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As Cosmogonias Orientais e os Relatos Bíblicos – Ísis sem véu

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COMPARAÇÕES ENTRE OS SISTEMAS, INDIANO, CALDEU E OFITA.

Os dos ofitas, que assumiram uma forma definitiva na época de Marcion e dos basilideanos, encontramos a razão para as heresias de todas as outras seitas. Como todos os outros gnósticos, eles rejeitavam completamente  a Bíblia mosaica. Não obstante, exceto algumas deduções originais de alguns dos fundadores mais importantes de diversos ramos do gnosticismo, a sua filosofia não era nova. Passando pela tradição cabalística caldaica, ela tomou os seus materiais nos livros herméticos e, se procurarmos mais longe ainda por sua especulações metafísicas, nós a encontramos enleada entre os dogmas de Manu e na gênese primitiva hindu pré-sacerdotal. Muitos dos nossos antiquários eruditos remontam as filosofias gnósticas ao Budismo, o que não diminui de maneira alguma os seus nem os nossos argumentos. Repetimos mais uma vez: o Budismo é a fonte primitiva do Bramanismo. Não foi contra os Vedas primitivos que Gautama protestou. Foi contra a religião sacerdotal e oficial de seu país; e os brâmanes, a fim de dar lugar e autoridade às suas castas, preencheram, num período posterior, os manuscritos antigos com slokas (versos) interpolados, com os quais queriam provar que as castas haviam sido predeterminadas pelo Criador pela razão de que cada classe de homens provinha de um dos membros nobres de Brahmâ. A filosofia de Gautama Buddha era aquela que, desde os tempos imemoriais, se ensinava no segredo impenetrável dos santuários internos dos pagodes. Não devemos nos surpreender, portanto, quando encontramos, em todos os dogmas fundamentais dos gnósticos, os dogmas metafísicos tanto do Bramanismo quanto do Budismo. Eles afirmavam que o Velho Testamento era a revelação de uma ser inferior, uma divindade subordinada, e que não continha uma única frase da sua Sophia, a Sabedoria Divina. Quanto ao Novo Testamento, ele perdera a sua pureza quanto os compiladores introduziram interpolações. A revelação da verdade foi sacrificada por eles para a promoção dos seus fins egoístas e para a manutenção de suas querelas. Essa acusação não parece ser muito improvável para aquele que está a par da luta constante entre os defensores da circunscrição e da “Lei” e os apóstolos que renegaram o Judaísmo.

Os ofitas gnósticos ensinavam a doutrina das emanações, tão odiosa aos partidários da unidade na Trindade, e vice-versa. A Divindade Desconhecida, para eles, não tinha nome; mas a sua primeira emanação feminina era chamada Bythos ou Profundidade ( Grande Abismo ou Caos). Correspondia à Shekînah (Luz Primordial) dos cabalistas, o “Véu” que oculta a “Sabedoria” no cranium da mais superior das três cabeças. Como a Mônada pitagórica, essa Sabedoria sem nome era a Fonte de Luz, e Ennoia ou Mente é a própria Luz. Esta era chamada também de “Homem Primitivo”, como o Adão-Cadmo, ou o antigo Adão da Cabala. Na verdade, se homem foi criado à imagem e à semelhança de Deus, então era igual à sua criatura em forma e figura – por conseguiste, ele é o “Homem Primitivo”. O primeiro Manu, o que desenvolveu de Svayambhû, “o que existe, não revelado, em sua própria glória”, também é, em certo sentido, o homem primitivo, para os hindus.

Assim, o Bythos “sem nome e não-revelado”, seu reflexo feminino, e Ennoia, a Mente revelada que procede de ambos, ou seu Filho, são as contrapartidas da primeira Tríade caldaica, bem como da Trimûrti bramânica. Comparemos: em todos os sistemas vemos A GRANDE CAUSA PRIMEIRA, o UM, o germe primordial, o TODO sublime e não-revelado, que existe por si mesmo. No

PANTEÃO HINDU
Brahman-Dyaus

CALDAICO
Ilu, o Ain Soph cabalístico

OFITA

o Sem Nome, ou o Nome Secreto.

(N.C. Sobre o assunto ver Etimologia de IAO cap. VII).

Quando o Eterno desperta do seu sono e deseja manifestar-se, divide-se em macho e fêmea. Torna-se então em cada um dos sistemas:

A DIVINDADE DE DUPLO SEXO, o Pai e a Mãe universais.

NA ÍNDIA
Brahmâ
Nâra (macho),
Nârî (fêmea).

NA CALDÉIA
Eikon ou Ain Soph.
Anu (macho),
Anata (fêmea).

NO SISTEMA OFITA
Espírito Sem Nome
Abrasax (macho),
Bythos (fêmea).

Da união dos dois emana um terceiro, ou Princípio criativo – o FILHO, ou o Logos Manifesto, o Produto da Mente Divina.

NA ÍNDIA
Virâj o Filho

NA CALDÉIA
Bel, o Filho

NO SISTEMA OFITA
Ophis (outro nome de Ennoia), o Filho).

Além disso, cada um desses sistemas tem um Trindade masculina tríplice, procedendo cada uma por si mesma de uma Divindade feminina. Assim, por exemplo:

NA ÍNDIA
A Trindade – Brahmâ, Vishnu, Shiva – em UM, que é Brahma (gênero neutro), que cria e é criado pela Virgem Nârî (a Mãe de fecundidade perpétua).

NA CALDÉIA
A Trindade – Anu, Bel, Hoa ( ou Sin, Samas, Bin) – que se reúne em UM que é Anu (de Sexo duplo) pela Virgem Mylitta.

NO SISTEMA OFITA
A Trindade formada pelo Mistério chamado Sigê, Bythos, Ennoia. Eles se tornam UM, que é Abrasax, da Virgem Sophia (ou Pneuma), que é uma emanação de Buthos e do deus-Mistério e que por meio deles faz emanar Cristos.

Para deixá-lo mais claro, o Sistema Babilônico reconhece em primeiro lugar – o Um (Ad, ou Ad-ad), que nunca é nomeado, porém que é reconhecido em pensamento como o Svayambhû hindu. A partir daí ele se manifesta como Anu ou Ana – o único acima de tudo – Monas. Depois vem o Demiurgo chamado Bel ou El, que é o poder ativo da Divindade. O terceiro é o princípio da Sabedoria, Hea ou Hoa que também governa o mar e o mundo inferior. Cada um deles tem sua esposa divina – Anata, Belita e Davkina. Elas, todavia, não são senão Saktis (energia feminina ativa dos deuses) e não são especialmente reconhecidas pelos teólogos. Mas o princípio feminino é designado por Mylitta, a Grande Mãe, também chamada Ishtar. Quanto aos três deuses masculinos, temos a Tríade ou Trimûrti, e, acrescentando-lhe Mylitta, o Arba ou Quaternário (a Tetraktys de Pitágoras), que aperfeiçoa e potencializa tudo. Assim, temos os modos de expressão indicados acima. O diagrama caldaico que segue pode servir como ilustração para todos os outros:

TRÍADA
Anu,                                            Mylitta-Arba-il,
Bel,                                              ou
Hoa,                                            Deus quaternário

torna-se, entre os cristãos:

TRINDADE

Deus o Pai,                                 Maria, ou mãe desses três Deuses,
Deus o Filho,                              dado que são apenas um,
Deus o Espírito Santo,                ou a Tetraktys celestial cristã.

Em conseqüência, Hebron, a cidade dos kabiri, era chamada Kiryath-Arba, cidade dos Quatro. Os kabiri eram Axieros, o nobre Eros, Axiokersos, o honorável ornado de chifres, Axiokersa, Deméter e Casmilos, Hoa, etc. (Kabiri, Axiokersa, são Divindades e deuses “os poderosos”).

O dez pitagóricos denota o Arba-il ou o Quaternário Divino, emblematizado pelo linga (Um signo ou símbolo de criação abstrata. A Força converte-se no órgão de procriação masculino apenas nesta Terra.) hindu: Anu, 1; Bel, 2; Hoa, 3, que fazem 6. A Tríade e Mylitta, representando 4, perfazem dos Dez.

Embora seja chamado de “Homem Primitivo”, Ennoia, que é, como Pimandro egípcio, o “Poder do Pensamento Divino”, a primeira manifestação inteligível do Espírito Divino em forma material, ele é como o Filho “Unigênito” do “Pai Desconhecido” de todas as outras nações. Ele é o emblema da primeira aparição da Presença Divina em suas próprias obras de Criação, tangível e visível, e em conseqüência, compreensível. O Deus-mistério, ou a Divindade nunca-revelada, fecunda por meio da Sua Vontade Bythos, a profundidade insondável e infinita que existe no silêncio (Sigê) e na escuridão (para o nosso intelecto) e que representa a idéia abstrata de toda a natureza, o Cosmos eternamente produtivo. (Bythos termo gnóstico que significa “Profundidade” ou “grande abismo”, Caos. Equivalente a “espaço”, antes que nele se tenha formado alguma coisa a partir dos átomos primordiais, que existem eternamente em suas profundezas, segundo os ensinamentos de Ocultismo.) Como nem o princípio masculino nem o feminino, reunidos na idéia de uma Divindade bissexual nas concepções antigas; podiam ser compreendidos por um intelecto humano comum, a teologia de cada povo de criar, para a sua religião, um Logos ou palavra manifesta, de uma ou de outra forma. Para os ofitas e outros gnósticos, que extraíram os seus modelos diretamente de originais mais antigos, o Bythos não-revelado e sua contrapartida masculina produziram Ennoia e os três, por sua vez, produziram Sophia, completando assim a Tetraktys, que fará emanar o Cristos, a essência mesma do Espírito do Pai. Sob o aspeto do Um não-revelado, ou Logos oculto em seu estado latente, ele existiu por todo o sempre no Arba-il, a abstração metafísica; portanto, ele é UM com os outros enquanto unidade, recebendo estes últimos (e todos eles), indiferentemente, os nomes de Ennoia, Sigê (silêncio), Bythos, etc. Sob seu aspeto revelado, ELE é Andrógino: Cristos e Sophia (Sabedoria Divina), que originam o homem Jesus. Irineu demonstra que ambos, Pai e Filho, amaram a beleza (formam) da mulher primitiva, que é Bythos – Profundidade – e também Sophia, e que, por sua vez, produziu conjuntamente Ophis e Sophia (de novo uma unidade bissexuada), sabedoria masculina e feminina, das quais uma é o Espírito Santo não – revelado, ou antiga Sophia – o Pneuma – a “Mãe (intelectual) de todas as coisas”; a outra, a revelada, ou Ophis, representa a sabedoria divina que desceu à matéria, ou Deus-homem-Jesus, que os ofitas gnósticos representavam por uma serpente (Ophis).

Fecundada pela Luz Divina do Pai e do Filho, o espírito supremo e Ennoia, Sophia produz por sua vez duas outras emanações – um Chistos perfeito, a segunda Sophia-Akhamôth imperfeita a partir da hokhmôth (sabedoria simples), que se torna a mediadora entre os mundos intelectuais e material.

Cristos era o mediador e o guia entre Deus (o Supremo) e tudo o que de espiritual havia no homem; Akhamôth – a Sophia mais jovem – exercia a mesma função entre o “Homem Primitivo”, Ennoia, e a matéria. Já explicamos o que havia de misterioso no significado do termos geral Cristos.

No sistema ofita, Sophia, a Sabedoria Andrógina, também é o espírito feminino, ou a fêmea hindu Nârî (Nârâyana), movendo-se na superfície das águas – o caos, ou a matéria futura. Ela a vivifica à distância, mas não toca o abismo das trevas. É incapaz de fazê-lo, pois a Sabedoria é puramente intelectual e não pode agir diretamente sobre a matéria. Portanto, Sophia é obrigada a recorrer a seu Parente Supremo, mas, embora a vida proceda em primeiro lugar da Causa Inobservada e de seu Ennoia, nenhum deles pode, mais do que ela, ter algo em comum com o caos inferior em que a matéria assume sua forma definitiva. Assim, Sophia é obrigada a empregar nessa tarefa a sua emanação imperfeita, que é de natureza mista, metade espiritual e metade material.

A única diferença entre a cosmogonia ofita e a dos nazarenos de São João é uma troca de nomes. Encontramos um sistema idêntico na Cabala, no Livro do mistério (Liber misterii). Esses três sistemas, especialmente o dos cabalistas e dos nazarenos, que foram os modelos para a cosmogonia ofita, pertencem ao gnosticismo oriental puro. O Codex nazaraeus começa da seguinte maneira: “O Supremo Rei da Luz, Mano, o primeiro grande UM”, etc., sendo este último a emanação de Ferho – a VIDA desconhecida, sem forma. Ele é o chefe dos Eons, dos quais procedem (ou se originam) cinco raios refulgentes de luz Divina. Mano é o Rex Lucis, o Bythos-Enoia dos ofitas. Ele é a Lua Manifesta que rodeia a mais elevada das três cabeças revelando, Cristos o “Apóstolo Gabriel” e o primeiro Legado ou mensageiro da luz. Se Bythos e Ennoia são o nazareno Mano, então a Akhamôth de natureza dupla, semi-espiritual e semimaterial, deve ser Pthahil, considerada segundo seu aspeto espiritual; mas, se a consideramos conforme sua natureza grosseira, é o “Spiritus” dos nazarenos.

Pthahil, que é o reflexo do seu pai, o Senhor Abathur, a terceira vida – assim como a Sophia primogênita é também a terceira emanação -, é o “homem mais novo”. Apercebendo-se dos seus vãos esforços para criar um mundo material perfeito, o “Espiritus” chama em sua ajuda uma das sua progenitoras, o Karabtanos-Ialdabaôth (O espírito do desejo cego ou animal; símbolo do Kâma-rûpa.  Espírito “sem sentido ou juízo”.), que não tem razão nem judiciosidade (“matéria cega”), para se unir a ela para criar algo de definitivo com essa matéria confusa (turbulentos), tarefa que ela só é capaz de realizar depois de ter produzido, com esta união com Karabtanos, as sete estrelas. Como os seis filhos ou gênios do Ialdabaôth gnósticos, eles produzem então o mundo material. A mesma história se repete com relação a Sophia-Akhamôth. Enviada por seu parente puramente espiritual, a Sophia primordial, para criar o mundo de formas visíveis, desceu ao caos e, dominada pela emanação da matéria, perdeu o seu caminho. Todavia, ambiciosa para criar um mundo de matéria-prima para si, ela se ocupou em flutuar daqui para ali sobre o abismo negro e deu vida e movimento aos elementos inertes, até que, irremediavelmente emaranhada na matéria, como Pthahil, ela é representada sentada imersa no lodo e incapaz de dele se safar; mas, pelo contato com a própria matéria, ela produz o Criador do mundo material. Ele é o Demiurgo, chamado pelos ofitas de Ialdabaôth, e, como mostraremos, o pai do Deus judaico na opinião de algumas seitas e na de outras, o Próprio “Senhor Deus”. É neste ponto da cosmogonia cabalístico-gnóstica que começa a Bíblia mosaica. Tendo aceitado o Velho Testamento judaico como seu modelo, não espanta que os cristãos fossem forçados, pela posição excepcional em que foram colocados por sua própria ignorância, a extrair dele o melhor que pudessem.

A IDENTIDADE DE JESUS, E O “DEUS DESCONHECIDO.

Os primeiros grupos de cristãos, que Renan afirma não passarem de sete a doze homens em cada igreja, pertenciam, sem sombra de dúvida, às classes mais pobres e mais ignorantes. Não tinham, nem podiam ter, a menor idéia das doutrinas altamente filosóficas dos platônicos e dos gnósticos e, evidentemente, sabiam muito pouco sobre a nova religião que se acabava de fabricar. Para esses [homens] – que, na qualidade de judeus, foram esmagados pelo domínio tirânico da “lei”, tal como a compreendiam os anciãos das sinagogas, e, na qualidade de pagãos, sempre foram excluídos, como as castas mais baixas ainda o são na Índia, dos mistérios religiosos -, o Deus dos judeus e o “Pai” pregado por Jesus eram a mesma pessoa. As disputas que reinaram desde os primeiros anos que se seguiram à morte de Jesus, entre os partidários paulinos e os petrinos, tiveram um efeito deplorável. O que um grupo fazia, o outro considerava um dever sagrado desfazer. Se as Homilias são tidas como apócrifas e não podem ser admitidas como uma medida infalível para a animosidade que reinava entre os dois apóstolos, temos a Bíblia, e as provas que ela fornece a esse respeito são inumeráveis.

Irineu parece tão irremediavelmente emaranhado em seus esforços estéreis para explicar, pelo menos no que concerne às aparências externas, as doutrinas verdadeiras de muitas seitas gnósticas e as apresentar ao mesmo tempo como “heresias” abomináveis, que, deliberadamente ou por pura ignorância, ele as confunde de uma tal maneira que poucos metafísicos seriam capazes de as desembaraçar sem o auxílio da Cabala ou do Codex. Assim, por exemplo, ele é incapaz de estabelecer a diferença entre os ofitas e nos diz que eles chamavam de “Hominem”, o “Deus de tudo”, e a sua mente de o SEGUNDO homem ou o “Filho do Homem”. Theodoret afirma a mesma coisa, ele que viveu mais de dois séculos depois de Irineu e que fez uma grande confusão com a ordem cronológica em que as diferentes seitas se sucederam. Nem os sethianistas (um ramo dos nazarenos judaicos) nem os ofitas, uma seita puramente grega, jamais pretendiam alguma coisa desse tipo. Irineu contradiz as suas próprias palavras ao descrever, em outro lugar, as doutrinas de Cenrinthus, o discípulo direto de Simão, o Mago. Ele diz que Cenrinthus ensinava que o mundo não foi criado pelo PRIMEIRO DEUS mas por uma virtude (virtus) ou poder, um Aeon tão distanciado da Causa Primeira que ele ignora até mesmo AQUELE que está acima de todas as coisas. Este Aeon dominou Jesus, engendrou-o fisicamente através de José por meio de uma mulher que não era virgem, mas apenas a esposa desse José, e Jesus nasceu então como todos os homens. Considerado deste ponto de vista físico de sua natureza, Jesus foi chamado de o “filho do homem”. Foi só depois de seu batismo que o Cristos, o ungido, desceu dos principados celestes sob forma de pomba, e o proclamou, através de Jesus, “o Pai DESCONHECIDO” (Irineu, Op. cit., I, XXVI, 1.).

Se, portanto Jesus fosse considerado, do ponto de vista físico, como um filho de um homem e, do ponto de vista espiritual, como o Cristos, que o eclipsou, como poderia então o ‘DEUS DE TUDO” o “Pai Desconhecido”, ser chamado de Homo pelos gnósticos, um HOMEM, e a sua Mente de Ennoia, o SEGUNDO homem, ou filho do homem? Nem na Cabala oriental, nem no Gnosticismo, o “Deus de tudo” jamais foi antromorfizado. É só a primeira emanação, ou antes a segunda – pois Shekhînah, Sephirah, Profundidade e outras virtudes femininas primeiramente manifestadas também são emanações – que são chamadas de “homens primitivos”. Assim, Adão-Cadmo, Ennoia (ou Sigê), os Logoi  em suma, são os “filhos unigênitos”, mas não os Filhos do Homem, denominação que pertence propriamente ao Cristos, o filho de Sophia (a primogênita) e do homem primitivo que o produz através da sua própria luz vibratória, que emana da fonte ou causa de tudo, por conseguinte a causa de sua luz também, o “Pai Desconhecido”. Há uma grande diferença, estabelecida pela metafísica gnóstica, entre o primeiro Logos não-revelado e o “ungido”, que é o Cristos.  Ennoia pode ser chamado, como o compreende Fílon, de Segundo  Deus, mas só ele é o “homem Primitivo e Primeiro”, e de maneira alguma o Segundo, como Theodoret e Irineu o consideram. É só o desejo crônico deste último de associar de todas as maneiras Jesus, mesmo em seu Contra as heresias, ao Deus Supremo, o que o levou a tantas falsificações.

A idéia de identificar o Deus Desconhecido mesmo, como o Cristos, o ungido – o Aeon que o eclipsou -, deixando-se o homem Jesus completamente fora da questão, nunca passou pela cabeça dos gnósticos, nem dos apóstolos diretos de Paulo, apesar do que poderiam fazer crer todas as falsificações que pudessem ser acrescentadas.

Já nas primeiras tentativas de se comparar os manuscritos originais, com os que os sucederam, ficou bastante claro até que ponto essas falsificações deliberadas são audaciosas e desesperadas. Na edição que o Bispo Horsley preparou das obras de Sir Issac Newton, muitos manuscritos sobre assuntos teológicos foram prudentementes subtraídos à publicação. O artigo conhecido como Descida de Cristo ao inferno, que também está no Credo dos Apóstolos, não se encontra nos manuscritos dos séculos IV ou VI. Trata-se evidentemente de uma interpolação, copiada das fábulas de Baco e de Hércules e imposta à cristandade como um dogma de fé. A esse respeito, o autor do prefácio (David Casley e o Catálogo, publicado em Londres, em 1734) ao Catalogue of the Manuscripts of the King’s Library (prefácio, p. XXIV) observa: “Espero que a inserção do artigo Descida de Cristo ao Inferno, no Credo dos Apóstolos, seja tão facilmente explicada, quanto a inserção desse versículo” (a saber, Primeira Epístola de São João, V, 7).

Ora, esse versículo se lê hoje da seguinte maneira: “Pois há três que prestam testemunho no Céu” o Pai, o Verbo e o Espírito Santo; e os três são Um”. Esse versículo, que “devia ser lido nas igrejas”, sabe-se hoje que é espúrio. Não se encontra “em nenhum manuscrito grego, exceto naquele de Berlim”, que foi transcrito de alguma paráfrase interpolada entre as linhas. Na primeira e na segunda edições de Erasmo, impressas em 1516 e 1519, essa alusão às três testemunhas celestes está omitida; e o texto não está contido em nenhum manuscrito grego escrito antes do século XV. Não foi mencionado pelos escritores eclesiásticos gregos, nem pelos padres latinos primitivos, tão ansiosos por aceitar qualquer prova que os ajudasse a estabelecer as suas trindades; e foi omitido por Lutero em sua versão alemã.

Cai assim por terra a coluna mais sólida da doutrina trinitária. Uma outra falsificação, não menos evidente, é citada pelo editor do Novo Testamento Apócrifo, segundo as palavras de Sir Isaac Newton. Newton observa que “o que os latinos fizeram a esse texto (Primeira Epístola de São João, V, 7), os gregos fizeram ao de São Paulo” (I Timóteo, III, 16). Pois, mudando o para f, a abreviatura de Øeós [Deus], no manuscrito de Alexandria, do qual se fizeram cópias posteriores, lê-se hoje: `Grande é o mistério da Divindade, DEUS manifesto na carne’ ; ao passo que todas as versões antigas, dentre as quais a de Jerônimo, lêem: `Grande é o mistério da divindade, QUE SE manifestou na carne’ . Newton acrescenta que, as discussões sobre essa falsificação estão terminadas, aqueles que lêem DEUS manifesto na carne, em vez de divindade que se manifestou na carne, consideram essa passagem como “um dos textos mais óbvios e mais pertinentes à discussão”.

E fazemos novamente a pergunta: Quem foram os primeiros cristãos? Aqueles que foram prontamente convertidos pelas simplicidade eloqüente de Paulo, que lhes prometeu, em nome de Jesus, a libertação dos laços estreitos do eclesiasticismo. Eles entenderam apenas uma coisa: eram os “filhos da promessa” (Gálatas, Iv, 28). A “alegoria” da Bíblia mosaica lhes fora desvelada; a aliança “do Monte Sinais, que gera filhos para a servidão”, foi Agar (ibid., 24), a antiga sinagoga judaica, e ele a estava “na servidão com os filhos” com relação a Jerusalém, a nova e livre, “a mãe de todos nós”.  Por um lado, a sinagoga e a lei que perseguia todos aqueles que ousava ultrapassar a linha estreita da beatitude e do dogmatismo; por outro, o Paganismo com as suas sublimes verdades filosóficas ocultas à visão, desvelando-se apenas a poucos e deixando as massas procurarem desesperadamente quem fosse o Deus, neste panteão superlotado de divindades e subdivindades. Para os outros, o apóstolo da circuncisão, apoiado por todos os seus seguidores, prometia, se eles obedecessem à “lei”, uma vida futura e uma ressurreição da qual não faziam idéia. Ao mesmo tempo, nunca perdeu uma só oportunidade de contradizer Paulo, sem o nomear todavia, mas indicando-o tão claramente que é quase impossível duvidar de quem seja aquele a quem Pedro se refere. Embora ele possa ter convertido alguns homens, que acreditavam na ressurreição mosaica prometida pelos fariseus ou caíram nas doutrinas niilistas dos saduceus, ou professavam o gentilismo politeísta da plebe pagã, que não reconhece nenhum futuro após a morte, a não ser um nada lúgubre – não achamos que a contradição sistemática dos dois apóstolos tenha contribuído para fortalecer sua obra de proselitismo. Obtiveram pouco sucesso no seio das classes pensantes eruditas, como a história eclesiástica demonstra claramente. Onde estava a verdade? E onde a palavra inspirada de Deus? Por um lado, como vimos, eles ouviram o apóstolo Paulo explicar que das duas alianças, “coisas que são uma alegoria”, a antiga, a do Monte Sinais, “que gera filhos para a servidão”, era Agar, a escrava; e o próprio Monte Sinais correspondia a “Jerusalém”, que agora está “na servidão” com os seus filhos circuncisos; e a nova aliança era Jesus Cristo – a “Jerusalém do alto e livre”, e, por outro lado, Pedro, que o contradizia e chegava até a injuriá-lo. Paulo exclama veementemente: “Desterrai a escrava e o seu filho” (a velha lei e a sinagoga). “O filho da escrava não herdará com o filho da mulher livre”. “Permanecei firmes, portanto, na liberdade com que Cristo nos fez livres; não vos submetais novamente ao julgo da servidão. (…) Vede, eu, Paulo, eu vos digo que, se vos fazeis circuncidar, Cristo não vos aproveitará nada!” (Gálatas, IV, 30; V, 1-2). E o que é que Pedro escreve? O que quer ele dizer com estas palavras: “Porque falando palavras arrogantes de vaidade (…) Prometendo-lhes a liberdade, quando eles mesmos são escravos da corrupção: porque todo que é vencido, é também escravo daquele que o venceu. (…) Porque, se depois de se terem retirado das corrupções do mundo pelo conhecimento do Senhor e Salvador (…) se deixam delas vencer e enredar (…) melhor lhes era não ter conhecido o caminho da religião, do que depois de o ter conhecido tornar para trás, deixando aquele mandamento santo que lhes fora dado”(2 Pedro II, 18- 31).

Pedro certamente não faz alusão aos gnósticos, pois eles nunca viram “o mandamento santo que lhes fora dado”; Paulo sim. Eles nunca prometeram a “libertação” da servidão, mas Paulo o fez repetidas vezes. Além disso, Paulo rejeita a “velha aliança”, Agar, a escrava; e Pedro a ela se agarra com todas as suas forças. Paulo advertiu o povo contra os poderes e as dignidades  (os anjos inferiores dos cabalistas); e Pedro, como mostraremos a seguir, respeita-os e condena aqueles que não o fazem. Pedro prega a circuncisão e Paulo a proíbe.

Mais tarde, quando todas essas asneiras, contradições e invenções foram forçosamente adaptadas ao quadro laboriosamente elaborado pelo clero da casta episcopal da nova religião, à qual se deu o nome de Cristianismo, e quando o próprio quadro caótico foi astuciosamente preservado de uma exame mais aprofundado, por meio de uma formidável coleção de penitências eclesiásticas e de anátemas, destinados a manter à distância os curiosos sob o pretexto falso de sacrifício e de profanação dos mistérios divinos, e quando milhões de pessoas foram massacrados em nome de Deus da misericórdia – nesse momento apareceu a Reforma. Ela merece, sem dúvida, o  seu nome, no sentido paradoxal da palavra. Ela abandonou Pedro e diz que escolhe Paulo para seu único líder. E o apóstolo que vociferou contra a velha lei da servidão, que deu liberdade total aos cristãos de celebrar o Sabbath ou abandoná-lo, que rejeita tudo o que é anterior a João Batista – é agora proclamado o porta-bandeira do Protestantismo, que se apega à velha lei  mais do que os judeus, aprisiona aquele que consideram o Sabbath como o fizeram Jesus e Paulo e ultrapassa a sinagoga do primeiro século em intolerância dogmática!

Mas, então perguntaremos ainda, quem eram os primeiros cristãos? Sem dúvida alguma os ebionistas; e, a esse respeito, seguimos a opinião dos melhores críticos. “Não há dúvida de que o autor [das Homilias clementinas] era um representante do Gnosticismo, que foi, certa vez, a forma mais pura da cristandade primitiva. (…)” E quem eram os ebionistas? Os discípulos e seguidores dos nazarenos primitivos, os gnósticos cabalistas. No prefácio do Codex nazaraeus, o tradutor afirma: “Que os nazarenos não rejeitassem (os Aeons) é natural. Pois eles eram os instrumentos dos ebionistas, e estes admitiam esse fato”.

Além disso, Epifânio, o Homero cristão das Heresias, diz-nos que “Ebion conhecida os nazarenos, a forma dos ceríntios (que supõem que o mundo foi elaborado pelos anjos) e a denominação de Cristãos”. Uma denominação sem dúvida aplicada muito mais corretamente a eles do que aos (chamados) cristãos ortodoxos da escola de Irineu e do Vaticano posterior. Renan mostra que os ebionistas reuniam em sua seita todos os parentes sobreviventes de Jesus. João Batista, seu primo e precursor, era o Salvador aceito pelos nazarenos e o seu profeta. Seus discípulos moravam do outro lado do Jordão, e o autor de Sõd, the Son of the Man prova, clara e peremptoriamente, que a cena do batismo do Jordão ocorreu no local do culto a Adônais. “Do outro lado do Jordão e além do lago moravam os nazarenos, uma seita que se acredita já ter existido quando do nascimento de Jesus e tê-lo compreendido entre os seus membros. Eles devem ter-se estendido ao longo da margem oriental do Jordão e ao sudeste, entre os árabes (Gálatas, I, 17, 21,: II, 11) e entre os sabeus na direção de Basra; e, ainda, eles devem ter-se dirigido para o norte do Líbano até a Antioquia, e também para o nordeste, até o estabelecimento nazareno de Beroea, onde São Jerônimo se encontrou. Os mistérios de Adónis ainda prevalecem no Deserto; nas montanhas, Aiai Adonai ainda era um grito”.

“Unido (conjunctus) aos nazarenos, todos (ebionita) ensinava aos outros a sua própria iniqüidade e resolveu que Cristo nascera da semente de um homem”, escreve Epifânio.

E, se eles, o fizeram, devemos acreditar que conheciam sobre o seu profeta contemporâneo muito mais do que Epfânio quatrocentos anos mais tarde. Theodoret, como fizemos ver em outro lugar, descreve os nazarenos como judeus que “veneram o Ungido como um homem justo” e utilizam o evangelho chamado “Segundo São Pedro”. Jerônimo encontrou, na biblioteca reunida em Cesaréia pelo mártir Panfílio, evangelho idêntico e original, escrito em hebraico por Mateus, o apóstolo publicano. “Recebi dos nazarenos, que usavam [esse Evangelho] em Beroea, na Síria, permissão para traduzi-lo”, escreve ele por volta do final do século IV. “No Evangelho que os nazarenos e os ebionistas utilizam”, acrescenta Jerônimo. “e que traduzi recentemente do hebraico para o grego e que a maioria das pessoas diz ser o verdadeiro Evangelho de São Mateus”, etc. (Jerônimo, Comment. to Matthew, livro II, cap.13. Jerônimo acrescenta que foi escrito em caldaico, mas com letras hebraicas [Dial. contra Pelag., III, 2].

A CRENÇA DOS VERDADEIROS CRISTÃOS PRIMITIVOS.

À crença dos verdadeiros cristãos primitivos.

Depois de ter produzido Ialdabaôth – de ialda, criança, e de baôth, uma terra desolada, uma desolação – Sophia-Akhamôth sofreu a tal ponto como o contato com a matéria, que, após uma luta extraordinária, ela escapa finalmente do caos pantanoso. Embora ignore o pleroma, a religião da sua mãe, ela alcançou o espaço mediano e chegou a sacudir as partículas materiais que estavam ligadas à sua natureza espiritual; depois disso, construiu imediatamente uma barreira infranqueável entre o mundo da inteligência (espíritos) e o mundo da matéria. Ialdabaôth é, assim, o “filho da escuridão”, o criador do nosso mundo pecaminoso (a sua porção física). Ele segue o exemplo de Bythos e produz de si mesmo seis espíritos estelares (filhos). Todos eles têm a sua própria imagem e reflexos uns dos outros, que se tornam mais escuros à medida que se afastem do seu pai. Com este, eles habitam sete regiões dispostas com uma escala, que começa abaixo do espaço mediano, a região da sua mãe, Sophia-Ahamôth, e termina com a nossa Terra, a sétima região. Eles são, assim, os gênios das sete esferas planetárias, das quais a mais inferior é a região da nossa Terra (a esfera que a circunda, nosso éter). Os nomes respectivos desses gênios das esferas são Iao, Tsabaôh, Adonaios, Eloaios, Horaios, Astaphaios. Os quatro primeiros, como todos sabem, são os nomes místicos do “Senhor Deus” judaico, sendo este, como afirma C. W. King, “rebaixado pelos fitas para as denominações dos subordinados do Criador; os dois últimos são os dos Gênios do Fogo e da Água”.

Ialdabaôth, que muitas seitas consideravam como o Deus de Moisés, não era um espírito puro; era ambicioso e orgulhoso e, rejeitando a luz espiritual do espaço mediano que sua mãe Sophia-Akhamôth lhe oferecia, pôs-se ele próprio a criar um mundo para si mesmo. Ajudado por seus filhos, os seis gênios planetários, ele fabricou o homem, mas não obteve êxito na primeira tentativa. Era um monstro; sem alma, ignorante e que caminhava sobre quatro patas no chão como uma fera material. Ialdabaôth viu-se obrigado a implorar a ajuda de sua Mãe Espiritual. Ela lhe transmitiu um raio da sua Luz e assim animou o Homem e o dotou de Alma. E então teve início a animosidade de Ialdabaôth contra sua própria criatura. Seguindo o impulso da luz Divina, o homem aumentou mais e mais o volume das suas aspirações; muito cedo ele começou a apresentar não a imagem do seu Criador Ialdabaôth, mas antes do Ser Supremo, o “Homem Primitivo”, Ennoia. Então o Demiurgo foi dotado de cólera e inveja; e, ficando seu olho invejoso sobre o abismo de matéria, seu olhar, envenenado pela paixão, refletiu-se repentinamente nele como num espelho; o reflexo tornou-se animado e do abismo sai Satã, serpente, Ophiomorphos – “a incorporação da inveja e da esperteza. Ele é a união de tudo o que é mais abjeto na matéria como o ódio, a inveja e a astúcia de uma inteligência espiritual”.

Depois disso, e sempre com rancor face à perfeição do homem, Ialdabaôth criou os três da Natureza: o mineral, o vegetal e o animal, com todos os seus instintos perniciosos e pensamentos maus. Imponente para aniquilar a Árvore do Conhecimento, que cresce em sua esfera e em cada uma das regiões planetárias, mas determinado a afastar o “homem” da sua protetora espiritual, Ialdabaôth proibiu-o de comer do seu fruto, com medo de que ele revelasse à Humanidade os mistérios do mundo superior. Mas Sophia-Akhamôth, que amava e protegia o homem que ela animara, enviou o seu próprio gênio, Ophis, sob a forma de uma serpente, para induziu o homem a transgredir o mandamento egoísta e injusto. E o “homem” de repente tornou-se capaz de compreender os mistérios da criação.

Ialdabaôth vingou-se, então, punindo o primeiro par, pois o homem, através do seu conhecimento, já havia conseguido uma companheira feita de suas metades espiritual e material. Aprisionou o homem e a mulher num calabouço de matéria, no corpo tão indigno de sua natureza, e no qual o homem ainda está encerrado. Mas Akhamôth ainda o protegeu. Ele estabeleceu entre a sua região celestial e o “homem” uma corrente de Luz Divina e continua a lhe fornecer iluminação espiritual.

Seguem-se, então as alegorias que abrangem a idéia de dualismo, ou a luta entre o bem e o mal, o espírito e a matéria, que se encontra em toda cosmogonia e cuja fonte também deve ser procurada na, Índia. Os tipos e os antitipos representam os heróis desse panteão gnóstico, empregados das idades mitopoéticas mais antigas. Mas, nessa personagens – Ophis e Ophiomorphos, Sophia e Sophia-Akhamôth, Adão-Cadmo e Adão, os gênios planetários e os Aeons divinos – podemos reconhecer facilmente os modelos das nossas cópias bíblicas – os patriarcas evemerizados. Encontramos os arcanjos, os anjos, as virtudes e os poderes, com outros nomes, nos Vedas e no sistema budista. O Ser Supremo avéstico, Zeruana, ou “Tempo Ilimitado”, é o tipo de todas essas “Profundidades”, “Coroas” gnósticas e cabalísticas e mesmo do Ain Soph caldaico. Os seis Amshâspands, criados pela “Palavra” de Ormusde, o “Primogênito”, têm seus reflexos em Bythos e suas emanações, e o antítipo de Ormusde-Ahriman e seu devas também participam da composição de Ialdabaôth e os seus seis gênios planetários materiais, embora não sejam totalmente maus.

Akhamôth, entristecida com os males que afligiram a Humanidade, apesar da sua proteção, suplica à sua celeste Sophia – seu antitipo – que interceda junto à PROFUNDIDADE desconhecida para que ela envie Cristos (o filho e a emanação da “Virgem Celestial”) em socorro da Humanidade que estava perecendo. Ialdabaôth e os seus filhos da matéria privam da luz divina a Humanidade. O homem deve ser salvo. Ialdabaôth já enviou o seu próprio agente. João Batista, da raça de Seth, que ele protege – como um profeta do seu povo, mas apenas uma pequena porção o ouviu – os nazarenos , os oponentes dos judeus, porque eles adoravam Iurbo-Adunai. (Iurbo e Adonai, segundo os ofitas, são nomes de Iao-Jeová, uma das emanações de Ialdabaôth. “Iurbo é chamado de Adonai pelos Abortos [os judeus]” (Codex nazaraeus, vol. III, p. 73). Akhamôth dissera a seu filho, Ialdabaôth, que o reino de Cristos seria apenas temporal e, assim, induzindo-o a enviar um precursor. Além disso, o fez causar o nascimento do homem Jesus da Virgem Maria, o seu próprio tipo da Terra, “pois a criação de um personagem material só poderia ser obra do Demiurgo; estava fora do alcance de um poder superior. Logo que Jesus nasceu, Cristos, o perfeito, unindo-se a Sophia [sabedoria e espiritualidade], desceu através das sete regiões planetárias, assumindo em cada uma delas uma forma análoga e ocultando dos gênios a sua verdadeira natureza, ao mesmo tempo em que atraía para si as centelhas de Luz Divina que eles retinham em sua essência. Assim, Cristos entrou no Homem Jesus no momento do seu batismo no Jordão. A partir desse momento Jesus começou a operar milagres; antes disso, ignorava completamente a sua missão”. (King, The Gnostics and their Remains, p. 31. [p.100 na 2ª ed. ].

Ialdabaôth, descobrindo que Cristos estava levando ao fim o seu próprio reino da matéria, excitou os judeus contra ele e Jesus foi condenado à morte *. (No Evangelho de Nicodemos, Ialdabaôth é chamado de Satã pelo autor piedoso e anônimo; evidentemente, uma das últimas flechas que ele atira contra seu inimigo já meio aniquilado. “Quanto a mim”, diz Satã, desculpando-se ao príncipe do inferno. “eu o tentei [a Jesus] e excitei o meu velho povo, o judeu, com zelo e cólera contra Ele” (hone, apocr. N.T., Nicod., XV, 9.). De todos os exemplos da ingratidão cristã, este parece ser o mais conspícuo. Os pobres judeus foram, primeiro, roubados dos seus livros sagrados e, depois, num “Evangelho” espúrio, são insultados pela representação de Satã que pretende que eles sejam o seu “velho povo”. Se eles fossem o seu povo, e ao mesmo tempo o “povo escolhido de Deus”, então o nome desse Deus deveria ser escrito Satã e não Jeová. Isso é lógico, mas duvidamos que seja cortês para o “Senhor Deus de Israel”.). * Bem como em J. J. Grynaeu, Monumenta S. Patrum Orthodoxographa, etc. (Basiléia, 1569, fol.), vol. I, tomo II, p.643 ff. (N. do Org.). Uma vez na cruz, Cristos e Sophia abandonaram o seu corpo e retornaram à sua própria esfera. O corpo material do homem Jesus foi abandonado à terra, mas sendo dado a ele um corpo feito de éter (alma astral). “A partir desse momento, ele consistia apenas de Alma e de Espírito, razão pela qual os discípulos não o reconheceram após a ressurreição”. Nesse estado espiritual de um simulacrum, Jesus permaneceu sobre a Terra durante mais dezoito meses. Nesta última permanência, recebeu de Sophia o conhecimento perfeito, a verdadeira Gnose que ele comunicou a alguns dos apóstolos que eram capazes de a receber.

“Depois, acendendo ao espaço mediano, sentou-se à direita de Ialdabaôth, mas invisível a ele, e dali reúne todas as almas que foram purificadas pelo conhecimento de Cristo. Quando tiver reunido toda a Luz Espiritual que existe na matéria, no império de Ialdabaôth, a redenção será cumprida e o mundo será destruído. Essa é a significação da reabsorvição de toda a Luz Espiritual no Pleroma ou Plenitude, donde Ele desceu na origem.” (King, op. cit., p. 31 [p. 100 na 2ª ed.].

JESUS JAMAIS AFIRMOU SER DEUS.

É dos mais sugestivos o fato de não haver uma única palavra nas chamadas Escrituras sagradas que mostre que Jesus foi considerado como um Deus por seus discípulos. Eles não lhe renderam honras divinas nem antes, nem depois da sua morte. Suas relações com ele, se limitavam  às de discípulos e “mestres”, títulos que lhe davam, da mesma maneira com que os seguidores de Pitágoras e Platão se dirigiam aos seus respectivos mestres. Quaisquer que sejam as palavras que se atribuíam a Jesus, a Pedro, a Paulo e a outros, nenhuma delas é um ato de adoração de sua parte e o próprio Jesus nunca declarou a sua identidade com seu Pai. (Devemos ter  em mente, todavia, as palavras proferidas por Jesus, conforme relatadas em João, X, 30 e XVII, 11, 22, onde se esclarece definitivamente sua identidade ou unicidade com o Pai. (N. do Org.). Ele acusou os fariseus de lapidar os seus profetas, não de deicídio. Ele se intitulava o filho de Deus, mas cuidou de afirmar repentinamente que todos eles eram filhos de Deus, o Pai Celestial de todos. Pregado dessa maneira, ele não fazia senão repetir a doutrina ensinada séculos antes por Hermes, Platão e outros filósofos. Estranha contradição! Jesus, a quem devemos adorar como o único Deus vivo, diz, logo após a sua Ressurreição, a Maria Madalena: “Ainda não subi a meu Pai; mas vai a meus irmãos e dize-lhes que vou para meu Pai e vosso Pai, e para meu Deus e vosso Deus!” (João, XX, 17.)

Quer dizer isto que ele está de identificando com seu Pai? “Meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” implica, por parte dele, um desejo de ser considerado em perfeita igualdade com seus irmãos – nada mais do que isso. Theodoret escreve: “Os hereges concordam conosco a respeito do começo de todas as coisas. (…) Dizem, porém, que não existe um Cristo (Deus), mas sim um lá no  alto e um aqui embaixo. E que este último morou anteriormente em muitos; mas o Jesus, eles dizem num momento que ele vem de Deus, e em outro chamam-no de um ESPÍRITO”. Esse espírito é o Cristos, o mensageiro da vida, que às vezes é chamado de Anjo Gabriel (em hebraico, o poderoso de Deus) e que, para os gnósticos, ocupava o lugar do Logos, ao passo que o Espírito Santo era considerado Vida. Entre os nazarenos, entretanto, o Spiritus ou Espírito Santo era menos honrado. Enquanto quase todas as seitas gnósticas consideravam – no um Poder Feminino, ao qual davam o nome de Binah, [ou] Sophia, o Intelecto Divino – entre a seita nazarena ele era o Spiritus Feminino, a geradora de todas as coisas da matéria, o caos em seu aspeto mau, tornado túrbido pelo Demiurgo. No momento da criação do homem, “havia luz do lado do PAI, e havia luz [luz material] do lado da  MÃE. E este é o `homem dual’, diz o Zohar. “Naquele dia [o último] morrerão os sete estelares maldispostos, também os filhos do homem que reconhecerem o Spiritus, o [falso] Messias, o Deus e a MÃE do SPIRITUS morrerão”.

Jesus reforçava e ilustrava as suas doutrinas com sinais e maravilhas; e, se deixarmos de lado as pretensões daqueles que o deificaram, ele não fez senão o que fizeram antes dele outros cabalistas; e só eles, nessa época, pois dois séculos depois as fontes de profecia estavam completamente secas e, dessa estagnação de “milagres” públicos, originou-se o ceticismo da seita incrédula dos saduceus. Descrevendo as “heresias” daquela época. Theodoret, que não tinha nenhuma idéia do significado oculto da palavra Cristos, o mensageiro ungido, lamenta que eles (os gnósticos) afirmem que esse Mensageiro ou Delegatus mude seu corpo de vez em quando e “entre em outros corpos e se manifeste de maneira diferente em cada vez. E esses [os profetas obscurecidos] servem-se de encarnações e de invocações de vários demônios e de batismos na confissão de seus princípios. (…) Eles abraçam a Astrologia e a Magia e o erro matemático” (?), diz ele.

Esse “erro matemático”, de que se lamentou o piedoso escritor, levou posteriormente à redescoberta do sistema heliocêntrico, tão errôneo quanto ainda possa ser, e foi esquecido desde a época em que um outro “mágico” o ensinou – Pitágoras. Assim, as maravilhas de curas e as taumaturgias de Jesus, que ele transmitiu aos seus seguidores, mostram que estes aprendiam, na sua comunicação diária com Ele, a teoria e a prática da nova ética, dia-a-dia, no intercâmbio familiar  da amizade íntima. A fé crescia progressivamente, como a de todos os neófitos, ao mesmo tempo em que crescia o conhecimento. Não devemos esquecer que Josefo, que certamente estava a par desse assunto, chama de “uma ciência” à habilidade de expulsar demônios. Esse crescimento da fé é particularmente visível no caso de Pedro, que, não possuindo fé suficiente para caminhar sobre a água, indo de barco até o seu Mestre, tornou-se finalmente um taumaturgo suficientemente hábil a ponto de Simão, o Mago, como se crê, lhe oferecer dinheiro para que lhe ensinasse o segredo da arte de curar e de realizar outras maravilhas. E Felipe, diz-se, tornou-se um Aethrobat tão bom quanto Abaris, de memória pitagórica, mas menos hábil que Simão, o Mago.

Não existe nas Homilias, como também nas obras dos apóstolos, indicações algumas de que os amigos e os seguidores de Jesus o considerassem mais do que um profeta. Essa idéia está claramente estabelecida nas Homilias clementinas. Excetuando o fato de Pedro aí desenvolver um pouco longamente demais o seu ponto de vista sobre a identidade do Deus mosaico com o Pai de Jesus, toda a obra é dedicada ao monoteísmo (Admite-se um só Deus). O autor mostra-se severo, tanto contra o politeísmo (Admite-se muitas Divindades), quanto contra a pretensão à divindade de Cristo. Parece ignorar completamente o Logos, e a sua especulação limita-se à Sophia, a sabedoria gnóstica. Não há nenhum indício de uma Trindade hipostática, mas o mesmo obscurecimento da sabedoria gnóstica (Cristos e Sophia) é atribuído, no caso de Jesus, como nos de Adão, Enoch, Noé, Abraão, Isaac, Jacó e Moisés. Todas essas personagens são colocadas no mesmo nível e chamadas “profetas verdadeiros” e as sete colunas do mundo. Mais do que isso, Pedro nega veementemente a queda de Adão e, com ele, a doutrina da expiação, tal como foi ensinada pela Teologia cristã, ruí por terra, pois Ele a combate como uma blasfêmia. A teoria de Pedro sobre o pecado é a dos cabalistas judeus, e mesmo, ou de certa maneira, a platônica. Adão não só nunca pecou, mas, “como um profeta verdadeiro, possuído do Espírito de Deus, que, mais tarde, desceu sobre Jesus, ele não podia pecar”. Em suma, toda a obra exibe a crença do autor na doutrina cabalista da permutação. A Cabala ensina a doutrina da transmigração do espírito; “Mosah é a revolutio de Seth e Hebel.”  “Dize-me, quem é que ocasiona o renascimento (a revolutio)?”- perguntou-se ao sábio Hermes. “Os Filhos de Deus, o homem único, pela vontade de Deus” – foi a resposta do “gentio.”

O FILHO DE DEUS E O ESPÍRITO IMORTAL. O CRISTIANISMO PRIMITIVO.

O “filho de Deus” é o espírito imortal atribuído a todo ser humano. É esta entidade divina que é o “homem único”, pois o escrínio que contém a nossa alma, e a própria alma, são semi-entidades e, sem o seu obscurecimento, o corpo e a alma astrais não são senão uma Díada animal. É preciso a Trindade para perfazer o “homem” completo e permitir-lhe continuar sendo imortal a cada “renascimento”, ou revolutio, através das esferas subseqüentes e as ascendentes, cada uma das  quais o aproxima do reino refulgente da luz eterna e Absoluta.

(N.C. Relacionado à esse tema, o Livro da autora “A Sabedoria Tradicional, pg. 121 diz o seguinte:

“I. Âtma (ou Âtman) –  o “Eu Superior” não é nem o seu Espírito nem o meu, mas assemelha-se à luz do Sol que brilha sobre tudo. É o “princípio divino” difuso universalmente e é inseparável de seu Meta-Espírito uno e absoluto assim como o raio do sol é inseparável da luz solar.

I Buddhi (a alma espiritual) é apenas o seu veículo. Nenhum deles separadamente, nem os dois coletivamente, são de maior utilidade ao corpo do homem que a luz do sol e seus raios o são para granito enterrado sob a terra, a menos que o Duo divino seja assimilado por, e refletido em, a consciência. Nem Âtman nem Buddhi são jamais alcançados pelo Karma, por que o primeiro é o mais elevado aspecto do Karma. [Karma – Fisicamente Ação; metafisicamente Lei de causa e efeito.], seu agente de SI MESMO em um aspecto, e o outro é inconsciente neste plano. Esta consciência ou mente é:

III. Manas, a derivação ou produto numa forma refletida de Ahamkâra, “a concepção do Eu” ou EGO-IDADE. É, portanto, quando unido inseparavelmente aos dois primeiros, chamado de EGO ESPIRITUAL e Taijasa (o radiante). Esta é a real Individualidade ou o homem divino. É esse Ego que – tendo encarnado originalmente na forma humana insensível animada por, mas consciente (uma vez que não tinha consciência), da presença em si mesmo da Mônada dual – fez da forma humanóide um homem real. É esse Ego, esse “Corpo Causal” que obscurece todas as personalidades em que Karma o força a encarnar; e é esse Ego o responsável por todos os pecados cometidos através de e durante cada novo corpo ou personalidade – as máscaras evanescentes que escondem o Indivíduo verdadeiro durante a longa série de renascimentos.

“O PRIMOGÊNITO de Deus, que é o `Véu sagrado’, a `Luz das Luzes’, é aquele que envia a revolutio do Delegatus, pois ele é o Primeiro Poder”, diz o cabalista.

“O Pneuma (espírito) e dynamis (poder), que vêm de Deus, não devem ser considerados como nada menos que o Logos, que é também [?] o Primogênito para Deus”, responde um cristão.

“Os anjos e os poderes estão no céu!” diz Justino, dando assim expressão a uma doutrina puramente cabalista. Os cristãos adotaram-na do Zohar e das seitas heréticas e, se Jesus as mencionou, não foi nas sinagogas oficiais que aprendeu a teoria, mas diretamente nos ensinamentos cabalistas. Nos livros mosaicos, elas são mencionadas raramente e Moisés, que estava em comunicação direta com o “Senhor Deus”, preocupa-se muito pouco com elas. A doutrina era secreta  e considerada herética pela sinagoga ortodoxa. Josefo lembra os hereges essênios ao dizer: “Aqueles que foram admitidos entre os essênios devem jurar não comunicar suas doutrinas a ninguém, a menos que essa pessoa as tenha recebido como eles, e também preservar os livros pertencentes à sua seita e os nomes dos anjos”. (Josefo, Jewish Wars, II, VIII, 7). Os saduseu Olimpo aos deuses e aos semideuses, ou “espíritos”. Apenas os cabalistas e os teurgos aderiam a essa doutrina desde tempos imemoriais e, em conseqüência, Platão e Fílon, o Judeu, depois dele, seguido primeiramente pelos gnósticos e depois pelos cristãos.

Assim, se Josefo nunca escreveu a famosa interpolação a respeito de Jesus, forjada por Eusébio, por outro lado, ele descreveu, nos essênios, todas as características principais que encontramos nos nazarenos. Para orar, eles procuravam a solidão. “Quando tu orares, entra no teu aposento (…) e ora a teu Pai que está em segredo” (Mateus, VI, 6). “Tudo que foi dito por eles [pelos essênios] é mais forte do que um juramento. Eles se abstém de prestar juramento”. “Mas eu vos digo que não presteis nenhum juramento (…) Que vossa palavra seja sim, sim, não, não” (Mateus, V, 34-7).

Os nazarenos, bem como os essênios e os terapeutas, acreditavam mais nas suas próprias interpretações do “sentido oculto” das Escrituras mais antigas, do que nas leis mais recentes de Moisés. Jesus, como vimos antes, sentia uma veneração muito pequena para com os mandamentos  do seu predecessor, com quem Irineu tanto ansiava compará-lo.

Os essênios “entraram nas casas daqueles que eles nunca viram anteriormente como se fossem seus amigos íntimos”. Esse era incontestavelmente o costume de Jesus e de seus discípulos.

Epifânio, que situa a “heresia” ebionista no mesmo nível da dos nazarenos, também observa que os nazários se situavam logo após os Coríntios, tão injuriados por Irineu.

A VERSÃO JUDAICA DO NASCIMENTO DE JESUS.

A versão judaica do nascimento de Jesus está relatada no Sepher-Toledoth-Yeshu com  as seguintes palavras:

“Maria, tendo-se tornado mãe de um Filho, chamado de Yehôhûah, e tendo o menino crescido, ela e confiou aos cuidados do Rabino Elhânân, e a criança fez rápidos progressos nos conhecimentos, pois ele era bem-dotado de espírito e de compreensão.

“O Rabino Yehôshûah, filho de Perahiah, continuou a educação de Yehôshûah (Jesus), depois de Elhânân, e o iniciou no conhecimento secreto; mas, tendo o rei Jannaeus ordenado matar os iniciados, Yehôshûah Ben-Perahiah fugiu para Alexandria, no Egito, levando consigo o menino.”

Durante a permanência em Alexandria, continua a história, foram recebidos na casa de uma senhora rica e erudita (a personificação do Egito). O jovem Jesus achou-a bela, não obstante “um defeito nos olhos”, e o declarou ao seu mestre. Ouvindo-o, o mestre ficou tão zangado com o fato de o seu discípulo ter encontrado algo de bom no país da servidão, que “ele o amaldiçoou e expulsou o jovem de sua presença”. Segue-se então uma série de aventuras contadas em linguagem alegórica que demonstram que Jesus completou a sua iniciação na Cabala judaica com uma aquisição adicional da sabedoria secreta do Egito. Quando a perseguição cessou, ambos retornaram à Judéia. (Talmude babilônico, Mishnah Sanhedrin, cap. XI, fol. 107 b, e Mishnah sotah, cap. IX, fl. 47 a. Ver também Éliphas Lévi, La science des esprits.)

Os agravos verdadeiros impostos a Jesus são mencionados pelo erudito autor de Tela Ígnea Satanae (as flechas de fogo de Satã) como sendo dois: 1°: que ele descobriu os grandes mistérios dos seus Templos por ter sido iniciado no Egito; e 2°; que ele os profanara aos expô-los ao vulgo, que não os compreendia e os desfigurava. Eis o que dizem:

“Existe, no santuário de Deus vivo, uma pedra cúbica, sobre a qual estão esculpidos os caracteres sagrados, cuja combinação dá a explicação dos atributos e dos poderes do nome incomunicável. Essa explicação é a chave secreta de todas as ciências ocultas da Natureza. É o que os hebreus chamam de Schem ha-Mephorash. Esta pedra está guardada por dois leões de ouro, que rugem quando alguém se aproxima. Jamais se perde de vista os portes do templo e a porta do santuário abre-se apenas uma vez ao ano, para admitir apenas o Sumo Sacerdote. Mas Jesus, que aprendera no Egito os `grandes segredos’ durante a iniciação, fabricou para seu próprio uso chaves invisíveis e, assim. pôde penetrar no santuário sem ser visto.  (…) Copiou os caracteres gravados na pedra cúbica e os escondeu em sua coxa (Arnóbio conta a mesma história de Jesus e narra como ele foi acusado de roubar ao santuário os nomes secretos do Santíssimo; foi com o conhecimento desses nomes que ele pôde operar todos os milagres. Adv. gent., I, 43.); depois, saindo do templo, meteu-se pelas estradas e começou a espantar as pessoas com os seus milagres. Os mortos era ressuscitados à sua ordem, os leprosos e os obsedados eram curados. Ele obrigou as pedras, que jaziam há séculos no fundo do mar, a subirem à superfície até que formassem uma montanha, de cujo pico ele pregava”. O Sepher-Toledoth diz ainda que, incapaz de deslocar a pedra cúbica do santuário, Jesus fabricou uma de argila, que mostrou às nações e a fez passar pela verdadeira pedra cúbica de Israel.

Essa alegoria, como as outras desse tipo de livro, deve ser “lida nas entrelinhas” – tem o seu significado secreto e deve ser lida duas vezes. Os livros cabalísticos explicam o seu significado místico. O mesmo talmudista diz, mais adiante, em essência, o seguinte: Jesus foi lançado à prisão e ali permaneceu por quarenta dias; depois foi flagelado como um rebelde sedicioso; depois apedrejado como blasfemador numa praça chamada Lud e finalmente crucificado. “Tudo isso” – explica Lévi – “porque revelou ao povo as verdades que eles [os fariseus] teriam guardadas para seu próprio uso. Ele havia adivinhado a teologia oculta de Israel, havia-a comparado com a sabedoria do Egito e havia deduzido a razão de uma síntese religiosa universal”.

Apesar da circunspecção com que devemos aceitar qualquer coisa que as fontes judaicas afirmem sobre Jesus, é preciso reconhecer que em algumas coisas elas parecem ser mais corretas em suas afirmações (quando e seu interesse direto não é posto em causa) do que os nossos bons mas zelosos padres. Uma coisa é certa: Tiago, o “Irmão do Senhor”, nada diz sobre a ressurreição. Não chama Jesus  nem de “Filho de Deus”, nem de Cristo-Deus. Apenas uma vez, falando de Jesus, chama-o, de “Senhor da Glória”, mas os nazarenos faziam a mesma coisa quando falavam de seu profeta Yôhânân bar Zachariah, ou João, filho de Zacarias (São João Batista). Suas expressões favoritas para o seu profeta são as mesmas usadas por Tiago ao falar de Jesus. Um homem nascido “da semente de um homem”, “Mensageiro da Vida”, da Luz, “meu Senhor Apóstolo”, “Rei brotado da Luz”, e assim por diante. “Não queirais pôr a fé de nosso Senhor JESUS Cristo, o Senhor da Glória”, etc., diz Tiago em sua epístola (II, 1), dirigindo-se talvez a Cristo como DEUS. “A paz esteja consigo, meu Senhor JOÃO Abo Sabo, Senhor da Glória!” diz o Codex nazaraeus (II, 9), que se sabe dirigir-se a um profeta. “Condenastes e matastes o Justo”, diz Tiago (v, 6). “Yôhânân (João é o Justo, ele veio no caminho da justiça”, diz Matheus (XXI, 32, texto siríaco).

Tiago nem mesmo chama Jesus de Messias, no sentido que lhe atribuem os cristãos, mas alude ao cabalístico “Rei Messias”, que é Senhor de Tsabaôth (v, 4) e repete muitas vezes que o “Senhor” virás, mas em nenhuma parte o identifica com Jesus. “Tende pois paciência, irmão, até a vinda do Senhor. (…) Tende paciência, pois a vinda do Senhor está próxima” (V. 7, 8). E ele acrescenta: “Tomai, irmãos, ao profeta [Jesus] que falou em nome do Senhor como um exemplo de aflição, de trabalho e de paciência”. Embora nesta versão a palavra “profeta” esteja no plural, trata-se de uma falsificação deliberada do original, cujo propósito é evidente. Tiago, logo depois de ter citado   os “profetas” como um exemplo, diz: “Vede (…) vós ouvistes qual foi a paciência de Jó e vistes o fim   do Senhor” – combinando assim os exemplos desses dois caracteres admiráveis e colocando-os num mesmo nível de perfeita igualdade. O próprio Jesus não glorificou o profeta do Jordão? “Mas que saíste a ver? Um profeta? Certamente vos digo, e ainda mais do que um profeta. (…) Na verdade vos digo que entre os nascidos de mulheres não se levantou outro profeta maior que João Batista.

Os nazarenos eram conhecidos como baptistas, sabeus e cristãos de João [mandeus]. Sua crença era a de que o Messias não era o Filho de Deus, mas apenas um profeta que seguiria João. “Yôhânân, o Filho de Abo Sabo Zachariah, diria a si mesmo: `Aquele que crer em minha justiça e em meu BATISMO será recebido em minha associação; partilhará comigo do assento que é a morada da vida, do supremo Mano e do fogo vivo” (Codex Nazaraeus, II, p. 115). Orígenes observa que “há alguns que dizem que João [Batista] era ungido (Christos)” (Orígenes, In Lucam homiliae, Hom. XXIV, cap. III). O Anjo Rasiel dos cabalistas é o Anjo Gabriel dos nazarenos e foi o escolhido pelos cristãos,  dentre toda a hierarquia celeste, para ser o mensageiro da “anunciação”. O gênio enviado pelo   “Senhor da Celsitude” é  chamado também de GABRIEL Legatus. Paulo deve ter tido os nazarenos  em mente quando disse: “E depois de todos os outros, ele [Jesus] também foi visto de mim como   dum aborto” (I Coríntios, XV, 8), lembrando assim aos seus ouvintes a expressão usual dos nazarenos, que chamavam os judeus de “abortos, ou nascidos fora do tempo”. Paulo orgulha-se de pertencer a uma heresia.

Quanto as concepções metafísicas dos gnósticos, que viram em Jesus o Logos e o Ungido, começaram a ganhar terreno, os cristãos primitivos separaram-se dos nazarenos, que acusaram  Jesus de perverter as doutrinas de João e de modificar o batismo do Jordão. Diz Milman que, “na medida em que ele (o Evangelho) ultrapassou as fronteiras da Palestina e o nome de `Cristo’ adquiriu santidade e veneração nas cidades orientais, ele se tornou uma espécie de personificação metafísica, enquanto a religião perdeu seu objeto moral e assumiu o caráter de uma teogonia especulativa (Hist. of Christianity, p. 200; ed. original 1840). O único documento semi-original que nos chegou da época apostólica primitiva  é os Logía de Mateus. A doutrina verdadeira e autêntica permaneceu nas mãos os  nazarenos, nesse Evangelho segundo São Mateus, que contém a “doutrina secreta”, os “Diabos de Jesus”, mencionados por Papias. Esses ditos eram, sem dúvida, da mesma natureza dos pequenos manuscritos que eram colocados nas mãos dos neófitos, candidatos às Iniciações nos mistérios, que continham os aporrheta, as revelações de alguns ritos importantes e de símbolos. Não fosse assim, por que Mateus teria tomado tantas precauções para mantê-los em “segredo”?

JESUS – Também chamado de Cristo ou Jesus Cristo. É preciso estabelecer uma distinção entre o Jesus histórico e o Jesus mítico. O primeiro era essênio e nazareno e foi mensageiro da Grande Fraternidade para pregar os antigos ensinamentos divinos, que deveriam ser a base de uma nova civilização. Pelo espaço de três anos foi Mestre divino dos homens e percorreu a Palestina, levando vida exemplar por sua natureza, compaixão e amor a humanidade. Operou quantidade enorme de prodígios, ressuscitando mortos, curando doentes, devolvendo a visão aos cegos, fazendo andar os paralíticos e realizando muitos outros atos que, por seu caráter extraordinário, foram qualificados de “milagrosos”. A sublimidade de suas doutrinas ressalta principalmente em seu célebre Sermão da Montanha. Como Iniciado que era, ensinou também doutrinas esotéricas, porém as reservava unicamente para “os poucos”, isto é, para seus discípulos eleitos. Ao Jesus históricos foram atribuídos vários feitos legendários, que o converteram em outro personagem puramente mítico, uma verdadeira cópia do deus Krishna, tão venerado na Índia. Glossário Teosófico de H. P. Blavatsky – ed. Ground).

OS CATÓLICOS ROMANOS TRANSFORMARAM MARIA MÃE DE JESUS.

Foram os católicos romanos que transformaram Maria, a mãe de Jesus, numa deusa. Aos olhos de todos os outros cristãos ela era uma mulher, fosse o seu nascimento imaculado ou não. De acordo com a lógica estrita, Jesus confessou que João era maior do que ele próprio. Veja-se como a linguagem do Anjo Gabriel, ao se dirigir a Maria, coloca as coisas no seu devido lugar: “Bendita sois vós entre as mulheres”. Essas palavras são inequívocas. Ele não a adora como a Mãe de Deus, nem a chama de deusa. Ele também não se dirige a ela como “Virgem”, mas chama-a de mulher e só a considera superior às outras mulheres porque a sua extrema pureza lhe proporcionou uma melhor sorte.

O CRISTIANISMO PRIMITIVO, SUAS SENHAS E SEUS GRAUS DE INICIAÇÃO.

O Cristianismo primitivo teve suas imposições de mão, suas senhas e seus graus de iniciação. As inumeráveis jóias e amuletos gnósticos são provas evidentes desse fato. Ele é uma ciência simbólica. Os cabalistas foram os primeiros a embelezar o Logos universal, com termos como “Luz da Luz”, o Mensageiro da VIDA e da LUZ, e essa expressão foram adotadas in toto pelos cristãos, com a adição de quase todos os termos gnósticos, tais como Pleroma (plenitude), Arconte, Aeôns, etc. Quanto aos termos “Primogênito”, o Primeiro e “Filho Unigênito”- eles são tão velhos quanto o mundo. Hipólito demonstra que a palavra “Logos” existia já entre os brâmanes. “Os brâmanes dizem que o Deus É Luz, não aquela que se pode ver, nem como a do Sol ou do fogo; mas eles têm um Deus LOGOS, não o articulado, o Logos da Gnose, pelos qual os MISTÉRIOS mais altos da Gnose são vistos pelos sábios”. Os Atos e o quarto Evangelho abundam em expressões gnósticas. As expressões cabalísticas “o Primogênito de Deus emanado do Alto”, junto com aquele que É o “Espírito do Ungido”, e ainda “eles o chamaram o ungido do Supremo” foram reproduzidas em Espírito e em substância pelo autor do Evangelho segundo São João. “Aquela era a luz verdadeira” e “a Luz brilha nas Trevas”. “E a PALAVRA foi feita carne”. “E sua plenitude  [pleroma] tem tudo o que recebemos”, etc. (João i).

O “Cristo”, então, e o “Logos” existiram séculos antes do Cristianismos; a Gnose oriental foi estudada muito antes da época de Moisés e é preciso buscar a origem de todas essas doutrinas nos períodos arcaicos da filosofia asiática primitiva. A segunda Epístola de São Pedro e o fragmento de Judas, preservados no Novo Testamento, mostram, por sua fraseologia, que eles pertencem à Gnose oriental cabalística, pois usam as mesmas expressões dos gnósticos cristãos que elaboraram uma parte do seu sistema com base na Cabala oriental. “Atrevidos, por vontade própria, eles [os ofitas] não temem injuriar as DIGNIDADES”, diz Pedro (2 Pedro, II, 10), o modelo original das injúrias posteriores de Tertuliano e de Irineu. “Da mesma maneira [como Sodoma e Gomorra] também estes sonhadores asquerosos contaminam a carne, desprezam o DOMÍNIO e injuriam as DIGNIDADES”, diz Judas (8), repetindo as mesmas palavras de Pedro e utilizando expressões consagradas na Cabala. Domínio é o “Império”, o décimo Sephiroth cabalístico. Os Poderes e as DIGNIDADES são os gênios subordinados dos Arcanjos e dos Anjos do Zohar. Essas emanações são a vida mesma e a alma da Cabala é do Zoroastrianismo; e o próprio Talmude no seu estado atual, foi todo emprestado do Zend-Avesta. Em conseqüência, adotando o ponto de vista de Pedro, de Judas e de outros apóstolos judaicos, os cristãos tornaram-se uma seita dissidente dos persas, pois não interpretam o sentido de todos esses Poderes da maneira como os verdadeiros cabalistas. A admoestação de Paulo, aos seus convertidos, contra a adoração dos anjos, mostra o quanto ele apreciava, desde essa época, os  perigos de se emprestar de uma doutrina metafísica a filosofia que só poderia ser corretamente interpretada pelos sues adeptos letrados, os magos e os tannaim judaicos. “Que nenhum homem, numa aparência de humildade e por um culto dos anjos, vos arrebate e se abandone às suas visões e se encha de um vão orgulho pelos seus pensamentos carnais”, é a sentença deixada à porta de Pedro e dos seus defensores. No Talmude, Miguel é o Príncipe da Água, que tem sete espíritos inferiores subordinados a ele. Ele é o patrono, o anjo guardião dos judeus, como nos informam Daniel (X, 21) e os ofitas gregos, que o identificaram ao seu Ophiomorphos, a criação personificada da inveja e da malignidade de Ialdabaôth, o Demiurgo (Criador do mundo material); e ele pretende provar que ele era também Samuel, o príncipe hebraico dos maus espíritos, ou devas persas, que os judeus consideravam naturalmente como blasfemadores. Mas Jesus sancionou alguma vez essa crença nos anjos, exceto no caso de eles serem mensageiros e subordinados de Deus? E aqui a origem das últimas divergências entre as crenças cristã se liga diretamente a esses dois pontos de vista primitivos contraditórios.

DAÊVAS – Também chamado de DEVA – um deus, uma divindade “resplandecente”. Deva-Deus, da raiz div, “brilhar”, “resplandecer”. Um Deva é um ser celestial, seja bom, ou mau ou indiferente. Os Devas habitam “os três mundos” ou três planos superiores ao nosso. Há trinta e três grupos ou trezentos e trinta milhões deles. [Os Devas são, na Índia, o mesmo que os anjos e arcanjos entre os cristãos. O príncipe destes gênios celestes ou divindades inferiores é Indra, rei do firmamento ou céu. Deva como adjetivo, significa: divino, celeste, glorioso, resplandecente etc. G. Teosófico Editora Grund.

Paulo, acreditando em todos esses poderes ocultos do mundo “inobservado”, mas sempre “presente”, diz: “Marchais segundo o AÊON desse mundo, segundo o Arconte (Ialdabaôth, o Demiurgo) que tem o domínio do ar” e “Não lutamos contra a carne e o sangue, mas contra os domínios, os poderes: os senhores das trevas, a maldade dos espíritos das regiões superiores”. Essa frase: “Estais mortos no pecado e no erro” pois “marchais segundo o Arconte”, ou Ialdabaôth, o Deus e o criador da matéria para os ofitas, demonstra inequivocamente que: 1°: Paulo, apesar de algumas dissensões com as doutrinas mais importantes dos gnósticos, partilhava mais ou menos das suas noções cosmogônicas sobre as emanações, e 2°: que ele sabia perfeitamente que esse Demiurgo, cujo nome judaico era Jehovah, não era o Deus pregado por Jesus. Ora, se compararmos a doutrina de Paulo com os princípios religiosos de Pedro e Judas, veremos que eles não só adoraram Miguel, o Arcanjo, mas também reverenciaram SATÃ, porque este último, antes da sua queda, também era um anjo! Eles o faziam abertamente, e maltratavam os gnósticos por falarem “mal” dele. Ninguém pode negar o que segue: Pedro, denunciando aqueles que não temem injuriar as “dignidades”, acrescenta imediatamente “Enquanto os anjos, superiores em força e em poder, não fazem acusações contra elas [as dignidades] diante do Senhor” (II, 11). O que são essas dignidades? Judas, em sua Epístola Geral, torna a palavra clara como o dia. As dignidades são os DIABOS!! Lamentando o desrespeito mostrado pelos gnósticos em relação aos poderes e às dignidades, Judas emprega como argumento as mesmas palavras de Pedro: “Quando Miguel, o Arcanjo, disputando com o diabo, altercava sobre o corpo de Moisés, não se atreveu a fulminar-lhe sentenças de blasfemo, mas disse: Manda-te o Senhor”(I, 9). Está claro? Se não está a Cabala se encarrega de nos fazer saber o que eram as dignidades.

Considerando que o Deuteronômio nos diz que o “Senhor” enterrou Moisés num vale do país de Moab (XXXIV, 6) e que “ninguém conheceu até hoje o seu sepulcro”, esse lapsus linguae de Judas dá uma coloração muito pronunciada às afirmações de alguns dos gnósticos. Eles só afirmavam o que foi ensinado secretamente pelos próprios cabalistas judaicos; a saber: que o Deus supremo era Desconhecido e Invisível; que “o Rei da Luz é um olho fechado”; que Ialdabaôth, o segundo Adão judaico, era o verdadeiro Demiurgo; e que Iao, Adonai, Tsabaôth e Elói eram a emanação quaternária que constituía a unidade do Deus dos hebreus – Jeová. Além disso, este também era por eles chamados de Miguel e de Samael, mas considerado como um anjo, muitos graus inferiores à Divindade. Afirmando essa crença, os gnósticos corroboravam os ensinamentos do maior dos doutores judaicos, Hillel, e outros Hillel, e outros teólogos babilônicos. Josefo mostra a grande deferência que a Sinagoga oficial de Jerusalém testemunhava pela sabedoria das escolas da Ásia Central. Os colégios de Sura, Pumbeditha e Sahardea eram considerados por todas as escolas da Palestina como a sede do ensino esotérico e teológico. A versão caldaica do Pentateuco, elaborada pelo célebre teólogo babilônico Onkelos, era considerada como a mais autorizada; e é de acordo com esse rabino que Hillel e os outros tannaim, depois dele, afirmavam que o Ser que apareceu a Moisés na sarça ardente, no Monte Sinai, e que em seguida o enterrou, era o anjo do Senhor, Memra, e não o Senhor; e que este, que os hebreus do Velho Testamento tomavam por Iahoh, era apenas Seu mensageiro, um dos Seus filhos, ou emanações. Tudo isso estabelece apenas uma conclusão lógica – a saber, que os gnósticos eram muito superiores aos discípulos, do ponto de vista da educação e de informação geral, e mesmo em termos de um conhecimento dos princípios religiosos dos próprios judeus. Estando perfeitamente a par da sabedoria caldaica, os discípulos bem-intencionados, piedosos, fanáticos e ignorantes, incapazes de compreender completamente ou de extrair o espírito de seu próprio sistema, eram levados em suas discussões a adotar termos de um lógica convincente, tais como “bestas selvagens”, “porcos”, “cães” e outros epítetos tão livremente empregados por Pedro (apóstolos).

A DOUTRINA DE ARCANJOS E ANJOS, NA TEOLOGIA CRISTÃ.

A teologia cristã, tomando a doutrina dos arcanjos e dos anjos diretamente da Cabala oriental, da qual a Bíblia mosaica é apenas uma cópia alegórica, deveria pelo menos lembrar-se da hierarquia inventada por ela para essas emanações personificadas. As hostes dos querubins e dos serafins, que geralmente rodeiam as Madonas católicas em suas pinturas, pertencem, com os Elohim e os Beni Elohim dos hebreus, ao terceiro mundo cabalístico, o Yetzîrah. Este mundo é apenas uma grau mais alto do que Asiah, o quarto mundo e o mais inferior, no qual residem os seres mais grosseiros e mais materiais – os klippoth, que se satisfazem no mal e na malignidade, e cujo chefe é Belial!

Explicando, à sua maneira, naturalmente, as várias “heresias” dos dois primeiros séculos, Irineu diz: “Nossos heréticos afirmam (…) que PROPATÔR só é conhecido do filho unigênito, isto é,  da mente” (o Nous). Foram os velentianos, seguidores do “mais profundo doutor da gnose”, Valentino, que afirmaram que “existia um AIÔN perfeito, que existiu antes de Bythos”, ou Bythos (a Profundidade), “chamado Propatôr”.

Na metafísica religiosa dos hebreus, o Altíssimo é uma abstração; ele é “sem forma ou ser”, “sem semelhança com nenhum outro”. E até Fílon define o Criador como o Logos que vem depois de Deus, “o SEGUNDO DEUS”. “O segundo DEUS que é sua SABEDORIA”. Deus é NADA, ele é sem nome, eis porque o chamam Ain Soph – sendo que a palavra Ain significa nada. Mas se, de acordo com os judeus antigos, Jeová é o Deus, e Ele Se manifestou muitas vezes a Moisés e aos profetas, e se os cristãos anatematizaram os gnósticos que negaram o fato – como é, então, que lemos no quarto Evangelho que `Nenhum homem viu Deus EM TEMPO ALGUM, mas o Filho unigênito (…) é aquele que o fez conhecer”? [I, 18]. As mesmas palavras dos gnósticos, em espírito e em substância. Essa frase de São João – ou antes de quem escreveu o Evangelho que agora leva o seu nome – derrota  todos os argumentos petrinos contra Simão, o Mago, inapelavelmente. As palavras são repetidas e enfatizadas no cap. VI, 46: “Não que alguém tenha visto o Pai, senão só aquele que é de Deus, esse [Jesus] é o que tem visto o Pai” – e é justamente essa objeção que Simão adianta nas Homilias. Essas palavras provam que, ou o autor do quarto evangelho ignorava
totalmente a existência das Homilias, ou então que ele não era João, amigo e companheiro de Pedro, que ele contradiz com esta afirmação enfática. Seja como for, essa frase, como muitas outras que poderiam ser citadas com proveito, tende a confundir completamente o Cristianismo com a Gnose oriental e, por conseguinte, com a CABALA.

Ao passo que as doutrinas, o código de ética e as práticas da religião cristã foram adaptadas do Bramanismo e do Budismo, suas cerimônias, vestimentas e cortejos foram tomados em bloco do Lamaísmo.

Os mosteiros católicos romanos de monges e de monjas são cópias bastante servis de casas religiosas similares do Tibete e da Mongólia, e exploradores interessados na questão nos países budistas, obrigados a reconhecer esse fato desagradável, não tiveram outra alternativa senão, com um anacronismo que ultrapassou todos os limites, atribuir a ofensa de plágio a um sistema religioso que a sua própria mãe Igreja havia espoliado. Esse estratagema serviu a seu objetivo e teve a sua época. Chegou, finalmente, a hora em que esta página da história dever ser escrita.

Isis Sem Véu – VOLUME III – TEOLOGIA I

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