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Lovecraft Sociedades e Conspirações

Introdução- Manuscrito Voynich

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“Passei minha infância e adolescência com livros antigos e pouco conhecidos (…) Eu não acredito que aquilo que li naqueles livros eram as mesmas coisas que outros leram.”

H.P. Lovecraft – “A Tumba”

Dizem que o mistério é o sentimento que faz a vida valer a pena. Houve a época em que a busca por um objetivo na vida era o que nos guiava rumo à incerteza para de lá tirarmos algum significado para nossa própria existência. Hoje a figura mudou, a imagem apresentada é outra, as pessoas não buscam mais um objetivo para a vida e sim a sensação de estarmos vivos. Lovecraft escreveu que a maior e mais primitiva emoção que temos é o medo, e nosso maior medo é o do desconhecido, afora o pessimismo que beira o niilismo de seus textos ele está correto, o desconhecido é o que nos facina ainda. Naves no espaço, veículos nas profundezas dos oceanos, satélites mapeando cada centímetro do mundo com a capacidade de tirar fotos do espaço que nos permitam ver a data impressa em uma moeda caída em qualquer calçada do mundo, e mesmo assim é certo dizer que nunca soubemos tão pouco a respeito de tudo, nos lançarmos para o infinito externo e para o infinito interno apenas aumentou o mistério, a sede pelo desconhecido, há quem sinta o vazio opressivo deste reconhecimento mas é ele que nos dá a sensação de estarmos vivos. Quando tudo for conhecido e mapeado poucas pessoas teriam razões para levantar da cama, além dos burocratas e daqueles com algum transtorno obsessivo compulsivo.

Bem, se isso for verdade, se essa busca pelo desconhecido é aquilo que nos motiva a sair da cama todo o dia e encarar a vida lá fora, então o Manuscrito Voynich já seria um motivo de sobra para ninguém mais pegar no sono. Sem dúvida este livro antigo e meio surrado não espelha aquilo que ele traz dentro de si. Podemos afirmar com certeza que este é o livro mais misterioso jamais escrito; seus conteúdo, propósito e origem permanecem um grande mistério que atravessa a história, igualavel a poucos outros enigmas dos quais já tivemos notícia. Vidas inteiras foram dedicadas a decifrá-lo com pouco ou nenhumn sucesso, um ponto de interrogação tão grande que muitos especialistas o consideram bom demais para ser verdadeiro.

A história do deslumbramento que este livro causo começa oficialmente com Michał Habdank-Wojnicz, um revolucionário nascido dia 31 de Outubro, em 1865, na cidade de Grodno, a atual Bielorússia, em uma família polaco-lituana. Michał cursou as universidades de Warsaw e São Petersburgo e conseguiu se graduar como químico na universidade de Moscou, se tornando um farmaceutico licenciado. Aos 20 anos de idade ele retornou a Warsaw e se uniu ao Proletarjat, o primeiro partido socialista polaco, fundado por Ludwik Warynski em 1882. O partido apoiava o internacionalismo e se opunha ao movimento de independência polonesa, em 1883 e 1884 muitos de seus principais ativistas foram presos e o partido perdeu muito do poder que tinha. Wojnicz era praticamente um desconhecido naquela terra e falava russo fluentemente, assim conseguiu se envolver com vários renegados políticos e começou a fazer os planos para invadirem a Varsóvia e então libertar Piotr Bardowski e Stanisław Kunicki, ambos membros fundadores do Narodnaya Volia e ambos carregando uma pena de morte. Graças a um traidor que se infiltrou no grupo o plano não deu certo, não só Bardowski e Kunicki foram enforcados em 1886 como Wojnicz e outros camaradas conspiradores foram presos. Em maio de 1887 ele foi enviado para a Sibéria Oriental, sentenciado a uma pena de trabalhos forçados em Tunka, e foi lá que conheceu a família Karauloff.

Alguns eventos então, aparentemente aleatórios, aconteceram nesta época. Enquanto aguardava seu julgamento, antes de ser enviado para a Sibéria, ele percebeu passar uma jovem loira vestida de preto enquanto olhava para fora da janela de sua cela, a garota também pareceu notá-lo. Já na Sibéria a família Karauloff lhe entregou um endereço de uma residência em Londres, caso algum dia ele fosse para lá, de outro camarada que fazia parte do movimento de contra cultura política, Sergyei “Stepniak” Kravchinsky, e dizem para mandar lembranças para Lily Boole.

Em 1890 Wojincz consegue escapar da Sibéria e alcançou Hamburgo, lá chegando ele vende seu casaco e seus óculos para conseguir comprar um pedaço de pão, um arenque defumado euma passagem de terceira classe em um pequeno barco que transportava frutas e ruma para Londres. A viagem foi demorada e turbulenta mas ele eventualmente chegou ao seu destino no cais londrino, estava imundo, faminto e sem um tostão no bolso, para complicar ele não falava uma palavra de inglês então sai caminhando pela Commercial Street mostrando a quem conseguisse parar o pedaço de papel com o endereço que os Karauloff lhe havia entregue, eventualmente ele acabou encontrando alguém que falava russo, um estudante judeu, que o levou atá a casa de Stepniak. Ali ele encontrou uma garota loira, a mesmo que havia visto de sua cela, e ela o reconheceu também, a garota era Ethel Lilian Boole. Um ano depois deste primeiro encontro nas terras da rainha os dois se casaram.

Lily Boole era filha do matemático e filósofo George Boole, seu pai entre outras coisas desenvolveu a Álgebra Booleana, a base da atual aritmética computacional, e morreu sem deixar um centavo para a familia, que consistia da mãe de Lily e mais quatro irmãs. Por causa da situação da família enquanto sua mãe, Mary Boole, arranjou um emprego no Queen’s College, Lily foi enviada para viver com seu tio paterno Charles Boole, que de acordo com ela era um homem muito religioso e muito sádico, quando completou 10 anos de idade e depois de passar por um colapso nervoso ela consegue voltar a morar com a mãe e quando completou dezoito anos recebe uma pequena herança que permite que ela estude por três anos no Hochschule der Musik em Berlim, entre 1882 e 1885. Foi lá que ela entrou em contato com literatura política e ficou muito impressionada com o que leu. Quando estava para retornar para Londres ela visitou sua amiga Charlotte Wilson, uma lider anarquista britânica que vivia na Rússia, pedindo que ela lhe indicasse alguém que pudesse lhe ensinar russo quando estivesse de volta em Londres. Charlotte indicou dois conhecidos, Prince Peter Kropotkin, o filósofo e ideólogo anarquista, fundador do periódico Freedon, que é publicado até os dias de hoje, ou Sergyei “Stepniak” Kravchinsky, o assassino do General Mezenzov, chefe da polícia secreta da Rússia em 1878, revolucionário que havia lutado na Itália e na Hezergovina, onde recebeu uma sentença de morte, e que finalmente havia conseguido fugir para Londres onde encontrou refúgio. Lily escolheu Stepniak.

Dois anos depois Lily viajou para a Rússia novamente e em seu caminho rumo a São Petersburgo ela fez uma parada em Warsaw, onde numa tarde resolveu dar uma volta na praça em frente à prisão local. Enquanto esteve na Rússia ela se hospedou na casa da cunhada de Stepniak, uma mulher chamada Preskovia, casada com Vasili Karauloff. Em maio de 1889 ela sai de São Petersburgo após presenciar a prisão da família Karauloff, que foi enviada para a Sibéria para cumprir pena de trabalhos forçados. Ela retorna a Londres trazendo clandestinamente um manuscrito para Stepniak.

Novamente nas terras da Rainha Lily Boole e Stepniak fundam a Sociedade de Amigos da Liberdade Russa, eles editavam a revista mensal Free Russia e se encontravam com revolucionários e socialistas como Friedrich Engels, a filha de Karl Marx Eleonor, Oscar Wilde, George Bernard Shaw e muitos outros.

Uma bela noite em 1890 um estudante judeu bate na porta de Stepniak e apresenta um homem que estava perdido perto das docas de Londres, ele não falava inglês e em russo explicou para todos lá que era um prisioneiro político que havia escapado da Sibéria, e notando a garota loira perguntou se ela por acaso não havia estado em Warsaw no domingo de páscoa de 1887.

Durante os anos que se seguiram Wojnicz muda seu primeiro nome para Wilfryd e angliciza o seu sobrenome para Voynich. O casal se envolve em ações anárquicas, faziam contatos para contrabandear literatura ilegal para dentro e fora da Rússia. Eles editavam e imprimiam literatura revolucionária assim como traduções de Marx e Engels, e panfletos de niilismo escritos por Stepniak. Lily, durante esta época, aprendeu a falar fluentemente ucraniano e polonês. Em dezembro de 1895 Stepniak morreu em um acidente ferroviário e o casal, agora com o nome já em inglês Voynich, deixa de fazer parte do cenário revolucionário anarquista.

Quatro anos depois Wilfryd viaja para a Itália onde conhece Erla Rodakiewicz, neste mesmo ano, 1898, ele abre sua primeira livraria em Londres e publica o primeiro de seus catálogos ingleses e no ano de 1902 já haviam nove deles, com mais de 1117 páginas, incluindo muitos facsimiles, mapas, páginas com dobras e inúmeras ilustrações. O sexto catálogo incluia um índex escrito por Francis C. Weale, a primeira parte deles foi reimpressa em 1900, a oitava parte recebeu o subtítulo de “Esta Lista Consiste Inteiramente de Livros Desconhecidos e Perdidos”. Curiosamente essa enxurrada de catálogos escritos por ele termina em 1902 e aparentemente ele não publicou mais nenhum depois desta data.

Desta forma Wilfryd Voynich se torna um livreiro e em 1902 foi descrito como “uma autoridade reconhecida na área”. Sua livraria no número 1 da Soho Square em Londres oferecia a quem se interessasse uma enorme coleção de livros extremamente raros, incunábulos[1], primeiras edições e itens desconhecidos por bibliógrafos. Na primavera de 1914 ele se mudou com sua secretária para Nova Iorque, Lily permaneceu na Inglaterra por mais seis anos antes de se juntar a ele. Lá ele recebe a licença de vendedor de livros pela New York City Businee Directory, que o registra como: Voynich, Wilfred M. 33 W. 42d. Vendedor de Livros, e em 1914 abre uma segunda livraria. Ele morre em 1930/1931.

A história provavelmente teria parado por ai e Wilfryd teria passado apenas como uma nota de rodapé para muitos livreiros caso não fosse um de seus achados.

Em 1912 Voynich fez uma nova visita à Italia, desta vez para Villa Mondragone, uma vila aristocrática localizada originalmente no território da comuna italiana de Frascati, atual território de Monte Porzio Catone.

A Villa está situada sobre uma colina, 416 m acima do nível do mar, numa área denominada Castelli Romani, por causa de seus muitos castelos e villas, a cerca de 20 km a sudeste de Roma, próxima da antiga cidade de Túsculo. O Papa Gregório XIII, cujo dragão heráldico levou a a vila a ser chamada de “Mondragone”, usava a vivenda regularmente como residência de verão, como convidado do Cardeal Altemps; foi ali, em 1582, que ele promulgou a bula papal “Inter gravissimas”, que deu origem à reforma do calendário correntemente em uso e conhecido como calendário gregoriano. Em 1896, os jesuítas transformaram o local numa instituição de ensino para aristocratas. E foi nesta instiutição que Wilfryd Voynich adquiriu dos jesuitas um manuscrito misterioso.

Era um livro de aproximadamente 240 páginas, todo escrito e ilustrado à mão. Sua origem, muitos acreditavam, estava nos séculos XV e XVI. O autor, a língua usada e seu conteúdo, um mistério. Este livro acabou sendo batizado com o nome daquele que o resgatou dos jesuitas e é conhecido até hoje como o Manuscrito Voynich.

O que deve ter sido considerado por Voynich como um tesouro bibliófilo se transformou em um dos maiores, se não o maior, mistério da história dos livros, ganhando a alcunha do o manuscrito mais misterioso do mundo.

 

Notas

[1] Incunábulo é um livro impresso nos primeiros tempos da imprensa com tipos móveis, não escrito à mão. A sua origem vem da expresão latina in cuna, “no berço”, referindo-se assim ao berço da tipografia. Refere-se às obras impressas entre 1455, data aproximada da publicação da Bíblia de Gutenberg, até 1500.

por Obito

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