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Peter Carroll, 1987
Liber Null and Psychonaut é um presente e uma maldição para qualquer praticante de magia. É um presente pois une em um único tomo as duas pedras angulares da Magia do Caos. É uma maldição caso nunca se tenha ouvido falar desta prática, a mais nova das abordagens ocultistas, mas aqui a palavra maldição é usada da mesma forma que podemos considerar uma maldição entregar uma ficha de poker para um viciado em jogo.
Muitas pessoas costumam usar um sistema de cores para categorizar as práticas mágicas. Se a alquimia e o hermetismo se enquadram no que muitos chamam de magia branca, enquanto o Satanismo e o Thêlema acabam recebendo, talvez injustamente, a alcunha de magia negra, poderíamos dizer que a Magia do Caos se enquadra na magia resultante do vômito ultravioleta de alguém que passou uma hora girando no mesmo lugar depois de mastigar um arco-íris.
Os interessados em se aventurar na Magia do Caos invariavelmente esbarram em obras mais mastigadas como “Caos Instantâneo” de Phil Hine e ” Pop Magic” de Grant Morrison, que são livros muito mais efetivos, elucidativos e práticos. Entretanto eles são apenas o resultado de uma geração que praticamente nasceu e se criou com a obra de Peter Carroll, se não fosse ‘Liber Null and Psychonaut’ estes e muitos outros tomos preciosos jamais existiriam. Se por um lado este livro traz uma explanação mais densa do caoismo, por outro é uma abordagem muito mais acessível e completa do que os simbólicos e alegóricos textos de Austin Osman Spare, que estava muito mais preocupado com sua própria psicosfera do que em criar uma escola nova da magia. Se Austin pode ser chamado de “O Louco” que virou a tradição mágica do avesso, Peter Carroll pode ser chamado de “O Chato” que formalizou e esquematizou novas técnicas para se fazer isso de forma didática e clara. Mas se não fossem os loucos e os chatos pouco avanço teríamos feitos ate hoje, seja em que área for. De fato ainda hoje Peter Carroll é dono da maior coleção de livros originais de Spare e o grande responsável por fazer a ligação entre o Zos Kia Cultus e todo o restante da tradição mágica desde o Xamanismo até qualquer prática recente que você possa imaginar.
As duas obras que compõe o livro foram escritas em dois períodos bem distintos do desenvolvimento, tanto do autor quanto da Magia do Caos. O primeiro, Liber Null, foi escrito em 1978, quando Carroll tinha 25 anos; e serve não apenas como um manual prático para o desenvolvimento dos preceitos da Magia do Caos, mas também como inauguração de um era da magia onde dogmas tinham a única utilidade de enfeitar estantes. LaVey já havia arriscado afirmar em sua Bíblia Satânica que a magia, por mais real que de fato seja, não passava de um psicodrama, algo que o próprio praticante criava para atrair para si resultados que ordinariamente não conseguiria. Liber Null vai muito além, mostrando que a Magia é real, e independe daquilo que praticante acredita, vai trazer resultados, o magista pode, quando muito, desenvolver métodos para lidar com essa energia para tirar algum proveito próprio. Se ele acredita que a magia é psicodrama ela vai se comportar como tal. Se acredita que ela é real, ela vai se comportar como tal. O livro também serviu de carta magna da fundação da Illuminates of Thanateros e traz em si muitos dos conceitos que foram explorados pelo grupo nas décadas de 1970 e 1980. A IOT mereceria um capítulo à parte; fundada em 1978 por Carroll e seu amigo Ray Sherwin (autor do igualmente notável The Book of Results), publicou durante muito tempo uma revista sobre magia chamada ‘New Equinox’ em homenagem à antiga ‘Equinox’ organizada por Aleister Crowley. Nesta publicação foi anunciada a criação de um novo tipo de prática mágica, baseada mais em resultados do que em metafísica, incorporando elementos de Thêlema, Zos Kia Cultus, Xamanismo e Tantra.
Em poucas palavras, Liber Null traz para o esoterismo a multi-dimensionalidade da abordagem do pós-modernismo. Carroll posiciona o Macrocosmo e o Microcosmo como duas expressões do Caos. Tudo o que é tido como “real” é apenas uma porção de tudo aquilo que faz parte do Caos. Há um vasto reino de possibilidades etéreas (ou virtuais se preferir) que podem ser exploradas pelo magista se ele parar de se preocupar em justificar seu túnel de realidade para si mesmo e para os outros. Magia é, para Carroll, a arte e ciência de se jogar com as regras do Caos, onde nenhum paradigma é estritamente verdadeiro ou falso. Mais ainda, ele chega a afirmar que: “Tudo funciona por mágica; a ciência representa um pequeno domínio da magia onde coincidências possuem uma probabilidade relativamente grande de ocorrer”. O mago então é alguém que consegue experimentar esse Caos com a maior liberdade possível, usando e descartando técnicas e dogmas conforme eles são úteis ou divertidos, alguém que seleciona certas crenças que se prestam a seus objetivos e conduzir uma operação qualquer, para então descartá-las não possuírem mais utilidade prática.
Embora a idéia principal seja de que tudo pode ser usado para se acessar a magia, este livro deixa claro que a disciplina é fundamental, assim temos não apenas um material teórico, mas um guia prático de como atingir a excelência mágica, que será útil em qualquer prática posterior, seja caótica, thelêmica, satânica, cristã, judaica, etc… Este primeiro livro é um manual imprescindível para qualquer pessoa que deseja lidar com a magia desassociada de qualquer escola iniciática. Lida com a magia na sua forma mais pura, ou tanto quando se é possível, utilizando o simbolismo do Caos, sempre que um simbolismo se torna necessário. São revisados os grande tópicos do estudo mágico: evocação, invocação, divinação, encantamentos e mesmos aspectos mais intrincados como o contato com o “Eu Superior”, chamado no livro de Augoeides. Além de lidar também com a prática de sigilização, desenvolvida por Spare. Tudo isso é visitado de maneira pragmática, focada em resultados, só o primeiro capítulo, entitulado MMM já sintetiza exercícios importantíssimos para os quais seriam necessários anos de estudo e a leitura de centenas de livros para descobrir.
Já o segundo livro foi escrito em 1982, seis anos após o primeiro. O Psychonaut é exatamente o que o título sugere, um manual para o praticante se tornar um viajante dentro de diferentes práticas mágicas. Depois da base criada com Liber Null, Carroll coloca em prática a Magia do Caos dentro das mais variadas crenças e práticas, sejam elas coletivas com rituais grupais até sua relação com a abordagem religiosa da magia. Este tomo foi escrito de maneira a convidar o leitor a experimentar vários ângulos diferentes da aproximação religiosa – tendo-se em mente que a religião aqui é usada no seu sentido de “religare”, de reunir o praticante com o Caos Sagrado. Usando o mesmo princípio de que “Nada é verdadeiro, tudo é permitido”, o autor consegue fazer o adepto experimentar as realidades do Xamanismo, Paganismo, Monoteísmo, Ceticismo, Gnosticismo, entre outras, sem se prender em nenhuma delas.
Em 1987 ambos os livros foram unidos em um único volume, já que de certa forma um seria a evolução natural do outro. O livro lida com muitas idéias novas e não costuma agradar praticantes com uma formação esotérica mais tradicional. A idéia de que a pratica mágica é possível sem ser acompanhada de qualquer crença definitiva é entusiasmante para muitos, mas assustadora para outros. A chave da importância deste livro está em tentar simplificar até a essência mais prática os antigos conceitos da magia. Desta forma, consegue sintetizar práticas úteis que podem ser universalmente usadas para qualquer uma das muitas linhas da tradição oculta.
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