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Tamosauskas
Em uma época em que a cabala judaica era apenas uma tradição oral, não tínhamos o desenho da árvore da vida e o próprio Zohar não havia sido escrito os Essênios representavam uma importante via mística do judaísmo. Trata-se de uma das correntes que floresceu dois séculos antes de cristo e que apresenta curiosas similaridades com o cristianismo primitivo. A comunidade essênia era composta de judeus gregos fiéis ao monoteísmo e leis de Moisés mas que se diferenciavam em vários pontos dos saduceus e dos fariseus Curiosamente nada de explícito se encontra sobre eles nas bíblias atuais e este silêncio criou uma aura de mistério ao seu redor.
Esse vácuo documental serviu de convite a uma série de oportunistas que enxergaram nos essênios uma tela em branco onde poderiam pintar um auto-retrato de suas próprias convicções. Infelizmente existe muito desencontro de informações e poucos dados confiáveis sobre as reais doutrinas e práticas deste grupo. O objetivo deste artigo é portanto esclarecer um pouco este cenário descrevendo o que de fato sabemos sobre a vida dos essênios através de registros e documentos históricos confiáveis da época.
Para esse particular usamos como base o testemunho de cinco fontes históricas:
- Fílon de Alexandria, judeu-helenista que viveu entre 25 a.c e 50 d.c. Seu testemunho foi extraído do seu legado “Obras de Fílon” (volume II)
- Flávio Josefo, também judeu, que viveu entre 37 d.c a 100 d.c e morou por três anos com os essênios. Sua descrição é retirada de duas obras diferentes: ‘A Guerra dos Judeus (livro II) e ‘Antiguidades Judaicas’ (volume XIII)
- Plínio, o velho. Historiador romano que viveu entre 23 d.c e 79 dc. Seu relato foi coletado do seu célebre ‘História Natural’ (volume V)
- O Livro de Regra da Comunidade. Documento dos próprios essênios encontrado nos Manuscritos do Mar Morto em Qumran em 1940 e datados no século I.
- O Documento de Damasco. Escrito do século I, descoberto em 1897 e que também foi encontrado na biblioteca de Qumran em 1940.
- O Testamento dos Doze Patriarcas.
Os trechos tanto do Livro de Regras como do Documento de Damasco foram retirados dos trabalho acadêmicos: ‘Textos de Qumran’ de Martinez Garcia e ‘Les Textes de Qumran’ de Carmignac e Guilbert. Por fim, para deixar claro o objetivo deste artigo citaremos também os tipos de bibliografia que não foram considerados:
- Relatos do século II em diante. Por se tratar de registros tardios e derivados dos anteriores já citados. Uma leitura dos mesmos revelam que a maioria dos relatos do século III são cópias e alterações dos três historiadores mencionados
- Descrições dos primeiros apologistas cristãos, por a partir do século III tratar os essênios como uma heresia a ser combatida e apresentar distorções e inclusões sectárias que não batem com os registros históricos dos séculos anteriores.
- Qualquer literatura moderna que não ofereça bases históricas e não sejam corroborada pela academia. Ficam de fora livros interessantes como o “Evangelho Essênio da Paz” , “As Doutrinas Secretas de Jesus” e “O Caminho dos Essênios” não por trazerem informações falsas mas pela falta de evidências documentais da época.
Origem e Nomenclatura
Do ponto de vista documental nada podemos afirmar sobre a origem dos essênios sendo que cada historiador apresenta uma versão: Flávio Josefo diz que este grupo existe desde a época dos primeiros patriarcas, Fílon de Alexandria que o grupo foi criado pelo próprio Moisés ainda na fuga do Egito e Plínio, o Velho afirma apenas que eles existem “a milhares de eras”
Outro ponto importante é que os essênios aparentemente nunca chamaram a si próprios de essênios. No livro das Regras da Comunidade, eles chamam a si mesmos de “filhos da luz “ e seu agrupamento de “santa comunidade” ou simplesmente “comunidade”. A denominação “Essênios” é segundo Fílon é uma derivação grega de “hosiotes”, que significa santidade.
Doutrina básica
Os fariseus acreditavam apenas na ressurreição da carne enquanto os saduceus não defendiam nenhum tipo de pós-vida. Já os essênios, segundo Flávio Josefo tinham uma concepção de alma bastante próxima da dos gregos na qual o corpo era passageiro e a alma eterna: “Eles acreditam firmemente que as almas são imortais, nascem do éter mais sutil e são envolvidas por seus corpos e quando livres dos laços do corpo estão como que libertadas de uma longa servidão, se rejubilam e sobem às alturas. (…) Para as boas almas há uma vida além do oceano e uma região jamais molestada por tempestades, neve ou calor intenso ao passo que para as almas más reservam um canto escuro e frio, cheio de castigos incessantes. (…) Eles consideram a alma imortal e dizem que a conquista da virtude deve ser conseguida com todo o nosso esforço.”
Outro ponto que distinguia os essênios dos saduceus e fariseus era sua concepção de destino. Josefo afirma que enquanto os saduceus o negavam qualquer força do destino e os fariseus o aceitavam parcialmente, os essênios não admitiam qualquer espaço para o que chamamos de sorte ou acaso: “O destino rege todas às coisas e nada pode acontecer ao homem contra a sua determinação e vontade. (…) A doutrina dos essênios se compraz em entregar tudo a Deus.”
A Luz como Símbolo
Embora isso não seja mencionado por nenhum dos historiadores da época, na Regra da Comunidade no Documento de Damasco o simbolismo da Luz é usado o tempo todo para se referir ao Bem, a Verdade e ao próprio Deus. A temática da Luz é usada frequentemente na literatura do grupo. Se fala da Sabedoria como “Manancial de Luz”, da Torá como “Luz da Vida”, dos mandamentos como “Caminhos da Luz e a si mesmos como “Filhos da Luz”. Essa simbologia esclarece uma estranha afirmação de Flávio Josefo que em um primeiro momento se opunha ao monoteísmo judaico. Segundo ele todas as manhãs os essênios saudavam o disco solar, fonte material da vida do calor e da luminosidade: “Nunca falam de coisas mundanas antes do nascer do Sol, mas oferecem, com os rostos voltados para este, algumas das preces transmitidas por seus antepassados, como se suplicando ao Sol que se erguesse.”
Há ainda um papel importante na escatologia essênia para o “Príncipe da Luz”, o Anjo da Verdade criado desde o início por Deus para guiar os filhos da Luz para o caminho do bem. Segundo o livro de Regras da Comunidade foi por meio deste anjo que Deus orientou a humanidade e guiou Moisés e Arão. O Príncipe da Luz é ainda o líder espiritual vivo e atuante do grupo. No Documento de Damasco o Príncipe da Luz aparece em conflito com Belial e no Livro de Regras é identificado como o anjo Miguel.
Dualismo e Messianismo
O símbolo da Luz veio acompanhado do dualismo que lhe é próprio. Assim tanto os anjos como as pessoas eram entendidos em termos de “espíritos de luz” e “espíritos de trevas” ou “anjos da luz” e “anjos das trevas”. Estes dois grupos vivem em antagonismos até o dia em que os liderados pelo “Príncipe da Luz” serão vitoriosos contra os liderados do “Príncipe da Trevas.”
Os manuscritos do mar morto atestam ainda que para essa vitória final ocorrer o próprio Príncipe da Luz haveria de vir e liderar a batalha final como o Messias de Israel. Este messias seria um rei da família de Davi, um sacerdote semelhante a Isaías e ser celestial com atributos divinos e títulos semelhantes aos que mais tarde seriam usados pelo cristianismo como “Filho de Deus” e “Filho do Altíssimo.” Segundo o Documento de Damasco este momento era eminente. Toda existência essênia era portanto motivada por uma preparação do caminho para a chegada do Príncipe da Luz e uma purificação da humanidade enquanto o momento apropriado não chegasse.
Isolamento
Fílon afirmou que os essênios viviam isolados em suas próprias aldeias evitando sempre que possível a cidade a “habitual maldade de seus cidadãos”. Para isso buscavam uma relativa auto-suficiência e se organizavam na distribuição das atividades necessárias para a manutenção da vida em um modelo muito parecido com o monasticismo que surgiria séculos seguintes.
Mas o isolamento não era total e havia comércio com às pessoas de fora, inclusive para aquisição de alimentos.” Além disso, Flávio Josefo afirma que “alguns deles vivem em qualquer lugar e se alguém da sociedade vem de outros lugares o que quer que os essênios tenham está a sua disposição. Por isso nunca levam nada quando saem em suas jornada.”
Frugalidade
O desapego material dos essênios foi enfatizado por todos os historiadores da época. Fílon afirma que “eles não acumulam nem ouro nem prata” e são avessos a qualquer desejo de lucro utilizando do fruto do trabalho para “proverem somente às necessidades absolutas da vida”. O historiador romano descreve com admiração o ascetismo dos essênios dizendo qque “Embora sejam praticamente as únicas pessoas da humanidade que não têm posses e riquezas — e isso por sua própria escolha e não por carência de sucesso. — eles se consideram os mais ricos, porque sustentam que o suprimento das necessidades e o contentamento da mente são suas riquezas.”. “Todos comem na mesma mesa e do mesmo alimento sendo amantes da frugalidade e da moderação e avessos ao luxo e extravagâncias como moléstias tanto da mente como do corpo.” Flávio Josefo descreve este desapego como uma “sobriedade ininterrupta, bem como o fato de que seu comer e beber são tão comedidos que apenas bastam para atender seus desejos naturais”
Vida Comunal
Outro ponto de destaque nos relatos da época é que os essênios possuíam tudo em comum. Segundo Fílon “Ninguém tem casa própria e tudo pertence a todos. (…)Todos têm um único tesouro em comum e um armazém de provisões, de roupas comuns e de alimentos comuns para todos os que comem juntos. Esse modo de dormir juntos, de viver juntos e de comer juntos não poderia ter sido tão facilmente criado em qualquer outro povo.”
Este fundo comum era alimentado pelo trabalho diário de todos: “Pelo que quer que recebessem diariamente, quando trabalhavam por salários, nada retinham como coisa própria, mas entregavam-no ao fundo comum e deixavam todos os que quisesse fazer disso uso comum. (…) Nenhum deles se esforça para acumular qualquer propriedade, casa, escravo, fazenda, manadas, rebanhos ou qualquer coisas que possa ser considerada uma fonte de riquezas, entregam tudo o que tem ao fundo comum, com o qual suprem igualmente a necessidades de todos. (…) O que quer que pertença a cada um pertence a todos e o que quer que seja que pertença a todos pertence a cada um. Flávio Josefo confirma este ponto dizendo que eles “desprezam a riqueza, têm todas às coisas em comum de uma forma realmente admirável e entre eles não há quem seja mais rico do que outro.” e que “Não compram nem vendem coisa alguma entre si, mas cada um dá daquilo que tem a quem precisa e obtém deste aquilo que necessita e mesmo sem retribuição obtém livremente o que desejam.”
Democracia
O fundo comum era gerido por um grupo de administradores que recebia os frutos do trabalho diário para, segundo Fílon “comprar grande abundância de alimentos e de outras coisas necessárias à vida.” É interessante notar que estes administradores, segundo Flávio Josefo eram “nomeados por eleição geral”. Além disso não havia castas e trabalhos mais ou menos importantes, cada um deles, sem distinção podia ser indicado para todos os ofícios.” Estes administradores também forneciam comida, vestes e outras coisas necessárias aos visitantes.
O princípio democrático é descrito também por Flávio Josefo: “Consideram um dever submeter-se aos mais velhos e a maioria, por isso quando dez deles se reúnem ninguém falará ao menos que os outros nove assim concordem.” e “Em seus vereditos são sempre precisos e justos e nunca proferem uma sentença sem a presença de menos de cem membros da irmandade.”
Os que eram pegos quebrando as regras da sociedade eram punidos com a expulsão que frequentemente se seguia a uma morte miserável. Flávio Josefo explica: “Estando vinculados ao juramento que fizeram não podiam receber alimento de qualquer pessoa de fora da irmandade e eram forçados a comer ervas do campo até seus corpos famintos perecerem. Por isso os essênios recebem piedosamente muitos deles de volta quando em seu último alento, julgando que esse sofrimento já próximo a morte, é suficiente para seus pecados.”
Sacrifícios de animais
Uma grande diferença dos essênios com relação aos fariseus e saduceus é que não praticavam qualquer tipo de sacrifício animal. Segundo Fílon em vez de oferecer o sangue do gado eles “buscam tornar suas mentes dignas de ser uma oferenda santa.”
Flávio Josefo justifica este ponto importante afirmando que para eles “uma vida de constante e fiel serviço é mais agradável a Deus do que muitos gados” e para isso Josefo faz uma série de citações das escrituras. O Livro de Regras da comunidade também corrobora esta informação afirmando que seus sacrifícios eram suas próprias orações e purezas de vida.
Roupas e Alimentação
Embora tenham se oposto ao sacrifício animal, ao contrário das afirmações modernas não há nada nos relatos históricos que comprove que os essênios eram vegetarianos. Fílon inclusive afirma que o trabalho de pastoreio de rebanhos era tão relevante quanto o do cultivo da terra e o dos artesãos. Realizavam orações de agradecimento antes e depois das refeições e se alimentavam todos em uma única mesa comunitária onde o alimento produzido ou comprado era dividido de forma igualitária. Este coletivismo estava presente também no vestuário: “Eles têm uma provisão de tecido de capas rústico para o inverno e para o verão roupas baratas, sem mangas, a cujo estoque podem recorrer e apanhar livremente.” Flávio Josefo complementa que eles “consideravam louvável a falta de adornos e às vestes brancas” e ainda eram avessos ao uso de perfumes e unguentos.
Higiene
Eles “Não mudam de roupa nem calçados até que estes estejam gastos”, ainda assim prezavam pela limpeza e dignidade de suas vestimentas, afirmou Josefo: “A conservação e aparências de seus corpos são tais como às das crianças bem criadas em temor.”
O relato de Flávio Josefo descreve que os essênios tomavam banhos diversas vezes por dia — e nunca com água aquecida — seja depois de algumas horas de trabalho, após às refeições e em outras situações. Neste momento usavam um avental especial: “As mulheres mantêm-se vestidas quando tomam banho e assim como os homens vestiam seus aventais.”
Além disso, de maneira semelhante aos fariseus de época e judeus ortodoxos de hoje eles também tomavam banho após defecarem: “Eles cavam uma cova com um pé de profundidade como uma pá e, tendo-a rodeado com uma cobertura, para que não haja ofensa para os raios divinos, sentam-se sobre ela, e depois colocam a terra escavada novamente na cova; e fazem isso depois de terem escolhido os lugares mais solitários. E, embora a evacuação seja natural, ainda é seu costume tomar banho a seguir, como se tivessem sido aviltados.”
Pacifismo
Na comunidade, segundo Fílon não eram aceitos “nenhum fabricante de flechas, dardos, lanças, espadas, elmos, couraças ou escudos — nem qualquer fabricante de armas ou engenhos de guerra”. Este total desinteresse pelas artes da guerra foi provavelmente o motivo do grupo ter desaparecido tão rapidamente após a destruição de Jerusalém por Roma no século I.
Abolicionismo
Os essênios foram o primeiro povo da terra a se opor a escravidão. Disse Fílon que “não se encontra entre eles nenhum escravo, porque são livres e se servem mutuamente, Eles condenam os proprietários de escravos não apenas como injustos, visto que corrompem seu princípio de igualdade, mas também como ímpios pois destroem a lei da Natureza que, como mãe, produz seus frutos e alimenta a todos igualmente e faz de todos irmãos legítimos não em palavras mas de fato. Fiz ainda Fílon que entre eles a escravidão foi eliminada por ser considerada um “relacionamento desleal e cobiçoso, tornado despótico pelo sucesso” e “por gerar inimizade em vez de cordialidade e ódio em vez de amor.
Trabalho, Estudo e Oração
De acordo com os relatos todos os membros da ordem eram empenhados em ocupações diversas de acordo com a capacidade de cada um. “Dirigem-se para o trabalho diário antes que o Sol se levante, e não o deixam senão depois que o Sol se pôs, quando então voltam para casa não menos alegres do que estariam aqueles que estiveram exercitando-se em ginástica. Acreditam que sua ocupação é uma espécie de ginástica de maior benefício para a vida e maior prazer tanto para a alma como para o corpo e uma vantagem mais duradoura que qualquer ocupação atlética.”
Na descrição de Fílon os Essênios se instruem todos os dias e mais especialmente no sétimo dia da semana em respeito a norma judaica. Nessas ocasiões se reuniam em assembléias onde ocorria a leitura das escrituras seguida de uma explicação feita por algum membro com mais experiência que desvenda seus simbolismos.
Flávio Josefo faz uma descrição mais detalhada da rotina essênia: “Depois disso (da oração voltada ao Sol) vai cada qual para trabalhar no departamento em que tem habilidade até a quinta hora, depois reúnem-se novamente num lugar, cingem-se com seus aventais e recebem um batismo de água fria. Após essa lustração, seguem para uma casa especial, na qual não é admitida pessoa alguma de outra fé.”
O relato de Josefo não conta o que acontecia nesta casa, mas hoje sabemos pelo Livro de Regras que se tratava de uma refeição ritual central a suas atividades: “Quando arrumam a mesa para comer e beber o sacerdote deve primeiro estender suas mãos para abençoar o pão e o vinho.”
Josefo continua seu testemunho.“Então saídos purificados como que de um templo sagrado tomam silenciosamente seus assentos e o cozinheiro coloca diante de cada um um prato com uma única espécie de comida. O sacerdote dá início a uma oração e ninguém tem permissão de provar o alimento antes de proferida a ação de graças. Ele também faz a ação de graças depois da refeição. Depois eles tiram suas vestes brancas como se fossem sagradas e voltam a trabalhar até anoitecer. Retornando à casa fazem a refeição da noite em conjunto.”
Caridade
Fílon de Alexandria atestou que os essênios se guiavam por uma tríplice definição de caridade: “amor a Deus, amor a virtude e amor a humanidade. (…) Os doentes não são negligenciados por não poderem contribuir coisa alguma, mas recebem o que é necessário para o seu auxílio do fundo comum, de modo a sempre passarem bem e não carecerem de coisa alguma”. Quando aos idosos “eles mostram respeito como os filhos fazem com os pais, ajudando-os continuamente com toda a generosidade, tanto material como espiritualmente.” Diz ainda Fílon que “se um deles fica doente, é curado com os recursos comuns e atendido pelo cuidado e preocupação de todos.”
A caridade também é enfatizada no relato de Flávio Josefo: “Há duas coisas que fazem livremente: ajudar os necessitados e mostrar misericórdia. Ou seja, ajudar os que precisam, quando precisam, e dar alimento aos que têm fome.”
Cura dos enfermos
Havia um interesse particularmente forte entre os essênios na arte da cura. Sua fama atraía muitos visitantes e fez com que Fílon comparasse os essênios aos terapeutas gregos. Flávio Josefo atestou: “Fazem esforços extraordinariamente grandes no estudo dos escritos dos antigos, e selecionam aquele que é especialmente benéfico para a alma e para o corpo; por isso investigam às raízes medicinais e propriedades dos minerais para curar enfermidades.
Castidade
Este é outro ponto controverso. Segundo Fílon os essênios eram celibatários “repudiam o casamento e ao mesmo tempo praticam a abstinência dos prazeres carnais.” Essa informação é confirmada por Plínio, o velho que diz que os essênios “Vivem sem mulher, sem satisfazer os desejos sexuais, sem dinheiro e em companhia das palmeiras.” Por outro lado Flávio Josefo diz textualmente que eles “Não repudiam o casamento e a consequente sucessão da raça em si; mas são sim temerosos da lascívia” e que possuíam o costume de adotar os filhos dos outros enquanto anda tenros de idade e suscetíveis de instrução. Além disso ele comprova a existência de casais na comunidade ao relatar que estes “evitavam relações sexuais enquanto às mulheres estavam grávidas ou menstruando.” Essa diferença nos relatos com relação ao casamento pode ser explicadas pelos diferentes momentos históricos da comunidade, por serem relatos de diferentes agrupamentos ou por esta ser uma decisão pessoal.
Admissão
Não era fácil entrar para os essênios. Para começo de conversa a pessoa teria que abrir mão de todas às suas riquezas. Flávio Josefo relatou que havia uma lei interna que estabelecia que qualquer um que ingressasse na comunidade deveria doar todas às suas propriedades como patrimônio comum da sociedade.
Ainda assim, o relato de Fílon de Alexandria nos informou que “Um número muito grande de pessoas corria para lá, proveniente de todos os lugares, mas nenhuma era admitida se não se julgasse possuir pureza, fidelidade e inocência, e acontece que se uma pessoa for culpada do mais leve dos delitos, embora procure obter sua admissão oferecendo uma fortuna tão grande como nunca se viu, ela já estava excluída por decreto divino.”
Josefo relata que uma vez aceita a pessoa passava por um período de testes de um ano durante o qual deveria se adaptar às regras e costumes da sociedade. Depois desse período o candidato participava de um batismo cerimonial para então ser testado por mais dois anos, ao final dos quais poderia se juntar a mesa comum das refeições e participar da mesa comunal. “Mas antes de tocar a refeição comum ele jura o mais terrível dos juramentos”.
Esse juramento incluía uma série de obrigações, que Josefo apresenta na seguinte ordem:
- Temer a Deus
- Exercer a justiça para todos os homens
- Não causar dano a qualquer pessoa voluntariamente ou a mando de outrem
- Detestar os maus e estar ao lado dos corretos
- Manter sempre uma fé inviolável em todos os homens, especialmente nos que têm autoridade
- Não ter orgulho do seu poder, nem sobressair sobre seus subordinados ao atingir algum cargo de liderança
- Amar sempre a verdade, se esforçar para corrigir todos os mentirosos
- Manter as mãos limpas do roubo
- Manter a mente limpa do ganho que não seja santo
- Não ocultar coisa alguma da irmandade
- Não revelar seus segredos a quem é de fora, ainda que corra risco de morte
- Não transmitir uma doutrina diferente da que recebeu
- Preservar os escritos da sociedade e o nome dos anjos
Com esse juramento o candidato passava a ser vinculado a irmandade. Interessante notar que, a semelhança dos pitagóricos este era o único momento em que era permitido se fazer um juramento. Seu sim ou não deveriam bastar para qualquer outra ocasião. Isso é comprovado tanto pelo Documento de Damasco como por Fílon de Alexandria.
Conclusão e Hipóteses
Tendo passado pelos fatos documentais o autor deste artigo por fim se arrisca algumas hipóteses interessantes. Sobre sua origem dos essênios, vimos que nada consta nos documentos da época que nos ajude a esclarecer o assunto. Entretanto, como não existem registros históricos anteriores ao século II a.c podemos especular que os primeiros agrupamentos essênios surgiram no período intertestamentário (400 a.c ~ 5.dc)
Curiosamente eles surgiram no mesmo período em que um outro grupo misterioso desapareceu: os pitagóricos. Pode ser uma hipótese ousada mas é plausível que os essênios sejam fruto da fuga da última geração de pitagóricos da Itália para a palestina após o massacre de Metaponto. Ao redor do Mar Morto a influência judaica teria sido questão de tempo. Alguns pontos em comum entre estes os pitagóricos e os essênios que dão peso a esta hipótese:
- Os essênios surgiram quando os pitagóricos desapareceram
- Ambos acreditavam em uma alma imortal separada do corpo
- Ambos eram contra sacrifícios animais
- Ambos se vestiam de branco e tomavam banhos frios
- Ambos eram ascetas
- Ambos mantinham segredo de suas práticas
- Ambos defendiam um estilo de vida comunal
- Ambos tinham membros celibatários
- Ambos testavam com rigor os candidatos antes de aceitá-los
- Ambos só permitiam juramento ao ingressar na sociedade
Se esta hipótese é verdadeira devemos destacar algumas diferenças importantes entre os pitagóricos e os essênios. A primeira é que os essênios davam muita importância a leitura e obediência da lei mosaica e possuíam um caráter eminentemente apocalíptico. A segunda é que os pitagóricos davam ênfase no estudo da matemática enquanto que os essênios estudavam preferencialmente a arte da cura.
Tendo esta hipótese em mãos resta agora supor, baseado nos registros históricos o que aconteceu com os essênios para que tenham desaparecido por completo. Como comprovam os relatos do século I, uma série de particularidades do cristianismo primitivo podem ser antevistas na prática e doutrina dos essênios. Dentre elas:
- Os cristãos surgiram quando os essênios desapareceram
- Ambos eram apocalípticos e messiânicos
- Ambos eram desapegados aos bens materiais
- Ambos eram contra sacrifícios animais
- Ambos eram pacifistas
- Ambos defendiam um estilo de vida comunal
- Ambos tinham membros celibatários
- Ambos praticavam o batismo e a ceia de pão e vinho
- Ambos davam ênfase na caridade
- Ambos possuíam ministérios de curas
Além disso há outro indício relevante que demonstra a influência essênia no desenvolvimento inicial das comunidades cristãs. Embora não tenha sido mencionado, os Manuscritos do Mar Morto apresentam uma série de jargões que o Novo Testamento tornou célebres como: “Nova aliança”, “Pobres de espírito”, “Filho de Deus” e “Luz do mundo”, entre outras.
Parece bastante razoável que a família de Jesus e particularmente de João Batista tenham sido membros deste grupo e ao que tudo indica eles entendiam que Jesus era o próprio Príncipe da Luz esperado. Mas para sermos justos temos que destacar diferenças importantes entre os primeiros cristãos e os essênios. Os discursos do evangelho alertam contra os perigos do ascetismo extremo como quando diz que é mais importante o que sai da boca do que o que entra nela. Alguns de seus ensinamentos parecem ter sido especialmente dirigidos aos essênios, como quando ele diz: “Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo, e odiarás ao teu inimigo.” Ora, em nenhum lugar das escrituras hebraicas se encontra este ensinamento que parece tanto com o quarto item do juramento essênio.
Como conclusão final deste artigo fica a hipótese de que os essênios tiveram origem na escola pitagórica e após uma forte influência judaica moldaram o nascimento do cristianismo. Os primeiros cristãos abriram as multidões uma doutrina e prática que antes eram disponíveis apenas a um número limitado de adeptos. Os essênios se isolavam mas os cristãos se misturavam ao povo. Enquanto os essênios realizavam a caridade aos seus visitantes os cristãos iam até os enfermos e famintos para praticar cura e a partilha. João Batista e Jesus levou a essência dos essênios para todos os judeus, dos fariseus aos samaritanos e em seguida Paulo e os apóstolos fizeram os mesmos para o resto da humanidade.
Por: Tamosauskas
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