: Grupo Sol – Instituto Nokhooja

 

1866 ~ 1949


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