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Quarta Porção – Unguento das Feiticeiras II… Voar, voar… Subir, subir…

Leia em 8 minutos.

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Esta quarta porção da Erva do Diabo foi preparada utilizando as plantas cultivadas pelo próprio Castaneda. São plantas, no plural mesmo porque, embora tenha plantado somente uma fêmea, inicialmente, entre o plantio, em dezembro de 1961 e esta colheita, em julho de 1963, passou-se um período de um ano e meio. De tal modo, àquela altura do aprendizado a fêmea matriz já tinha produzido “filhotes”, outras fêmeas e também machos. Eis como o brujo obtém sua própria plantação de Daturas:

Vá primeiro para a sua planta antiga [a primeira cultivada, a matriz] e olhe atentamente para o caminho feito pela chuva. A essa altura, ela já deve ter levado as sementes para longe. Olhe para as gretas (zanjitas) feitas pela enxurrada e daí verifique a direção da água. Depois veja a planta que cresce mais afastada da sua. Todas as plantas da erva-do-diabo que crescem no meio [nessa área, nessas faixas de terra] são suas. Mais tarde, quando sementearem, poderá ampliar o tamanho de seu território seguindo o curso da água de cada planta no caminho. (CASTANEDA, 1968 – p 63)

Ingredientes

– Sementes secas, armazenadas previamente em um pacote, parasitadas por gorgulhos vivos e contendo ovos dos insetos. Os ovos ou “pó dos gorgulhos” devem ser separados dos bichos.

– Pedaços de raízes de exemplares macho e fêmea medindo cerca de 40 cm cada um

– Gordura, banha (tecido adiposo) de javali, de preferência, um javali macho e bestial que você mesmo tenha caçado a unha ou utilizando flechas ou lanças, como um índio… Este articulista non sabe se esse ingrediente pode ser substituído por manteiga, margarina, creme hidratante, gel íntimo sabor morango, brilhantina, gliter, sei lá, caraca… gordura de porco, boi ou mesmo a sua própria, humana, extraída daqueles seus pneuzinhos em uma clínica de lipoaspiração. Meditemos…

Utensílios

– Uma haste, galho forte de palo verde para cavar

– Almofariz e pilão de pedra

– Uma colher de feita de madeira ou osso

– Duas panelas, uma de barro, outra de aço

– Dois pedaços de pano branco

 

Também desta vez, todo o processamento dos ingredientes e preparo das substâncias deverão ser feitos em jejum sendo permitido ingerir somente água em pequenos goles.

JEJUM.

Note-se que o jejum imposto durante essas “operações” é um tipo disciplina imposta ao corpo que vai funcionarem duas esferas do Ser: uma, psicológica, outra, física. Psicologicamente, o jejum é uma prova, um treinamento destinado a fortalecer a Vontade, a capacidade manter-se firme em um propósito apesar deo desconforto. Fisicamente, o jejum promove uma condição metabólica, a saber, ausência de outros nutrientes no sangue, que inevitavelmente vai potencializar, tornar mais forte o efeito do alucinógeno.

Os ingredientes são submetidos a um preparo muito semelhante àquele descrito na elaboração da terceira porção.

1. Coleta das raízes. Limpar o terreno em volta de cada planta, o macho e a fêmea, antes de começar o trabalho. Dançar a mesma dança já executada em ocasiões anteriores. Cortar a haste deixando a raiz na terra.

Cavar, usando somente as mãos e galho de palo verde 40 cm de profundidade em torno da raiz ( o que resulta em uma porção de raiz desse tamanho). Limpar a terra remanescente expondo a raiz e, então, cortá-la.

Depositar as raízes, que foram cortadas uma por vez, evidente, cada tipo, sobre os panos brancos (tente usar algodão, evite o cetim, é uma frescura) pois neles serão embaladas. Corte as raízes em pedaços regulares e faça os pacotes. Durante a tarefa: manter-se calado e com a mente vazia, evitando pensamentos e emoções.

2. Preparo das sementes. Também desta vez, Don Juan forneceu as sementes. Na ocasião, o xamã entrega a Castaneda um vidro com sementes secas e aglomeradas pelo tempo contaminadas com gorgulhos. Retire os gorgulhos e o “pó de gorgulhos” (que Don Juan diz que são ovos desses insetos) e coloque em outro recipiente.

Em outro recipiente, sementes intactas, não danificadas pelos gorgulhos (que, evidente, alimentam-se delas) também estarão reservadas para a elaboração dos preparados.

3. Procedimentos. No almofariz de pedra, usando o pilão de pedra, esmagar os ingredientes colocando um tipo de cada vez na quantidade de um punhado de cada. No fim todos estarão amassados juntos.

Esses ingredientes são processados no almofariz na seguinte ordem: primeiro as sementes danificadas (aglomeradas); a seguir, os ovos de gorgulhos; depois, os gorgulhos e finalmente, as semente intactas e secas. RESERVE na panela de barro.

Pegar a raiz feminina de Datura, cortar em pedaços pequenos e esmagar tudo no almofariz até virar pasta liberando o sumo. Separe esse sumo (sugiro coar) em um recipiente de vidro.

Volte à panela que contém a papa de sementes e gorgulhos, adicione o sumo de Datura fêmea e regue o material com uma xícara de água fervente, misture tudo usando a colher indicada em “Utensílios”, adicione mais duas xícaras de água fervente e leve tudo ao fogo, mexa e deixe lá.

Tratando a raiz-datura masculina. A raiz masculina não é cortada em pedaços. Dentro do pano, amarrado para funcionar como um saco, essa raiz deve ser pilada até virar papa. Depois, colocada de molhos em água, ficará exposta ao sereno durante toda a noite.

A Mistura Fervendo na Panela. Vigie a mistura que ferve na panela até que fique encorpada (ou seja, até que quase toda a água tenha evaporado), mais densa que um purê de batatas. Neste ponto, desligue a chama. Tampe a panela e RESERVE.

Voltando à raiz masculina. No dia seguinte, com a raiz envolta no pano, proceda à filtragem, espremendo o pacote e tornando a umedecê-lo para novamente espremer, coletando o produto dessa operação na panela (pode ser uma tigela) de aço até obter a quantidade de cerca de uma colher de sopa cheia da substância amarelada já mencionada nas porções anteriores. Dissolva a substância, na tigela mesmo, com uma xícara de água fervente. Tampe o recipiente. RESERVE. E não jogue fora a papa de raiz masculna que você usada. Guarde.

A Hora da Banha! Toma-se um punha da banha de Javali, coloca-se na panela de barro – que contem a pasta de sementes e gorgulhos, e bate-se tudo com a colher de pau ou de osso, como quem bate a massa de um bolo. Essa mistura estará no ponto quando sua aparência tornar-se semelhante a uma gelatina lisa e cinzenta. Tampe a panela.  RESERVE, ou seja, deixe a gororoba descansar até o dia seguinte.

CASTANEDA diz que fez isso durante três horas e, lembre-se, desde o início do processo, já há mais de dois dias, o pesquisador está em jejum.

Quase Lá! Ao novo amanhecer, tome aquela papa de raiz masculina guardada, envolta no pano, torne a umedecê-la e submeta-a novamente, quatro vezes, ao processo de filtragem obtendo mais da essência de Datura coletando o produto resultante na tigela onde já está contida a beberagem que já foi preparada no dia anterior. Deixe secando ao sol até a substância chegar à consistência de goma.

Os alucinógenos estão prontos. Hora de correr perigo. Pega-se o estrato da raiz masculina, dissolve-se em uma xícara de água quente e bebe-se. (‘Tá passando mal, não interessa).

Hora da Pasta. Nivelar na panela de barro e dividir a pasta em quatro partes iguais e uma um pouco maior, como as fatias de uma pizza.  Dispa-se! È isso mesmo… tire toda a roupa, fique pelado… a tanguinha também!

Dom Juan mandou, com naturalidade, que eu despisse todas as minhas roupas. (CASTANEDA, 1968 – p 65)

A pasta é aplicada no corpo. Evidentemente, seu princípio ativo será absorvido pela pele. A aplicação deve ser feita na seguinte ordem: 1. Sola do pé esquerdo, 2. parte interna da perna esquerda, 3. genitais (onde será aplicada a porção maior), 4. parte interna da perna direita, 5. sola do pé direito.

Depois da aplicação, Castaneda afirma que voou, o dia virou noite e ao despertar, tendo usado a pasta na casa de Juan, encontrava-se há um quilômetro, peladão, distante do ponto de partida.

A pasta estava fria e tinha um cheiro especialmente forte. Quando acabei de aplicá-la, endireitei o corpo. O cheiro da mistura penetrou em minhas narinas. Parecia-me sufocante… O movimento de meu corpo era lento e trêmulo… Olhei para baixo e vi Dom Juan sentado abaixo de mim, muito abaixo de mim… E dali eu me elevei no ar.

Lembro-me de que desci uma vez; então, dei um impulso com os dois pés, dei um salto para trás e planei de costas. Via o céu escuro acima de mim e as nuvens passando…  Vi a massa escura das montanhas.

Minha velocidade era extraordinária. Meus braços estavam fixos, dobrados ao lado do corpo. Minha cabeça era a unidade de direção. Se eu a conservasse dobrada para trás, fazia círculos verticais. Mudava de direção virando a cabeça para o lado. Eu gozava de uma liberdade e velocidade como jamais conhecera… Escuridão… Era como se tivesse encontrado um lugar no qual [ao invés de ser dia], era noite. (CASTANEDA, 1968 – p 66)

Don Juan explica:

A segunda porção da erva-do-diabo é usada para voar… O ungüento sozinho não basta. …a raiz dá a direção, a sabedoria, e é a causa do vôo. A medida que aprende mais, e toma mais para poder voar, você começa a ver tudo com muita clareza. Pode elevar-se pelo ar por centenas de quilômetros, para ver o que está acontecendo em qualquer lugar que queira, ou para desfechar um golpe fatal em seus inimigos… Quando se familiarizar com a erva-do-diabo, ela lhe ensinará como fazer essas coisas. (CASTANEDA, 1968 – p 67)

Depois dessa experiência que esse articulista permite-se chamar carinhosamente de A Noviça Voadora [http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Flying_Nun], Castaneda, cheio de dúvidas, pergunta a Don Juan se realmente voou, se seu corpo físico de fato violou a Lei da Gravidade. A essa pergunta, o xamã não responde de forma objetiva e usa subterfúgios retóricos evitando um definitivo SIM ou NÃO, apesar do aprendiz ter despertado do transe longe do ponto de partida.

A questão da distância, todavia, não garante, absolutamente, que tal voo tenha sido efetivamente físico e a experiência pode não ter sido nada além de um delírio durante o qual o delirante deslocou-se, andando, crendo firmemente que voava.

Outra possibilidade é que Castaneda tenha se movimentado em estado de inconsciência em relação à realidade ordinária, como um zumbi, seguido de perto por seu mestre, enquanto seu corpo astral, tendo se desprendido do suporte material, o corpo físico, poderia, realmente, ter voado e a mente, guardado a lembrança consciente da realidade extraordinária ou ilusão experimentada.

Esta experiência de voo difere completamente de outra que relatada no mesmo livro (A Erva do Diabo) envolvendo um procedimento que pode ser classificado como o zoomorfose e deslocamento do corpo astral, aquele tipo de magia que deu origem à crença em figuras míticas, como o lobisomem ou a bruxa que toma a forma de uma coruja.

Na zoomorfose o corpo astral agrega matéria densa suficiente para tornar-se tangível e capaz de agir sobre pessoas e coisas em estado normal, deslocando objetos ou mesmo perpetrando ataques violentos que podem ferir ou matar.

A desvantagem é que, nesse estado de projeção, o corpo astral torna-se igualmente vulnerável a agressões que vão se refletir objetivamente no corpo físico do bruxo.

Significa que, se o corpo astral metamorfoseado for atingido por objetos de metal, como espadas ou capsulas de armas de fogo, ele é obrigado a retornar imediatamente à sua matriz orgânica, que estará danificada ou ferida, lesionada no mesmo local e proporção do golpe que atingiu aquele duplo astral. Portanto, nestes casos, ferimentos infringidos ao corpo astral em pontos correspondente a órgãos vitais de um organismo, serão mortais para o corpo físico do feiticeiro.

Ligia Cabus


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