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Alquimia

7 razões para o trabalho material na alquimia

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Thiago Tamosauskas

Estou enquanto escrevo passando pela operação alquimica mais demorada é que mais testou minha paciência e disciplina até agora. Uma semana de colheita de amoras e folhas de amoreira dentro da janela astrológica adequada. Dez dias de fermentação anaeróbica para extrair o Mercúrio da planta. Duas semana destilando o menstruo para obter o Mercúrio Sulfúrico. Sem contar as vezes que parei e tiver que recomeçar porque alguma coisa deu errado. Foram aproximadamente dois meses para chegar nesse pequeno pote contendo o Enxofre e Mercúrio retificado de Amoreira e que marca apenas dois terços da tarefa completa que é a produção de uma Tintura Canônica de Amora pois ainda falta calcinar o Sal e coobar tudo no casamento final.

Mas por que fazer isso? Por que gastar tempo e dinheiro com isso? Por que não ficar só com a parte filosófica da alquimia? Se a alquimia é uma grande metáfora, uma linguagem para a consciência porque não se ater aos estudos e contemplações?

Estes dias meu bom amigo Bruno Pythio, que mora longe demais mas está sempre próximo me perguntou justamente isso. Em suas palavras:

“Me conte um pouco de como tem sido tua prática alquímica e como essa prática se reflete na tua vida, se se sentir confortável em partilhar. Vejo experimentos tão interessantes teus no instagram, fico muito curioso!”

Se tem algo que eu amo fazer é partilhar, então aqui vai minha resposta para ele sobre o porque o trabalho prático no laboratório é importante:

  1. O famoso “Ora et Labora” da alquimia são simultâneos não sequencias. Um ambiente controlado onde se exercita algumas virtudes como atenção, organização, paciência, limpeza, resiliência, clareza mental, etc.. parecido com outras meditações ativas como a arte da arqueria, a caligrafia árabe, a cerimônia do chá japonesa etc.. Um tipo de Karma Yoga se quiser entender assim. É como uma academia do caráter onde se exercita certos músculos para que estejam mais fortes quando forem necessários.
  2. É uma metáfora da vida. Quando estou no laboratório experimento em menor escala as mesmas transformações que ocorrem em escala maior com todo mundo: nascimento, transformações, separação, morte, purificação, união, renascimento, etc.. Nessa hora sou um pequeno demiurgo e só isso dá bastante inspiração para pensar a respeito das transformações que ocorrem em mim e ao meu redor.
  3. Além de ver os fatos da natureza dentro da vidraria, esse trabalho manual acompanhado do trabalho mental faz nascer na gente uma habilidade mais desenvolvida de pensar em termos de analogia, principalmente no tocante de nosso mundo interior. Esse é um poder importante para qualquer hermetista, pois extrair verdades universais de casos particulares é o maior ato de espagiria que um ser humano pode alcançar. Considero que o trabalho no laboratório sem a parte hermética é apenas química amadora. Mas também o hermetismo sem nenhum tipo de prática (e alquimia é apenas uma delas) é apenas teoria infrutífera. 
  4. É em última instância também uma forma de magick. No final de cada processo eu saio com um produto real que posso usar para beneficiar a mim mesmo e dirigir às transformações que quero que ocorram em mim mesmo. Baseada na doutrina das assinaturas de Paracelso e cia, uma tintura de Marte, por exemplo, atrai as características de disciplina, esforço e competitividade deste planeta. Mesmo para além das atribuições planetárias ao fazer um produto espagírico se coloca intensão em propósito nele ao mesmo tempo que a atenção exigida eleva a mente para além dos níveis comuns: é como produzir sigilos que podem ser bebidos  ou consumidos de diversas maneiras.
  5. Esses mesmos produtos me dão a oportunidade de fazer um novo tipo de caridade, pois o produto é físico e pode ser embrulhado como presente ou entregue em mãos para alguém. É o caso dessa tintura de amora que estou fazendo em benefício de alguém que precisa passar por um processo de cura amorosa. Você não precisa acreditar neste e nos últimos dois pontos citados, mas se já levou um copo de água com açúcar para alguém nervoso então também é um alquimista em potencial.
  6. Quando esse tipo de magicka citado acima é usado para “arrumar a própria casa” podemos dizer que a alquimia prática se torna iniciática pois ela permite reestabelecer o estado adequado dos caminhos que unem a Consciência Superior de seu suporte material. Esse caminho pode ser entendido em termos de árvore da vida,  chakras, ou metalurgia da alma, não importa o nome, o trabalho é o mesmo e, já que somos seres ao menos em parte materiais, a matéria pode ajudar neste processo. Não é surpresa portanto que a primeira tintura sugerida é sempre de uma erva lunar com Valéria, Dama da Noite, etc. pois essa assinatura é a porta do templo e a primeira a ser retificada depois que a saúde do corpo já está garantida.
  7. Há ainda uma última razão, ainda mais metafísica. Sabemos que a evolução da alma (do átomo aos santos) ocorrem por meio de incontáveis ciclos de nascimento, morte e renascimento.  Pois bem, no laboratório os ciclos de  vida e a morte dos elementos vegetais e minerais com que trabalho são bastante acelerados e eu acredito que isso beneficia muito os seres destes reinos.

Todas estas respostas são válidas, mas amaldiçoemos um pouco “o porque”: “Se Vontade para e clama Por quê? invocando Porque, então Vontade para e nada faz.” Liber al vel Legis II:30

Razões são boas para planejamentos estratégicos de empresas e definições de políticas públicas, mas quando estamos no campo da alma devemos usar sempre nossa bússola interna.  Então o fato é que ao praticar alquimia passo algumas horas agradáveis por semana com a mente arrebatada para fora da correria do dia a dia, naquele mesmo solo sagrado fora da Terra onde as crianças brincam até tarde, os apaixonados se encontram e perdem a noção do tempo e os gênios esquecem de comer e dormir. No fundo, é porque eu quero.


* Thiago Tamosauskas autor do Principia Alchimica, um manual simples e direto dos principais conceitos e práticas da alquimia.

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