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Arthur Edward Waite
Excerto de A Chave Pictórica do Tarot
O Tarô engloba apresentações simbólicas de idéias universais, atrás das quais ficam todos os subentendidos da mente humana, e é nesse sentido que elas contêm a doutrina secreta, que é a compreensão, por parte de poucos, de verdades engastadas na consciência de todos, embora não reconhecidas expressamente pelos homens comuns. A teoria é que essa doutrina tenha sempre existido, isto é, tenha sempre se manifestado na consciência de uma minoria de eleitos; que tem sido perpetuada em segredo passando de um a outro, e registrada em literaturas secretas, como as da Alquimia e da Cabala; que também está contida nos Mistérios Instituídos, dos quais a Rosa-cruz oferece um exemplo próximo de nós no passado, e a Maçonaria um sumário vivo, ou um memorial generalizado, para aqueles capazes de interpretarem sua significação real. Por trás da Doutrina Secreta, afirma- se haver uma experiência ou prática que justifica a Doutrina. É claro que em um livro como este, pouco mais posso fazer do que mencionar as afirmações, que, contudo, foram discutidas amplamente em vários de meus outros escritos, ao mesmo tempo que se destinam a tratar de dois dos seus aspectos mais importantes livros dedicados à Tradição Secreta da Maçonaria e à literatura Hermética. No que diz respeito às afirmações sobre o Tarô, devemos nos lembrar de que uma parte considerável da mencionada Doutrina Secreta é apresentada nos emblemas pictóricos da Alquimia, de modo que o alegado Livro de Tot não é de Modo algum um instrumento isolado dessa espécie emblemática. Ora, a Alquimia tinha dois ramos, como expliquei plenamente alhures, e os emblemas pictóricos que mencionei são comuns a ambas as divisões. Seu lado material é representado no estranho simbolismo do Mutus Liber, impresso nos grandes in-fólios de Mangetus. Ali, o processo de consecução do grande trabalho de transmutação é mostrado em quatorze gravuras em chapas de cobre, que apresentam as diferentes fases da matéria nos vários recipientes químicos. Acima desses recipientes, há símbolos mitológicos, planetários, solares e lunares, como se as potências e virtudes que — segundo o ensinamento hermético — presidem a evolução e aperfeiçoamento do reino metálico estivessem intervindo ativamente para ajudarem os dois agentes que estão atuando embaixo. Os agentes — é bem curioso — são macho e fêmea. O lado espiritual da Alquimia é apresentado nos emblemas muito mais estranhos do Livro de Lambspring. Ali está contido o mistério do que é chamado de elixir místico ou arquinatural, sendo o casamento da alma e do espírito no corpo do filósofo iniciado e a transmutação do corpo como resultado físico de tal casamento. Nunca defrontei com deduções mais curiosas do que naquela pequena obra. Pode-se mencionar o fato de serem ambos os tratados muito posteriores à mais recente data que pode ser assinalada para a distribuição generalizada de cartas de Tarô na Europa pela mais severa forma de crítica. Pertencem respectivamente ao fim do Século XVII e Século XVI. Como não recorro aqui à fonte da imaginação para completar à dos fatos e experiência, não sugiro que o Tarô apresente o exemplo da expressão da Doutrina Secreta por meio de figuras e que isso foi seguido pelos autores herméticos; mas é admissível que talvez seja o mais antigo exemplo dessa arte. E também o mais católico, uma vez que não é, por atribuição ou por outro modo, um derivado de qualquer escola ou literatura de ocultistas; também não é da Alquimia, Cabala, Astrologia ou Magia Cerimonial; mas, como tenho dito, é a apresentação de idéias universais por meio de tipos universais, e é na combinação desses tipos se tal se dá — que apresenta a Doutrina
Essa combinação pode, ex hypothesis, residir nas seqüências numeradas de suas séries ou em sua reunião fortuita obtida embaralhando, cortando e distribuindo cartas, como nos jogos de azar comuns jogados com cartas de baralho. Dois autores adotaram o primeiro ponto de vista sem prejuízo do segundo, e parece-me que devo explicar logo o que disseram. Mr. Mac-Gregor Mathers, autor de um folheto sobre o Tarô, dedicado principalmente à leitura da sorte, sugere que os vinte e dois Trunfos Maiores podiam ser construídos, seguindo a sua ordem numérica, para formar o que é chamado de sentença associada. Tratava-se, de fato, das manifestações de uma tese moral sobre a vontade humana, seu esclarecimento pela ciência, representada pelo Mágico, sua manifestação pela ação — significação atribuída à Alta Sacerdotisa — sua realização (a Imperatriz) em atos de misericórdia e benevolência, cujas qualidades eram atribuídas ao Impera-dor. Também falou ele sobre o modo familiar, convencional, de prudência, fortaleza, sacrifício, esperança e afinal felicidade. Mas se essa fosse a mensagem das cartas, é claro que não haveria desculpa para se dar ao trabalho de elucidá-las de algum modo. Em seu Tarô dos Boêmios, obra escrita com zelo e entusiasmo, sem poupar esforços de pensamento ou pesquisa dentro de suas linhas particulares — mas infelizmente sem real discernimento — o Dr. Papus apresentou uma explicação singular-mente elaborada dos Trunfos Maiores. Ela depende, como a de Mr. Mathers, de sua seqüência numérica, mas mostra o seu inter- relacionamento com o Mundo Divino, o Macrocosmo e o Microcosmo. Em seu modo de ver, temos como que uma história espiritual do homem, ou da alma vinda do Eterno, penetrando nas trevas do corpo material, e regressando às alturas. Acho que o autor se distancia sensivelmente do caminho certo, e seus’pontos de vista são até certo ponto informativos, mas o seu método sob alguns aspectos — confunde as questões, os dispositivos e as maneiras de
Os Trunfos Maiores também têm sido tratadas pelo método alternativo que mencionei, e Grande Oriente, em seu Manual de Cartomancia, à guisa de um modo de adivinhação transcendental, realmente ofereceu o resultado de certas leituras ilustrativas das cartas quando dispostas em resultado de uma combinação por meio do embaralhamento e da distribuição. O uso de métodos divinatórios, qualquer que sejam a intenção e o objetivo, traz consigo duas sugestões. Pode-se supor que as significações profundas são antes atribuídas que reais, mas isso é afastado pelo fato de haver certas cartas, como o Mágico, a Alta Sacerdotisa, a Roda da Fortuna, o Enforcado, e Torre ou Maison Dieux, e várias outras, que não correspondem às Condições de Vida, Artes, Ciências, Virtudes ou outros assuntos contidos nos denários da figuras emblemáticas de Baldini. Há também provas positivas de que óbvias e naturais moralidades não podem explicar a seqüência. Tais cartas mostram relacionarem-se de outra maneira; embora o estado em que deixei o Tarô no que diz respeito ao seu lado histórico seja o mais difícil, por ser o mais aberto, as cartas indicam a questão real com que estão relacionados. Os métodos mostraram também que os Arcanos Maiores foram pelo menos adaptados à leitura de sorte, e não que a isso pertençam. As significações divinatórias comuns, que serão apresentadas na terceira parte, são atribuições muito arbitrárias, ou o produto de intuição secundária e desinformada; ou, na melhor hipótese, pertencem ao caso em um plano inferior, separado da intenção original. Se o Tarô fosse em suas raízes destinado à leitura da sorte, teríamos de procurar em lugares muito estranhos o motivo de tal coisa: na Feitiçaria e no Sabá Negro, antes que em qualquer Doutrina Secreta`
As duas classes significativas relacionadas com o Tarô nos mundos superior e inferior e o fato de que nenhum ocultista ou outro escritor tenha tentado atribuir algo mais que uma significação divinatória aos Arcanos Menores, justificam, de mais uma maneira, a hipótese de que as duas séries não pertencem uma à outra. É possível que o seu casamento tenha se efetuado em primeiro lugar no Tarô de Bolonha por aquele Príncipe de Pisa a que me referi na primeira parte. Diz-se que esse recurso lhe assegurou o reconhecimento público e recompensa por parte da cidade que adotara, o que dificilmente teria sido possível, mesmo naqueles dias fantásticos, pela produção de um Tarô que apenas omitisse algumas das cartas menores; mas, como estamos tratando de uma questão de fato, que tem de ser atribuída a algo, é concebível que possa ter sido criado uma sensação pela combinação de cartas menores, de jogo, com o baralho filosófico, e pela adaptação de ambos a um jogo de azar. Depois, teria sido mais uma vez adaptado a outro jogo de azar chamado de leitura da sorte. Deve ficar entendido aqui que não nego a possibilidade de adivinhação mas, como místico, oponho-me à maneira com que são levadas as pessoas para tais caminhos, como se elas tivessem qualquer relação com a Procura Mística.
As cartas de Tarô publicadas com a edição resumida da presente obra, isto é, com a Chave Pictórica do Tarô foram desenhadas por Miss Pamela Colman Smith, e serão, acredito, consideradas como notáveis e muito belas, tanto em sua concepção como em sua execução. São reproduzidas na presente edição ampliada da Chave como meio de referência ao texto. Diferem, em muitos e importantes aspectos, dos convencionais arcaísmos do passado e dos lamentáveis produtos de lançamentos que ora nos vêm da Itália, e resta-me justificar as suas variações no que diz respeito ao simbolismo. O fato de apresentar pela primeira vez no tempo moderno um baralho que é trabalho de um artista não pre- cisa, penso eu, ser justificado, mesmo para as pessoas — se algumas delas permanecem entre nós — que costumavam ser descritas e se chamavam a si mesmas de muito oculta. Se alguém olhar o belo Valete do Tarô, que é apresentado em uma das gravuras de Fatos e Especulações a respeito da História das Cartas de Jogar de Chatto, verá que a Itália, antigamente, produziu alguns esplêndidos baralhos. Eu muito desejaria que fosse possível restaurar e retificar as cartas no mesmo estilo e no mesmo tamanho; tal coisa teria feito plena justiça aos modelos, mas o resultado teria se mostrado inexeqüível para as finalidades práticas relacionadas com as cartas, pelo que se deve admitir a hipótese, quaisquer que sejam os meus pontos de vista sobre o caso. Sou o único responsável pelas variações do simbolismo pelas quais os desenhos tenham sido afetados. No que diz respeito aos Arcanos Maiores, não resta dúvida de que estão sujeitos a provocar críticas por parte dos estudiosos, reais e imaginárias. Quero portanto dizer, dentro dos limites da cortesia e de la haute convenance, dominante na irmandade de pesquisas, que não me preocupo com qualquer opinião que possa ser expressada. Há uma Tradição Secreta a respeito do Tarô, assim como uma Doutrina Secreta nele contida; segui uma parte da mesma, sem exceder os limites que estão traçados acerca dos assuntos dessa natureza e pertencentes às leis da honra. Essa tradição tem duas partes, e, como uma delas passou à escrita, parece lícito deduzir que ela pode ser traída a qualquer momento, sem se manifestar, devido à segunda, com o que não significa, como salientei, que não tenha se passado no presente e é sustentado por muito poucos em verdade. Os fornecedores de cópias espúrias e os traficantes de mercadorias furtadas devem ficar bem ciente disso, se a isso se dignarem. Peço, além disso, para ser distinguido de dois ou três escritores que recentemente têm insinuado que poderiam dizer muito mais, se assim quisessem, pois não falamos a mesma linguagem; mas também daquele que, agora ou no futuro, possa afirmar que dirá tudo, porque dispõe apenas dos acidentes e não dos essenciais necessários a tal revelação. Se eu segui o conselho de Robert Burns, guardando comigo algo que dificilmente diria a alguém, ainda assim disse tudo que posso; é a verdade segundo a sua própria maneira, e o tanto quanto posso esperar ou exigir daqueles círculos abertos onde não podem ser esperadas as qualificações para as pesquisas especializadas.
No que diz respeito aos Arcanos Menores, são eles os primeiros, modernamente, mas não em todos os tempos, a serem acompanhados por figuras, além do que é chamado de pévides, isto é, os dispositivos pertencentes aos números dos vários naipes. Essas figuras correspondem às significações divinatórias, que foram tiradas de muitas fontes. Resumindo-se, pois, a presente divisão desta chave está dedicada aos Trunfos Maiores; elucida os seus símbolos no que diz respeito à intenção superior e com referência aos desenhos do baralho. A terceira apresentará a significação divinatória a respeito das setenta e oito cartas do Tarô, e particularmente com referência aos desenhos dos Arcanos Menores. Apresentará, em suma, algumas maneiras de utilização para aqueles que as quiserem, e no sentido das razões que já expliquei no prefácio. O que se seguirá deverá ser encarado, para finalidades de comparação, relacionamento com a descrição geral dos antigos Trunfos do Tarô na primeira parte deste livro. Ver-se-á que a carta zero do Bobo está localizada, como sempre é, no lugar que a torna equivalente ao número vinte e um. A disposição é ridícula superficialmente, o que não significa grande coisa, mas também é errônea no simbolismo, e nem melhora a situação quando é feita substituir o décimo segundo ponto da seqüência. Etteilla reconheceu as dificuldades de ambas as atribuições, mas ainda fez pior destinando o Bobo ao lugar habitual-mente ocupado pelo Ás de Pentáculos como em todas as últimas séries de Tarô. Essa redistribuição foi seguida recentemente por Papus em Le Tarot Divinatoire, onde a confusão não tem grande importância, pois as conclusões da leitura da sorte dependem de posições fortuitas e não do lugar essencial na seqüência das cartas. Já vi, contudo, outra colocação do símbolo zero, que nenhuma dúvida oferece em certos casos, mas falha nos planos mais elevados, e para as nossas exigências atuais seria ocioso levar mais adiante o exame.
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