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A idéia de Thelema surgiu no delicioso livro Gargantua de François Rabelais. Este monge resume em linhas simples como era a Abadia de Thelema: “Toda a sua vida era orientada, não por leis, estatutos ou regulamentos, mas de acordo com a própria vontade e livre-arbítrio. Levantavam-se da cama quando bem lhes parecia; bebiam, comiam, trabalhavam e dormiam quando lhes vinha o desejo. Ninguém os despertava, ninguém os forçava a comer, nem a beber, nem a fazer qualquer coisa. Assim o estabelecera Gargantua. Todo o seu sistema se resumia nesta cláusula única:
Fay Ce Que Voudras.”[1]
Assim, era possível cultivar a honra própria de cada indivíduo, naturalmente, sem a vil sujeição a obrigações impostas pela sociedade. O que ele queria dizer é que há uma “virtude” natural no ser humano, quando não lhe é imposta nenhuma barreira à livre expressão do Self. De fato, descartando as virtudes pré-fabricadas e impostas por terceiros, a pessoa pode ser o melhor de Si.
Ouvi contar uma história que, num reino, o Soberano era muito amigo do cozinheiro. Sempre o visitava na cozinha e conversava bastante com ele. Após algum tempo, virou-se para o cozinheiro e disse “Você tem sido muito zeloso nas suas funções em todos estes anos que me serviu. Concedo-lhe agora um desejo.” O cozinheiro respondeu: “Meu Rei, sempre quis ser um nobre.” O Rei disse: “Está concedido. A partir de agora, você é barão. Amanhã não precisa mais vir à cozinha, pode ir direto à corte.” O cozinheiro ficou muito feliz. No dia seguinte, apareceu na corte, mas o rei passou direto por ele, sem lhe dar a mínima atenção. Sem entender, o cozinheiro aproximou-se do rei e perguntou o que havia ocorrido. “É muito simples”, respondeu o rei, “ontem você era o melhor cozinheiro do meu reino, hoje você é o pior dos barões.” A grande lição é que não importa muito o título que você ostente, mas o que você realmente é na sua natureza. Há cozinheiros por aí que se transformam em grandes “chefs”, ganham muito dinheiro e prestígio social. O importante é você investir no que você é, entrar no seu próprio fluxo, e dissipar as barreiras que lhe impeçam esse propósito.
Aleister Crowley revivificou o conceito de Rabelais, formulando Do what thou wilt shall be the whole of the law.[2] É óbvio que “faze o que tu queres” não é o mesmo que “faze o que te agrades”. Ao mesmo tempo que a fórmula implica a mais alta liberdade, também denota a mais alta responsabilidade, ou no sentido místico, “a mais estrita das injunções”. Neste sentido, acentua-se a diferença entre desejo e vontade, que o Autor discorreu num outro ensaio. Thelema é uma palavra grega, que significa Vontade. Gematricamente, o seu valor é 93, que é o mesmo de Agape (“amor”; outro vocábulo grego), daí resultando a construção da fórmula Love is the law, love under will.[3] Conclui-se que a natureza da vontade universal é amor.
O sentido de Thelema significa também que cada pessoa é uma estrela e, portanto, pode se mover em sua própria órbita, sem necessidade de chocar-se com a órbita de outra estrela. Para tanto, é necessário descobrir a sua Verdadeira Vontade e fazê-la “com propósito único, desprendimento e paz”, conforme a mensagem do Mestre Therion[4]. Se o buscador obrar a sua verdadeira vontade, ninguém dirá “Não!”. O cosmos conspira para que ela se realize.
[1] Faze o que tu queres.
[2] “Faze o que tu queres, há de ser o todo da lei.” Qualquer tradução implica em traição, então o autor usou o original.
[3] “Amor é a lei, amor sob vontade.”
[4] Aleister Crowley.
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