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Cultos Afro-americanos

A Crônica do Passarinho que Morreu de Magia ou “Não Mexa com Quem Está Quieto”

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A. Morte

 Poema sobre a existência

 Aonde vais, caminhante, acelerado?
Pára…não prossigas mais avante;
Negócio, não tens mais importante,
Do que este, à tua vista apresentado.

Recorda quantos desta vida tem passado,
Reflete em que terás fim semelhante,
Que para meditar causa é bastante
Terem todos mais nisto parado.

Pondera, que influído d’essa sorte,
Entre negociações do mundo tantas,
Tão pouco consideras na morte;

Porém, se os olhos aqui levantas,
Pára…porque em negócio deste porte,
Quanto mais tu parares, mais adiantas.

Capela dos Ossos – Évora, Portugal

Passarinho é o nome fictício de uma pessoa que conheci desde a minha infância e nunca teve responsabilidade na magia. Passarinho sempre gostou muito de frequentar todo o tipo de terreiros de matriz afro-brasileira, além de benzedeiras e de ir à missa assiduamente aos sábados com sua mãe. Passarinho dedicava sua vida aos caprichos dessa mesma mãe e praticamente viveu para ela e por ela.

Passarinho somente frequentava os terreiros como consulente. Convidada para “entrar para a gira” [1] se negou dando a desculpa de que não gostava de usar saia (risos). Na verdade, Passarinho não queria era assumir responsabilidades.

Enquanto isso eu, que sou frequentadora de terreiro e fundamentada no axé, conheço o suficiente sobre minhas responsabilidades mágicas ao ponto de, antes de realizar qualquer ato mágico, entender as responsabilidades que isso implica: energias envolvidas, pessoas envolvidas (no caso de ataques), elementos a serem utilizados e o principal, a proteção tanto de quem produz a magia quanto de quem irá recebê-la (vide magia de amor X amarração, tema para demais textos).

Passarinho, sua mãe e, eu diria, toda sua família, tem o péssimo hábito de achar que estão sob ataque o tempo todo. A frase que mais se houve naquela casa é: Fizeram “macumba” [2] pra mim!

A mãe de passarinho se encantou pela roseira de minha casa que, na verdade, pertencia à minha Pombagira e me pediu uma muda. Eu prontamente fiz algumas mudas e dei uma de presente para ela e, em menos de dois dias, a mesma caiu doente e a culpa foi da famosa macumba, minha, óbvio. Mas eu em momento algum gastei meia vela com ela. Até porque, até então, não havia motivos.

Não gostei das acusações e burburinhos decidindo então levar o assunto aos meus guias, obvio.

Passarinho tinha problemas com quase todos os vizinhos e sempre dizia que estavam fazendo macumba pra ela. E ela tinha uma mania de perseguição absurda ao ponto de, se ela encontrasse com você caminhando na rua indo para o trabalho, já colocava na cabeça que você foi atrás dela para jogar, adivinhe? Macumba (risos)…

Passarinho então decidiu atacar a todos, pagou caro por isso, gastou cada centavo de seu dinheiro para dar vazão à sua vingança e mania de perseguição, porém não levou em consideração que todas essas pessoas também tinham sua proteção e que, segundo consta pelo menos na minha tradição, quando você ataca alguém sem motivos, o retorno é certo. Claro que eu estava “no pacote” dos ataques, afinal, a culpa da doença de sua mãe era minha macumba na rosa que lhe dei de presente.

Sou uma pessoa geniosa e generosa. Dei a rosa de minha Pombagira maravilhosa com amor e sem qualquer intenção para o mal. Mas exu vê, ouve e sabe tudo. Quando fui acusada indevidamente o meu lado genioso veio à tona. Não gastei sequer um pavio de vela, apenas disse: se alguém estiver dizendo que fiz a magia que não fiz, rogo à minha Pombagira que me mostre e se foi feito algo contra mim indevidamente, rogo aos meus exus que corram gira, tomem conta e prestem conta. Ao que me deram duas semanas e, em duas semanas, Passarinho caiu doente.

Passarinho desenvolveu uma hepatite severa e entrou em coma em duas semanas. Após sair do coma ela se tornou um vegetal amarelo e sem vida. Retornou para a casa por menos de dois dias e precisou ser internada novamente. Sua mãe me contou que antes dela morrer a rosa que dei a ela caiu no chão e ela soube que era Passarinho avisando de sua morte.

Vou dizer que chorei de forma genuína, afinal, não era exatamente isso que eu queria. A questão é que não fui a única pessoa que ela decidiu atacar sem qualquer razão. O que é válido dizer sobre essa história é que não devemos mexer com quem está quieto. Antes de qualquer ato mágico é necessário ponderação, estudo e, principalmente, certeza.

Finalizo essa história com a frase que sempre me fez refletir muito quando ao caminhar entre os mortos, escrita à entrada da Capela dos Ossos de Évora, Portugal: “Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos.”

Notas:

[1] Entrar na gira: Ato de passar a frequentar uma casa de axé (seja candomblé, umbanda, etc) participando ativamente de suas atividades como membro assíduo e parte da corrente.

[2] Macumba: é um instrumento de precursão de origem africana, porém é um termo popular que designa as práticas de magia de origem afro-brasileira. Considerado por alguns como um termo pejorativo e muito utilizado, inclusive, entre os próprios praticantes para falar sobre nossas práticas.


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