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A ciência conserva- se pelo silêncio e perpetua- se pela iniciação. A lei do silêncio não é, pois, absoluta e inviolável senão para a multidão não iniciada. A ciência só pode ser transmitida pela palavra. Os sábios devem, pois, falar algumas vezes.
Sim, os sábios devem falar, não para dizer, mas para levar os outros à procura. Noli ire, fac venire, era a divisa de Rabelais, que, possuindo todas as ciências do seu tempo, não podia ignorar a magia.
Temos, pois, de revelar aqui os mistérios da iniciação.
O destino do homem é, como dissemos, fazer ou criar a si próprio; ele é e será filho de suas obras no tempo e na eternidade.
Todos os homens são chamados a concorrer; mas o número dos eleitos, isto é, dos que têm êxito, é sempre pequeno; em outros termos, os homens que desejam ser alguma coisa são em grande número, e os homens de “elite ”sempre são raros. Ora, o governo do mundo pertence de direito aos homens de “elite ”e quando um mecanismo ou uma usurpação qualquer impede que lhes pertença de fato, opera – se um cataclismo político ou social.
Os homens que são senhores de si próprios, facilmente se tornam senhores dos outros; mas podem fazer um obstáculo mútuo se não reconheceram as leis de uma disciplina e de uma hierarquia universal.
Para se submeter a uma mesma disciplina é preciso estar em comunhão de idéias e desejos e só é possível chegar a esta comunhão por uma religião comum fundada nas próprias bases da inteligência e da razão.
Esta religião sempre existiu no mundo e é a única que pode ser chamada una, infalível, indefectível e verdadeiramente católica, isto é, universal.
Esta religião, da qual todas as outras foram sucessivamente os véus e as sombras, é a que demonstra o ser pelo ser, a vontade pela razão, a razão pela evidência e o senso comum.
É a que prova pelas realidades a razão de ser das hipóteses independentemente e fora das realidades.
É a que tem por base o dogma das analogias universais, mas também nunca confunde as coisas da ciência com as da fé. Não pode ser de fé que dois e um façam mais ou menos que três; que o contido em física seja maior do que aquilo que o contém; que um corpo sólido possa fazer como um corpo fluido ou gasoso; que um corpo humano, por exemplo, possa passar através de uma porta fechada, sem operar nem solução nem abertura. Dizer que a pessoa crê em tais coisas e falar como uma criança ou um louco; mas não é menos insensato definir o desconhecido e raciocinar com hipóteses, até negar a priori a evidência para afirmar suposições temerárias. O sábio afirma o que sabe, e só crê no que ignora, conforme a medida das necessidades razoáveis e conhecidas da hipótese.
Mas esta religião razoável não poderia ser a da multidão, que precisa de fábulas, mistérios, esperanças definidas e terrores materialmente motivados.
É por isso que o sacerdócio foi estabelecido no mundo. Ora, o sacerdócio se recruta pela iniciação.
As formas religiosas perecem quando a iniciação cessa no santuário, quer pela divulgação, quer pela negligência e o esquecimento dos mistérios sagrados.
Por exemplo, as divulgações gnósticas afastaram a igreja cristã das altas verdades da Cabala, que contém todos os segredos da teologia transcendente. Por isso, os cegos tendo – se tornado os guias dos outros cegos, produziram – se grandes obscuridades, grandes quedas e deploráveis escândalos; além disso, os livros sagrados, cujas chaves são todas cabalísticas, desde o Gênese até o Apocalipse, se tornaram tão pouco inteligíveis aos cristãos, que os pastores, com razão, julgaram necessário interdizer a sua leitura aos simples fiéis. Tomados ao pé da letra e entendidos materialmente, este livros seriam, como o demonstrou muito bem a escola de Voltaire, simplesmente um inconcebível tecido de absurdidades e de escândalos.
O mesmo acontece com todos os dogmas antigos, com suas brilhantes o teogonias e lendas poéticas. Dizer que os antigos acreditavam, na Grécia, nos amores de Júpiter ou adoravam, no Egito, o cinocéfalo e o gavião como deuses vivos e reais, é ser tão ignorante e de tão má fé como o seria sustentando que os cristãos adoram um tríplice Deus, que se compõe de um velho, um supliciado e uma pomba. A incompreensão dos símbolos é sempre caluniadora. É por isso que convém evitar zombar prematuramente das coisas que a pessoa não sabe, quando a sua enunciação parece supor uma absurdidade ou até uma singularidade qualquer; seria tão pouco sensato como admiti – las sem discussão e exame.
Antes que haja alguma coisa que nos agrade ou desagrade, há uma verdade, isto é, uma razão, e é por esta razão que as nossas ações devem ser reguladas mais que pelo nosso prazer, se quisermos criar em nós a inteligência, que é a razão de ser da imortalidade, e a justiça, que é a sua lei.
O homem verdadeiramente homem só pode querer o que deve, razoável e justamente, fazer; por isso, impõe silêncio aos desejos e ao temor, para escutar a razão.
Um homem assim é um rei natural e um sacerdote espontâneo para as multidões errantes. É por isso que o objeto das
iniciações antigas se chamava indiferentemente arte sacerdotal ou arte real. As antigas associações mágicas eram seminários de sacerdotes e de reis, e a pessoa só podia ser admitida nelas por obras verdadeiramente sacerdotais e reais, isto é, pondo – se acima de todas as fraquezas da natureza.
Não repetiremos aqui o que em toda parte se encontra sobre as iniciações egípcias, perpetuadas, enfraquecendo – se, nas sociedades secretas da Idade Média. O radicalismo cristão, fundado na falsa inteligência destas palavras: “Só tendes um pai e um senhor, e todos sois irmãos ”, deu um golpe terrível na hierarquia sagrada. Desde então, as dignidades sacerdotais tornaram – se resultado da intriga ou do acaso; a mediocridade ativa chegou a suplantar a superioridade modesta, e, por conseguinte, desconhecida; e, todavia, a iniciação sendo uma lei essencial da vida religiosa, uma sociedade instintivamente mágica se formou no declínio do poder pontifical e logo concentrou em si todo o poder do cristianismo, porque só ela entendeu vagamente, mas exerceu positivamente o poder hierárquico pelas provas da iniciação e a onipotência da fé na obediência passiva.
Que fazia, com efeito, o recipiendário nas antigas iniciações? Abandonava inteiramente a sua vida e a sua liberdade aos mestres dos templos de Tebas ou Mênfis; avançava resolutamente através de inúmeros assombros que lhe podiam fazer supor um atentado premeditado contra a sua pessoa; atravessava fogueiras, passava a nado as torrentes de água escura e borbulhante, suspendia – se em balanços desconhecidos sobre precipícios sem fundo… Não era esta a obediência cega, em toda a força do termo? Abjurar momentaneamente a sua liberdade para chegar a uma emancipação não é o exercício mais perfeito da liberdade? Ora, eis o que devem fazer e sempre fizeram os que aspiram ao sanctum regnum da onipotência mágica. Os discípulos de Pitágoras condenavam – se a um silêncio rigoroso de vários anos; até os sectários de Epicuro só entendiam a soberania do prazer pela sobriedade adquirida e a temperança calculada. A vida é uma guerra em que é preciso dar suas provas para subir em grau: a força não se dá; é preciso tomá- la.
A iniciação pela luta e pelas provas é, pois, indispensável para chegar à ciência prática da magia. Já dissemos como se pode triunfar das quatro formas elementais: não voltaremos mais a isso, e para os nossos leitores que quiserem conhecer as cerimônias das iniciações antigas, aconselhamos a leitura das obras do barão Tschoudy, autor da Estrela Flamejante da maçonaria adonhiramita e de vários outros opúsculos maçônicos muito valiosos.
Devemos insistir, aqui, sobre uma reflexão: é que o caos intelectual e social no meio do qual perecemos, tem por causa a negligência da iniciação, das suas provas e dos seus mistérios. Homens nos quais o zelo era mais forte que a paciência, impressionados pelas máximas populares do Evangelho, acreditaram na igualdade primitiva e absoluta dos homens. Um alucinado célebre, o eloqüente e infeliz Rousseau, propagou, com toda a magia do seu estilo, este paradoxo: que só a sociedade deprava os homens, como se disséssemos que a concorrência e a emulação do trabalho fazem preguiçosos os operários. A lei essencial da natureza e da iniciação pelas obras e do progresso laborioso e voluntário foi fatalmente desconhecida; a maçonaria teve seus desertores, como o catolicismo tiveram os seus. Que resultou disso? O nível de aço substituído ao nível intelectual e simbólico. Pregar a igualdade àquele que está embaixo, sem lhe dizer como a pessoa se eleva, não é obrigar- se a descer? Pois desceram e houve o reino da carmagnole , dos sans- culottes e de Marat.
Para revelar a sociedade vacilante e decaída é preciso estabelecer de novo a hierarquia e a iniciação. A tarefa é difícil, mas todas as pessoas inteligentes já sentem a necessidade de empreendê – la. Será preciso, para isso, que o mundo passe por um novo dilúvio? Desejamos vivamente que não seja assim, e este livro, a maior, talvez, mas não a última das nossas ousadias, é um apelo a tudo o que ainda vive, para reconstituir a vida até no meio da decomposição da morte.
Eliphas Levi – Dogma e Ritual da Alta Magia
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