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Vampirismo e Licantropia

A Igreja Gótica Paulista

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Eu tinha ouvido falar sobre as missas gótico/vampíricas a mais ou menos dois anos. Procurei informações sobre o assunto na internet mas, muito pouco ou quase nada de relevante foi encontrado. Com exceção da já conhecida missa realizada em Cambridge na Inglaterra pelo Padre Marcus Ramshaw. Por sorte, encontrei as mesmas pessoas que haviam me falado sobre o assunto numa tarde bem chata na galeria do rock. Eles claramente se distinguiam da molecada que geralmente frequenta o local. Bem vestidos, bem penteados, e muito bem maquiados, tinham na expressão um cinismo que não se encontra nem no político mais corrupto de Brasília. A abordagem foi direta e não estava relacionada com aquilo que eu queria lhes perguntar. Ambos estávamos ali para comprar ingressos para um show. Quando toquei no assunto, relembrando o papo que tivemos numa noite de bebedeira geral no Atari, extinto clubinho nos Jardins. Aquele que parecia o líder do bando tratou de cortar o assunto logo pela raiz. Sua agora ex-namorada foi menos xiita e aceitou falar sobre o assunto e enfim convidar me para presenciar um de seus cultos.

Menos de um mês após aquele encontro fortuito estava eu, numa chácara a cerca de 60 km de São Paulo. Tudo havia sido acertado para que naquela noite pudéssemos participar de uma das Missas Vampíricas. O calor abominável que fazia, logo fez todos deixarem de lado a indumentária pesada e optar por manter trajes mais confortáveis, mas ainda mantendo a cor preta. Logo na chegada, uma pessoa fazia questão de alertar aos forasteiros: nada de celular com câmera nem com gravador de voz, nada de fotografias, nada de nada. Se fosse encontrado alguma coisa, tudo seria tomado e destruído além de tomar uma boa surra que seria lembrada para sempre como uma das boas maneiras do anfitrião cultivar intrusos o mais longe o possível do local.

A chácara, de acordo com uma das meninas pertence a parentes dos frequentadores. Os rituais são realizados desde Maio de 2006. Um sujeito de quase dois metros de altura, ainda vestido apesar do calor com seu sobretudo, batom negro e borrado nos lábios, apresenta-se aos neófitos como: o Reverendo. O culto obviamente é realizado de uma forma bastante distinta daquela que o padre inglês conduz. Começando pelo fato de não ser realizada numa igreja e sim num altar improvisado, as pessoas sentam se num belo tapete roxo, descalças e em semi-círculo diante do reverendo, enquanto um livro, com seus próprios manuscritos repousa em seu colo. O incenso, velas, hóstias e demais paramentos de culto foram “doados involuntariamente” por uma igreja da zona oeste da capital. Até mesmo a água benta, rebatizada com gotas de sangue dos ministros do culto foi furtada da mesma paróquia.

Após alguns minutos de um silêncio sepulcral ordenado pelo reverendo, as quatro caixas de som, dispostas uma em cada canto do cômodo, reverberam os primeiros acordes do álbum Closer do Joy Division. Durante todo o culto que dura em torno de uma hora e quinze minutos, um desfile de cânticos movidos a Dead Can Dance, Fields of Nephilim, The Cure e Lacrimosa, dão um clima de tranquilidade e concentração para todos os presentes.

Temos então o início litúrgico:

” Dominarás a tudo e a todos,
Não temerás a vingança,
Não cederás a revanche,
Não declinarás ao combate.

Faremos jus aos grandes magos,
Santificaremos com amor as bruxas,
De ontem, de hoje e de sempre,

Nas forças da natureza,
Vento que será meus braço forte,
Chuva que será meu cobertor,
Ar que será meu refúgio,
Fogo que será meu punho,

A glória e a eternidade que tocam meus ombros nus,
Justa misericórdia ao arcanjo decaído por e para nós,
Sede a sede de minha alma,

Pois aquele que não sabe a quem adorar,
Não sabe por quem será adorado,
Aquele que não sabe a quem servir,
Não sabe por quem será servido,

Sol que ilumina o caminho do vulgo,
Lua que reluz na espada do vampiro,
Fogo que incandesce o sangue,
Alimento dos alimentos,

Não peça refúgio a luz do dia,
Pois esta será tua inimiga,

Abraçamos com fervor as sombras desta noite”.

(A “oração” é obviamente inspirada nos cultos vampíricos praticados por góticos na Ex-Alemanha Oriental e no Norte da Inglaterra )

Durante o culto, caberá ao reverendo compartilhar a dádiva do sangue recebida dos novatos e compartilhar com seus demais já introduzidos no culto. Após a infusão, nos punhos, seios ou jugular; ele mantém pequenas quantidades do sangue na boca e realiza uma espécie de transfusão oral, com seus ministros e suas noivas, todos aglomerados a sua volta num número de três noivas e três ministros, cada uma de suas “noivas” vampiras receberá o sangue. A cada um de seus ministros caberá o papel de evangelizar e introduzir os novatos no culto vampírico.

A partir deste momento, aqueles ainda não introduzidos no culto são convidados a se retirar. Ninguém é obrigado a seguí-los, muito pelo contrário, o reverendo faz questão de dificultar a entrada de novos membros em seu culto. A conversa que tive com ele já no fim da noite foi bem mais esclarecedora do que tudo aquilo que eu tinha presenciado até então. Sob a condição de que a conversa não revelasse os nomes dos presentes. Ninguém ali usa seus nomes verdadeiros; mudam de apelido conforme o humor: Pérola, Purple, Darken, Mármore, Nothing, Lothar ( o reverendo ) foram alguns dos epípetos ouvidos durante o culto e a confraternização que se seguiu.

“Lothar” conta que viveu dois anos e meio na Alemanha, precisamente em Potsdam, no leste, onde teve um contato bastante significativo com a cena gótica local. Mal afamada nos últimos anos, a prática de rituais de feitiçaria, satanismo violento e vampirismo faz parte do dia a dia de grande parte dos góticos alemães. O fato de que cerca de 11 ou 12 por cento destes jovens integrarem grupos simpatizantes de extrema direita, ligada a neo-nazistas também faz com eles não sejam exatamente bem vistos e julgados pela população.

Um fator que sempre irritou Lothar na cena gótica brasileira, em especial a paulistana, foi a sua passividade contra as agressões e o preconceito que a tribo sofreu e ainda sofre ao longo de sua existência. É notória a perseguição que esse grupo em particular sofre ainda nos dias de hoje. Mas um fato em especial, fez com que Lothar introduzisse em seus cultos um braço político, como forma de revidar aos ataques.

Em Novembro do ano passado, M. um amigo do reverendo foi buscar a namorada, que mora na zona leste de São Paulo no bairro da Penha. Na rua em que mora a garota, o rapaz deparou-se com um grupo, para lá de suspeito que na calçada, bebiam e ouviam o famigerado funk carioca em alto volume numa afronta desmesurada ao poder público e diversas ameaças a polícia.

Quando M. deu partida no carro para sair, ouviu um forte estouro que vinha do vidro traseiro do veículo.  Uma garrafa foi atirada contra eles. O casal deixou o local debaixo de ameaças e gozações por parte do grupo. Questionados da razão de não terem prestado queixas a polícia, M. foi taxativo:

“Diriam que a culpa foi nossa. Que poderíamos estar portando entorpecentes, não adianta falar nada”.

Lothar dá a sua versão do que aconteceria na Alemanha:”Os negros certamente seriam encontrados pela polícia em alguma floresta, com os corpos dilacerados e em fase final de decomposição alguns dias depois do acontecimento”

Casos como este ocorreram aos montes em território germânico na última década. Bem organizado, tanto espiritual como politicamente, este é o objetivo de Lothar, reproduzir no Brasil, com os mesmos efeitos a experiência vivida em solo alemão. Na cena gótica brasileira, as pessoas preocupam-se apenas com que roupa vestirá na próxima ida ao Madame Satã e qual é a novidade musical vinda do movimento Gothic Metal Europeu.

Pergunto a ele se não é contraditório, tentar tirar o grupo da obscuridade levantando orgulhosamente um lugar de culto e ao mesmo tempo, exigir anonimato de minha parte:

“Não se pode habitar uma casa ainda em sua fase de alicerce“.

O projeto de Lothar é concluir o projeto durante o segundo semestre de 2008. Hoje, o culto dirigido por ele concentra pouco mais de 40 membros, sendo que parte dele é integrante dos trabalhos espirituais da igreja. Em grande parte, o número é reduzido justamente pela excessiva preocupação de Lothar em escolher bem seus pares. Já denominada PRIMEIRA IGREJA GÓTICA PAULISTANA, ele espera concentrar após o primeiro ano de atividades abertas do culto, pelo menos 150 pessoas por culto, duas vezes por semana. E já avisa de antemão que a igreja caminhará com as próprias pernas. Dízimo é palavra vetada no vocabulário do culto.

Para finalizar, pergunto a Lothar se ele acha que terá liberdade “religiosa” para comandar a igreja ou sofrerá algum tipo de repressão por parte das autoridades:

“Só o tempo vai dizer. E aproveito para dizer que Ian Curtis, Rozz Williams, Jim Morrison e Nico serão alguns de nossos mártires merecedores de imagens a serem adoradas em nosso templo”, brinca Lothar.

AMÉN

Texto de Paulie Hollefeld


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