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Xamanismo: Transes e Espíritos

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Hoje parece dominar o cenário mágico a crença de que Magia é afinal apenas uma forma de psicologia aplicada. Isso é quase como prender o misticismo no quarto dos fundos da ciência material. Os Sigilos são nada mais do que uma forma de usar a força do subconsciênte e deuses e demônios não são senão “arquétipos junguianos.” A parte interessante aqui é que os criadores da chamada corrente chaos magic, eram na verdade avessos a toda e qualquer teorização e dogma para explicar o funcionamento da magia. Neste aspecto Austin Osman Spare era muito mais parecidos  com os antigos xamãs do que com a maioria dos magos do caos de hoje em dia.

O Xamanismo é mais sobre técnicas do que sobre dogmas. Nele, existem realmente agentes independentes do nosso mundo material e psicológico que podem atuar diretamente em tudo o que existe e frequentemente o fazem. Mas estes seres podem ser hoje vistos como fantasmas, anjos, demônios, deuses, dependendo da crença das pessoas.  O termo “Espírito” é usado por ser o mais abrangente possível e não deve implicar necessariamente em nenhuma destas predisposições. Você pode até mesmo considerar que um Espírito é um aspecto psicológico seu se quiser, mas essa visão não se sustenta muito com o acúmulo da experiência. Um xamã não é um teórico, mas alguém que conhece algumas técnicas para participar desta realidade espiritual.

O que é xamanismo, então? Eu defino xamanismo como um conjunto de técnicas ou “tecnologias espirituais”. Ela envolve o cultivo de um estado de consciência único, muito diferente da consciência  mundana que usamos para ira a padaria e comprar leite e ovos. Entrar no transe xamanico é como conectar-se ao inconsciente coletivo, onde a terra é povoada por mitos e lendas.

Existem muitos estados de consciências possiveis e, nós experimentamos alguns deles ao longo de uma dia comum. Quando dormimos entramos nas fase conhecidas como REM (Rápido Movimentos dos Olhos) que nos dá um registro particular nos electrencefalogramas diferente de tudo o que experimentamos quando acordados. Ao acordar estamos grogues até que levantemos, andemos um pouco comamos ou tomamos café. De tarde pouco antes da hora do almoço nosso sangue se desloca do cérebro para o estomago e ficamos mais devagar.. Já na hora do Rush pode resultar em um estado de grande  agitação mental  ou “ennui”, dependendo se estivermos parados no trânsito ou tentando pegar a maldita faixa da direita.

As pessoas até mesmo alteram suas formas de consciência por puro laser. Jovens alcançam altíssimos níveis de concentração jogando video-games e adultos frequentemente alteram o próprio humor por meio de álcool e outras drogas. Esportes e exercícios e sexo naturalmente criam picos de endorfina que alteram a forma como experimentamos o mundo. Diferentes formas de recreação criam diferentes estados de estímulo e relaxamento. Até mesmo comer ou não comer alterá o nível de açúcar no sangue e com isso tudo a nossa volta fica diferente.

A religião em geral também está associada com estados de consciência únicos. Rezar, meditar, dançar, cantar, entoar, ou participar de um ritual elaborado produzem um estado semelhante ao transe. Idealmente, os participantes experimentam a sensação de sagrado durante estes momentos, eles sentem reverência, temor, graça ou êxtase. Sem estes encontros pessoais com o sagrado as pessoas ficam entediadas com suas religiões e param de participar dos encontros, frequentemente passando por uma conversão para algum outro grupo. Nos casos mais tristes estas pessoas continuam frequentando os rituais apenas por hábito, senso de dever ou culpa, sem sentir qualquer conexão com a prática espiritual.

O estado conhecido como ‘Transe Xamânico’ é usado por muitas culturas e religiões ao redor do mundo, e foi tão bem espalhada geografica e historicamente que possui uma natureza de apelo universal. Uma definição generalista de xamanismo faz com que certamente possamos achá-lo em qualquer lugar do globo terrestre. Mas assim como a ‘Orar’ não é uma exclusividade Cristã e “Meditar” não é uma exclusividade Budista, também o Xamanismo, ou ‘Transe’ não é propriedade exclusiva de tribos indígenas.

Uma coisa que todos os praticantes do xamanismo tem em comum é o uso de um som repetitivo, tipicamente um instrumento de percurssão, que ajuda os praticantes a entrar no estado de transe. Alguns xamãs usam drogas ou alcool (Vodka é usada pelos nativos da Sibéria por exemplo) como um lubrificante da mente para potencializar os resultados. Eu não recomendo o uso de drogas alteradoras de consciência porque em geral elas fazem mal a saúde e possuem a tendência de se tornar o foco e boicotar o trabalho xamânico em si. Drogas podem inclusive tornar o transe mais difícil ou impossível para algumas pessoas. Sem mencionar a questão de legitimidade e legalidade que sempre envolve o uso de drogas – então não complique as coisas. Além disso o Transe Xamânico exige um completo isolamento do mundo vulgar. Um local retirado, de preferência em um ambiente natural como uma clareira na mata, um lago ou uma praia deserta são locais particulamente apropriados.

Existe algo na batida monótona do tambor e na vibração que produz que torna fácil a transição de um estado de consciência para outro. Quando ouve uma batida destas, o cérebro produz mais ondas theta e alpha em vez das ondas beta associadas com a cosnciência ordinária. Pessoas que entram no transe ao mergulhar no ritmo repetitivo das batidas relatam ouvir vozes, cantos, flautas, sons de animais e melodias instrumentais. Se este fenômeno é uma ilusão do cérebro ou é causada por espíritos ao redor esta é uma questão de interpretação. Como experiência pessoal costumo ouvir belas vozes cantando, uivos e um som semelhante aos mantras tibetanos. Pessoalmente em vez de escolher uma interpretação, optei por simplesmente desfrutar a experiência.

Durante o Transe o xamã poderá acabar entrando em contato com alguma forma de inteligência não corpórea. Este é um ponto difícil de explicar para quem nunca experimentou, mas é algo que você simplesmente sabe quando está na presença de um. Esse contato pode ser cultivado aprendendo primeiro o nome e depois a personalidade deste espírito. Se um laço de cumplicidade for criado é possível pedir favores aos espíritos, como a cura de alguém ou a formação de uma situação favorável ao xamã ou a alguém que ele conheça. Em caso de sucesso ou antes, como uma forma de garanti-lo é recomendada alguma forma de oferenda. Que tipo de oferenda? Descubra por si mesmo. O xamanismo permite o diálogo com estas inteligências de modo que você pode substituir milhares de livros e dogmas ocultistas por uma simples conversa respeitosa.

Este diálogo pode acontecer de diversas formas dependendo da dedicação do próprio Xamã. Inicialmente pode ocorrer apenas por meio de uma conversa interna, posteriormente métodos tradicionais de divinação podem ser exercitados. Se a prática do transe xamânico for constante, ocorre que alguns véus são retirados dos olhos do xamã e então os espíritos começam a se manifestar em sua vida diária, primeiro por meio de sonhos vívidos e depois em manifestações no próprio estado de vigília. O nível mais alto deste desenvolvimento é quando dentre os espíritos contatados surge um que se destaca como um Guardião; ou seja um amigo pessoal e interessado no desenvolvimento do Xamã. Seja como for a prática do Transe Xamânico é sempre um fator desencadeante na evolução deste diálogo.

Outra coisa interessante sobre o Xamanismo é que ele é inquestionavelmente antigo.  Enquanto arqueólogos de hoje ainda especulam sobre o significado de todas aquelas pinturas rupestres, as pessoas que experimentaram o estado de transe xamânico as entendem de uma forma bem particular. Figuras de pessoas com cabeças de animais podem representar o estado de transe no qual a consciência animal é experimentada. Não teria isso de grande valor para seres humanos que dependiam da caça para comer e se vestir? Experimentar a consciência animal é entender como um animal pensa, e porque faz as coisas que faz, e assim poder caçá-lo com mais eficiência e , porque não, aprender com seu comportamento.

Seres humanos evoluíram um pouco desde os tempos pré-históricos, mas ainda somos os mesmos em essência. Ainda buscamos segurança material, um sendo de propósito e uma “tribo” a qual pertencer. Os estados de Erickson de crescimento e desenvolvimento muito provavelmente se aplicavam aos nossos ancestrais de 10 mil anos atrás tanto quando se aplica a nós hoje em dia, independente de todas as mudanças culturais e tecnológicas que aconteceram. Nas cavernas ou nas cidades, as pessoas são observadoras do seu meio ambiente e são capazes de analisar o que vêem para chegar a conclusões e modificar o próprio comportamento. Enquanto alguns zombam da crença de que espíritos estão por trás do funcionamento do mundo, eles crêem que o mundo é um relógio sem vida operando por meio de inflexível e inexplicáveis “leis universais.”

Xamanismo funcíona hoje porque as pessoas realmente não mudaram tanto quando acreditam que mudaram. Assim como muitos urbanoides hoje chegaram a conclusão que são basicamente animais com um incrível poder de manipulação no ambiente a sua volta, a sua maneira estas pessoas reconhecem a sabedoria dos caminhos mais antigos que a humanidade conhece. A renascença das religiões pagãs que aconteceu no século XX é justamente o resultado da percepção de que as tradições xamânicas ainda têm muito a nos oferecer.

Assim como aconteceu com outras tradições, o xamanismo também mudou com os séculos. O praticante atual não quer, e nem conseguiria se quisesse praticar o mesmo xamanismo dos antigos nativos africanos ou americanos ou euro-pagãos. E porque deveriam? O Xamanismo não é mais estático do que nenhuma pratica humana. Embora ainda tenhamos muito em comum com nossos avós per-históricos, vivemos em uma sociedade que espantaria um cidadão do Antigo Egito. Não temos as mesmas crenças, estilos de vida e moral, então faz sentido que também adaptemos nossas práticas espirituais para nossa realidade.

Se há algo que podemos dizer sobre xamanismo é que ele é flexível, não apenas ele muda, mas mudança é uma de suas bases. Isso é tanto um desafio como um convite; depende do indivíduo hoje determinar o que vai utilizar ou não das antigas práticas. Como em qualquer coisa, o que recebemos é equivalente ao que investimos. Convido assim você leitor a explorar sua própria consciência e mundo e que o xamanismo continue também em nossa geração, assim como foi em todas que nos precedeu.

Por: Tzadi

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