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Os Aspectos Vampíricos de Exu e Pombagira

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por T.Q.M.B.E.P.N.

Certamente esse é um dos aspectos mais intrigantes da Quimbanda Brasileira, pois aborda uma face desconhecida e inexplorada de Exu. O ato de vampirizar é muito amplo, por isso, necessitamos adentrar na história, mitos e lendas de diversas culturas para entender a complexidade e visualizarmos essas ações dentro do Culto de Exu.

Vampirizar:

(vampiro+izar) vtd 1 Adquirir explorando alguém: Os plutocratas vampirizam dinheiro ao povo. vti 2 Chupar, sugar em: Vampirizar em cadáveres. vtd 3 Explorar, sugar: Ricos proprietários vampirizavam os inquilinos. (Dicionário Michaelis Uol).

História, Mitos e Lendas

Os seres vampíricos são personagens religiosos ou mitológicos/folclóricos encontrados em diversas culturas antigas cuja característica principal era o consumo da essência vital através da ingestão de sangue humano.

A história relata-nos que a existência de seres com essa natureza ocorre desde épocas pré-históricas e alguns autores apontam a feitiçaria egípcia como criadora da raça vampírica, entretanto, o nome “vampiro”, cuja etimologia é um tanto quanto incerta, foi inserido na Língua Portuguesa através da palavra francesa ‘vampire’. Mesmo que seres vampíricos tenham ocorrido em culturas antigas como a mesopotâmica, grega, romana, entre outras, o ser como é conhecido hoje teve sua origem em meados do século XVIII no sudeste da Europa.

Como já explanamos anteriormente, seres vampíricos são tão antigos que dificilmente conseguiremos data-los, entretanto, salientaremos algumas lendas que corroboram com os aspectos que desejaremos explanar:

Vampiros Africanos

Na Nigéria, mais precisamente na Tribo “Igbo” (um dos maiores grupos étnicos africanos e possivelmente o mais atingido com a escravidão), encontramos relatos onde bruxos ‘sugavam a essência’ das vítimas sem que as mesmas percebessem tal ataque. Doenças graves eram vistas como frutos dessa ação vampírica. Nas tribos “Yakö” (também na Nigéria), os bruxos atacavam suas vítimas enquanto estavam dormindo. Tinham o poder de sugar seu sangue ou mesmo esganá-las até a morte.

Inclusive as bruxas eram tidas como criaturas poderosas na cultura africana e ostentavam incríveis e perigosos poderes, dentre esses a habilidade de se transformar em diversas formas animais, ressuscitar os mortos, capturar espíritos, dentre outros. Entre seus ritos macabros, destacam-se a necrofagia e o canibalismo.

Os “Ashanti” (Ghana- África Ocidental) a bruxa (ou bruxo) era chamada de “Abayfo” e sorvia o sangue de crianças durante a noite e se alimentava do medo. Era um corpo habitado por um espírito e isso que a distingue do vampiro como conhecemos atualmente. A versão masculina para esse espírito vampírico é chamado de “Asasabonsan”. Esse ser, descrito como portador de afiadas garras e dentes de ferro, era encontrado nas florestas e sugava o sangue (comia a carne) até a morte caçadores ou qualquer pessoa que cruzasse seus caminhos.

Dentre o Povo de Daomé (Benin) o ser vampírico era chamado de “Asiman”. As características são muito similares a ação dos “Abayfo”.

Em Madagascar, o Povo “Betsileo” acreditava no espírito de Ramanga, um vampiro que bebe o sangue de suas vítimas e come lascas de unhas das pessoas nobres.

Todo enredo do ‘Vampiro Africano’ está baseado no ato de sugar gradualmente o sangue das vítimas através de formas sobrenaturais, cujo resultado era sutil às pessoas. Está muito vinculado à vingança e a morte dos oponentes. Esses aspectos também foram herdados pelo culto de Exu, pois assim como a Tradição Africana, os interessados tramam com seus ‘demônios’ o fim de seus inimigos. Assim como os Europeus, os Africanos compartilhavam o conceito de que existiam pessoas que enfrentavam a morte emanando poderes mesmo depois da falência física. Eram pessoas especiais, fortes, rebeldes e destruidoras, cuja alma possuía uma chama ígnea que as diferenciava das demais.

Pluralidade de Tradições

Pelo mundo encontramos diversas Tradições que possuem pontos em comum. Listaremos algumas delas acrescentando certos comentários:

Índia- Baital (Vietala): Espírito vampírico similar a um grande morcego que habita os cemitérios e toma como habitação corpos em putrefação. Não se alimenta do sangue propriamente dito, mas da energia dos cadáveres. A característica do Vietala é muito similar aos obsessores.

Rakshasa: Seres canibais e perversos que desde a sua origem (vindos durante o sono de Brahma) possuem sede de sangue e fome de carne humana. Uma de suas características são as presas pontiguadas, olhos vermelhos e a prática de beber sangue com as mãos em concha ou na tampa dos crânios. Essas características são deveras semelhantes aos vampiros ocidentais.

China – Ch’iang Shih: Esse ser é formado a partir de almas condenadas e com seus subconsciente escravizados. Amaldiçoados, ficam presos ao corpo carnal vagando em meio a dor da decomposição até que não sentem mais as dores e recebem poderes malignos que os fazem transmutar de formas. São sádicos e cometem atrocidades com suas vítimas e como outros vampiros, bebem o sangue fresco. Uma característica que se assemelha aos vampiros ocidentais é a voracidade sexual. Podem ser exorcizados com sal e alho.

Assíria – Ekiminus:  Fruto de um mal sepultamento, esses espíritos tomam os corpos humanos e só podem ser destruídos com estacas de madeira ou poderosos exorcismos.

Grécia – Lâmia: Era o espírito de uma Rainha que se tornou devorador de crianças, entretanto, o termo se expandiu e acabou sendo usado para outros espíritos que atacavam suas vítimas sugando-lhes o sangue. As lâmias são associadas com Hécate e com Lilith e em outras ocasiões são vistas como malignas sereias.

Strix: Criatura da mitologia romana que era descrita como um pássaro noturno ávido por carne e sangue humano. Possui formas zoomórficas. É descrita como uma mulher coruja, porém, pode se transformar em uma bela mulher que seduz jovens homens.

Vrykolakas: Pessoas que morrem de forma violenta, excomungados, enterrados sem ritos religiosos ou que teve uma vida imoral poderiam se tornar um Vrykolakas. Assim como os vampiros mais modernos, esse ser descansava em seu túmulo e as pessoas que queriam destruí-lo tinham de decapitá-lo, empalá-lo e cremá-lo para garantir que não retornasse. Existem relatos que ocorreram desde 1700 na Grécia.

Mormo: É uma vampira que está a serviço de Hécate. Habitante do submundo, terrível e sanguinária esse espírito, assim como outros, atacava crianças.

Eretica: Alguns dizem ser grego, outros ser de origem russa, Eretica também faz parte das legiões de Hécate. A descrição aponta ser demônio capaz de tomar forma humana, entretanto, assim como em outras culturas trata-se de uma alma feminina condenada pela prática de feitiçaria. Alguns alegam que Eretica são espíritos de mulheres que venderam sua alma ao diabo e assumiu a forma astral de uma idosa vestindo farrapos.

Empusa: Apesar de não ter a característica de um morto-vivo, esse espírito é considerado uma semideusa e possui associação com Mormo e Lâmia. Empusa é um espírito a serviço de Hécate que zela das estradas, devora os andarilhos e se deleita com o sangue de jovens atacados durante o sono. Derivam-se desse nome Empusai e Mormolykiai.

Roma/Itália – Strigolius/Strigoi: Apesar da pouca literatura sobre esse ser, entendemos que se trata de um espírito masculino que vive em cavernas escuras e se alimenta tanto do sangue humano quanto de outros animais. São espíritos amaldiçoados, atormentados, alma de bruxos, bruxas e pessoas malignas. Possuem o dom de se transformar em animais. A versão feminina se chama Strigoaica.

Romênia- Exotericamente é considerada a ‘República dos Vampiros’, berço de diversos mitos e lendas. Destaca-se o mais notório vampiro: “Conde Drácula”. Essa história, fruto do romance homônimo de Bram Stoker, relata uma narrativa fantasiosa e errônea sobre o herói romeno “Vlad Tepes”, conhecido como “Filho do Dragão”.

Moroi: São fantasmas amaldiçoados que saem de suas tumbas para drenar a energia vital de suas vítimas. Muitas vezes são crianças não batizadas que ao morrerem tornam-se espíritos que produzem pesadelos.

Nosferatu: Possivelmente seja o mais célebre dos vampiros, entretanto, sua lenda ultrapassou a fantasia e criou um poderosa egrégora. Temerários da luz solar, esses espíritos são considerados amaldiçoados e presos à matéria deformada, alguns alegam que buscam redenção, outros que são a mais pura expressão de revolta. Certo é que Nosferatu tornou-se um ser repulsivo, morador de ambientes ermos e possuidor de uma força obscura quase desconhecida. São predadores da raça humana. Não são belos e charmosos, ao contrário, aos olhos humanos são repulsivos e seu mundo não é romântico como os descritos em contos e lendas.

Irlanda – Dearg-Dues: É um espírito de uma mulher morta que vaga em busca de vingança, atraindo suas vítimas. Para derrota-la, os Druidas ensinaram que após matá-las com estacas de madeira, muitas pedras devem cobrir a sepultura. Sua ação é muito similar as Leanhaun-shee, entretanto, essas eram muito mais sedutoras e fatais. Essas tradições também existem na Escócia.

Escócia – Boabhan Sith: Vampiro feminino, similar ao banshee irlandês. Segundo sua lenda, trata-se de uma linda mulher que se ergue da sepultura uma vez ao ano e sacia sua fome matando jovens e bebendo seu sangue.

Espanha- Na Espanha temos a lenda de Guaxa que é um idoso que usa seus poderes para sugar suas vítimas e o correlato Guajona. Na Ilha da Madeira aparece o poderoso cão vampírico Dix.

Balcãs- Dhampir: São os filhos resultantes do cruzamento de vampiros com humanos. Tem poderes superiores e não possuem as deficiências do vampiro tradicional. Bebem sangue e podem se alimentar de comida normal.

Hungria- Izcacus: O bebedor de sangue extremamente selvagem que era evocado em certas batalhas.

Sérvia – Vlokoslaks ou Mulos: Geralmente são pessoas atraentes que saem nas ruas se vestindo de branco. São ativos de dia e de noite e, quando necessário, assumem formas zoomórficas. Além de beber o sangue, costumam comer os corpos de suas vítimas. Uma característica interessante é que “Mulos” (mortos) são provenientes da cultura cigana Romani e, além de agressivos, costumam obsidiar seus algozes. Os ciganos também correlacionavam os vampiros com fortes impulsos sexuais.

Bulgária – Krivopijac: Tradicional vampiro, cujas características elegantes o fazem um poderoso predador.

Polônia – Upiertzi: Tenebroso caçador noturno que porta três olhos de fogo. Alguns alegam que se trata de uma alma amaldiçoada ou excomungada que vaga em busca de suas presas. Nasce no frio das catacumbas e tem o dom de chamar outros demônios, em especial os filhos de Judas.

Rússia – Viesczy: Com poderosas presas pontiagudas e um agulhão letal embaixo da língua, esse espírito que é ativo durante o dia e a noite é de extrema voracidade. Lendas dizem que o fogo pode destruí-lo.

Bolívia- Abchanchu: É um viajante que usa um aspecto idoso e necessitado de ajuda para atrair suas vítimas. Quando esses se dispõe, o vampiro as ataca e bebendo o sangue.

Cultura Maia- Camazotz: Deus Morcego da Morte, habitante de Xibalba (submundo).

Tradição Judaica- Estries: Poderosas e lindas vampiras, correlacionadas às aves noturnas predatórias que seduziam, enlouqueciam e matavam suas vítimas (preferencialmente homens). Muito similar aos Succubus, essas vampiras eram sedentas por sangue e poderiam assumir muitas formas, entre as mesmas destaca-se a de um gato.

Europa medieval – Inccubus: Espírito demoníaco masculino que drena a energia vital das mulheres através de atividades sexuais. Acreditamos que a origem dessa definição tenha vindo da Mesopotâmia, através do termo “Lilu” (O Perturbador). Alguns alegam que tal relação é capaz de gerar crianças, pois ocorreria uma coleta involuntária de esperma que posteriormente seria usada, outros alegam que espíritos tomam o corpo do homem como veículo e usam-no para esse fim. A contraparte feminina é chamada de Succubus que possivelmente teve sua origem baseada nas lendas da demônia Lilitu (A Sedutora). A ação de drenagem através do sexo é a mesma.

Brasil- No Brasil a tradição do vampirismo não é tão explicita, mas encontramos alguns seres que possuem características que nos levam a crer que existam fortes associações. Alguns mitos alegam que dentro das Naus Portuguesas esconderam-se vampiros europeus que desejavam fugir da rígida perseguição do Santo Ofício. Chegando nas Terras Brasileiras, se espalharam e criaram núcleos. Existem estórias sobre encontros entre vampiros estrangeiros e locais, entretanto, não sabemos a legitimidade desses, por isso optamos em não citá-los ou transcreve-los.

Cupendipe- Homem morcego pertencente ao Povo “Apinajés”. Esses seres voavam com asas de morcego, moravam em cavernas e portavam machados em forma de ‘meia-lua’ que eram usados para degolar animais e seres humanos.

Caraybaqüeras- Vampiro indígena, sedento de sangue e com conhecimentos ocultos. Tinha poder de transfigurar-se em animais da selva.

Encourado- Homem que trajava uma veste negra feita em couro e possuía hábitos noturnos. Não era sedutor, porém, possuía um dom de aliciamento muito forte. Histórias relatam sacrifícios humanos para afastá-lo de certos povoados, assim como a morte de certos animais (em especial galináceos) servidos na entrada das cidades. Esse procedimento é muito semelhante aos sacrifícios servidos a Exu na entrada de alguns povoados africanos.

Capelobo- Meio-homem, com focinho de anta, portador de unhas e presas, esse ser atacava suas vítimas (homens e animais de grande porte), sugava seu sangue e comia o corpo.

O Arquétipo do Vampiro e as relações com Exu

Todas as descrições anteriores mostram-no um mundo onde a similaridade ultrapassa nosso entendimento e devemos nos atentar para algumas características herdadas pelo Culto de Exu na Quimbanda. Não desejamos uma correlação literal, mas os “ingredientes” formadores da massa modeladora do Diabo certamente foram influenciados por tais arquétipos. Exu, dentro da Quimbanda, assume características opositoras e suas energias são poderosas armas contra o Sistema Escravista, Cíclico e Inerte. Assim, certas codificações adotam uma identidade grupal. Os Poderosos Mortos valem-se de todas as facetas e heranças que formaram o título. Inclusive o título “Exu” carrega o aspecto de embusteiro (assim como os vampiros) desde sua origem ancestral. Podemos vislumbrar isso na máxima: “Ele aproveita-se de suas qualidades para provocar mal entendidos e discussões entre as pessoas ou para preparar-lhes armadilhas.” ¹ A Quimbanda nasceu de uma profunda modificação espiritual e plástica, aproveitando-se de diversas influencias nativas e estrangeiras para a edificação de uma Coluna Luciférica.

Não adentraremos no aspecto plástico (imagem), mas citaremos essas relações através da relação existente nas Cantigas/Pontos de Exu, visto que são orações evocatórias e invocatórias feitas por músicas rimadas. Para corroborar com nossa afirmativa, não usaremos Pontos de nossa autoria, afinal, poderíamos direcionar de maneira tendenciosa.

Em algumas descrições vimos que os bruxos e bruxas eram portadores de conhecimentos negros e profundos que tornavam-se tão temidos quanto os próprios deuses. Isso porque exerciam o completo domínio da vida e da morte. Encontramos em diversos Pontos Cantados a glorificação desses ancestrais satânicos. Destacaremos duas cantigas que exaltam esses antepassados “amaldiçoados” pelos seguidores do ‘Falso Deus’:

“O galo cantou, era madrugada

Saudei tua coroa no meio da encruzilhada

Vermelho e preto é a cor do seu castelo

Soberana do Exu, ela comanda o Império

Exu vai correr gira e para ela pede licença

No meio do cruzeiro é majestade ela é Alteza

Vem girar rainha levanta do trono!

Vem saudar o cruzeiro, vem balançando os ombros!

Na ponta do seu garfo está sua defesa

A bruxa de Satã e no cruzeiro ela é Alteza!”²

“Eu arriei, em um cruzeiro fechado

Sete garrafas de marafo e sete maços de cigarro

Galinha preta, farofa, vela e dendê

Buque de flor de defunto, pô de pimenta e um padê

Veio a Mulambo, com a vassoura de trapo

Mexendo em um caldeirão, fervendo sangue de gato

Ela é bruxa das almas ela é o Exu

Na boca do lixo é Maria Mulambo!

Eu andava fumando e bebendo Mulambo

Eu fiquei em um abandono, eu perdi a mulher que amo

A Mulambo amarrou um casal de bonecos do farrapo

Matou ‘quatro pés’ no buraco e até hoje eu sou grato

E o nome desta bandida, costurou na boca de um sapo

Ela é bruxa das almas ela é o Exu

Na boca do lixo é Maria Mulambo!” ³

Nos pontos descritos, podemos apontar a relação dos Exus com o cemitério. Outro aspecto é a relação com as covas e túmulos.

“Abre essa cova quero ver tremer

Abre essa cova quero ver balancear

Maria Padilha das Almas

O cemitério é o seu lugar

É no buraco que a Padilha mora

É na lomba que a Padilha vai girar!”

A similaridade na antropofagia e canibalismo:

“Exu Caveira comedor de carne crua

Espera o seu lá no meio da rua!”

As unhas (garras) e pontiagudas também fazem parte da formulação de uma postura particular. Podemos ver isso no Ponto Cantado:

“De unhas grandes, de braços fortes, Exu (dizer o nome do Exu) vem trazendo a sorte!”. Esse ponto também tem uma versão que exalta seus poderes mortais: “De unhas grandes, de braços fortes, Exu (…) vem trazendo a morte!”.

Os dentes pontiagudos fazem parte da iconografia de muitas legiões. Encontramos essa característica principalmente nos Exus que carregam nomes de animais tais como: Exu Pantera Negra, Lobo, Morcego, Sete Presas, Asa Negra, entre outros.

“Deu meia-noite só vejo a presa brilhar

Oferto esse galo preto

Pra meu inimigo matar!

Exu Asa Negra, leve inimigo embora

Ele jurou me matar

Mas ainda não chegou a hora!”

A sexualidade é exaltada em muitos Pontos Cantados. Geralmente acendem o poder sedutor usando a beleza, vestes exuberantes e rosas vermelhas. Sua presença é perturbadora e tanto homens quanto mulheres que desconhecem sua essência são facilmente presos em suas “teias invisíveis”.

“De vermelho e preto, ao cair da noite, o mistério traz

De colar de ouro, vestido lindo, a promessa faz!

Se é preciso ir, você pode ir, peça o que quiser,

Mas cuidado amigo, ela é bonita, ela é mulher!

Mas cuidado amigo, ela é bonita, ela é mulher!

E no canto da rua, zombando, zombando, zombando está!

Ela é moça bonita, girando, girando, girando lá.

Ô girando, laroyê!

Ô girando, laroiá!

Ô girando laroyê!

Ô girando lá!”

Poderes sobrenaturais para controlar o fogo:

“Foi condenada pela lei da inquisição

Para ser queimada viva sexta feira da paixão!

Padre rezava e o povo acompanhava

Quanto mais o fogo ardia mais ela gargalhada!”

A relação com asas de morcego:

“Voando duas asas negras

Voando pelo mundo inteiro

Na Lei de Exu, Exu Morcego

É o diabo que eu chamei primeiro!”

Exu, o sangue e as relações vampíricas

Dentro da Quimbanda Brasileira o sacrifício é ofertado por três motivos principais:

– Garantir o equilíbrio entre a força dinâmica e receptiva aplacando a ira de certos espíritos;

– Clamar ajuda das forças obscuras para diversos fins;

– Solicitar a destruição das fraquezas internas.

Existem outras funções esotéricas, pois, um dos princípios da Quimbanda Brasileira é: “Sangue por Sangue, Vida por Vida!”. Para o quimbandeiro o sangue é a vitalidade, força e a própria forma fluídica do espírito. Sacrificar é o ato de comungar com as raízes profundas, com o fogo líquido que carrega a hereditariedade, com a força que catalisa nossas intensões, resumindo, é o grande veículo que une vivos e mortos. Se o sangue representa a própria vida, também representa a morte. Nesse sentido, entendemos que a morte simboliza a transformação alquímica interna, ou seja, a energia vital transforma-se e adapta-se para modificar a própria energia do adepto.

O ato de sacrificar e derramar o sangue como oferta para Exu não se limita apenas a função ‘revitalizante’. O sangue não é somente o veículo vital, mas um meio pela qual os adeptos ‘quebram a redoma’ que envolve nossa existência material. Cada gota de sangue carrega uma hereditariedade e todas as transformações e adaptações que a raça teve que passar para sobreviver e, esotericamente, essa é a maior energia que existe no sangue.

Sangue é uma das maiores fontes de energia e para rompermos as barreiras entre o mundo dos vivos e dos mortos necessitamos dessa poderosa fonte. Entendemos que nossos Mestres Exus fazem o caminho reverso ao qual estamos, ou seja, naturalmente a matéria vai envelhecendo, padece e se decompõem, já nossos Mestres renascem em suas firmações e necessitam do sangue para a manutenção da energia reversa. Se o ciclo dos vivos é horário, dos Poderosos Mortos é anti-horário. A relação do vampirismo com o Culto de Exu na Quimbanda Brasileira ocorre quando, através de um ataque, Exu/Pombagira suga a vitalidade de suas vítimas. Esse ato pode ser direto ou indireto (quando são usados Obsessores₄). O próprio tridente/garfo arredondado é uma arma com aspectos vampíricos, pois tem o poder de drenar as forças e transmuta-las de acordo com as necessidades.

O vampirismo está muito conectado com a vingança e a saciedade. Geralmente ocorre através de espíritos de baixa vibração, ou seja, nem sempre um ato dessa natureza está conectado com Exu. Entretanto, quando desejado, esses espíritos são manipuláveis e podem ser incitados e até conduzidos para determinados fins. Um adepto bem instruídos artes obscuras da Quimbanda sabe incitar esses parasitas através do uso do sangue ritual.

O uso do sangue ritual, proveniente da imolação de animais, tem fortes ligações com a alquimia interna. Cada animal imolado causa rupturas no humanismo demasiado e protecionista dos adeptos e tais fendas abrem espaço para que as forças libertas iniciem um processo de enegrecimento interno. As pessoas tendem achar que o ato de sacrificar é bárbaro e covarde, pois enxergam as formas de maneira limitada. Desprovidos da sabedoria acerca das prisões materiais, nutrem um sentimento de remorso ao ver um animal sangrando. Esse sentimento, desprezível e hipócrita, é um agente limitador que vai sendo retirado e, aos poucos, o adepto deixa de ser um ‘gado de rebanho’ e passa a ter instintos predatórios. Esses instintos garantem a sobrevivência em situações extremas e o próprio culto ensina como ocultá-los da sociedade. O autoconhecimento gera o autocontrole e um homem dessa natureza é um agente capaz de gerar o caos e a estabilidade.

A Linha de Sangue

O uso do sangue nos rituais, o processo formador comparativo e os mitos nativos e estrangeiros fizeram com que o Sangue se tornasse um Império digno de Rei e Rainha espiritual. Assim, alguns escritores inseriram a “Linha dos Vampiros” dentro dos quadros formadores da Quimbanda. Antes de tecer comentários, transcreveremos parte de uma conversa com um Mestre Exu sobre o assunto:

“- Mestre, como é a Linha dos Vampiros?

– Linha de Vampiro?

– Isso Mestre! O Reino do Sangue!

– Todo Exu é dono da parcela de sangue derramada em seus domínios e em seu vaso!

– Mestre, mas e os Exus que carregam nomes dessa natureza?

– Olha moço, imagina nos tempos passados um homem profano vendo um Exu beber sangue. Esse homem branco e que tinha seus entendimentos vindos de outra terra fez uma ligação. Logo Exu se torna vampiro!

– Mas o sangue não forma um Reino?

– Quem deseja levantar seu Reino no Sangue tem todo Direito! Não é errado! Quem se alimenta de sangue é um Exu de Sangue e toda Dama que se alimenta de sangue é uma Dama de Sangue. O homem que veste preto e não reza para o impregnado pode criar seus Tronos!”

Todo Exu tem poder para drenar a vida de seus inimigos, assim como influenciar nas decisões e nos pensamentos. Particularmente, o TQMBEPN não cultua a Linha dos Vampiros, mas respeita profundamente aqueles que a cultuam, pois como disse o Mestre Exu, o bom adepto pode criar seus Tronos. Mesmo que a sociedade tenha ofertado referenciais como modelo, fica evidente que Exu tem o poder herdado para certas criações, afinal, “Se zangar-se, ele sapateia numa pedra na floresta e esta pedra põe-se a sangrar!” ₅.

Referencias:

1 e 5 – VERGER, Pierre F. Orixás. São Paulo: Currupio, 1992.

2 e 3- Pontos Cantados – autoria: Felipe de Oxalá

4- Recomendamos a leitura do livro “Quimbanda – O Culto da Chama vermelha e Preta” do TQMBEPN.

Fonte: https://quimbandabrasileira.wixsite.com/ltj49/aspectos-vampiricos


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