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Realismo Fantástico

Stonehenge

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No Século V de nossa era, Aurelius , herdeiro do trono bretão pretendeu erguer um monumento à memória de seus homens, massacrados pelos saxões. Incubiu o astrólogo e mágico Merlin de executar a tarefa. E Merlin lhe disse: “Se é realmente de teu desejo honrar a memória dêsses homens, com uma obra que desafie os séculos , manda buscar o Balé dos Gigantes em Kllaraus, montanha da Irlanda. Lá se ergue um monumento de pedras tão portentoso que, em nossos dias , ninguem seria suficientemente
poderoso — a menos que seja infinitamente sábio! — para construir um igual. Pois essas pedras são enormes, porém jamais
se viram pedras que possuíssem tantas virtudes e escondessem tantos mistérios . . .”

Aurelius enviou um exército . Os soldados não puderam deslocar e roubar o Balé dos Gigantes. Merlin pronunciou então formulas mágicas, as pedras se tornaram leves , foram carregadas com facilidade até a costa, embarcadas e transportadas até Stonehenge, no planalto de Salisbury, “onde ficarão eternamente”.

É esta , na fantástica e maravilhosa Historie des rois de Bretagne, de Geoffrol de Monmouth , datada de 1140 , a primeira menção a êste conjunto de gráe e calcário que compõe, entre o País de Gales e a Cornualha, o mais portentoso monumento megalítico. A lenda de Geoffroi de Monmouth foi aceita durante cinco séculos. Em 1620, o rei Jaime deu ordem ao arquiteto Inigo Jones para que fôsse examinar Stonehenge: a conclusão a que chegou atribuía as pedras a um antigo templo romano . Samuel Pepys anota em seu Journal que elas “bem mereciam a viagem”. E acrescenta: “Só Deus sabe para que podiam servir!”

O plano completo , reconstituido pelos arqueólogos , revela , através das ruinas e da desordem acumuladas pelos séculos uma rigorosa estrutura : uma circunferencia de cento e quinze metros de diametro , limitada por um valado margeado por dois taludes , um interior e outro exterior, e comportando apenas uma passagem para a entrada . Quase imediatamente concentrico, um circulo formado por cinquenta e seis cavidades, as chamadas “cavidades de Aubrey”. Inscrito neste circulo e perpendicular à entrada, um retangulo delimitado nos quatro angulos por pedras das quais subsistem apenas duas. Um circulo de trinta metros de diametro, comportando trinta pedras de vinte e cinco toneladas , cada uma ligada por vergas e formando, por conseguinte, uma série contínua de dolmens. Um circulo de cinquenta e nove pedras, uma ferradura, orientada em direção à entrada, formada por dez blocos , cada um dos quais pesa cerca de cinquenta toneladas e ligados dois a dois por vêrgas horizontais , formando , por conseguinte, cinco dolmens. Uma ferradura de dezenove pedras , três monolitos ou menires, sendo que um se acha colocado no centro, outro na entrada e o terceiro no exterior do valado e situado no meio da avenida de acesso.

Finalmente, práticamente invisiveis no terrenos e, portanto parcialmente conjecturais entre as cavidades de Aubrey e as trintas pedras de vinte e cinco toneladas , dois circulos que comportam , o primeiro, trinta cavidades e o segundo , vinte e nove.

Gerald S. Hawkins, professor de Astronomia na Universidade de Boston , é de origem inglêsa. Voltou à Inglaterra, há alguns anos, para prestar serviços numa base experimental de mísseis, na região sudoeste do país em Larkill. Logo ao lado de Stonehenge. Para lá se encaminhou, como trezentos mil turistas anuais. Explicaram-lhe que, na manhã do solstício de verão. quem se colocar no centro do monumento verá o Sol se erguer por cima de uma das pedras colocadas de parte, a Heel Stone. Verificou-o com seus próprios olhos. Começou, em seguida, a se propor perguntas. E de astrônomo se fêz arqueologo. Fre Hoyle deveria a seguir , comprovar os cálculos de Hawkins, o qual, em trabalho publicado em Nova York em 1965, confirmava sua primeira intuição: aqueles alinhamentos constituem um complexo observatório astronômico.

Logo ao primeiro exame convenceu-se de que havia uma centena de alinhamentos possíveis. Como identificar os significativos? Decifrar uma charada como essa poderia levar meses. Hawkins buscou o concurso de um computador, carinhosamente apelidado de “Oscar”, ao qual forneceu de um lado, os possiveis ( nascentes, poentes, pontos culminantes, etc.) dos principais corpos celestes: Sol, Lua , planêtas , estrelas.

“Oscar” se pôs , então , a apontar o que via no céu em tal mês , tal dia, a tal hora , entre tal e tal megalito. O resultado foi surpreendente. Os planetas e as estrelas eram completamente ignorados, mas em compensação, Stonehenge permitia localizar tôdas as posições significativas da Lua e do Sol e acompanhar suas variações, de acordo com as estações do ano.

Os gráficos e quadros estabelecidos por Hawkins não deixam pairar nenhuma dúvida. “Oscar”acabava de explicar para que serviam as pedras. Contudo , não existem apenas pedras em Stonehenge: seus construtores ergueram mmegalitos mas também cavaram buracos. Cinquenta e seis cavidades em Aubrey. Trinta buracos. Vinte e nove buracos, cinquenta e seis, trinta , vinte e nove . . . A que poderiam corresponder êsses numeros? Uma vez proposto o problema, os dados eram bastantes simples: os homens de Stonehenge parecem ter consagrado sua atenção exclusivamente ao Sol e à Lua. Os nascentes , os poentes e os pontos culminantes desses astros são, inegavelmente, dignos de interesses. Porém, com toda a certeza , muito mais interessantes ainda são êsses espetaculares acontecimentos em que o Sol e a Lua se encontram : os eclipses.

A Astronomia moderna se dedica menos à observação dos ritmos que à filiologia dos mecanismos. Hawkins se lembrou , porém, do ano “metônico”. O astronomo grego Meton observou que, de dezenove em dezenove anos, a Lua cheia ocorria nas mesmas datas do calendário solar, obedecendo os eclipses ao mesmo ciclo. Na realidade, não se trata exatamente de dezenove anos, mas sim de dezoito anos e sessenta e um, o que deve ser arranjado de maneira a poder ser incluido num calendário regular ( como fazemos , por exemplo, com nosso dia suplementar dos anos bissextos). Se o número fôsse sempre arredondado para dezoito ou para dezenove, o êrro apareceria depressa demais. Formando-se , porém, um ciclo maior a partir dêste ciclo metônico menor, organizado ora em dezoito, ora em dezenove, obtem-se uma exatidão capaz de se manter durante séculos. A aproximação mais satisfatória , como rápidamente o demonstra o calculo, é um grande ciclo 19 + 19 + 18. Obtem-se cinquenta e seis. O mesmo número de cavidades de Aubrey. ( Note-se, de passagem, que o número cinquenta e seis, que vemos assim aparecer pela primeira vez na história da humanidade, é o numero da alquimia, a massa do isótopo estável do ferro.) Não satisfeito com a descoberta desse fato, Hawkins imaginou que o circulo de Aubrey associado aos megalitos , talvez permitisse a previsão dos eclipses. Foram calculadas as datas dos eclipses ocorridos na época da construção de Stonehenge. Recorreu-se novamente a “Oscar” . Mais uma vez, conclusão positiva: um sistema de pedras deslocadas ao longo do circulo de Aubrey devia permitir a previsão dos anos em que ocorreram os eclipses. E os dias? O mês lunar conta vinte e nove dias e cinquenta e três. Por conseguinte , dois meses lunares constituem um numero redondo de dias: cinquenta e nove. Aí estão de nôvo , os trinta buracos e os vinte e nove buracos. Chega-se assim a um outro circulo, ainda não mencionado por ser quase conjectural, e que teria, talvez, comportado cinquenta e nove pedras azuis. . . Fazendo especulações em torno das cinquenta e seis cavidades de Aubrey, os trinta buracos, os vinte e nove buracos e a Heel Stone ( sobre êste menir devem ser feitas tôdas as observações), Hawkins chegou , não sómente a determinar a data exata dos eclipses ocorridos na época da construção, como também a calcular outras datas, como por exemplo, a data de uma festa móvel da Igreja, a Pacoa, que é, como se sabe , um remanescente cristão de antiga tradição pagã. Por conseguinte, Stonehenge é , realmente, um observatório e um calendário.

Não temos conhecimento de ninguem , até hoje , que tenha refutado a tese de Hawkins. Aliás, o cálculo das probabilidades indica que só existe uma possibilidade em dez milhões de que os alinhamentos significativos não passem de coincidencia. Mas nem por isto se acha resolvido o enigma de Stonehenge. Entretanto, por um lado , os problemas materiais e culturais suscitados pela construção daquele monumento, e , por outro lado, as heterodoxas caracteristicas do fenomeno megalítico de que Stonehenge faz parte, constituem dificuldades muito árduas para os pré-historiadores. E , assim sendo, prefere-se deixar Stonehenge na sombra. Folheie-se , por exemplo, um dos mais recentes manuais de pré-história publicados na França, editado sob a direção de um especialista muito merecidamente considerado
eminente. São trezentas e cinquentas páginas tipograficamente densas. O indice dos locais pré-históricos mencionados comporta dezenas e mais dezenas de nomes. O de Stonehenge , porém, não aparece.

O monumento é constituido de rochas não extraidas do subsolo imediato. As pedras azuis, cada uma das quais pesa, em média, cinco toneladas, provêm de uma jazida situada a cêrca de quatrocentos quilometros. Seu transporte deve ter sido efetuado por terra e por mar, com algumas travessias de rios. De que maneira ? Outros blocos pesam de vinte ecinco a cinquenta toneladas. As pedreiras de onde foram extraidas se acham mais próximas de Stonehenge. Mas foi preciso arranca-las do subsolo, transporta-las e talha-las. Todas as pedras foram trabalhadas por mãos de homens, particularmente as que foram levemente encurvadas a fim de corrigir a ilusão de ótica ( Apareceriam concavas à nossa vista, se fossem inteiramente retilinias),. Foi necessário ergue-las, depois. E em seguida, levantar e colocar as mesas dos dólmens. E tudo isto com meticulosa precisão , caso sejam admitidas as intençõesastronomicas demonstradas por Hawkins. Ainda hoje , a operação não seria considerada simples. E sem falar nos cálculos teóricos que dependem de leis matemáticas, físicas e mecanicas.

Dá-se , atualmente, como fato estabelecido, que Stonehenge foi construido em várias etapas, durante um periodo que se estendeu do ano 2.000 a 1.700 a.C. , talvez com um recuo um pouco maior no tempo com relação à primeira implantação. Ora, a pré-história julga conhecer perfeitamente os homens que, naquela época, povoaram as ilhas anglo-saxonicas. São os homens da idade da pedra, destinados a conhecer dentro em pouco o cobre e o bronze, e que já estão começando a se dedicar à prática da criação de gado e da agricultura. Culturalmente falando , acham-se em estado de nítido subdesenvolvimento com relação às grandes civilizações mediterraneas, suas contemporaneas. Tentou-se reconstituir a construção de Stonehenge utilizando ùnicamente recursos primitivos autorizados pela ortodoxia, tendo-se chegado a resultados di’icilmente admissiveis: teriam sido necessários milhões de dias de trabalho, isto é, gerações inteiras, consagradas à edificação do monumento. Ora, Stonehenge não é um fato isolado , faz parte de um vasto conjunto. Num raio de cerca de vinte quilometros , encontram-se outros cromlechs , alguns dos quais gigantescos, como o de Avebury ( o maior cromtech conhecido : trezentos e sessenta e cinco metros de diametro) ; círculos de cavidades onde foram encontrados vestígios de madeira, um monumento concentrico denominado o “Santuário” ; monumentos
funerários gigantescos; um retangulo cercado por um fosso de dois mil e oitocentos metros de comprimento por noventa de largura; uma elevação artificial de quinhentos mil metros cúbicos; um circulo gigante de quatrocentos e cinquenta metros de diametro; uma escavação em forma de funil com cem metros de profundidade; avenidas amplas com auto-estradas.

Existem megalitos em toda a superfice da Terra. Nenhum dos cincos continentes dêles está isento . Tentou-se atribuir a todos uma finalidade funerária. Existem , por certo, inumeros túmulos . Também é certo que até mesmo em Stonehenge existem cinzas, esqueletos, entre os cromlechs e os outros alinhamentos. Entretanto, o fato de haver cemitérios nas vizinhanças das igrejas não as transforma em sepulturas.

É estranha a distribuição dos megalitos: são encontrados em grupos isolados, sem ligação entre sí, nunca muito distantes das costas e apresentam caracteristicas semelhantes. O fenomeno parece ter-se produzido exclusivamente durante a primeira metade do II milênio, anterior a nossa era, tendo-se bruscamente interrompido , deixando como únicos vestígios algumas lendas, persistentes ainda hoje.

Hawkins fêz ainda outra observação: Stonehenge se encontra na estreita faixa do hemisfério Norteem que os azimutes do Sol e da Lua, em seu ponto máximo de inclinaçãoformam um angulo de 90º . O local simétrico para o hemisfério Sul estaria nas ilhas Falkland ( Malvinas para os argentinos) e no estreito de Magalhães. Saberiam , então , os construtores de Stonehenge calcular as longitudes e as latitudes?

Tudo se passa como se “missionários” , portadores de uma idéia e de uma técnica , tivessem percorrido o mundo , a partir de um centro desconhecido. Seu caminho principal teria sido o mar. Êsses “propagandistas”teriam entrado em contato com determinados povos e não com outros . Isto justificaria os “buracos” ou zonas de menor densidade na distribuição, assim como o isolamento de certos focos megalíticos .

Ficariam igualmente explicados o como e o porquê de se superporem os monumentos megaliticos à civilização neolítica. Teríamos assim uma explicação para todas as lendas que atribuem sua construção a seres sobrenaturais. E saberíamos, finalmente , o motivo pelo qual homens capazes de erguer verticalmente blocos de trezentas toneladas e de levantar mesas de cem toneladas não nos deixaram outros vestigios de sua prodigiosa capacidade. As sagas irlandesas se referem a gigantes do mar, agricultores e construtores. A literatura grega menciona os “Hiperbóreos” e seus templos circulares onde Apolo , deus do Sol, fazia sua aparição de dezenove em dezenove anos . . .

Na realidade, tôdas as informações colhidas a respeito dos megalitos, particularmente a respeito do conjunto de Stonehenge, o mais completo e melhor estudado, nos permite vislumbrar a passagem de uma civilização alheia ao fluxo normal da pré-história. Um mundo de conhecimentos superiores assinala, durante séculos, sua passagem, e , em seguida , desaparece. Não fica nisto o problema de Stonehenge, como , aliás , o de todos os monumentos megalíticos . Já não paira , hoje , nenhuma dúvida quanto ao fato de constituirem êsses monumentos estruturas complexas, esteios e isntrumentos de conhecimento. Dão testemunho de uma cultura. Mas, qual terá sido a linguagem desta cultura? E qual a escrita dessa linguagem?

Vamo-nos deter um instante analisando as funções da linguagem no chamado mundo “primitivo”.

Todos os nossos conhecimentos a respeito da linguagem entre os povos primitivos nos leva a considera-la como uma função a que o espirito humano atribui um valor excepcional. Geneviève Calame-Griaule , em seu estudo sobre os Dogon ( Ethnologie et langage: la parole chez les Dogon, 1966) população do sudoeste do rio Niger, observa que, para aquêle povo , o vocábulo “só”, que designa a linguagem , significa ao mesmo tempo “a faculdade que distingue o homem do animal , a lingua no sentido saussuriano do termo, a lingua do grupo humano, diferente da lingua de um outro, a palavra , em resumo, o discurso e suas modalidades”. Finalmente, entre todos os “primitivos”, em geral , a palavra é sinonimo de ação empreendida e de classificação da criação. É o fazer e o saber , a ação sôbre o mundo e a visão do mundo. “Estando o mundo impregnado da palavra , sendo a palavra o mundo, constroem os Dogon sua teoria da linguagem à maneira de imensa arquitetura de correspondencia entre as variações do discurso individual e os acontecimentos da vida social.” Existem quarenrta e oito tipos de “palavras”, decompostas em duas vezes vinte e quatro, numero-chave do mundo. Assim, a cada “palavra” corresponde um ato, uma técnica, uma instituição, ou
um elemento da criação. De modo que, para o homem das antigas eras, a palavra é um vasto conjunto combinatório , um calculo universal carregado de valores, de possibilidade ação, de recenseamento, um reservatório de conhecimentos revelados e um material complexo que lhe permite agir sobre a realidade. Os sudaneses Bambara distinguem uma primeira palavra ainda não expressa, o “ko”, que faz parte da palavra primordial de Deus, e uma palavra humana , dotada de um substrato material , o corpo , o conjunto dos órgãos do corpo , através dos quais o homem atua sôbre a linguagem. O elemento linguistico é tão material quanto o corpo que o produz e os sons primordiais relacionados com os quatro elementos cósmicos : a água, a terra, o fogo e o ar, reengendrados nas estranhas , produzem o verbo que irá “nascer” entre os dentes.

Em seu trabalho sobre Le langage , cet inconnu , Julia Joyaux transcreve a seguinte lenda melanésia sobre a origem da linguagem e a sua ligação com o corpo visceral: Estava o deus Gomawe a passeio quando encontrou dois personagens que não podiam responder a suas perguntas , e nem sequer exprimir-se. Julgando que fosse por terem o corpo vazio, lá se foi ele a capturar dois ratos cujas entranhas arrancou. Voltando para junto dos homens , abriu-lhes o ventre e ali arrumou os intestinos, o coração e o figado dos ratos. E os dois homens se puseram imediatamente a falar.” “Qual é o teu ventre? ” quer dizer : “Qual é a tua linguagem ?”

Duas idéias merecem reparo: a primeira , a linguagem é conhecida , em sua expressão através do homem , como uma realidade material, e atirar uma palavra é um ato tão transformador quanto lançar uma flecha ou uma pedra. A segunda , o verbo-pensamento preexiste à linguagem-víscera, havendo uma palavra primordial de Deus. De sorte que, para os Bambara , por exemplo, o homem áfono remonta à idade de ouro da humanidade. Nesta concepção isto não implica uma ausencia de linguagem , mas sim um conhecimento e uma comunicação sem substrato sensivel.

Observamos, finalmente, entre diversos “primitivos”, teorias extremanete requintadas e minunciosas dos correlatos gráficos da palavra. Encontram-se em civilizações desaparecidas sistemas gráficos denunciadores de uma reflexão sutil sobre a linguagem e um distanciamento entre o sinal e a coisa representada que supõe uma simbólica altamente elaborada. A escrita maia, ainda hoje não decifrada, parece ter sido privativa dos sacerdotes ligada aos cultos e a uma ciencia baseada numa concepção cíclica do tempo, formando o conjunto, ( hieroglifico ou alfabético?) , na opinião de J.E. Tompson , uma “sinfonia do tempo”. Na escrita enigmática da ilha da Páscoa, Alfred Métraux vê uma série mnemonica para usos dos bardos. Barthel observa que os cento e vinte e seis sinais dêste sistema escritural gráfico produzem de mil e quinhentos a duas mil combinações. Alguns dêsses sinais ( personagem, cabeças, braços, animais , objetos , plantas , desenhos geométricos) são imagens: a mulher é expressa por poema : constituindo o cúmulo da reflexão sôbre as funções estéticas, mágicas , religiosas e recreativas da linguagem. O processus da elaboração e da classificação das quatros etapas da escrita dos Dogon também é um arrasador exemplo da consciencia sutil da
linguagem diferenciada.

“Esta participação da linguagem com o mundo , com a natureza , com o corpo e com a sociedade — dos quais se acha, no entanto , práticamente diferenciada — e com sua complexa sistematização , talvez constitua escreve Julia Joyaux — o traço fundamental da concepção da linguagem nas chamadas sociedades “primitivas”.

O que é o mesmo que declara ser a linguistica das sociedades primitivas uma linguistica de alta civilização.

Surge agora a questão. Como outros monumentos megaliticos , Stonehenge foi uma construção complexa, uma expressão e um instrumento de conhecimentos matemáticos e cosmogônicos, o atestado de uma cultura. Neste caso, qual terá sido a linguagem desta cultura? Ser-nos-a permitido supor que ela existiu sem escrita , sem correlato arquitetonico? A questão não precisa nem mesmo ser proposta num plano geral; a simples consideração das necessidades técnicas nos obriga a encarar a idéia de uma escrita. Pois afinal de contas, como seria possível efetuar cálculos tão importantes , de que maneira dirigir operações de transportes, durante percurso de centenas de quilometros, de um material de proporções colossais, assim como os de incalculáveis tropas de operários , como organizar canteiros de obras enormes , sem contar com um tipo qualquer de escrita?

Por que motivo não terá chegado até nós nenhum vestígio? Os remanescentes talvez tenham sido destruidos no decorrer dos séculos, em meio à total indiferença dos habitantes daquelas regiões. Supõe Atkinson que os construtores-instrutores tenham vindo de Creta. Quem sabe? Talvez utilizassem materiais perecíveis para fixar os sinais. Mas a escrita sôbre tabuinhas de argila já era , então, bastante conhecida , e os mestres de obras costumam ter à mão madeiras e pedras em abundancia. Será melhor imaginar , acompanhando a tradição bambara: “Que o homem áfono remonta à idade de ouro da humanidade” e que os construtores, membros de alguma classe sacerdotal, simultaneamente iniciados e construtores , membros de alguma classe sacerdotal, entregavam-se a mudas operações mentais, comunicadas através de algum processo telepático? Talvez efetuassem registros de seu pensamento sôbre materiais organicos ou sobre cristais especialmente preparados. . . Ou finalmente — de acordo com o que sabemos a respeito dos tabus da linguagem no mundo antigo — é possivel que os mestres tenham conservado secretas as palavras e vedado aos olhos do vulgo os sinais imprencindiveis à edificação e ao funcionamento daquelas colossais máquinas-templos . . .

Todavia , para os trabalhos de execução , impunha-se , sem dúvida alguma utilização se sinais , de uma escrita secundária — caso tenham sido mantidas em segrêdo a lingua e a escrita visível que se perdeu. A ter esta existio, talvez tenha sido instaurada pelos arquitetos como mera necessidade de intendencia, como um produto inferior do conhecimento secreto, o qual não teria nenhum veiculo aparente de comunicação.

Seria Stonehenge o monumento de uma cultura superior primordial e, por isto, independente de qualquer veiculo visivel e sem sinais gráficos de comunicação? Será que tôda escrita representa tão somente uma queda no exoterismo, um produto secundário da linguagem do conhecimento , o veiculo de informação acessórias destinadas ao comum dos mortais? Esta escrita visível, entretanto, deve ter sido indispensável naqueles enormes estaleiros, o Professor Glyn Daniel observou em artigo publicado em Observer , em setembro de 1964 que o transporte das colossais pedras da região de Pembrokshire até a planice de Salisbury deve ter provocado delicados problemas de logística e que toda operação devia corresponder a planos, instruções escritas, ordens e relatórios Encarou a hipótese de mapas e planos traçados sobre peles ou tabuinhas de madeira . ë estranho que, a não ser Glyn Daniel , nenhum pré-historiador tenha aparentemente levantado o problema.

Poder-se-ia buscar outra hipótese no setor dos “quipus” ou cordas com nós , encontradas no Peru e que serviam , segundo se acredita atualmente , para a transmissão de indicações numéricas. Nós complexos podem ser utilizados para a representação de números e de idéias. Não sabemos grande coisa a respeito das cordas atadas como as “escadas de feiticeiro” do Sul da Itália ou de suas homólogas dos Paises-Baixos que, de acordo com a tradição mágica , serviam para “atar ou desatar o vento”. Caso tenha sido desta natureza a escrita prática de Stonehenge, seus remanescentes foram , com toda a certeza , dissolvidos há milênios pela terra úmida de Salisbery.

Podemos também sugerir que tenha sido utilizada um escrita demasiadamente pequena ou demasiadamente grande, escapando , assim, à nossa percepção : teria sido algo compatível ao microponto por nós empregado nas mensagens secretas ou então imensos sinais traçados na paisage.

A capacidade de realizar , sem a capacidade de dizer? Será que haveremos de encontrar , algum dia , um vestígio qualquer da escrita desaparecida e, por seu intermédio , estaremos aptos a atingir a grande lingua das origens? Relata Heródoto a experiencia de Psamético , rei do Egito , que teria mandado educar duas crianças , a partir de seu nascimento , sem nascimento, sem nenhum contato com uma lingua qualquer. A primeira palavra pronunciada pelas crianças foi “pão”em frígio, tendo o rei concluido que o frígio era mais antigo que o egípcio e havia sido comunicado aos homens já inteiramente constituido. De modo que o enigma da linguage nos tem obsedado desde sempre, desde o rei do Egito até Lévi-Strauss para quem “a linguagem só pode ter aparecido de uma vez (. . .) efetuou-se uma brusca transição de um estágio em que nada tinha sentido , para outro em que tudo tinha sentido.” Teria havido , então, para todos os homens, alguma grande língua primeira na qual , através do verbo primitivo, as coisas revelaram sua natureza , seu nome verdadeiro e sua função na harmonia universal? E terá sido o Balé dos Gigantes escrito para a musica desta grande língua?

Extraido do livro O Homem Eterno de J. Bergier e L. Pauwels – Difusão Européia dos Livros – 1971

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