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O Navio da Morte

Leia em 26 minutos.

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Sim, este é um título sugestivo, apelativo, cliché e forçoso – se é que este adjetivo de fato existe – para completar de forma perfeita o ideal seria usar a imagem de ninfetas asiáticas cobertas de sangue cuspindo fogo pela vagina. Sim, pela vagina. Se duvidam assistam filmes de zumbi japoneses e vejam o que acontece. Mas resolvi ser decente uma vez na vida e poupá-los de tanta baixaria.

O título dorreto deste artigo deveria ser algo como “O Mistério de Ourang Medan”, ou “Casos Marítimos Não Tão Famosos Mas Assustadores Nunca Solucionados” ou ainda “Ale¢ks, cadê você? Viému aqui só pra te vê!”, mas no fim das contas, um título apelativo nunca matou ninguém.

Bem, nosso artigo é repleto de coisas bizarras que giraram em torno de um navio chamado S.S. Ourang Medan. A primeira coisa bizarra é que não existem muitas evidências sequer de sua existência.

Nossa história começa com uma publicação de um jornal da Marinha Americana entitulado the Proceedings of the Merchant Marine Council, para sermos mais precisos com a edição de Maio de 1952 deste jornal que trazia um artigo entitulado “Nós navegamos juntos” – We Sail Together[1]. Aparentemente este artigo foi lido por algum fã de Charles Fort e logo inúmeras matérias sobre o assunto começaram a circular pelo mundo descrevendo o mistério e os horrores que vocês estão prestes a desbravar.

Bem, antes de desbravarmos pelo mistério e horror, vale lembrar que apesar do hype causado pelas matérias que traziam o nome do navio, algumas pessoas se interessaram mesmo pela história, e partiram, como este humilde servo de vocês, em busca de algo mais sólido para mastigar. E ai é que as coisas começaram a ficar estranhas.

A palavra Ourang, também grafada Orang, é originária da Malásia e Indonésia e significa “homem”, Medan é o nome da maior cidade de Sumatra, uma das ilhas da Indonésia, para sermos mais precisos Medan é a capital de Sumatra do Norte, como vocês sabem[2]. Assim o nome da embarcação poderia ser traduzido aproximadamente como “Homem de Medan” e se tratava de um navio de carga Holandês. Bem, os estreitos de Malaca, perto de Sumatra, são conhecidos por darem passagem para um sem número de embarcações que comercializam marfim, tecidos, perfumes e pedras preciosas, entre outras coisas; na grande maioria das vezes, os navios vem e vão sem maiores problemas, por isso foi de certa forma um choque quando uma mensagem de SOS começou a ser captadas por rádios ao redor do mundo. O choque foi maior ainda quando a mensagem começou a ser decifrada do código morse e pode ser compreendida: “Todos os oficiais, incluindo o capitão, estão mortos, caidos na sala dos mapas e na ponte. Possivelmente toda a tripulação está morta”. Conseguindo a atenção de muitas pessoas que estavam na frente de terminais de rádio a mensagem continuou, desta vez uma sequência de código morse sem sentido que finalmente foi seguida por um “eu morro”. E então silêncio.

Este acidente supostamente ocorreu em junho de 1947 ou em fevereiro de 1948. Não há uma data precisa.

Independente da data precisa, as pessoas que receberam a mensagem se apressaram em tentar descobrir de onde ela vinha. Os navios da região, juntamente com os postos de radio da holanda e da inglaterra que estavam de ouvidos em pé começaram a triangular a origem do sinal e pela posição que encontraram descobriram que se tratava do navio de carga holandês e partiram para lá a todo vapor. Das embarcações que navegavam pela região a que se encontrava mais próxima era a Silver Star, um navio mercante americano que alcançou a posição calculada em algumas horas. Quando finalmente chegou no local, a tripulação do Silver Star se deparou com um mar calmo, liso como um espelho, com poucas ondas baixas se chocando preguiçosamente contra o casco do navio parado. Não havia sinal da tripulação do navio holandês em parte alguma do convés. O navio americano fez sinais, tocaram sinos e apitos, e então aquele apitão HÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔMMMMMM… mas não teve resposta. Nenhum sinal de vida. O que fizeram? Formaram uma equipe de resgate e a enviaram rumo ao navio aparentemente deserto.

Agora sejamos sinceros, releiam a mensagem enviada: “Todos os oficiais, incluindo o capitão, estão mortos, caidos na sala dos mapas e na ponte. Possivelmente toda a tripulação está morta” e então um “eu morro” final. O que você esperaria encontrar a bordo do navio? Com certeza você se borraria muito mais se alguém respondesse suas tentativas de comunicação certo?

Assim que abordaram o Ourang, a equipe de resgate se deparou com uma cena que perturbou a todos, mas perturbou a ponto de tranformar o caso em uma lenda e hoje essa lenda ainda ser mencionada em sites de segunda categoria como o nosso.

Marinheiros são um povo supersticioso. Matematicamente é curioso notar que sempre que lidamos com uma realidade onde não passamos de pulgas, como guerras, minas profundas, o oceano ou cassinos, encontramos a maior concentração de pessoas supersticiosas. Por serem supersticiosos, marinheiros estão acostumados com suas lendas de navios fantasmas. Pegue o Maria Celeste, por exemplo. Nas palavras de nossa queridíssima Ligia Cabús:

“O Marie Celeste foi construído na Nova Escócia [Canadá] em 1861 e chamava-se Amazon. Em 1869, foi re-batizado como Marie Celeste e com este nome entrou para o rol das lendas sobre navios-fantasma. A troca foi uma tentativa de mudar o “astral” do barco, que sofrera muitos infortúnios e teve muitos proprietários. Providência inútil. Ele parecia maldito desde o começo. Em sua última viagem, em novembro de 1872, partiu de Nova Iorque com um carregamento de metanol, oito tripulantes e dois passageiros. Seu destino era Gênova, Itália. Em dezembro daquele ano foi encontrado à deriva no arquipélago de Açores [território de Portugal], inteiro, com a carga intacta porém deserto. Parecia ter sido deliberadamente abandonado. Manchas de sangue foram encontradas na amurada e uma espada, também marcada com sangue estava escondida debaixo da cama do capitão. O que aconteceu no navio, ninguém soube jamais.”

Assim, embora supersticiosos eles são um povo endurecidos pelo absurdo que é a superstição deles. Deveriam estar acostumados com navios fantasmas. Mas os detalhes do que acharam eclipsaram em horror e infâmia o pobre Maria Celeste.

A mensagem de SOS de fato não era uma brincadeira de meio de junho ou começo de fevereiro. Cada um dos membros da tripulação do Ourang Medan estava caido morto no chão. Seus cadáveres espalhados por todos os deques do navio. O capitão estava morto na ponte de comando, seus oficiais estavam mortos na sala do leme, sala dos mapas e no cômodo de lazer. Encontraram inclusive a carcaça de um cão, talvez uma mascote para trazer sorte para o navio – se esse foi o caso eles teriam se saido melhor se tivessem cozinhado e comido o cachorro. O problema é que todo mundo não estava apenas morto; cada uma das pessoas traziam os olhos arregalados e a boca escancarada, seus rostos virados para cima, encarando o sol inclemente; muitos traziam os braços estendidos e todos tinham uma expressão de puro terror. De acordo com o artigo publicado pelo jornal da marinha mercante americana em 1952, “suas faces congeladas estavam voltadas para o sol, as bocas escancaradas e os olhos abertos encarando o vazio…”; até o cão morto trazia uma careta atormentada, parecia imitar seu mestre. Quando a equipe do Silver Star rumou para a sala de rádio encontrou o responsável pela mansagem; ele também estava morto, sua mão sobre o Morse, a boca aberta com os dentes à mostra. Foi reparado que nenhum dos corpos possuia nenhuma lesão ou ferimentos. Era como se todos houvessem morrido de medo.

A tripulação do Silver Star decidiu então rebocar o navio da morte de volta para o porto, mas antes que pudessem começar a pensar no que precisariam fazer para mover aquela embarcação da morte, nuvens de fumaça começaram a emanar dos decks inferiores. O equipe de resgate, usando a lógica e o bom senso, dispararam em retirada, voltando aos trancos e tropeções para o Silver Star e mal tiveram tempo e cortar as cordas que uniam os dois navios antes do SS Ourang Medan explodir, com tal violência que “o navio se ergueu no ar e então afundou rapidamente no oceano”. Além de ser um navio da morte, ele não desejava ser rebocado para ser estudado por paranormais nem nada, ele desejava levar seus segredos de morte consigo para o fundo do mar, onde vários peixes morrem também.

Enfim… até os dias de hoje ninguém sabe exatamente o que houve com o Ourang Medan ou com a tripulação. Muitos especularam sobre o assunto, afirmando que ordas de piratas teriam atacado o navio, matado a tripulação e então sabotado a embarcação para que explodisse. Claro que isso seria possível se esses piratas fossem hibridos de ninjas, porque os corpos não possuiam marcas, ou ferimentos. E não havia sinal de luta. O homem que transmitiu o sinal de socorro morreu com o dedo no aparelho de código morse. Além disso haviam as caras distorcidas pelo medo, o que explica um confronto com algo terrível, mas não necessariamente algo que os atacasse fisicamente. Teriam que ter sido piratas ninja de fato, com toques silenciosos de morte e rostos muito feios. Outros ainda falam de nuvens – ou bolhas no caso – de metano e outros gases naturais que poderiam ter escapulido de fissuras no fundo do mar e engolfado a embarcação, primeiro matando todos e então dando cabo do navio. Além disso outras teorias entre as quais deuses descendo à terra em discos voadores são as menos esdrúxulas.

Até hoje o navio da morte permanece um mistério para o mundo.

Mas não para nós.

A Morte Súbita Inc. decidiu se dedicar um pouco a este caso sobrenatural bizarro de morte e ver que tipos de luz conseguiria atirar a este abismo de terror e bizarrice. Vamos ao que dizem nossos arquivos.

Esta história tem os elementos clássicos que agradam todos os fãs de mistérios não explicados: um evento violento de grande escala – no caso mortes de uma tripulação e um cão – que ocorre tão rápido que só pode ter uma natureza sobrenatural. Veja o caso do Maria Celeste, uma tripulação some, sem nenhum aviso, nenhuma transmissão pedindo por socorro, marcas de violência, sangue, nenhum registro e um carregamento intocado. Isso faz com que pessoas normais comecem a indagar: se foram piratas, por que não levaram o carregamento? Se o capitão ficou louco, como pode dar cabo da tripulação? Ele matou todos com a espada, jogou os corpos no mar e depois se matou se jogando no mar? Que loucura teria acontecido?

Este ingrediente é geralmente o que torna histórias que seriam chatas em mistérios inexplicáveis. Vejam um exemplo típico:

Um caso que ficou conhecido como “O DESAPARECIMENTO NO FAROL DE EILEAN MOR”. Obviamente poderíamos mudar o nome do caso para “O FAROL DA MORTE”, mas nem todos possuem o nosso senso de aproveitamento, assim vamos manter o título original.

Muito tempo atrás não haviam radares, telefones celulares nem pessoas com super visão de raios-x, por isso os primitivos criaram o hábito de construir faróis em encostas de penhascos ou ilhas para sinalizarem aos navios que haviam pedra por perto ou mesmo para que eles pudessem se localizar. Uma dessas construções foi erguida na Ilha de Eilean Mor em 1899, na Escócia. A ilha era completamente desabitada e ficava a poucos quilómetros da costa, por causa disso criaram o costume de mandar grupos de 3 pessoas para o farol e de substituir esses grupos a cada 14 dias, assim eles não enlouqueceriam, se matariam num festival de canibalismo e por fim desapareceriam sem deixar rastro nenhum. E para ter certeza que, caso algum dos 3 membros da equipe enlouquecesse e começasse um festival solitário de canibalismo ou algo do gênero o contato com a civilização era mantido via sinais, como sinais de luz, de bandeiras, etc.

A vida seguiu bem seu rumo até o dia 7 de dezembro de 1900, quando uma equipe chefiada por um sujeito de nome James Ducat chegou à ilha e… bem, calhou de que nesta época, uma puta tempestade decidiu apagar aquele pedaço da Escócia do mapa, lavando ela da existência com chuva e vento. Mas até então tudo era festa e alegria para aqueles que estavam em terra firme já que a equipe estava bem abrigada por lá e tinham água e comida e calor e risadas, e essa festa e alegria durou até o dia 15 de dezembro quando a embarcação SS Archer, que passava nas proximidades, percebeu que a luz do farol estava apagada. Eles enviaram um sinal em código morse para terra firme informando-os da peculiaridade. Mas graças a maremotos e neblinas e desgraças enviadas por Deus, só conseguiram chegar na ilha no dia 26, logo depois do Natal.

De cara o grupo que chegou ao farol notou peculiaridades, não havia ninguém lá para recebê-los, quando chegaram ao farol encontraram as portas trancadas, ninguém respondia aos gritos de TEM ALGUÉM AI? DESTRANCA A MERDA DA PORTA! Ou seja, eles estavam no meio de Pandorum e não sabiam.

Diferente da tripulação do filme, a equipe do farol tinha uma chave reserva e a usaram para entrar no farol e quando fizeram isso se depararam com…

Exato, com nada, o farol estava vazio. Nunca encontraram nenhum sinal dos 3 homens que deveriam estar lá.

Chamaram a polícia para investigar mas nenhuma pista de seu paradeiro foi encontrada. Ponto final. Agora, como essa história de 3 homens presos em um pedaço de pedra no meio do mar durante uma tempestade desgraçada sem nenhum contato com terra firme, a quilómetros de distância que desaparecem pode ficar interessante?

Acrescentando-se detalhes, pequenos fatos curiosos:

1- Assim que a equipe que veio render os homens chegou, encontraram no farol:

a) cinzas frias na lareira;
b) uma cadeira caida no chão;
c) um prato com metade de uma refeição dentro.

2- Foi encontrado o diário da equipe que estava lá com a última entrada do dia 15 de dezembro às 9 da manhã que dizia:

“Tespestade acabou, mar está calmo. Deus está sobre tudo.”

3- O farol estava trancado.

Vejamos como tranformar isso tudo no próximo sucesso da sessão de terror e suspense da sua locadora. Usemos da famosa lógica humana. Três pessoas ficam em um farol isolado. Numa bela noite se descobre que o farol está apagado. Por causa de uma tempestade ninguém pode ir à ilha. Não há nenhuma tentativa de comunicação dos ilhados. Quando chegam lá, dias depois da data marcada para irem vê-los o farol está trancado, tem cinzas na lareira uma cadeira virada e meio prato de comida na mesa da cozinha. Para melhorar a última entrada o diário diz que está tudo calmo e não há mais tempestade.

Começam as perguntas: se houve uma emergência repentina, porque parariam para trancar o farol antes de sair correndo, se a ilha era deserta? O que poderia fazer um homem sair correndo de tal maneira que derrubasse a cadeira onde estava sentado na frente da lareira e outro largar a refeição que estava saboreando pela metade? E num dia sem tempestade… uau… que porra sobrenatural aconteceu?

Teriam os três homens caidos juntos no mar? Claro que não! Eram homens adultos e faroleiros experientes!

Teriam sido sequestrados por piratas? Pode ser… mas neste caso, por que trancariam a porta do farol enquanto estavam do lado de fora?

Teriam se suicidado? De fato… ficar longe da família no Natal é foda, e as comemorações de fim de ano costumam mesmo deixar muita gente deprimida ao mesmo tempo que as deixa solidárias, então um deprimido poderia ter resolvido se matar e os amigos solidários resolveram ir junto para ele não se sentir sozinho no inferno! (quem deixa anotações de que Deus está sobre tudo, geralmente acredita que suicídio é pecado e que vai para o inferno caso se mate).

As pessoas mais racionais podem pensar que por causa da calmaria os homens aproveitaram para ir checar por danos em um dos lados da ilha e ai foram atingidos por uma onda gigante e levados para o mar. Mas se esse é o caso, isso não explicaria os sinais de pressa, ninguém larga a comida e sai correndo para ser atingido por uma onda gigante.

Será que eles enlouqueceram? Será que se engajaram em um festival de canibalismo e por fim desapareceram sem deixar rastro nenhum, com o último homem se devorando até não deixar vestígios? Será que cresceu algum bolor alucinógeno na comida e eles decidiram ir andar sobre as ondas?

Que mistério danado!

E ai não demora muito e surge a primeira mão se erguendo:

“Mas professor, todos sabem que Eilean Mor já foi certa vez um posto dos antigos Vikings, e que os habitantes locais estão familiarizados com o barco Viking fantasma que assombra os mares locais!”

E antes que possamos começar a nos recobrar deste choque e dar uma resposta  minimamente plausível outra voz já emenda:

“É verdade, inclusive a tripulação do Fairwin, uma das embarcações enviadas para investigar porque a luz do farol apagou no dia 15 de dezembro reportou ter visto um barco fantasmagórico, tripulado por guerreiros com as faces brancas como um osso e tendo como remadores três homens com capas de chuva.”

WTF?! Sim de fato, descobriram que haviam sumido uma caixa de ferramentas e duas capas de chuva, mas vamos parar para pensar. Não haveria nada mais animal do que um barco fantasma, cheio de vikings fantasmas assombrando a escócia. Talvez apenas um barco fantasma, cheio de vikings fantasmas assombrando a escócia usando três faroleiros como vadias sem vergonha. Mas isso não implica que a explicação mais legal seja a mais verdadeira.

Isso acontece porque nosso cérebro é uma merda quando o assunto é probabilidade. Todos nós gostamos de nos pintar como garanhões dizendo: a probabilidade de uma moeda cair cara ou coroa é de 50%! Agora, vejamos se você é tão garanhão ou garanhuda assim. Qual a chance de uma moeda cair cara 2 vezes seguidas? Vou dar um minuto para você pensar.

pense

pense

pense

pense

Veja, se você jogar uma moeda 2 vezes, pode ter 4 resultados distintos: cara-coroa, cara-cara, coroa-cara, coroa-coroa. Desses quantos são satisfatórios para “uma moeda cair cara 2 vezes seguidas”? 1 em 4. Ou seja 25%. Achou fácil? Vejamos um segundo exemplo. Pense em Emilie. Emilie é uma mulher solteira de 31 anos, cândida e promissora profissionalmente. Ela se graduou em filosofia. Na época em que era estudante engajou-se em militâncias sociais e participou de passeatas contra o descontrole da energia nuclear.

Se parar para pensar o que você acha seguro afirmar sobre Emilie:

a. Emilie é hoje uma professora do ensino fundamental.
b. Emilie trabalha em uma livraria e faz aulas de yoga.
c. Emilie é uma feminista convicta e participa ativamente do movimento feminista.
d. Emilie é assistente social.
e. Emilie é um membro ativo de um partido político.
f. Emilie trabalha em um banco.
g. Emilie é vendedora de uma agência de seguros.
h. Emilie trabalha em um banco e é uma feminista convicta e participa ativamente do movimento feminista.

Agora faça uma lista e marque as afirmações mais prováveis e as menos prováveis dando notas de 1 a 8 (1 para menos provável e 8 para mais provável). Assim que terminar continue lendo.

Independente das respostas ou do que Emilie seja de verdade, 90% das pessoas que responde a este teste comete um erro grave e estupidamente comum. Olhe na sua lista e veja como relacionou as seguintes possibilidades:

c. Emilie é uma feminista convicta e participa ativamente do movimento feminista.

f. Emilie trabalha em um banco.

h. Emilie trabalha em um banco e é uma feminista convicta e participa ativamente do movimento feminista.

Se você por algum motivo achou que a letra H tem uma probabilidade maior de  descrever realmente Emilie, bem-vindo/a ao seleto grupo dos 90% de pessoas que não sabem avaliar uma questão de probabilidade. Veja, a questão h inclui em si as possibilidades c e f. Uma maneira de encarar isso é: se você tem 2 eventos possíveis, a chance dos dois acontecerem ao mesmo tempo NÃO PODE ser maior do que a chance de cada um acontecer separadamente. Só para deixar isso muito claro pegue dois dados. Existem 36 combinações possíveis de lados após você os atirar:

1-1   2-1   3-1   4-1   5-1   6-1
1-2   2-2   3-2   4-2   5-2   6-2
1-3   2-3   3-3   4-3   5-3   6-3
1-4   2-4   3-4   4-4   5-4   6-4
1-5   2-5   3-5   4-5   5-5   6-5
1-6   2-6   3-6   4-6   5-6   6-6

Qual a chance de assim que você atirar os dados aparecer um 5 em qualquer um dos dados? Basta contar em quantas das combinações existe um 5 e dividir pelo número total possível de combinações: 11/36 – aproximadamente 0.30 ou 30%. Pouco menos de 1 em 3 vezes. Essa probabilidade é a mesma para qualquer número aparecer. Agora, qual a chance para um 5 OU um 6 aparecerem? Vamos somar as probabilidades de um 5 (11/36) ou um 6(também 11/36) aparecerem. Conte na tabela acima e terá 20 combinações em 36 ou 20/36, 5/9, o que dá um pouco a mais de 1 em 2. agora qual a chance de um 5 E um 6 aparecerem, não importa a ordem? 2 em 36 vezes, já que só existem duas combinações ou ‘5 e 6’ ou ‘6 e 5’. A probabilidade de um 5 e um 6 NUNCA pode ser maior do que a de um 5 ou um 6 saírem.

O cérebro humano acredita que mais detalhes fazem um evento tornar-se mais provável, e não menos, acrescentando mais realidade a ele, o que não acontece na prática. Assim, independente do que você respondeu, a probabilidade de Emilie trabalhar num banco E ser uma militante feminista não pode ter uma probabilidade maior do que ela simplesmente trabalhar no banco ou simplesmente ser uma feminista.

Assim, quanto mais detalhes acrescentarmos à história, menos provável de ter acontecido é o roteiro resultante.

Como assim, “então explique o que aconteceu”?

Ok. Ilha devastada, cheia de estragos por causa da tempestade. Escadas e corrediços, pontes e cordas desaparecidas ou arrancadas do lugar. Especialmente na região de embarque e desembarque. Um membro X aproveita o tempo bom, pega uma caixa de ferramentas e sai para consertar alguns estragos, como o tempo está bom, sai sem a capa de chuva. Mais tarde o tempo fecha, ele fica numa situação fodida e começa a gritar por socorro. Os outros dois membros do farol saem correndo, pois imaginam que a situação pode ser séria, um deixando metade da comida no prato, o outro se levantando tão rápido que tomba a cadeira e vão para fora. Eles percebem que o clima vai virar, pegam capas de chuva e trancam a porta para quando voltarem não encontrarem uma zona de água e sujeira e lama dentro do farol, que com certeza aconteceria se o vento abrisse a porta. E no meio da operação de resgate os três se fodem, o mar fica nervoso, a tempestade volta e os três são atirados no mar, o que estava encrencado e os dois que foram socorrê-lo. Ponto.

Isso claro não invalida a visão no barco fantasma. Se de fato os mares são assombrados por vikings, nada mais lógico do que três fantasmas de faroleiros que morreram no mar perto do farol se unirem à tripulação, mas isso seria um evento posterior ao sumiço e não simultâneo – foram recrutados em vida pelos fantasmas, e não sequestrados e mortos por eles.

Combinando isso com a nossa matemática acima, e traduzindo tudo podemos simplesmente dizer. Nestes casos é muito mais provável que uma coisa (uma morte seguida de desaparecimento) ou outro (alguma atividade sobrenatural, ufológica ou misteriosa) tenha acontecido, do que uma seguida da outra. Se não havia sinais de brigas e batalhas, podemos descartar piratas ou qualquer explicação do tipo como piratas, afinal de fato, se piratas invadem sua ilha é mais provável que você se tranque dentro do farol do que fora. Se a região é famosa por atividades paranormais, elas seguem seu rumo independente do que possa ocorrer na ilha, como mortes, e as mortes podem posteriormente ser acrescentadas a essas atividades, mas não necessariamente elas seriam resultado delas.

Assim, mesmo que o seu pós vida tenha se tornado algo mirabolante e fantástico – eles de fato se tornaram as vadias sem vergonha dos piratas vikings machos e fodões – o seu desaparecimento chega a ser banal, trivial e não misterioso.

Claro que minha explicação não reflete a realidade, pelo que sabemos Elvis pode ter vindo de disco voador e usado a tecnologia Alien para abduzir, fazer experimentos, realizar uma mudança de sexo nos três e tê-los devolvido à terra como musas em diferentes países. Mas esse exercício serve para mostrar como usar pequenos fatos bizarros para se criar um blockbuster ao invés de parar para buscar uma explicação mais plausível. Assim mesmo que tenham virado parte da tripulação viking, é muito improvável que os vikings os tenham matado. Sacou?

Existem ainda mais algumas brincadeiras matemáticas que ajudam a eliminar o sobrenatural deste e de muitos casos, mas isso tornaria o texto muito longo e numérico. Mas de fato existe uma diferença entre mentir para as pessoas porque você se tornou um transexual canibal E ter se tornado um transexual canibal e por isso mentir para as pessoas. Caso alguém queira saber como isso funciona e como se aplicaria aqui deixe comentários pedindo pela prova do mentiroso e eu desenvolvo um apêndice para o texto.

E que explicação plausível podemos dar ao Navio da Morte? Ahá… aposto que nem se lembrava mais o assunto deste texto. Sim, o Navio da Morte, qual a explicação mais plausível para o que ocorreu?

Cansados de textos que temrinam com “Esse é mais um grande mistério”, ou “E ninguém nunca foi capaz de explicar”, ou “pois existem mais coisas entre a terra e o céu do que julga nossa vã filosofia”, resolvemos montar esse touro na unha, literalmente. Em primeiro lugar decidimos encontrar o touro. Saimos em busca de registros do SS Ourang Medan.

Nossa busca mais séria nos revelou um fato interessante, uma lenda dentro de uma lenda, um efeito cebola do sobrenatural: fora das páginas da internet que contam o caso, não haviam registros do navio em parte alguma. Não havia menção do navio nos registros navais em Amsterdam. Não havia registro do navio na marina de Singapura. Não existem registros da existência dele em lugar nenhum. E isso fez com que muitas pessoas que se interessassem pelo caso concluíssem que o navio nunca existiu, que tudo não passou de uma tremenda história de pescador, uma lenda ou algo que o valha.

E isso se mostrou algo muito interessante. O dito onde há fogo, há fumaça costuma ser como uma infestação de cri-cris. Você pode tentar fingir que não está com a púbis coçando, mas ela está coçando, e muito. Para uma história dessas perdurar por tanto tempo ela deve ter se baseado em algo concreto, ou os próprios marinheiros a teriam ignorado com o tempo. Na eterna batalha dos Memes, aqueles mais fracos e sem conteúdo acabam morrendo logo quando surgem novos e mais risonhos memes. Mas não o caso do Ourang. Além disso a história registra o nome de outro navio, o Silver Star, e esse é um navio real, com registros reais e documentação real.

Então após um tempo apenas recebendo silêncio e “não sei do que você está falando”, decidimos ir atrás do Silver Star. Essa nova pesquisa não deu em nada de forma concreta, mas nos abriu uma porta curiosa. O Silver Star era o navio da Grace Lines de Nova Iorque e da cidade de Baltmore, antes de ser rebatizado seu nome era Santa Cecilia. Embora nenhuma das empresas tenha respondido nada a respeito do acontecido, acabamos esbarrando no Professor Theodor Siersdorfer. Curiosamente sempre que você sai em busca de algo misterioso é alguém com o título de “professor” que surge com respostas mirabolantes. Algum tempo atrás outro pesquisador americano do caso postou um pedido de ajuda sobre os fatos que o cercavam na revista “Sea Breezes”, uma revista inglesa para velhos marinheiros, e um professor alemão leu o pedido. O Professor Siersdorfer estava, na época, pesquisando a mais de 45 anos o caso, e havia corrido atrás de todo canto imaginável atrás de alguma evidência sólida e o que ele conseguiu? Absolutamente nada. Mas um nada muito interessante.

Depois de conversar muito com o Professor, outro pesquisador do caso, Roy Bainton, começaram a chegar em algumas conclusões interessantes. Roy Benton foi o aficcionado que postou o apelo na revista. O professor e Baiton também acreditavam que se o caso do navio fosse mera invencionice não teria durado tanto tempo na boca miuda dos supersticiosos. Ele conjecturaram então a hipótese de que o que acabou com a tripulação foi o vazamento de algum gás extremamente tóxico que estivesse sendo transportado. Isso também explicaria a explosão do navio. Por incrível que pareça essa idéia faz sentido.

Após a criação da 3a. Convenção de Genebra, em 1929, se tornou proibido o uso de armas químicas – asfixiantes, gases venenosos ou de qualquer outro tipo e armas bacteriológicas. Qualquer violação poderia conduzir o criminoso a um processo diante da Corte Internacional de Justiça (CIJ) / Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) ou diante da Corte Penal Internacional (CPI) / Tribunal Penal Internacional (TPI), ou seja uma baita dor de cabeça. Mas isso não significa que os paises não queiram mais usar armas químicas em guerras por causa dessas restrições.

No Japão havia um grupo batizado como Unidade 731, essa unidade era um departamento secreto de pesquisa e desenvolvimento do Exército Imperial Japonês que se dedicava à guerra química e biológica. Como parte de seus protocolos eles usavam seres humanos como cobaias durante a época da Segunda Guerra Sino Japonesa e a Segunda Guerra Mundial, durante os anos a Unidade 731 foi responsável por alguns dos crimes de guerra mais notórios da história e seus métodos era algo de indiscutivelmente horríveis. Entretanto, assim que a Segunda Guerra terminou, Douglas MacArthur – o Comandante Supremo das Forças Aliadas – decidiu anistiar grande parte dos membros da U731, e em troca eles deveriam apenas se tornar pessoas melhores, deixar os ressentimentos de terem tomado uma bomba atômica na cabeça de lado e entregarem aos Estados Unidos todo o material relativo a suas pesquisas de guerra química e biológica. O chefe de pesquisas, Shiro Ishii, inclusive, se mudou para Maryland para continuar trabalhando com a pesquisa de armas biológicas.

E ai chegamos ao ponto. Sabemos que na época pós 1945 a pesquisa, desenvolvimento e testes, além do uso, de armas químicas e biológicas, continuava com a corda toda naquela região do sul da China, mas como, em nome da Deusa, essas substâncias proibidas eram transportadas de um lado para outro, passando pela China, pelos Estreitos de Malaca, nesta era conturbada? Com certeza não por ar, a perspectiva de um avião cair, carregado com toneladas de gás venenoso a bordo seria constrangedora demais. A prática era diferente. Você contratava um velho navio meio acabado, de preferência tripulado por um bando de estrangeiros mal-pagos, armazenava o gás em barris de óleo e, como qualquer contrabandista responsável, rezava para tudo dar certo e para que as autoridades fizessem vista grossa para mais um navio de mercenários.

Voltemos à matemática.

Já vimos que em um acontecido é muito mais provável que algo ou outro algo ocorra do que algo e outro algo. Assim a chance de algo bizarro ter ocorrido E matado todos de susto de forma sinistra E explodido o navio só de raiva é muito menor do que algo bizarro ter acontecido. Do que as pessoas terem morrido. Do navio ter explodido. Mas temos ai uma pegadinha: de fato algo aconteceu, as pessoas morreram E o navio explodiu. Como explicar isso? Ao invés de lidarmos com três fatos distintos ocorrendo em sequência: o bizarro, a morte sinistra, a explosão, vejamos como pensar em um único evento que tenha como resultado esses três fatos. Não um evento que possa matar de medo ou explodir um navio e decida fazer os dois, mas um evento que faça a explosão do navio, e subsequente nalfrágio, ser o resultado das mortes.

Um dos muitos pesquisadores que encontramos sobre este caso, Otto Mielke, está convencido de que o navio transportava uma mistura de “Zyankali” (cianeto de potássio) e nitroglicerina – uma mistura que não apenas poderia dar cabo de Alan Turing, como explodiria o prédio onde ele se matou. Uma substância como essas não poderia simplesmente ser levada de um lado para o outro sem gerar algumas toneladas de burocracia, mesmo 50 anos atrás.

Então aqui podemos juntar as peças. Um navio estrangeiro, uma carga ilegal de gases tóxicos e explosivos, um vazamento. Governos querendo evitar um vexame pós guerra. O sumiço de documentos que provam que um navio sequer existe. Assim encontrar qualquer registro do navio deveria ser tão fácil quando encontrar o corpo de Jimmy Hoffa. O envenenamento explicaria as mortes transtornadas e a ausência de ferimentos. O cianeto de potácio na forma de gás é letal. E a nitroglicerian cuidaria da explosão. E isso criaria um silêncio forçado das autoridades.

Não tão divertido quanto ovnis, fantasmas, miniaturas de triângulos das bermudas. Mas plausível. Isso poderia explicar como a história desapareceu dos registros, mas continua na mente, assim como o gás ela existe porque vazou, marujos que deveriam ficar de boca fechada não conseguiram guardar o segredo.

Notas

[1] Depois de varar a internet de alto a baixo pelo artigo original para conferir, o máximo que consegui foi descobrir o site da AbeBooks.com que vende uma encadernação com as publicações que vão do ano de 1950 a 1952, por 25 dólares. Estou tentando conseguir um fac simile com a Biblioteca do Museu Marítimo de São Francisco apenas do artigo em questão, mas até obter uma resposta positiva, caso alguém queira me mandar um presente de natal adiantado, aqui vai o link: http://www.abebooks.com/servlet/BookDetailsPL?bi=1358996295&searchurl=tn%3Dproceedings%2Bmerchant%2Bmarine%2Bcouncil – por presente de natal não peço o livro, pode ficar com vocês, apenas comprem e mandem uma cópia do artigo. Obrigado.

[2] Ou pelo menos deveriam saber. Parem de se escravizar para os outros e tirem uma férias, vão conhecer o mundo, parem de aprender tudo pela internet.

por LöN Plo

Uma resposta em “O Navio da Morte”

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