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Marmotagem no Candomblé

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Olá amigos, hoje vou falar sobre algumas coisas inusitadas que acontecem no Candomblé, uma delas é o conceito de “marmotagem”, o termo usado para dizer que algo ou alguém está errado, uma gíria do Candomblé. Este é um adjetivo muito subjetivo, depende do ponto de vista de quem afirma isso sobre algo ou alguém. Costuma-se criticar tudo o que é diferente de si próprio como se essa pessoa fosse a detentora de todo o conhecimento e a única certa, conseqüentemente, o certo seria tudo aquilo fosse oriundo de si e de mais ninguém.

Eu mesmo já fui taxado de marmoteiro muitas e muitas vezes, por tudo e por nada,  mas, não me importo muito com essas opiniões, mas, sim com a coerência naquilo em que eu acredito. Uma das coisas em que acredito é o aprendizado através de estudos, livros e qualquer tipo de informação que possa acrescentar o conhecimento sobre a nossa Religião. Muitas pessoas, vêem esse aprendizado como “marmotagem” e chegam mesmo a dizer que nada daquilo que se aprende fora da nossa casa de origem é válido. Se assim fosse, 99,9% das pessoas do Candomblé estariam “fritas”, pois em nossas casas não se ensina praticamente nada à respeito da Religião, a não ser aquilo que chamo de “fundamento inútil”, isto é, aquilo que na realidade não tem nenhum conteúdo didático religioso, como submeter as pessoas à vexames em nome de uma hierarquia sacerdotal que acredito, não passa pela humilhação das pessoas mais novas de uma casa ou resumindo-se somente em “aprender” a desfiar galinha, o único “fundamento” permitido ao ìyàwó. Claro que existe a hierarquia, esta pode ser colocada e ensinada de maneira digna e simples como em outras religiões, onde a hierarquia dos cleros são mantidas rígida e incontestemente, mas isso já é outro tema. Voltando à nossa marmotagem, o tão censurado aprendizado “externo” aquele feito fora das próprias casas, têm valor sim, desde que de fontes respeitáveis como livros, dicionários, artigos sobre a religião e a cultura acerca desse segmento religioso. Tudo é um somatório de coisas que no final vem acrescentar sempre um tijolinho a mais ao nosso conhecimento.

Muitas coisas que aprendi no estudo da cultura Yorùbá, foram como ilustrações sobre atos e rituais praticados empiricamente sem saber o porque. E aprendendo vi que no ditado popular: de “médico e louco, todos nós temos um pouco”,  eu acrescentaria que:  de “médico, louco e marmoteiro todo nós temos um pouco”. Isto porque todos nós aprendemos e praticamos coisas que na origem religiosa, na pátria matriz não existem, com as tão faladas e questionáveis “qualidades de orixás”, onde existem pessoas que conhecem um sem número delas para cada orixá, para demonstrar um grande conhecimento que as outras pessoas não têm e se melindram por isso. Mas, isso já foi falado anteriormente. Sou uma pessoa de origem humilde, ritualisticamente e pessoalmente falando. Meu bàbálórisà é um dos milhares de desconhecidos do Candomblé, filho de uma ìyálórìsà também desconhecida, o que suscita sempre a curiosidade ferina de algumas pessoas em querer saber minhas origens, àse oriundo, enquanto elas exibem a sua ascendência religiosa como uma espada ameaçadora sobre outras pessoas. Agem como se somente por serem descendentes de  axés tradicionais e conhecidos nacionalmente lhes conferissem o diploma também de tradicionais e de grande conhecimento, com isso, classificando todos menos conhecidos ou desconhecidos como “marmoteiros” ou pondo em dúvida sua origem e iniciação. Quando na verdade, conheço pessoas que se dizem descendentes de axés famosos e que com grande empáfia se julgam os “censores e professores” sobre todos os temas ligados à religião, mantendo um comportamento que lembra muito aqueles personagens conhecidos do humorista Chico Anysio, o “Bozó” aquele que diz a todo instante que “trabalha na Globo, é amigo deste ou daquele artista famoso, dos diretores, etc” e o “Alberto Roberto” aquele que sabe tudo, sempre mais até que os grandes profissionais consagrados. Ele sempre tem algo a criticar e a acrescentar para  sob sua ótica desfocada “ensinar” sempre o seu algo mais que o outro não sabe. Eu costumo chamar essas pessoas justamente por estes nomes, isto é, os “Bozós e Albertos Robertos” do Opó Afonjá, do Gantois, do Àse Òsùmàrè, Alákétu, para citar os mais conhecidos. Não estou falando das casas às quais não resta a menor dúvida de suas tradições e respeitabilidade, mas dos seus “bozós” que vivem dizendo que são desta ou daquela casa e acham-se com mais axé que todo mundo, sempre querendo “criticar e ensinar” os demais fazendo aí a pose do “Alberto Roberto”, é uma caricatura patética desses personagens, mas, cada um tem o “Bozó e Alberto Roberto” que merece, Eu particularmente, não gosto nem dos originais, quanto mais dos clones.

Sou de origem como já disseram “obscura” por não ser de casa famosa, sim mas, cresci e apareci por meus próprios méritos, fazendo um trabalho honesto no qual acredito e sei que ajudou à muitas pessoas. Não nasci em “berço de ouro tradicional”, minha tradição estou eu mesmo construindo, enquanto que aqueles que se preocupam em falar mal de mim, sentados sobre seus “louros” ficam parados no tempo e no espaço, como museus, vivendo somente do passado dos outros.

Alguns que conheço conseguiram essa ascendência dando “obrigações” com pessoas oriundas de casas tradicionais, que mediante pagamento fizeram “obrigações de sete anos” que em alguns casos foi a primeira, mas, como este alguém já tocava e já tinha filhos iniciados, não podia passar por ìyàwó mais novo que o próprio filho então forjou “os sete anos”. Ou outros que foram iniciados com um, mas, tirando o kelê com outro, dando obrigação de um ano com o terceiro e outros mais até conseguirem “comprar” um título de “nobreza”, conferido por alguém  que se disse ser de casa de tradição, que se fosse tão tradicional assim, não estaria à venda para qualquer um. E hoje são respeitáveis dignitários religiosos.

Em nome de suas ascendências “nobres” eles praticam e ensinam muitas coisas também questionáveis em matéria de religião porque julgam-se acima do bem e do mal, coisas como fazer bonecos de pano para que sejam espancados numa “cerimônia de axexê”  (dizem eles) para “despachar” o egúngún do falecido; os homens vestirem-se de mulher para poderem fazer oferendas à ìyámi àjé, como se a entidade fosse burra e usasse viseira enxergando somente à sua frente e nada na periferia, e outras coisas às quais vou dedicar um capítulo futuramente. Recolherem um ìyàwó, lhe baterem umas folhas e passarem umas pipocas e dizerem que já fizerem o “sacudimento”, ao mesmo tempo, à guisa de terem de comer somente comidas brancas, os ìyàwó som vêem arroz e ovo frito sem sal, acham que a comida do ìyàwó não deve ser boa e se resume a isso, mas, vejam lá a lista de coisas e o dinheiro que pediram.

Do alto de suas grandes majestades, grande parte dessas pessoas me taxam de marmoteiro, de ensinar coisas erradas, prestar desserviço à religião. Mas o engraçado é que essas altas autoridades em conhecimento religioso, não ensinam coisa alguma até mesmo para mostrar onde Eu errei e eles fazerem as correções devidas, não, eles limitam-se somente a falar, criticar, sem apresentar soluções ou alternativas ao alvo de suas críticas. Pessoas de línguas afiadas que cantam em suas casas determinadas cantigas, dando conotações hilárias, se não fossem trágicas para nós, por exemplo: a cantiga de Oyá : ó ní laba-lábá, ó laba ó… o significado desta cantiga quer dizer que Oyá é uma borboleta, ela é uma borboleta. No entanto as “oiás” pegam em suas saias e saem pulando fazendo gestos de quem está lavando roupa, para eles laba-lábá é lavar, então, elas assim fazem e só faltam pedirem a marca de sabão em pó que lava mais branco. A cantiga de Sàngó: e kí Yemanja àgò, Tápà, tápà… significa que ele (Sàngó) saúda Yemanja, mas pede licença à Nação Tápà, a nação de sua mãe carnal Monremi, a filha do rei Elempe, rei da Nação Tápà. No entanto, todos dançam colocando as mãos adiante nos órgãos genitais e atrás, nas nádegas, dizem eles que,  diz numa lenda que Xangô tinham o saco escrotal muito grande, então tinha que tapá-los. Acho que isto é que põe à mostra as “vergonhas” de Sàngó. O que até torna inocente a conotação da de Yemanja: Ìyá kòròba, ó kòròba ní sábà… significando: a mãe que enfeita os cabelos, dividindo-os no meio da cabeça..que eles interpretam como “coroar” então ela dança como se estivesse se coroando, isto é, na visão deles.

Agora me digam: só Eu sou marmoteiro? Quem presta maior desserviço? O quê é mais lógico ou ilógico? Deixo aqui as perguntas, se puderem, me respondam.


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