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Por estranho que pareça, a melhor explicação fenomenológica racional que conheço para esse caso se encontra numa história de ficção científica intitulada Forbidden Planet, de W. J. Stuart, em que uma expedição científica procura descobrir o motivo da destruição de todas as expedições anteriores a um planeta distante. O único homem capaz de viver em segurança no Planeta Proibido é um velho cientista chamado Morbius. Ele informa que as outras expedições foram destruídas por uma espécie de monstro invisível e indestrutível.
Morbius dedica-se ao estudo dos resquícios de uma antiga civilização do planeta – seres que haviam possuído o poder de amplificar seus pensamentos, o poder de “intencionalidade”, de modo que as imagens mentais fossem projetadas como realidade exterior. No final da história, Morbius descobre o que destruiu as expedições anteriores. Sem que nem de longe suspeitasse, ele também estava amplificando as forças intencionais de seu subconsciente – seu desejo de ficar sozinho no planeta. E este é o “monstro invisível” que destruiu as expedições.
Trata-se de livro a ser lido por todos os que se dedicam à psicologia fenomenológica. Por intenção do autor, pode ser que seja ficção científica, mas provavelmente chega mais perto da verdade a respeito da mente humana do que Freud ou Jung.
Ora, sendo correta essa hipótese, ela explica não só o mistério dos vampiros, dos lobisomens e dos poltergeists – que comentaremos no próximo capítulo –, como todos os chamados “fenômenos ocultos”. O inconsciente não constitui apenas uma espécie de depósito profundo de memórias antigas e desejos atávicos, mas de forças que, sob certas circunstâncias, podem manifestar-se no mundo material com um vigor que supera tudo o que o consciente possa realizar. Todos temos conhecimento daqueles momentos em que a personalidade consciente parece tornar-se mais real, firme e decidida, provocando-nos uma sensação peculiar de poder. Se imaginarmos esse mesmo tipo de força sob o comando do poder bem maior do inconsciente, começaremos a esboçar uma vaga teoria do ocultismo que evita os extremos do ceticismo e da credulidade.
É a falta de uma teoria geral como essa que torna tão insatisfatória a maioria dos livros sobre vampirismo. Summers mistura histórias as mais improváveis com relatos dotados de um quê de autenticidade. Ornella Volta, uma das mais recentes historiadoras a se dedicar ao estudo do vampirismo, apresenta uma abordagem médica e antropológica, mas não chega a estabelecer vínculo entre criminosos sexuais, como Jack, o Estripador, e os mitos do Sargento Bertrand e de Drácula.[1] Defende a idéia de que as estranhas epidemias de vampirismo, como a ocorrida na Europa Central entre 1730 e 1735, são explosões de crimes sexuais e necrofilia, quando na realidade essa explicação não se aplica a 99 por cento dos casos mencionados por Summers, em que os vampiros são corpos mortos animados por demônios ou pelos espíritos de antigos ocupantes.
Reproduzo abaixo uma típica história de vampiro, mencionada por Augustian Calmet em History of Apparitions (1746) e repetida em todos os livros sobre o assunto a partir de então.
Na década de 1720 o império austríaco gozava um período de paz depois de anos de confrontos bélicos esporádicos contra os turcos, e o país se empenhava na formação de tropas para o prosseguimento das operações no sudoeste. Um jovem soldado (cujo nome é dado como Joachim Hubner por um estudioso do assunto) estava acantonado na aldeia de Haidan, na fronteira austro húngara.
Certa noite, durante o jantar, quando estava à mesa e todos olharam apavorados. O velho inclinou-se para a frente, tocou o ombro do dono da casa, um lavrador e retirou-se.
Na manhã seguinte o lavrador foi encontrado morto na cama. O garoto disse a Hubner que o velho era seu avô, que havia morrido dez anos antes.
Hubner naturalmente contou a história para outros soldados do regimento, e o caso chegou enfim aos ouvidos do coronel, que decidiu por uma investigação, já que seus homens estavam alarmados. O Conde de Cadreras, comandante da Infantaria de Alexandetti, recebeu instruções para tomar depoimentos na cidadezinha. Cadreras instalou-se na igreja, e em sua presença depuseram todas as pessoas da casa do camponês morto. As provas eram tão convincentes que Cadreras mandou cavar o túmulo do velho. O corpo se encontrava como se tivesse sido enterrado naquele instante. Por ordem de Cadreras, a cabeça foi separada do tronco.
A comissão de inquérito fora informada de outros casos semelhantes. Por exemplo, de um homem que voltara três vezes durante os últimos trinta anos, e que tentara sugar o sangue de membros da própria família. Exumaram então os corpos desses outros “vampiros”, e como no primeiro caso nenhum deles apresentava o menor sinal de decomposição. Os habitantes do vilarejo garantiam que um certo vampiro era tão perigoso, que não descansaram enquanto o conde não mandou queimar o corpo.
Ao tomar ciência de tais acontecimentos, o Imperador Carlos VI mandou uma Segunda comissão para investigar. Esta conferiu em primeiro lugar a história da comissão do conde. Em 1730 Cadreras depôs perante uma autoridade da Universidade de Friburgo, e Augustian Calmet deve Ter lido esse depoimento durante os cinco anos seguintes, pois afirma que os eventos ocorreram “cerca de quinze anos atrás”. Montague Summers afirma que o manuscrito ainda existe.
A história é bastante pormenorizada, embora isso não garanta sua veracidade, evidentemente. Não encontrei aldeia alguma de nome Haidam em mapas ou enciclopédias, o que também não prova nada, pois os lugares mudam de nome com o deslocamento das fronteiras. Verdadeira ou não – e Summers a considera uma das histórias de vampiro bem documentadas que existem –, contém todas as características típicas de um caso de vampiro: o morto que anda e que só é destruído pelo fogo ou pela decapitação (ou às vezes por uma estaca que lhe atravesse o coração), os ataques a pessoas vivas que segundo a crença também se tornariam vampiros após a morte do vampiro atacante.
Ornella Volta afirma que o corpo de Santa Teresa de Ávila não se decompôs no túmulo durante muito tempo após a morte. Diz ainda que se passaram 178 anos, mas J.M. Cohen, na introdução à autobiografia de Ornella Volta, limita-se a comentar: “Essas misteriosas levitações [ela pairava no ar durante suas orações] encontraram paralelo após a morte, com a misteriosa não decomposição do corpo”. Cohen afirma que o fenômeno da não decomposição do corpo, aparentemente comum após a morte de tantos santos, “só se pode atribuí-lo a alguma transformação efetiva na estrutura física, que ocorre junto com a transformação espiritual”. Talvez o mesmo se poderia dizer dos vampiros.
A epidemia de vampiros no período 1730-1735 parece ter principiado num lugarejo chamado Medeugna, perto de Belgrado, com um jovem soldado de nome Arnold Paole, que voltou do serviço militar na Grécia em 1727. A uma jovem a quem estava prometido, contou que uma noite fora atacado por um vampiro (outro país famoso por lendas desse tipo), mas que localizara seu túmulo e o destruíra – o que decerto eliminara a maldição. Acontece que o rapaz morreu e passou a ser visto por perto da aldeia à noite. Decorridas dez semanas, quando várias pessoas diziam já tê-lo visto, ou sonhado com ele e despertado estranhamente fracas na manhã seguinte, seu cadáver foi exumado por dois médicos militares, o coveiro e seus auxiliares. O corpo ainda tinha sangue na boca. Estava coberto de alho, o que supostamente representa proteção contra vampiros, e tinha uma estaca atravessada no coração.
Diz Summers que seis anos depois o vampirismo tomou conta de Medegna, e dessa vez alguns médicos respeitáveis participaram da investigação. O relatório médico foi assinado em 7 de janeiro de 1732, por Johannes Flickinger, Isaac Seidel, Johann Baumgartner, o tenente-coronel e um subtenente de Belgrado. No testemunho, afirmam Ter examinado catorze cadáveres, cada um com a descrição de seu estado, incluindo-se o de uma garota de dez anos. Apenas dois dos catorze – mãe e seu bebê – encontravam-se em estado normal de decomposição, apresentando-se os outros em “inequívoca condição de vampiro”. Não há relato sobre o que fizeram a seguir, mas supõe-se que os cadáveres tenham sido queimados ou trespassados por estacas.
Henry Moore, em Antidote Agaist Atheism (século XVII), conta a história de Johannes Cuntius, de Pentach, na Silésia, cujo corpo foi arranhado por um gato preto quando jazia no leito de morte. A seguir, ele começou a reaparecer e a sugar. Exumado o corpo, viram que apresentava “condição de vampiro e que oferecia furiosa resistência ao lhe tentarem decepar a cabeça.
Augustus Hare, o diarista, narra uma história de vampiro em The Story of My Life. Quem lhe contou foi um capitão Fisher, e o caso é uma típica história vampiresca do século XIX.
A casa chamada Croglin Grange, em Cumberland, foi alugada a três irmãos – dois homens e uma mulher. A construção erguia-se solitária numa encosta, e tinha apenas um pavimento. Talvez pelo tamanho a família Fisher a tenha alugado, para buscar um lugar maior.
O inverno passou tranqüilo para os inquilinos, cujo nome aparece como Cranswell num dos relatos existentes. Numa noite de junho, como a lua brilhasse intensa, a irmã resolveu deixar abertas as venezianas da janela, ficou intrigada ao ver duas luzes amareladas movendo-se por entre as árvores. Logo percebeu que pertenciam a um homem, e que este agora atravessava o jardim, ficou intrigada ao ver duas luzes amarelas movendo-se por entre as árvores. Logo percebeu que pertenciam a um homem, e que este agora atravessava o jardim e se dirigia à sua janela. Ela correu para a porta, que ficava perto da janela. A criatura segurou-a pelos cabelos e mordeu-lhe a garganta. Nesse momento, ela recobrou a voz e gritou, tendo os irmãos corrido para seu quarto. Depois de arrombarem a porta, um deles ainda pode ver o intruso a fugir pelo jardim e desaparecer para os lados do cemitério da igreja.
Levaram a moça para a Suíça, e por fim todos os três retornaram a Croglin Grange, convencidos de que a criatura seria um maluco qualquer. O inverno seguinte passaram-no em paz e sem nenhum alarme. Depois, em março do ano seguinte, uma noite a moça foi de novo despertada pelo ruído de alguém que mexia na janela – mais uma vez divisou aquele rosto escuro olhando para dentro do quarto. Desta vez gritou logo. Os irmãos, ao invés de correrem para o quarto, saíram pela porta da frente e dispararam alguns tiros em direção ao vulto que fugia pelo jardim. Ele cambaleou, mas conseguiu correr. Os irmãos perseguiram-no até o cemitério e viram quando ele entrou num túmulo. No dia seguinte foram até lá, acompanhados pelos criados de Croglin Grange. Na sepultura, os esquifes estavam todos espalhados de qualquer maneira, com ossos por toda a parte. O único caixão em seu devido lugar era o que continha o vampiro, que trazia o ferimento de um tiro na perna. Trataram logo de lhe queimar o corpo.
A história parece das mais improváveis; nem mesmo Hare chega a dizer que acredita nela. Mas pode muito bem basear-se num fato. Caixões espalhados também aparecem numa história bem mais autêntica – o caso da “inquieta sepultura” da família Elliot, em Barbados. A cripta funerária, que se ergue sobre a Baía de Oistin no cemitério de Christ Church, é escavada em parte diretamente na rocha. Lá se encontram os corpos de uma certa Sra. Thomasina Goddard, sepultada em 1807, de uma criança, Mary Chase, em 1808, e de mais dois membros da família Chase, enterrados em 1812. Foi por ocasião do quarto funeral que notaram que a uma da menina estava em posição vertical, ao passo que a da Sra. Thomasina Goddard fora 1ançada para outro lugar dentro da sepultura e se encontrava atravessada e não mais ao longo como deve- ria. O terceiro esquife, de Dorcas Chase, estava na posição correta. Em 1816, quando mais uma vez abriram a sepultura, era o caixão da Sra. Goddard que estava no lugar certo – os outros estavam todos espalhados. Ocorrida a mesma coisa pela terceira vez, o Lorde Combermere, governador da ilha, realizou uma investigação e encontrou os esquifes espalhados, fato que se deu em 17 de julho de 1819. O piso da sepultura estava coberto de areia fina, e a laje de mármore que servia de porta encontrava-se cimentada na posição correta. Em 18 de abril do ano seguinte, o governador, acompanhado por seu secretário para assuntos militares, o Major J. Finch, pelo religioso do lugar, Reverendo Thomas Orderson, por Nathan Lucas e mais dois brancos, abriu a sepultura com o auxílio de um grupo de negros nativos. Foi grande a dificuldade que tiveram para remover a laje. Dessa vez não restavam dúvidas de que o responsável pelo caos no interior da sepultura não seria um intruso humano. Só o caixão da Sra. Goddard, já meio desintegrado, estava no lugar. Três testemunhas – Combermere, Orderson e Lucas – relataram a descoberta, e seus escritos são citados em diversos livros: em History of Barbados, de Schomburgh; nas memórias de Combermere, em Transatlantic Sketches, de Sir J. E. Alexander, e meia dúzia de outros. E em 1907, o Folk Lore Joumal publicou um relato de Andrew Lang a respeito. O mistério ainda permanece insolúvel, e coisas também não ficam mais claras com a informação de que três dos seus esquifes na sepultura eram ocupados por pessoas que tiveram morte violenta – dois eram suicidas e um terceiro foi assassinado pelos próprios escravos.
O inquieto espírito que desorganizava a sepultura não era um vampiro, mas suas atividades originavam lendas de vampiros; Portanto, é possível que uma história despropositada como a do vampiro de Croglin Grange se baseie em fatos. Summers lembra que há notícia de fantasmas que se apresentaram materialmente. A antiga estação de Darlington e Stockton era famosa pela aparição de fantasmas em sua época. O mesmo ocorreria também mais tarde com a paróquia de Borley. Uma noite, o vigia, James Durham, foi atacado por um homem que havia entrado pelo depósito de bagagem; quando revidou, sua mão atravessou o estranho. Mas o cão que acompanhava o intruso pareceu bastante real quando enfiou os dentes na barriga da perna do vigia. O estranho chamou o cachorro com um estalo produzido com a língua, e ambos desapareceram no depósito de carvão, de onde não havia saída. Naturalmente, não estavam mais lá quando Durham foi procurá-los em seguida. Tudo indica que esse fantasma seria o de um suicida morto algum tempo antes da região. W. T. Stead publicou o relato de Durham, em forma de depoimento, em seu Rer Ghost Stories.
Deve-se reconhecer que Summers não oferece quaisquer provas convincentes – do tipo que satisfaria a Sociedade de Pesquisas Psíquicas – ao longo de seus dois grandes volumes. E isto se deve inegavelmente à sua curiosidade por essas coisas ser bastante aguçada, porém artificial. Ele não enxergava o que havia por trás dos fenômenos.
O mesmo não acontece com Dion Fortune, uma das maiores ocultistas modernas, cujo Psychic SeIf Defense (1930) é um clássico do assunto. Ela relaciona o vampirismo diretamente com as forças espirituais negativas, com o “mau olhado”. A esse respeito, já mencionei seu relato sobre uma diretora de escola que lançou um “ataque espiritual” em sua direção. Da maneira como conta no primeiro capítulo de seu livro, o ataque dificilmente poderia ser considerado “espiritual”. Dion Fortune dirigiu-se à sala da diretora para comunicar que estava deixando a escola -não dando importância à advertência de um colega, que lhe avisara que, no caso de um confronto com a diretora, ela jamais conseguiria sair. O método de ataque da mulher consistia em afirmar que Miss Firth (nome verdadeiro de Dion Fortune) era incompetente e não possuía autoconfiança. Usou esse mesmo argumento durante quatro horas. “Entrei [na sala] forte e saudável. Saí destruída física e mentalmente, e fiquei doente durante três anos”. Por muito tempo sua vitalidade permaneceu exaurida. Sinto-me inclinado a duvidar de que a diretora tenha realmente empregado métodos “espirituais” , mas em qualquer caso seu ataque teve como fruto interessar Miss Fifth pela psicologia, e depois pelo ocultismo.
O pequeno capítulo de Dion Fortune sobre vampirismo talvez represente o que há de mais sensato sobre o assunto. De início, ela comenta os casos que conheceu como psiquiatra, quando um cônjuge parecia extrair energia do outro, ou quando um pai ou mãe aparentemente concedia energia ao filho. (para ela, a maioria dos complexos de Édipo é dessa natureza.) “Com o nosso conhecimento atual da telepatia e da aura magnética, não me parece absurdo supor que, de alguma forma que ainda não compreendemos perfeitamente, o parceiro negativo de uma tal relação provoca um ‘curto-circuito’ no parceiro positivo. Ocorre um vazamento de vitalidade, e o parceiro dominante, de forma mais ou menos consciente, sorve toda essa energia”. Em seguida, Dion Fortune fala do Comandante Baring-Gould, autor de Oddities, que diz que alguns nativos das Filipinas praticam o vampirismo ao libertarem o “corpo astral” do corpo material, e o praticam sugando vitalidade, e não sangue, como se fossem fantasmas, por assim dizer. A seguir ela descreve um caso de que tinha conhecimento direto. As janelas envidraçadas de uma determinada casa abriam-se em algum instante durante a noite, e não adiantava tentar mantê-las fechadas porque se abriam de novo. Um jovem homossexual que vivia na casa estava em tratamento psiquiátrico, mas se apresentava constantemente destituído de vitalidade. Uma noite, presente na casa um estudioso do ocultismo, os cães começaram a ladrar e as janelas se abriram. Ele avisou as pessoas que alguma coisa havia entrado na casa. “Quando apagaram as luzes, viram um brilho opaco num canto da sala; (…) ao tocarem aquele brilho com as mãos, tiveram uma sensação de formigamento, como o que se sente ao se tocar em água eletricamente carregada”. O ocultista fez sumir o espírito ao “absorve-lo” com uma Simpatia – a respeito da qual falaremos mais adiante. O jovem homossexual confessou mais tarde que talvez conhecesse a origem do problema. Seria um primo, também homossexual, que fora apanhado nos campos de batalha da França a praticar a necrofilia com soldados mortos, e enviado de volta à Inglaterra para tratamento psiquiátrico. Muitas vezes o rapaz visitara o primo, tendo havido relação sexual entre eles. (Numa ocasião o rapaz mordeu o primo no pescoço, sugando-lhe um pouco de sangue.) Foi depois da separação dos dois que começaram a ocorrer os fenômenos, e o moço que habitava a casa passou a ter pesadelos em que um fantasma o atacava e lhe sorvia a energia.
O ocultista era de opinião que o primo necrófIlo não seria o primeiro vampiro da história. A teoria de Dion Fortune é a de que alguns soldados da frente ocidental vinham da Europa Oriental –especialmente da Hungria –, e de que alguns destes conheciam certos “truques” tradicionais do ocultismo – o mais importante sendo a maneira de evitar a “segunda morte”, a desintegração do corpo astral após a morte do corpo físico. “Mantinham-se com os dois corpos por sugarem o sangue dos feridos. Ocorre que o vampirismo é contagioso. Destituída de sua vitalidade, a pessoa atacada por um vampiro constitui um vácuo espiritual, absorvendo energia de quem puder, para recuperar suas fontes de vitalidade. Pela experiência, essa pessoa em pouco tempo aprende a atuar como vampiro sem perceber o significado de seus atos. E antes que note aonde chegou, já é um vampiro completo”.
Não obstante, o ocultista não acreditava que o vampiro fosse o primo necrófilo. Achava que o corpo astral de algum soldado magiar se havia prendido ao necrófilo, transferindo-se depois ao jovem primo após o episódio da mordida no pescoço.
Para os céticos, o caso soa totalmente absurdo. Mas tem lá sua própria lógica e certamente explica o vampirismo de uma forma que Summers não consegue fazer.
A explicação de Dion Fortune para os lobisomens também inclui o corpo astral além do corpo físico. Afirma que as mentes poderosas criam formas – pensamentos com vida própria e sé transformam em “elementais”. E diz que uma vez ela fez a mesma coisa, ela própria, involuntariamente. Estava deitada na cama a pensar de forma bastante desagradável e negativa num amigo que a magoara. Em estado de semi-sonolência, “veio-me à mente a idéia de esquecer todas as barreiras e me encher de fúria cega. Surgiram perante mim os antigos mitos nórdicos, e pensei em Fenris, o horrível Lobo do Norte. Senti ao mesmo tempo a curiosa sensação de exaurimento de meu plexo, e se materializou a meu lado, sobre a cama, um enorme lobo (…). Eu sentia nitidamente seu dorso encostando-se em mim (…). Eu nada sabia da arte de produzir elementais na época, mas por acaso dei com o método correto – a reflexão muito carregada de emoções, a invocação da força natural apropriada, e o estado entre sono e vigília em que o corpo astral prontamente assume o controle”.
Embora rija de medo, conseguiu não entrar em pânico e expulsou a criatura da cama. O bicho pareceu transformar-se em cachorro, e desapareceu pelo canto do quarto. Naquela noite, outra pessoa da casa sonhou com lobos e com os olhos de um animal selvagem a brilhar na escuridão. Ela resolveu se aconselhar com seu mestre – provavelmente Crowley –, e este disse que ela tinha de “absorver” a criatura que produzira. Mas como a aparição fora criada a partir do desejo de ajustar contas com uma determinada pessoa, Dion Fortune tinha de começar por esquecer sua vontade de vingança. E, como que por coincidência, a oportunidade ideal para se vingar apareceu naquele exato instante. “Tive juízo o bastante para ver que me encontrava numa encruzilhada? Não tomasse cuidado e daria o primeiro passo na trilha Esquerda”. Decidiu perdoar quem a havia magoado, bem como reabsorver o lobo, o que descreve da seguinte forma:
Ele entrou novamente pelo canto norte do quarto (depois eu soube que o norte era o lado do mal para os antigos), e se postou no tapete da lareira com aspecto bastante suave e domesticado. Obtive excelente materialização à meia-luz, e juraria que estava ali um enorme cão pastor alsaciano a olhar para mim. Era muito real, até pelo cheiro próprio dos cães.
Dele até mim estendia-se uma sombria linha de ectoplasma; uma extremidade presa a meu plexo, a outra desaparecendo por entre os pêlos felpudos de sua barriga (…). Por um esforço de vontade e imaginação, comecei a lhe extrair a vida por esse cordão, como quem Suga um refrigerante pelo canudo. A forma de lobo começou a desaparecer à medida que o cordão se tornava mais espesso e Substancial. Fui tomada de violenta convulsão emocional, e senti os mais furiosos impulsos de enlouquecer e rasgar e dilacerar a tudo e a todos que me caíssem nas mãos, investindo às cegas contra tudo (…). A forma de lobo desaparecia, transformando-se em disforme névoa cinzenta. E isto também foi absorvido através do cordão prateado. A tensão cedeu e me vi banhada em suor.
É curioso observar que, durante as breves vinte e quatro horas de vida daquela coisa, existiu uma oportunidade de vingança efetiva.
Ao contrário do mestre Crowley, Dion Fortune não parece exibicionista, ávida por criar situações de efeito. O extraordinário material de seus livros, bem como a seriedade com que o apresenta, fazem dela um caso praticamente único entre os autores do ocultismo. Mesmo um cético tem de reconhecer que ela escreve como alguém que sabe do que está falando, e sem fazer uso da linguagem inflada e romântica da maioria dos ocultistas. E o que afirma nesse excerto a respeito da tentação da “trilha Esquerda” diz muito da vida dos magos. Na Kabalah, o mundo da magia – Yesod, a lua – situa-se em nível mais baixo do que o mundo de Hod, do intelecto e da imaginação, ou de Netshah, o vital, das forças criativas da natureza. Há pessoas dotadas de faculdades “mágicas” naturais, mas a menos que se submetam ao intelecto e à imaginação, serão utilizadas para servir às emoções negativas -malícia, inveja, etc. O resultado é a degeneração do caráter. A maioria das pessoas possui faculdades mágicas naturais. Felizmente, a maioria não sabe disso.
Interessante é observar que o morcego chamado vampiro parece ter recebido esse nome por causa do vampiro das histórias, e não o contrário. Até pouco tempo atrás pouco se sabia desse bicho. Quando por fim os zoólogos o estudaram, descobriu-se que, na realidade, ele não suga o sangue, mas o lambe, como o gato faz com o leite. Ao contrário de Drácula e seus pares, o morcego vampiro não deixa dois furinhos. Faz pequeno orifício na pele da vítima com os incisivos, e em seguida põe-se a introduzir a língua repetida- mente com muita rapidez, ingerindo assim o sangue. O corte geralmente continua a sangrar depois que ele pára de sorver. O único atributo do morcego vampiro que, de certa forma, parece sobrenatural é Sua capacidade de fazer a incisão sem provocar dor ou despertar a vítima. Pessoas atacadas por esses morcegos – em países tropicais – só se dão conta do fato quando acordam e vêem as manchas de sangue no lençol. E já se comprovou por observação que outros animais permanecem parados, imperturbáveis com o ataque, enquanto o morcego faz o corte. Jamais se procurou explicar o motivo.
É curioso observar as eventuais transformações sofridas pelas histórias de vampiros, a partir do conhecimento do morcego vampiro.
Uma notícia publicada no Daily Express em junho de 1970 mostra que ainda está vivo o mito do vampiro.
>>Armado de estaca de madeira e crucifixo, Allan Farrow rondava furtivo por entre os túmulos de um cemitério. Buscava o ‘vampiro’ do Cemitério de Highgate. Farrow, 24 anos, afirmou ontem no tribunal:
– Queria achar o ser sobrenatural e destruí-lo. Ia trespassar o coração dele com a estaca.
Allan Farrow confessou-se culpado perante o tribunal de Oerkenwell, Londres, por entrar no cemitério com fins ilícitos (…). Determinou-se o seu reencarceramento, sob custódia, até que se ultimem os pareceres.
Ontem à noite o Sr. Sean Manchester, líder da Sociedade Ocultista Britânica, afirmou:
– Não duvido da existência de um vampiro no Cemitério de Highgate. Moradores do local e transeuntes já disseram ter observado um vulto com aspecto de fantasma de grandes proporções nas proximidades do portão da face norte.<<
Até 1953, acreditava-se que já tivera fim na Inglaterra a atividade mágica, com a dissolução da Ordem da Aurora Dourada em meados da década de 1930. (Um discípulo de Crowley, chamado Frances Israel Regardie, publicou um relato completo dos ritos da Aurora Dourada em quatro alentados volumes, entre 1937 e 1940, e os poucos membros remanescentes da sociedade concluíram que dificilmente valeria a pena continuar.) Mas em 1953, um livro intitulado Witchcraft Today, de Gerald Gardner, provocou agitação imediata. Gardner começa por defender a conhecida teoria de Margaret Murray, para quem a bruxaria é resquício de cultos pagãos, e em seguida revela que bruxa- ria é tão comum hoje na Inglaterra quanto o foi no século XV. Os bruxos modernos, segundo Gardner, adoram a um Deus de Chifres e à Deusa Lua. Quem leu Witchcraft Today sentiu uma certa preferência do autor pelos relatos de tortura e açoitamentos, concluindo talvez que a bruxaria de Gardner ressaltava exageradamente o aspecto sexual da questão. Francis King, em Ritual Magic in England, diz abertamente que “Gardner era sadomasoquista, com gosto especial pela flagelação e marcante tendência ao voyeurismo”.
Nota de rodapé:
[1] Seus dados geralmente são os mais inexatos. Por exemplo, afirma que Jack, o Estripador, cometeu nove assassinatos entre 1887 e 1889. Em verdade, foram cinco, e em 1888, quando ele parou. Diz ainda que Jonhn Haigh, “o assassino do banho de ácido”, bebia o sangue de suas vítimas com um canudo. Haigh disse que havia bebido sangue numa xícara, mas isso foi apenas uma tentativa de fazer com que o declarassem louco.
Referência:
WILSON, Colin. O Oculto: Vol II. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves Editora, 1982, p. 119-128.
Por Colin Wilson
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