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Queer Magic

Sexo, Ego Mágico e Demônios Pessoais

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Phil Hine

Embora tendamos a considerar nossa natureza sexual como íntima e privada, nossa sexualidade é um assunto que os órgãos externos exploram causando grande interferência e manipulação. Os meios de comunicação nos submetem ao imperativo de que devemos ser bonsde sexo. E o sucesso é mesurado pelo número de orgasmos que nós podemos conceder ao nosso parceiro, ou, de fato, ao número de parceiros que possuímos.A cultura moderna acomoda todos os aspectos da experiência sexual em moldes que visam perpetuar a alienação: contrasta o Romantismo Sentimental com a Pornografia. Mais poderosas e invasivas que qualquer súcubos medieval são a neurose e a obsessão que vêm incrustadas com a experiência da nossa própria sexualidade. O Ego Mágico, neste contexto, está preocupado em tentar desembaraçar as conversas internas que trazemos;as atitudes e projeções conferidas a nossa próprias exualidade. Muito do que nós chamamos de nossa sexualidade é baseado no condicionamento cultural, ainda que, sem prática, nós não a experienciamos como tal.

É um processo difícil,e uma vez bem começado, nunca terminará definitivamente. A chave para destrancar este processo é entender a dificuldade em modificar qualquer aspecto essencial da persona, a menos que o estímulo para a mudança seja mais forte do que o estímulo para permanecer estático.Isto é particularmente importante quando se confronta com aspectos da sexualidade. Deve-se ter em mente que há uma diferença significativa entre as expectativas que impomos a nós mesmos (e aos outros) e aquilo que nós realmente podemos fazer. Em outros termos, há uma tendência em prestar muita atenção àquilo que está na nossa cabeça ao invés de se ater ao acontecimento decorrente. Isto não é necessariamente algo ruim. Por exemplo, enquanto algumas pessoas negam ou se recusam a admitir que, às vezes, durante o sexo, elas fantasiam que seus parceiros são outra pessoa (ou alguma coisa), a mesma facilidade em fazer isso é o que permite aos magistas esvaziarem a consciência de tudo, mantendo apenas uma imagem ou um sigilo enquanto transam vigorosamente. E, de novo, nós devemos sempre lembrar que boa parte da nossa sexualidade é contextual e relativa.

O Ego Mágico em relação à sexualidade não é, como pensam alguns magistas, uma mera questão de explorar formas de expressão sexual que sejam incomuns ou repugnantes. É, não obstante, particularmente fácil ‚racionalizar‛ as experiências, de modo que isto não ameaça o reflexo que alguém tem da sua própria máscara. ‚Ó, não, querida, X e eu não transamos de verdade, foi apenas um ritual.‛ Isto é só uma forma de entender e integrar os conflitos internos –liberar ‚demônios‛ que nós mantemos engarrafados, por medo de que ao entrarem em erupção eles possam nos esmagar. Ser escravo tanto da compulsão como da repressão são sinais de desequilíbrio para o magista efetivo.

Também deve ser salientado que o Ego Mágico não só não é fácil, mas muitas vezes é desagradável, quando se começa a enfrentar os aspectos da própria experiência que não se gostaria. Ao se experimentar os limites sexuais, fica muito fácil mudar de um rótulo para outro. Uma única experiência heterossexual não faz de você heterossexual, do mesmo modo que uma única experiência sexual com alguém do mesmo sexo não faz com que você seja gay. Nós somos muito apressados em nos rotular, especialmente quando fazemos algo na noite anterior que nos coloca a questionar nossa identidade em outro ângulo. Parte desta postura é devido a tendência cultural de polarizar tudo em uma coisa ou outra, fazendo com que às vezes seja difícil relaxar e permitir um fluxo livre da auto-identificação ou expressão sem ansiedades.

Pode soar clichê, mas o amor começa em casa. Nenhum amor que você receber em uma única noite será compensatório se você não estiver se sentido bem consigo mesmo. Qualquer um que te diga que ainda está procurando pelo parceiro ‚certo‛para começar a praticar magia sexual ‚adequadamente‛ é porque ainda não aceitou o fato básico de que o ‚poder‛ da magia sexual não está no outro, na técnica ou nos ‚ensinamentos secretos‛ do ocultismo. Todo o ‚poder‛ mágico vem de dentro, e cultivar o Auto-Amor é o primeiro passo para desencadear esse poder. Não vou dizer que é tarefa fácil –normalmente não é, e muitas pessoas passam anos lutando para gostarem de si mesmas. O Auto-Amor requer auto-aceitação –aceite suas verrugas e tudo mais ao invés de tentar viver de acordo com uma auto-imagem que é irreal e desequilibrada.O Auto-Amor te torna apto a relaxarpara que você nãocontinue se flagelando com autocríticas e, significativamente, você não vai mais sentir uma necessidade esmagadora da aprovação de outras pessoas. O Auto-Amor muda a forma de se relacionar com os outros, de modo que você não vai mais usá-loscomo sustentáculos para as suas fantasias, mas começará a vê-los como agentes independentes. Se você não se amar, então será difícil amar outras pessoas –você continuará usando os outros como suportes para as partes do seu ego. Tendo esclarecido que o Auto-Amor é necessário, o próximo passo é exporalgumas dicas que te auxiliem a começar o processo de aprender a viver consigo mesmo.

a) Honestidade – os magistas mais bem-sucedidos são aqueles capazes de fazer uma avaliação honesta deles mesmos. Isto significa reconhecer suas próprias forças e fraquezas, os sucessos e as falhas, as dúvidas, os medos e as esperanças, e ser capaz de olhar para si sem se tornar depressivo ou se prender a projeções ‚E se… mas‛. Às vezes você tem que se forçar a admitir que você tem deficiências, assim como tem os sucessos.

b)Viver no Presente – você nãodevese torturar constantemente pelos erros que cometeu, ainda que seja muito tentador ficar debruçado sobre os erros do passado; isto te coloca a mentir para si mesmo que você é um fracassado, que todos te odeiam, etc. Nesta mesma via, você deve parar de tentar ter uma ‚segunda suposição‛ pra toda situação futura iminente, especialmente se você só pode ver um aspecto dela. Além disso, é muito fácil ficar preso pelas experiências passadas de modo que não se consiga considerar plausível uma situação onde as coisas possam acontecer diferentes do usual.

c) Confiar em você mesmo – há muito falatório místico sobre o desenvolvimento da intuição, mas é importante que você confie em seus sentimentos por alguém ou alguma coisa. Muitas vezes nós ‚vamos na onda‛ dos outros por medo de chateá-los ou ‚perdê-los‛, mas ao fazer isto, nós desprezamos a nossa própria vontade, e nossubordinamos ao que pensamos ser o desejo do outro. Se você já se pegou transando com alguém só para ‚manter a paz‛, então você deve saber do que eu estou falando.

d) Avaliar as suas expectativas – isto é meio clichê, mas tente se perguntar se você está fazendo o que você acha certo para você.Nós normalmente fazemos as coisas por ter internalizado as expectativas de alguém sobre o que nós ‚deveríamos‛ ou ‚teríamos a obrigação‛ de estar fazendo. Não importa a fonte da internalização –sejam os pais, um grupo social, seus amigos, etc., a tendência ainda será te reduzir aalguém que está tentando viver sob as expectativas de outra pessoa ao invés da sua própria. Os conflitos internos que isto pode produzir causam muita angústia, por sustentar um ciclo de culpas oriundo das expectativas irrealistas que você nunca será capaz de alcançar e das ‚vozes‛ internas que parecem pertencer à outra pessoa. Viver por você mesmo não é fácil, pense. É muito mais fácil, ou parece ser, viver a sua vida de acordo com as expectativase demandas alheias, do que encontrar o que você deseja de verdade.

O EXO MÁGICO

Exo Mágico é o ‚Ego‛ Mágico direcionado a compreender os outros –em termos de transações interpessoais. É bastante importante, embora normalmente ignorado. Diz-se muito que a abordagem ocidental sobre mágica é muito orientada pela ‚cabeça‛, demonstrando uma obsessão por símbolos, números, idéias abstratas e ‚planos interiores‛ que tem pouco contato com o mundo cotidiano. Em conseqüência você encontrará ocasionalmente com magos auto professados que canalizaram um milhão de esferas, falam com arcanjos, receberam sabedoria mística de mestres superiores, e são aparentemente tão exaltados que eles passam por nós, seres inferiores, como se fossemos palermas completos, incapazes de manter uma conversa coloquial. Não é de admirar que esses tipos tão tristes apareçam sempre em reuniões ocultistas esperando que os outros se impressionem com‚poder espiritual‛ que possuem e se prontifiquem a aceitar o posto oferecido de Mulher Escarlate ou Shakti.

DEMÔNIOS SEXUAIS

Um exemplo de Exo Mágico é o trabalho com Demônios do Sexo. Com isto eu não estou me referindo aos súcubos ou íncubos, mas aos ‚feixes‛ de comportamentos, atitudes, emoções etc., que surgem durante as transações interpessoais. Eu os rotulei como ‚demônios‛ porque nós sempre os experimentamos como estando forado nosso controle. O trabalho com Demônios do Sexo é dirigido de outra forma porque estes ‚demônios‛ não são estruturas completamente intrapsíquicas, mas dependem do comportamento de outras pessoas, bem como da nossa própria reação atais comportamentos. Por exemplo,se você sente ciúmes ao perceber algum comportamento do seu parceiro, então a forma como seu parceiro irá responder à sua emoção irá dar ainda mais forma ao demônio–não é só o caso de que ser ciumento é o defeito de uma pessoa –todas as partes interessadas contribuem para dar a forma ao demônio sexual.

Estas estruturas se tornam problemáticas quando nós nos sujeitamos a elas continuamente, carregando-as de uma situação para outra; de um relacionamento para outro; continuamente reencenando o mesmo ciclo de comportamento com diferentes parceiros. Eventualmente, parece que o ‚demônio‛ se torna o tocador de realejo e nós somos simplesmente o macaco dançando a sua melodia, incapazes de fazer qualquer coisa para perceber como somos nós mesmos os perpetuadores do ciclo. Diferente dos demônios tradicionais, que podem ser consultados nos grimórios, os demônios sexuaisnem sempre possuem um formato, um sigilo, um nome ou uma característica, embora eles possam exercer tremendo poder sobre nós. Todavia, eles podem ser identificados, delimitados e integrados, para então trabalharem a nosso favor ao invés de contra nós.

Deve ser entendido que ‚integração‛ não significa ‚supressão‛. Por exemplo, muita gente tem problemas em reconhecer a própria capacidade de fúria. Como conseqüência elas tendem a se tornar enfurecidas por dentro, com elas mesmas, e por isso elas sofrem com frustrações continuamente, se permitindo apenas ‚lapsos‛ ocasionais de raiva que as deixam surpresas, culpadas e ainda menos capazes de reconhecer esta emoção. Um vez eu tive um amante,de temperamento uniforme,que sempre tinha uma palavra gentil para tudo e qualquer coisa, mantendo ele mesmo fora de controle –até ele perceber que durante a noite ele rangia os dentes devido a raiva reprimida.

Eu acho que a ordem mágica ‚luxúria sem resultado‛ é apropriada para esse tipo de manejo emocional. Neste contexto, isto pode ser um lembrete de que nossas emoções são fluidas e mutáveis, para não nos agarrarmos à idéia de que nós somos estáveis e personalidades que não mudam. Nós quase sempre tememos deixar nossas emoções fluírem, pois sentimos medo das suas conseqüências; de como os outros vão nos ver; e nesse momento nós já estamos internalizando a idéia de como os outros já nos vêem. Muitas dessas ansiedades acabam se entrelaçando com a expressão sexual do desejo. Um bom exemplo disso pode ser percebido durante uma conversa. É muito fácil ficar com a língua-presa e nervoso, especialmente quando se está desesperado ou ansioso. Mas quando se está relaxado neste tipo de situação, você pode se dar ao luxo de ser brincalhão. Uma pessoa que está fazendo piadas está livre do apego ao resultado de uma situação (ou seja, da ‚luxúria sem resultado‛) e pode inclusive se arriscar ainda mais do que a pessoa que vive temendo perder sua aparência de ‚cool‛ e de parecer estúpido.

Como, então, nós podemos começar a lidar com esses demônios pessoais‛?

1. Identificar um hábito ou padrão demonizado: isto requer algum grau de insight sobre os próprios comportamentos. Observe-se em situações sociais e descubra como as pessoas estão reagindo ao que você diz ou faz. Se, por exemplo, você se pergunta por que as pessoas sempre te tratam com frieza mesmo você fazendo o possível para impressioná-las, então você pode muito bem estar seguindo um padrão que se tornou tão entranhado em sua psique que você não está ciente dele. É culpa dos outros que eles não podem ver o quão esplêndido você é? Isto envolve realmente ouvir as pessoas, não apenas usá-las como caixas de ressonância.

Isto é difícil, por si só. Demônios pessoais precisam permanecer‚ invisíveis‛ para sobreviver e, como eles estão usualmente relacionados com partes centrais da auto-imagem, eles irão resistir à identificação, te fazendo justificar o seu comportamento (e auto-imagem) para que você nunca precise fazer nada sobre isso. Você dizer que ‚ Ó, meu demônio do Ciúme acabou de desaparecer‛ apenas reforça a sua submissão a ele.

2. Desfiar a malha do padrão: Estes demônios não podem ser banidos ou integrados instantaneamente –leva tempo. Claro, você pode tentar dialogar com eles, mas seguindo as normas de chamá-lo-em-um-triângulo-e-ameaçá-lo-com-uma-espada‛ será insuficiente, pois estas entidades pertencem amplamente ao mundo social das transações interpessoais. A melhor hora de lutar com o seu demônio do Ciúme é quando você está em si suspeitando que o seu amante está saindo com outra pessoa. Quando você se senta sozinho, com o intestino agitado, imaginando o que eles devem estar fazendo, o que você fará quando eles voltarem, o que eles dirão e como você irá reagir, fica fácil compreender como os diferentes componentes do demônio se encaixam para formá-lo.

Componente: Estresse físico auto-afirmação negativa:

Intervenção: Pare de pensar. Relaxamento, Meditação, Pranayama, etc., irão interromper o feedbackcíclico Corpo-Mente.

Componente:Reviver o passado, antecipar o futuro:

Intervenção:Relaxe seus sentimentos enquanto respira profundamente e acalma o seu diálogo interno. Deixe as suas sensações corporais preencherem toda a sua consciência e os pensamentos acalmados se tornarem somente uma sensação indefinida.

Componente:Antecipar situações futuras que servem para reforçar seus sentimentos presentes:

Intervenção: Leve estas fantasias para a conclusão lógica (ou ilógica). Muitos dos padrões demonizados só retêm seus poderes porque eles sempre nos levam a situações muito terríveis de se contemplar. Como conseqüência, nós nunca confrontamos (mesmo em fantasia) aquela situação, e ela permanece como um espectro indistinto. Eu me lembro de uma vez, durante um surto depressivo que eu pensei ter estragado as coisas de tal maneira que não haveria outra saída se não começar uma nova vida em outro lugar. Então eu comecei a entrar nessa fantasia que, primeiramente, me ajudou a reforçar minha auto-piedade, mas depois ela começou a ficar tão cativante que eu tentei me transformar em outra pessoa, eu esgotei tanto a minha auto-dúvida original que no final eu fui capaz de rir de mim mesmo.

Conclusão

Toda a mágica se preocupa com a auto-mudança e o desenvolvimento. A Magia Sexual, em particular, está tão preocupada com isto, que ela requer que entendamos a nossa natureza sexual antes de efetivamente realizarmos atos de‚Amor sob Vontade‛. Pode muito bem levar a nossa vida adulta inteira até conseguirmos plenamente compreender e integrar os nossos sentimentos sexuais, de modo que você não deve esperar conseguir quebrar todas as suas identificações e hábitos sexuais em um único ritual sexual. Mas a abordagem da Magia Sexual, acima de tudo, nos permite sentir que a nossa sexualidade é sagrada –no sentido de que devemos valorizá-la e cuidar dela –conservando a sua expressão e a sua manifestação em todas as suas formas.

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