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Martinismo

‘A indumentária Martinista

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por Sar Naquista

“Esta Máscara protetora, ao isola-lo, ensina aquele que a usa a ficar invisível.”
-Augustin Chaboseau

Deve haver algo de muito importante na indumentária martinista para que, mesmo no verão de países tropicais seja considerado tão importante ficar trancado em uma sala sem janelas com um monte de gente vestindo Máscara, Manto com capuz e Cordão. De fato há. Vamos conhecer nesse artigo os principais simbolismos envolvidos em cada uma das partes da chamada roupa de oxford.

A Máscara

Dentre o conjunto da indumentária martinista a Máscara é sem dúvida a mais icônica, comecemos por ela. Quando colocamos uma máscara neutra, nossos traços particulares e feições físicas são apagados  e com ela se vai nossa personalidade mundana. Simbolicamente é como se sobrasse apenas nossa personalidade essencial, nosso ser mais puro. No templo martinista não importa nossas características profanas que adquirimos apenas nessa encarnação, mas sim nossa personalidade essencial comum a todas elas. Também no templo não entramos como advogados, flamenguistas e tantos outros rótulos que usamos para nos definir no mundo profano. Somos apenas nossa essência mais pura. Ao colocarmos a Máscara martinista todas as outras máscaras são tiradas.

Estando todos assim despersonalizados as máscaras são testemunhos silenciosos de que a Sabedoria não pertence a nenhuma pessoa ou grupo de pessoas em particular. Com ela nos tornamos um desconhecido entre outros desconhecidos e aqui nos deparamos com uma espécie de solidão entre os muitos.  Esta é a solidão que sente o Homem de Desejo no caminho da iniciação. Há aqui um ensinamento importante, nossa evolução pessoal depende de nós mesmos. Não devemos esperar nada dos outros e quando ajudar os outros em suas sendas nos limitarmos a aconselhar com desapego, principalmente por meio do exemplo de nossa conduta. Por estarmos incógnitos atrás da Máscara somos lembrados a não depender dos favores de nossos conhecidos e que nosso desenvolvimento espiritual é única e exclusivamente responsabilidade nossa. Na companhia apenas de nossa própria consciência não temos na solidão da Máscara ninguém a quem responsabilizar por aquilo que pensamos, queremos ou fazemos.

Com isso, a Mascara nos mostra a responsabilidade que implica a liberdade como, alias, o iniciador nos diz: “Esta Mascara, que o isola do resto de seus semelhantes, indica o preço que você deve pagar por sua liberdade – soberana graças a sua Vontade – perante o Destino e a Providência. Ninguém no mundo tem o direito de tomá-la; apenas você é o Mestre absoluto dela”.

Liberdade e Responsabilidade são duas palavras que refletem a própria Divindade no ser humano, criado a imagem e semelhança do Criador Supremo. Devemos ressaltar que o dom do livre-arbítrio de forma alguma contradiz a onisciência de Deus que simplesmente já sabe o que escolheremos livremente, conforme colocou Santo Agostinho:

“Eis porque, sem negar Deus prevê todos os acontecimento os futuros, entretanto nós queremos livremente aquilo que queremos. Porque, se o objeto da presciência divina é a nossa vontade, é essa mesma vontade assim prevista que se realizará. Haverá pois, um ato de vontade livre, já que deus vê esse ato livre com antecedência.”

Verdade contudo é que em sua condição atual os seres humanos não possuem a Liberdade total, ou seja a liberdade do espírito, da alma e do corpo. Entretanto cabe a nos desejar alcançá-la ao combater tudo aquilo que nos afasta dela, tais como nossos desejos e paixões egoístas.

Como está em Galatar 5,13 e 1 Coríntios 6,12:

“Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não useis, então, da liberdade para dar ocasião à carne, mas servi-vos uns aos outros pelo amor.”

“Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm; todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma.”

Estas e muitas outras passagens das Sagradas Escrituras mostram  que temos a Liberdade para agir e a Responsabilidade por nossos atos. Com isso chegamos a mais um simbolismo da Máscara, que é a liberdade de darmos de nós mesmos pelo bem estar geral.

É um sacrifício simbólico do ego pois ao usar a máscara abdicamos de nosso eu profano e de qualquer necessidade de agradecimento, reconhecimento ou retorno pelo bem que fizermos. Conforme ensinam os mestres do passado aqueles que fazem o bem devem se esforçar para permanecer em oculto para que “não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita” (Mat 6,3).

Somos apenas membros de um mesmo tronco, células de um mesmo corpo que age para o bem de todas as suas partes. Esta pequenez pessoal que devemos buscar é simbolizada de forma hieroglífica pela letra  י (yod), a menor letra do alfabeto hebraico mas que serve de base para a construção de todas as demais letras. Note que o valor numérico de י (yod) é 10 e assim sua redução teosófica e 1, falamos aqui de Malkuth e Kether na Árvore da vida e do retorno a unidade por trás da aparente multiplicidade.

O Manto

Prossigamos agora na discussão do simbolismo do manto. Um manto, e especialmente um manto preto de capuz é, assim como a máscara, algo que oculta aquele que a veste. E da mesma forma que a Máscara remove os traços do eu mundano, o manto nos faz retornar a nossa condição inicial, nossa alma virgem. Em “O Ministério do Homem Espírito” fala sobre o tal Manto de Elias:

“Conforme vamos subindo essa montanha, revestimo-nos do Manto de Elias, que herdamos por nascimento, e por meio do qual podemos fazer recair o fogo do céu, dividir as aguas do rio, curar os enfermos, ressuscitar os mortos, pois não existe nada como esse Manto de Elias, ou nossa vestimenta pura e primitiva, que possa concentrar a Palavra em nós, como um manto material concentrar nosso calor corporal. O ser animal não pode conter em si esta palavra viva; é apenas nosso corpo virginal que pode fixa-la.”

Este retorno a nossa “primeira emanação” só pode ser encontrado com o silêncio e purificação interna tão caros aos buscadores da Senda a da Luz e da comunhão com o Divino. Como está dito em Mt 6,6:

“Quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está em secreto. Então seu Pai, que vê em secreto, o recompensará.”

Como dizia Louis-Claude de Saint-Martin: “as grandes verdades ensinam-se apenas no silêncio” e usar o Manto simboliza esta quietude,  isolamento e paz de espírito tão necessários à harmonização com o mundo espiritual.  Com ele simbolizamos nosso refúgio em nosso Santuário Interior e nos protegendo de todas as influências daninhas do mundo exterior e temos um resguardo de seu constante influxo de notícias, provocações, demandas e exigências. Quando colocamos o Manto fechamos a porta para a tudo isso e nos abrimos apenas a nossa consciência e comunicação com o Divino. Como disse Augustin Chaboseau:

“O Manto é tal como as paredes de um quarto vazio em que se deixou uma lâmpada acesa. (…)Ninguém pode mais receber esta luz e, no entanto, ela continua a tremular. Preciso apenas reabrir a porta, retornar ao quarto e encontrarei o que me iluminava.(…). Da mesma maneira, enquanto coberto pelo Manto, e cada vez que o visto, sou companheiro da luz, e ela minha companheira.”

Essa cobertura que o Manto fornece é correlata Porta Formosa do Templo de Salomão pode ser representado de forma hieroglífica pela letra hebraica ת (Tav), que conforme o Zohar ensina foi a letra escolhida pelo Altíssimo como letra final da palavra אֶמֶת “Emet” (Verdade) e que na Árvore da Via se encontra no caminho que liga Malkuth com Yesod. O valor matemático de ת (Tav) é 400, cuja redução teosífica é 4 (estabilidade) é ligado a Chesed na Árvore da Vida e que pode ser decomposto em 10 x 5 x 8, respectivamente o numero do Ser Humano, da Morte e da Reconciliação.

O Cordão

O Cordão completa a indumentária básica Martinista ao trazer para o anonimato da Máscara e o Silêncio do Manto a Luz do Divino. Mais especificamente o Cordão representa a ponte que nos liga aos Mestres do Passado e ainda mais além para a fonte espiritual de onde emana toda sabedoria, toda vida e todo conhecimento cujo influxo nos é transmitido durante a Iniciação. Cabe nós nos agarramos a esta corda e fazermos crescer em nós diariamente sua Luz.

O cordão é um símbolo universal presente em muitas culturas. Entre os brâmanes da índia simboliza  iluminação e o conhecimento de uma vida superior, entre os sufis, assim como entre os monges católicos é um símbolo de obediência e submissão a Deus. Nas Sagradas Escrituras as expressões “cingir os rins” ou ainda “cingir os lombos” são frequentemente usadas para indicar a preparação para uma atividade importante e vigorosa:

Cinge os seus lombos de força, e fortalece os seus braços. (Provérbios 31,17)

“Estejam cingidos os vossos lombos, e acesas as vossas candeias.” (Lucas 12,35)

“E disse-lhe o anjo: cinge-te e ata as tuas alparcas. E ele o fez assim’ (Atos 12,8)

O nó do Cordão e o ato de amarrar tem um simbolismo próprio como o dever e o compromisso na Senda da Luz e nas escrituras está associado a humildade, a justiça e a fidelidade:

“Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos lombos com a verdade, e vestida a couraça da justiça” (Efésios 6,14)

E a justiça será o cinto dos seus lombos, e a fidelidade o cinto dos seus rins.

A analogia do cordão invoca ainda a ideia de ligação entre um ponto mais alto e um ponto mais baixo, como quando alguém caído em um buraco precisa da ajuda de alguém que está acima. Assim por analogia o cordão martinista simboliza a ascensão a planos mais elevados e a comunicação entre o mundo material e visível com o invisível plano espiritual. O cordão torna-se assim um lembrete de que, apesar de sermos responsáveis por nosso próprio desenvolvimento sempre contamos com o auxílio e proteção Divinos e desta forma obter a maestria sobre nossas próprias capacidades materiais, intelectuais e espirituais, afinal a corda vem de cima, mas somos nós que precisamos fazer força para subir. Para um detalhamento do simbolismo da luz, consulte o artigo “As Três Potências Martinistas

O cordão, assim como uma aliança, pode ser hieroglificamente relacionado a letra hebraica samekh (ס), que cabalisticamente representa significa apoio e suporte e pode ser relacionada a espiral sem fim e ascendente da glória de Deus no universo nos ciclos da criação que nos liga ao Divino.

O valor numérico de samekh (ס) 60 e sua redução teosófica é 6, relacionado a Tiferet na Árvore da Vida bem como as seis pontas da Estrela de Davi. Além disso, 60 é o número de letras hebraicas encontradas na famosa “Bênção Sacerdotal” (Birkat Kohanim) que encontramos em Números 6,23-27 e que abençoa os filhos de Israel na Santa Aliança:

“Fala a Arão, e a seus filhos dizendo: Assim abençoareis os filhos de Israel, dizendo-lhes:
O Senhor te abençoe e te guarde;
O Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti, e tenha misericórdia de ti;
O Senhor sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz.
Assim porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei.”

Conclusão

Por óbvio que seja é importante sempre frisar que a indumentária não tem uma função que poderia ser confundida com superstição. Simplesmente usar uma Máscara não faz de ninguém mais Humilde, assim como usar o Manto não nos torna Silenciosos e usar um Cordão não nos dá magicamente acesso a Sabedoria Divina. Estes são como enfatizamos símbolos importantes E que de forma alguma se limitam a aquilo que expusemos neste artigo. Pelo contrário, conforme exposto no artigo “A importância do simbolismo na tradição esotérica“, seu maior valor reside justamente em não poderem ser reduzidos a definições intelectuais.

Humildade, Quietude e Espiritualidade são alguns dos valores martinistas representados pela Máscara, Manto e Cordão. Este e outros valores são o que nos ligam uns aos outros, aos mestres do passado e a Luz Divina. As três letras que mencionamos (Yod, Tav e Samek ) formam não por acaso a palavra יחס que significa “conexão”, “herança” ou mais especificamente conforme podemos consultar no “Dictionary of the Targumim, Talmud Babli and Yerushalmi, and the Midrashic Literature” de Marcus Jastro, “fazer parte de uma linhagem.”

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